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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003
Resfriamento rápido a vácuo de alfaces (Lactuca Sativa L.)
Marcos R. A. Afonso; Vivaldo Silveira Jr.
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia de Alimentos, DEA, Cidade Universitária "Zeferino Vaz", Distrito Barão Geraldo, CEP 13083-970 Cx. P. 6121, Campinas, SP, Brasil
RESUMO
O resfriamento a vácuo é um método de resfriamento rápido indicado para hortaliças folhosas. Este método tem sido aplicado com sucesso em produtos como alface, repolho, couve-flor e espinafre. As vantagens sobre outros métodos são a rapidez no resfriamento e uniformidade da temperatura final do produto. Neste trabalho foram resfriadas cabeças de alfaces (Lactuca Sativa L.) e estudadas as influências do tempo de processo, massa de alface, taxa de bombeamento, temperatura inicial no pré-umedecimento das alfaces sobre a pressão final, temperatura final e perda de massa das alfaces. As menores temperaturas atingidas pelas alfaces foram 4,7oC, com perda de massa de 4,5% nas não pré-umedecidas e 5.0oC com perda de massa de 1,7% nas pré-umedecidas, em 40 minutos de processo.
Palavras-chave: Resfriamento a vácuo, Resfriamento rápido, alface
ABSTRACT
Vacuum cooling is a method of fast cooling indicated for leafy vegetables. This method of cooling has been successfully applied to produces as lettuce, cabbage, cauli-flower and spinach. The main advantages are the cooling time and uniformity of the final temperature. In this present work heads of lettuce (Lactuca Sativa L.) were vacuum cooled. The influence of processing time, lettuce weight, pumping speed, initial temperature and prewetting on the final pressure, on final temperature, and on weight loss were investigated by experimental design. The smallest temperatures reached were 4.7oC with 4.5% of weight loss in nonprewetted lettuce and 5.0 oC with 1.71% of weight loss in prewetted lettuce, in 40 minutes of process.
INTRODUÇÃO
A partir do momento em que uma hortaliça é colhida, ocorre uma série de processos fisiológicos que levam à perda de qualidade do produto e, conseqüentemente, à redução da sua vida de prateleira. Conseguir uma diminuição na velocidade desses processos traz inúmeras vantagens tanto para os produtores quanto para os consumidores.
Segundo TURK & CELIK (1993) e SHEWFELT (1986), a temperatura é o fator mais importante a ser controlado na pós-colheita dos produtos hortifrutícolas. O tempo de espera na refrigeração desses produtos influi diretamente no tempo de prateleira e na qualidade dos mesmos. Portanto, quanto mais rápido ela for resfriada, mais tempo ela se conservará em condições de comercialização. Além disso, quanto mais a hortaliça for perecível, mais rápido ela deve ser resfriada.
As perdas pós-colheita de frutos e vegetais frescos é estimada entre 5 a 25% em países desenvolvidos e entre 20 a 50% nos países em desenvolvimento (FAO, 1991 citado por NEVES Fo et al, 1997). Ainda segundo NEVES Fo et al (1997), as perdas para produtos hortifrutícolas no Estado de São Paulo em 1992 foram da ordem de 35%, representando um prejuízo de aproximadamente US$ 1 bilhão para o estado. No Brasil, estima-se que a perda de hortaliças folhosas seja de 40,6% com base na média dos anos de 1990 a 1992, o que representou uma perda de 1786 mil toneladas anuais e um prejuízo de US$ 519,5 milhões (BLISKA, 1998).
A refrigeração a vácuo vem atender a necessidade de um método rápido e eficiente no resfriamento rápido de hortaliças folhosas. Trata-se de um método, cuja rapidez e uniformidade final de temperatura, trazem grandes vantagens na conservação desses produtos. Tal rapidez e uniformidade são conseguidas pelo princípio de funcionamento do resfriamento a vácuo, que é o de retirar calor do produto pela evaporação de parte da água do próprio produto e/ou da água, intencionalmente aspergida em sua superfície. A evaporação da água é conseguida com a diminuição da pressão dentro de uma câmara, onde o produto é colocado. Segundo CORTEZ & LEAL (1997), o objetivo principal do resfriamento rápido é fornecer o rápido resfriamento das frutas e hortaliças, logo após a colheita, a fim de proporcionar rápida retirada do "calor de campo". Trata-se de um processo em batelada, onde o produto é colocado na câmara e, depois de atingida a temperatura desejada, é retirado e transferido para câmaras convencionais de estocagem e distribuição.
A tecnologia de refrigeração a vácuo foi inicialmente usada comercialmente em 1948 nos EUA. No início da década de 80, praticamente toda alface produzida nos EUA já era refrigerada a vácuo (BELZILE, 1982).
O resfriamento rápido a vácuo tem sido aplicado com sucesso em alface, repolho, couve-flor, cogumelos, espinafre, aipo, aspargo, milho-doce (MALPAS, 1972). Desses vegetais, somente couve-flor, aipo, repolho e cogumelos são resfriados a vácuo comercialmente na Califórnia, EUA, (ASHRAE, 1994). Este método não se mostrou eficiente quando aplicado às frutas devido, principalmente, as suas baixas relações de área superficial por volume. Também foram encontradas aplicações na indústria de panificação (GUEST, 1979 e BRADSHAW, 1976). MONCRIEFF et al, (1990) utilizaram o resfriamento a vácuo em peito de frango após seu cozimento.
ALFACE
Originária da Ásia e trazida para o país pelos portugueses, no século XVI, a alface, Lactuca Sativa L., é a hortaliça folhosa de maior consumo no Brasil. Cada paulistano consome quase dois quilos por ano, 40% dos seus gastos totais com verduras, são destinados à compra da alface. No Estado de São Paulo, a alface ocupa 7.859 hectares, produz 137 mil toneladas/ano e gera mais de 6.000 empregos. A cultura da alface apresenta alto grau tecnológico, sendo comuns as práticas de produção em estufa, hidroponia e cultivo orgânico, que permitem obter verduras de qualidade durante o ano todo. A alface é um produto rico em Vitaminas A e C, Cálcio e Fósforo; na medicina popular é recomendada como calmante. Hortaliça tipicamente folhosa, é consumida in natura, frescor e limpeza são as características mais valorizadas pelo consumidor (CEASA-CAMPINAS , 1999).
RESFRIAMENTO A VÁCUO
No resfriamento a vácuo, a água, naturalmente presente no produto e/ou intencionalmente aspergida sobre ele, atua como refrigerante primário, sendo evaporada dentro de uma câmara a baixa pressão. O calor requerido para essa evaporação (calor latente de vaporização) é fornecido, principalmente, pelo produto (calor sensível). Portanto, o princípio é extrair calor do produto pela evaporação da água (MALPAS, 1972).
O processo termodinâmico envolvido na refrigeração a vácuo pode ser dividido em duas fases distintas. Na primeira, com o produto carregado dentro da câmara à temperatura ambiente, a bomba de vácuo é acionada para reduzir a pressão interna da câmara. A temperatura do produto permanece constante até a câmara atingir a pressão de saturação, isto é, até a pressão na câmara atingir a pressão de vapor de água do produto. Com a temperatura de ebulição atingida, começa-se a evaporação e o vapor de água começa a ocupar o espaço do ar na câmara. A segunda fase começa simultaneamente com o fim da primeira, onde a saturação continua até o produto ser resfriado à temperatura desejada (ASHRAE, 1994).
O vapor de água retirado do produto não deve atingir a bomba de vácuo, devendo ser excluído da linha de bombeamento. Outra razão para eliminá-lo é o seu elevado volume específico a baixas pressões. É necessário, portanto, em plantas comerciais de refrigeração a vácuo, a utilização de um sistema de refrigeração auxiliar na condensação e remoção desse vapor de água. A Fig. (1) apresenta em exemplo geral de um resfriador a vácuo.
A quantidade de água evaporada aceitável no resfriamento a vácuo de hortaliças folhosas representa entre 1 a 4% do seu peso. Tais quantidades, segundo HAAS & GUR (1986) vão depender da temperatura final e inicial do produto, sendo que a cada 5,5 a 6oC de resfriamento, tem-se aproximadamente 1% da perda do peso para hortaliças folhosas, estes valores também foram encontrados por OGAWA (1978), VANDIEVOET & FOURNIER (1983) e GEESON (1988-1989). Para BARLETT (1980), a cada 10oC de resfriamento, 1,8% do peso do produto é perdido. Em peitos de frango, segundo MONCRIEFF et al (1990), as perdas são da ordem de 1,2% de peso para cada 7oC.
Uma forma de reduzir a perda de peso durante o resfriamento a vácuo é umedecer os produtos antes de colocá-los dentro da câmara (SHAW & KUO, 1987). O umedecimento do produto resulta, algumas vezes, em um resfriamento mais rápido, mas sua principal vantagem é o de minimizar a perda de peso (CORTEZ & LEAL, 1997).
MATERIAIS E MÉTODOS
MONTAGEM EXPERIMENTAL
A montagem experimental deste trabalho é apresentada, em detalhes, na Figura (2).
PLANEJAMENTO EXPERIMENTAL
As cabeças de alface crespa foram colhidas sempre por volta das 7:30horas, em horta de cultivo tradicional, e tiveram um tempo de espera para o resfriamento de 1,5 hora.
Os sensores de temperatura utilizados foram do tipo Pt 100. Foram colocados nas folhas das alfaces (centro e folha externa), e um no caule. A média da temperatura das folhas foi tomada como referência para a análise dos experimentos.
Foram realizados dois planejamentos fatoriais completos de dois níveis e 3 variáveis independentes, resultando em 23 ensaios e mais três pontos centrais e seis axiais (BARROS et al 1995), totalizando 17 experimentos para cada planejamento com alfaces crespas. Um planejamento para alfaces sem pré-umedecimento e outro para alfaces pré-umedecidas. As variáveis independentes nos planejamentos dos ensaios com alfaces foram as seguintes: razão de bombeamento (h-1), massa de produto (kg) e tempo de bombeamento do processo (min). A razão de bombeamento é a taxa de bombeamento do sistema dividida pelo volume da câmara (0,324 m3). Os níveis estão na Tabela (1).
As variáveis-respostas estudadas foram: a temperatura final das alfaces (oC), a perda de massa (%) e a pressão final atingida (Pa).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados dos planejamentos propostos, são apresentados nas Tabelas (2) e (3). A temperatura inicial média das alfaces foi de 21,2oC nas não pré-umedecidas e 21,9oC nas pré-umedecidas.
O pré-umedecimento consistiu em aspergir água sobre a superfície das alfaces. A quantidade de água aspergida foi pesada em cada ensaio, cujos valores foram em média 3,5% do valor da massa total das alfaces.
Para o cálculo da perda de água das alfaces, a água aspergida foi descontada para que se tivesse a real perda de água por parte das alfaces. Como conseqüência, em alguns ensaios, as condições do processo não foram suficientes para evaporar toda a água aspergida e as alfaces tiveram um aumento de massa. Para esses casos foi considerado um valor negativo para a variável-resposta perda de massa.
Os resultados foram analisados através do software Statistica 5.01, que forneceu modelos empíricos satisfatórios para todas as variáveis-resposta. As Tabelas (4) e (5) apresentam os modelos obtidos, juntamente com os coeficientes de correlação e o Teste F dos modelos comparando os valores calculados com os tabelados.
Em ambos os planejamentos as variáveis independentes, razão de bombeamento e tempo de processo, foram as mais significativas, isto é, apresentaram maior influência sobre as variáveis-resposta. Quanto maiores as razões de bombeamento e maiores os tempos de processo, menores foram as temperaturas atingidas. Exceção para a variável independente massa de alface, que influenciou significativamente a variável-reposta perda de massa no planejamento das alfaces não pré-umedecidas. Esse comportamento não foi observado no planejamento das alfaces pré-umedecidas, pois a água aspergida uniformizou os experimentos.
A variável-resposta pressão final teve como influência principal a razão de bombeamento. A variável-independente massa de alface não foi significativa para as pressões finais.atingidas.
As Figuras (4) e (5) apresentam as superfícies de resposta dos planejamentos.
Durante todos os experimentos as temperaturas das alfaces foram monitoradas e apresentaram os mesmos comportamentos apresentados na Figura (6).
Notou-se que, a diferença entre as temperaturas finais em ambos os planejamentos não foi significativa. Isto é, o pré-umedecimento não foi importante no abaixamento da temperatura das alfaces, como pode ser visto na Figura (6).
A perda de massa, foi consideravelmente maior no planejamento sem pré-umedecimento, chegando a valores que podem prejudicar a qualidade das alfaces. A Figura (7) exemplifica a perda de massa entre os planejamentos
CONCLUSÕES
Não houve vantagens significativas no abaixamento da temperatura final quando as alfaces foram pré-umedecidas;
Nas condições mais drásticas dos experimentos, os valores de perda de peso chegaram a 4.53% do peso inicial nas alfaces sem pré-umedecimento, enquanto que nas pré-umedecidas chegaram a 1.71%. Portanto, o pré-umedecimento foi importante para diminuir a perda de peso das alfaces;
A quantidade de massa de alface influenciou pouco o processo, uma vez que a faixa de massa de produto utilizado neste trabalho foi estreita. Mas, pelos experimentos realizados neste trabalho, notou-se que a quantidade de produto pode ser importante para a pressão final de vácuo, principalmente se a quantidade de produto for elevada;
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à CAPES pelo apoio financeiro ao projeto e ao Departamento de Engenharia de Alimentos-FEA-UNICAMP.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Endereço para correspondência
Marcos R. A. Afonso
marcos@ceres.fea.unicamp.br
Vivaldo Silveira Jr.
vivaldo@ceres.fea.unicamp.br