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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003
Sistemas de bombeamento fotovoltaico de uso comunitário: implantação em comunidades isoladas na Amazônia
Maria Cristina FedrizziI; Ildo Luis SauerI; Hiroshi NodaII
IUniversidade de São Paulo, Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia, Av Prof. Luciano Gualberto, 1289, CEP 05580-900, São Paulo, SP, tel: (11) 818-4912, fax: (11) 816-7828
IIInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, INPA, Caixa Postal 478, CEP 69083-000, Manaus, AM, tel: (92) 643-1863, fax: (92) 236-8542
RESUMO
Este trabalho apresenta uma experiência de introdução da tecnologia fotovoltaica em comunidades isoladas localizadas na região do Alto Solimões AM. Especial atenção é dada aos aspectos relacionados com o envolvimento dos usuários nas ações de implantação dos sistemas em geral e, em particular, no processo de instalação e gestão dos sistemas de bombeamento de água utilizando a tecnologia fotovoltaica.
Palavras-chave: Abastecimento de água, energização rural, sistemas fotovoltaicos.
ABSTRACT
This work reports on the experience of Photovoltaic technology introduction in isolated communities of Alto Solimões region, in the Brazilian Amazon iner forest. Special attention is given to this involvement of users in both, the implementation of this systems in general, and in the installation and management of water pumping systems using Photovoltaic technology.
INTRODUÇÃO
Em 1998 foram iniciadas atividades de introdução da tecnologia fotovoltaica em quatro comunidades isoladas localizadas na região do Alto Solimões-AM, fronteira com a Colômbia e o Peru. Com financiamento do Programa Trópico Úmido, e apoiada por inúmeras instituições1, as atividades se inserem num projeto mais abrangente denominado "Programa de Desenvolvimento Sustentável do Alto Solimões" (PRODESAS), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA. O PRODESAS existe desde 1995 e visa, dentre outras coisas, o fortalecimento da agricultura familiar, a utilização e o manejo sustentável dos recursos naturais e a organização da comercialização da produção das comunidades ribeirinhas daquela região.
A inserção da inovação tecnológica, nesse caso a energia solar fotovoltaica, está sendo respaldada por uma equipe multidisciplinar que contempla, além das áreas técnicas pertinentes, componentes das ciências sociais. Segundo MONTERO (1991), longe de atrasar um avanço científico, a incorporação de especialistas das áreas sociais na inserção de inovações tecnológicas, pode acelerá-lo, brindando a oportunidade de colocar em prova métodos e hipóteses, e chamar a atenção sobre novos problemas que possam vir a ocorrer [1].
No que tange as ações de introdução da tecnologia fotovoltaica, as comunidades foram inicialmente contempladas com a energização das escolas, centros comunitários e igrejas. Este constituiu o primeiro passo de difusão da tecnologia. Posteriormente foram introduzidos equipamentos de rádio-comunicação VHF nas dependências das escolas, com o objetivo de ampliar os usos finais da eletricidade proporcionado pela geração fotovoltaica. De fato, tal utilização tem proporcionado grandes benefícios, principalmente nas áreas de educação, saúde e comercialização da produção. Finalmente, dando continuidade a difusão da tecnologia fotovoltaica, ocorreu a perfuração de poços e instalação de sistemas de bombeamento para o abastecimento de água potável às populações.
A implantação dos sistemas de bombeamento contou com forte participação dos beneficiários no transporte do material, na perfuração dos poços e na instalação dos equipamentos. Cada comunidade foi contemplada com um sistema de bombeamento de água capaz de fornecer cerca de 4 m3/dia.
As tarefas de gestão e manutenção foram discutidas e apresentadas para os usuários, ficando cada comunidade responsável pela gestão de seu sistema. O processo participativo de introdução da nova solução tecnológica para a substituição da modalidade e dos procedimentos pré-existentes revelou-se de grande valia, facilitando a aceitação das mudanças e a execução das tarefas necessárias à implantação do mesmo.
Nesse trabalho contextualizamos a região na qual se insere a experiência e descrevemos o processo adotado para a introdução da tecnologia fotovoltaica para o abastecimento de água.
CONTEXTO
A região do Alto Solimões vem passando por profundas mudanças nos últimos anos. Com a necessária redução da atividade extrativista da madeira nativa (principal fonte de renda regional na última década), houve um sensível decréscimo da oferta de empregos e, conseqüentemente, da atividade econômica, reduzindo de modo substancial a circulação da moeda.
Por ser uma região portadora de grande biodiversidade (uma das maiores de toda a Amazônia legal) e de extrema fragilidade ecológica, qualquer proposta de desenvolvimento deve levar em conta os aspectos de sustentabilidade específicos da mesma [2] [3].
O fortalecimento da agricultura familiar proposto pelo INPA consiste na fixação do homem à terra através de atividades agrícolas condizentes com as aptidões agroambientais locais. O modelo consiste, dentre outras coisas, na prática da rotação de cultivos diversificados, na melhora genética in situ das essências utilizadas, no manejo sustentável das atividades extrativistas, na organização social comunitária para a produção e comercialização dos produtos. Além dessas ações, esforços são dirigidos no sentido de estabelecer um programa de ensino básico englobando alfabetização de adultos e ensino supletivo.
Apesar da diversificada produção do meio rural local, sua comercialização é pautada, em grande medida, pela atuação do marreteiro2 em virtude das dificuldades de transporte da região. Sendo o transporte eminentemente fluvial e baseado na utilização de combustíveis fósseis, há grande dependência externa no que concerne ao seu abastecimento e aos altos custos envolvidos.
Boa parte da renda das famílias ribeirinhas é utilizada na obtenção de combustível para transporte e iluminação. No que se refere à iluminação, famílias cuja renda mensal é inferior ao salário mínimo (R$ 151,00), chegam a gastar cerca de R$ 17,00/mês em querosene e R$ 12,00/mês em pilhas para a utilização de lanternas e rádios. Cabe ressaltar aqui que a rádio local tem sido, para as populações isoladas da região amazônica, a melhor forma de contato com o mundo externo, sendo muito utilizada também como meio de comunicação entre amigos e familiares que se encontram nas cidades mais próximas.
Outro problema enfrentado pelos ribeirinhos é a má qualidade da água consumida e os problemas de saúde relacionados a ela. Segundo os habitantes, as enfermidades que mais os atingem, e principalmente às suas crianças, são as diarréias, problemas de pele, ambas associadas ao uso da água.
Das comunidades contempladas no referido projeto piloto, Nova Aliança, Guanabara II, Vera Cruz e Novo Paraíso, as três primeiras são formadas por população cabocla e a última por população indígena da etnia Ticuna, sendo a sua totalidade praticante da religião da Ordem Cruzada Apostólica Evangélica, religião esta pautada em complexa estrutura hierárquica [4]. Sua população varia de 30 habitantes em Vera Cruz, a quase 300 em Guanabara II.
Além da organização característica da religião "Cruzada", foram formadas associações de moradores em cada comunidade para dar maior agilidade ao processo de desenvolvimento proposto pelo PRODESAS.
INTRODUÇÃO DA TECNOLOGIA
A introdução da tecnologia de geração solar fotovoltaica em comunidades tradicionais localizadas em regiões remotas, como é o caso dos ribeirinhos no Alto Solimões, visa a apropriação da tecnologia por parte dos usuários. Para a aceitação de uma inovação tecnológica os usuários devem saber, antes de tudo, das possibilidades e limitações do novo, bem como do grau de participação necessário para que a dependência externa seja mínima e o projeto seja exitoso.
A introdução dessa modalidade tecnológica às comunidades em questão iniciou-se com as implementações dos sistemas de iluminação nas construções de uso comunitário, tais como escolas, centros comunitários e igrejas, sendo seguido pela energização dos sistemas de rádio-comunicação VHF.
As primeiras instalações ocorreram três meses após o primeiro contato da equipe técnica3 com a região e seus moradores. Informações relativas a questões sócio-culturais, históricas e religiosas mais relevantes foram obtidas com a equipe multidisciplinar do INPA que vem realizando trabalhos de pesquisa na região desde 1986.
As ações práticas de introdução da tecnologia foram pensadas sob o eixo metodológico da inclusão dos usuários em todas as etapas de implantação. Assim foram utilizadas muitas horas de trabalho em reuniões, aulas práticas e demonstração de instalação dos sistemas fotovoltaicos comunitários. A partir dessa forma de contato, inicia-se uma primeira fase de apropriação da tecnologia, já que muitos usuários sequer conheciam o funcionamento de uma bateria ou tinham destreza no manuseio de alicates, chaves de fenda e de outros apetrechos usados nas instalações. Os módulos fotovoltaicos eram totalmente desconhecidos.
No que se refere ao treinamento técnico, inicialmente decidiu-se treinar com mais profundidade um usuário, em cada comunidade, escolhido entre aqueles que se mostraram mais hábeis a partir de nosso referencial. Este procedimento, aparentemente dotado de sentido comum, mostrou-se pouco apropriado por interferir em estruturas sociais pouco conhecidas. Para contornar esse problema e evitar a arbitrariedade no estabelecimento da manutenção dos sistemas, que a todo rigor deve ser definido pelos padrões culturais locais, passou-se a realizar o treinamento básico a toda comunidade, isso inclui, crianças, jovens, adultos sem exclusão de gênero. Posteriormente a comunidade em suas reuniões decidiu quem ficaria responsável pela manutenção. Este procedimento, apesar de mais laborioso, tem demonstrado bons resultados pois na falta do responsável pela manutenção rapidamente outro usuário pode assumir a função.
Ainda relacionado com o aspecto de treinamento, elaboramos um manual de utilização dos sistemas fotovoltaicos que foi distribuído pelos usuários.
ABASTECIMENTO DE ÁGUA, SISTEMA PRÉ-EXISTENTE
O sistema de utilização de água pré-existente ao projeto é similar nas quatro comunidades. A água costuma ser obtida diretamente de rios e igarapés e consumida in natura, geralmente, sem qualquer tratamento prévio4.
Na época úmida, no entanto, parte da população obtém água da chuva, mas mesmo esta vem sendo contaminada por falta de cuidados básicos de higiene na sua manipulação como ilustram as figuras 1 e 2. Além disso, a água da chuva não é armazenada em quantidade suficiente para abastecer toda a população, pois há longos períodos de estiagem e os reservatórios são de pequena capacidade (caixas d'água comunitárias de no máximo 200 litros e baldes de 10 litros de propriedade das famílias). Não foram encontradas cisternas coletoras de água da chuva de grande capacidade como as existentes no região nordeste do país.
Constatou-se que a quantidade de água carregada manualmente e efetivamente utilizada nas residências, utilizada para beber, cozinhar e lavar alguns utensílios, é de cerca de 50 litros diários por família5, o que significa de 3 a 6 "viagens" por dia ao manancial. Este trabalho costuma ser realizado pelas mulheres e crianças de cada família.
O banho, a lavagem de roupa e louça ocorrem diretamente nas margens dos rios e igarapés, bem como a coleta de água para o consumo humano, figura 3.
Como regra geral, todas as comunidades expressaram grande desejo em obter "água limpa" e mais próxima das residências, principalmente na época de estiagem que, segundo depoimento local, é "quando a água é lamacenta e tem gosto ruim, gosto de terra, e fica mais longe da casa".
No auge da estiagem é necessária a utilização de canoas para a coleta de água no centro do rio, onde a água é corrente e tem maior reposição. Exemplo mais drástico da dificuldade no abastecimento de água é o caso da comunidade Novo Paraíso. Estando localizada nas margens de um paraná6, o qual tem sua entrada de água assoreada na época mais seca, sua população tem que navegar de canoa até a outra margem, em território peruano, e caminhar até algumas lagoas existentes de onde coletam água para o consumo básico da família. Tal operação costuma tardar até três horas, a qual é realizada pelo menos uma vez ao dia por cada família. Já a lavagem de roupa é feita nas margens do Rio Solimões, o que implica para as mulheres em uma caminhada de cerca de duas horas, entre ida e volta, com o carregamento de toda a roupa a ser lavada.
A OPÇÃO ADOTADA
No projeto inicial, o abastecimento de água às comunidades contava com a perfuração de poços do tipo artesiano, com profundidades de até 50 metros e em localização cêntrica, com a finalidade de reduzir as distâncias até o ponto de coleta.
Surpreendentemente, a formação geológica da margem direita do Rio Solimões, em seu passo pelo município de Benjamin Constant, onde encontram-se três das quatros comunidades7, é formada por espessa camada de argila de até 200 metros de profundidade, aparentemente isotrópica, a qual apresenta pouca drenagem e grande retenção de água [5]. Este fato impossibilita a localização de lençóis de água subterrânea a pouca profundidade, inviabilizando o projeto inicial por problemas técnicos e orçamentários8.
A segunda modalidade consistia na captação de água através de sistemas de bombeamento instalados em flutuantes e dispostos ao longo dos cursos d'água. Esta opção foi abandonada em virtude dos altos índices de furtos ocorridos em localidades situadas às margens dos rios na região. Além disso, esta opção requer constante monitoramento dos sistemas em função da dinâmica local das águas, o que implicaria em uma especial organização dos usuários quanto ao posicionamento do flutuante9.
A opção finalmente adotada foi a perfuração dos poços dentro dos igarapés e de um açude, com a captação ocorrendo pela infiltração da água dos mesmos para a seção tubular dos poços. Esta modalidade permite a filtragem da água pelo solo e uma velocidade de reposição do poço compatível com a demanda hídrica das populações. O índice mínimo de reposição dos poços varia de 280 a 650 l/h na época seca.
Quanto à disponibilização da água, optou-se pela construção de um ponto comunitário central de coleta, o qual mantém a forma de utilização pré-existente do recurso hídrico, variando somente o local de captação do mesmo. O fato de que as residências não possuem sistema de deságüe das águas servidas foi determinante para que não se adotasse a opção de distribuição de água para cada uma delas. O risco de ocorrência de acúmulo de água nos pátios ou internamente às casas foi contado como de grande probabilidade de ocorrência, o que provocaria maiores problemas de saúde associados ao uso da água, por razões óbvias.
PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS
De acordo com a filosofia do projeto de adoção da tecnologia a participação dos usuários é de fundamental importância. A participação em todas as etapas do processo permite a desmistificação de que somente especialistas são capazes de instalar sistemas fotovoltaicos, como também inibe a passividade dos mesmos em relação ao desconhecido.
Desde o primeiro contato a equipe propôs aos usuários sua participação tanto nas reuniões de esclarecimento e treinamento como na efetiva instalação dos equipamento. Foram expostas as diferentes etapas pelas quais passaria o projeto, e a forma de participação de cada comunidade no mesmo. Foi explicitado que aquela situação era diferente das demais que costumavam ocorrer na região, principalmente em época de eleição quando candidatos presenteiam as comunidades com os mais variados equipamento e benfeitorias, os quais não contam com um treinamento de utilização e manutenção, e de participação da população. O fato de que a equipe do projeto não queria nada em troca, a não ser a participação dos usuários é, de certa forma, algo inusitado na região.
Outro aspecto impulsionador da participação dos usuários nos processos de instalação e, principalmente, nos treinamentos foi o conhecimento da efemeridade da permanência da equipe técnica no local. Foi comunicado que após a efetiva implementação de todas as etapas do projeto a participação da equipe técnica acabaria. Sendo assim, a responsabilidade pelo funcionamento e manutenção dos equipamentos ficaria a cargo das comunidades.
Os equipamentos e o material para as construções foram entregues pelos fornecedores em Tabatinga. Desta localidade até os locais navegáveis mais próximos a cada comunidade ocorreu por conta do projeto, com a utilização de embarcação cedida pela Pastoral Indigenista. Dos referidos locais até as comunidades o transporte ocorreu por conta dos usuários, sendo que, por ser época das "águas baixas", em algumas comunidades o material teve que ser transportado a pé por vários quilômetros.
Para a perfuração dos poços foi contratada uma empresa local, no entanto, houve a participação dos usuários em todas as etapas do processo. A empresa entrou com 50% da mão-de-obra (dois técnicos especiaizados) e cada comunidade se comprometeu em disponibilizar os 50% restantes. Para que ninguém ficasse prejudicado em seu trabalho pessoal, os comunitários se organizaram em turnos de meio período, o que permitiu que um grande número de pessoas aprendessem os passos básicos da perfuração de um poço. A figura 4 ilustra parte deste processo.
Os usuários participaram da instalação dos sistemas de bombeamento, que foi dividida em duas partes, a elétrica e a hidráulica. Por haverem participado das instalações dos sistemas de iluminação e de rádio comunicação, os mesmos já tinham um conhecimento básico de instalação elétrica, no entanto, desconheciam totalmente o referente à instalação hidráulica. Foi necessário, portanto, um treinamento específico com relação a esta questão. As figuras 5 e 6 ilustram partes do processo.
CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS
Os sistemas de abastecimento de água estão compostos por bomba Shurflo 9.300 com respectivo controlador Xx, gerador fotovoltaico 2 x 75 Wp, reservatório de água de fibra de vidro com sistema de bóia de nível superior (2 x 2.000 litros e 3 x 2.000 litros, dependendo do número de habitantes de cada comunidade), e "chafariz" coletivo para coleta de água, como ilustra a figura 7. Além disso, foram instalados hidrômetros na saída dos reservatórios.
Os poços são do tipo artesiano com filtro de brita, sendo seus diâmetros interno e externo de 6" e 8" respectivamente, profundidade média de 18 metros e vazão de cerca de 400 litros/hora.
GESTÃO E OPERAÇÃO DOS SISTEMAS
Após quatro meses de operação, pode-se dizer que os sistemas de bombeamento estão funcionando a contento. Por contarem com bóias de nível máximo nos reservatórios, os sistemas funcionam de forma autônoma, isto é, sem a necessidade de que haja alguém encarregado do seu desligamento quando os reservatórios estiverem cheios, o que não acontece em inúmeros sistemas comunitários no país.
Houve o compromisso, por todas as comunidades, de registrar os dados de consumo de água. Foi dado treinamento para a leitura dos dados de consumo acumulados em hidrômetro analógico (figura 8), a qual é feita semanalmente e repassada, através de rádio VHF, para o campus avançado da Universidade do Amazonas em Benjamin Constant.
O consumo médio atual é da ordem de 18 litros por pessoa por dia, o que denota que além do consumo humano a água está sendo utilizada para outras atividades domésticas.
Atualmente as comunidades reivindicam a ampliação da rede hidráulica ao longo das comunidades com mais pontos de coleta, confirmando assim um alto grau de aceitação do novo sistema de abastecimento de água.
COMENTÁRIOS SOBRE A IMPLANTAÇÃO
A implementação de sistemas e tecnologia de geração de eletricidade de forma distribuída em sistemas isolados enfrenta muitos entraves e não se tem muita experiência acumulada relacionada ao atendimento à populações isoladas. O que sim se sabe da necessidade do desenvolvimento de outras ações paralelas de assistência para que haja um desenvolvimento das comunidades. Isto é, somente a disponibilização de energia elétrica não coloca as populações rurais em pé de igualdade com as populações urbanas.
Especificamente no caso de fornecimento de eletricidade com sistemas fotovoltaicos, os maiores dispêndios estão relacionados ao investimento inicial. Por este motivo, é necessário o desenvolvimento de mecanismos capazes de viabilizar o atendimento deste serviço público à populações dispersas, com a finalidade de reduzir o "inchamento" das cidades, e proporcionar melhor bem estar à essa população. O usuário da rede elétrica convencional desfruta de financiamento, uma vez que a tarifa inclui a amortização dos investimentos totais do sistema elétrico, bem como os custos de sua operação e manutenção. No caso do abastecimento comunitário de água potável, não é descabido propor financiamentos, mesmos a fundo perdido, uma vez que é uma questão de saúde pública, e, conseqüentemente, de responsabilidade do Estado.
Uma vez viabilizado o investimento inicial, é de fundamental importância o treinamento e a participação dos beneficiados para que haja uma real autonomia e sustentabilidade do projeto. Isto reduz substancialmente os gastos relacionados com operação e manutenção do sistema energético implantado.
O mecanismo adotado nesta experiência não deve ser generalizado para todas as situações de implementação de sistemas de geração de eletricidade à população isolada e dispersa. No entanto, a proposta de gestão, operação e participação dos usuários mostrou-se muito eficaz e deve ser considerada em projetos dessa natureza.
A experiência apresentada está ancorada e respeita um profundo trabalho, pré-existente, de organização social das comunidades, desenvolvendo aspectos de educação, saúde, agricultura sustentável de produção familiar e comercialização da produção, e que vem tendo resultados animadores nos seus dois anos e meio de duração. Dadas as inúmeras variáveis envolvidas na questão "fornecimento de eletricidade e desenvolvimento rural", foi necessário a interação com inúmeros agentes regionais e locais.
O tempo necessário à implementação desse tipo de projeto é um elemento que deve ser levado em conta, principalmente na região em questão onde o regime hídrico fixa as condições de acesso e de execução das tarefas previstas para o desenvolvimento do projeto.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho conta com o apoio da ANEEL/PNUD no âmbito dos Projetos de Referência de Geração de Energia a Partir de Fontes Renováveis na Região Norte e da FAPESP bolsa DR.
REFERÊNCIAS
[1] MONTERO, M. B.; Sociedades rurales e innovación tecnológica: reflexiones preliminares; Política y Sociedad, 9; pp 29-45; Madri; 1991.
[2] NODA, H.; Pequena produção rural auto-suficiente e auto-sustentável: O caminho da vida e da cidadania; 47a Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; São Luis MA; 1995.
[3] BYRON, N., ARNOLD, M.; What futures for the people of the tropical forest?; World Development, 27, 5; pp 789-805; 1999.
[4] GUARESCHI, P. A. A cruz e o poder: a irmandade da Santa Cruz no Alto Solimões; Editora Vozes; Petrópolis; 1985.
[5] CPRM; Projeto Carvão no Alto Solimões; Benjamin Constant; Furo 1AS-1-AM; 1975.
1 Universidade de São Paulo, Universidade do Amazonas, Diocese do Alto Solimões, Movimento de Educação de Base, Universidade Luterana do Brasil.
2 Marreteiro, também chamado de atravessador.
3 Pesquisadores da Universidade de São Paulo.
4 A Fundação Nacional de Saúde costuma distribuir hipoclorito de sódio de forma emergencial quando há surtos de cólera, por exemplo, não existindo um programa permanente.
5 Menos de 10 litros por pessoa.
6 Também chamado de "braço de rio", sendo um canal que interliga dois cursos d'água mais importantes.
7 Exceção feita à comunidade de Novo paraíso, localizada na Ilha do Bom Intento, com perfil geológico diferenciado.
8 Poços profundos tem custos altos na perfuração, bem como na potência instalada em geradores fotovoltaicos.
9 Na região em questão, o nível do Rio Solimões tem uma variação de até 12 m entre as cheias e a estiagem.