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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003
A colheita mecanizada e enfardamento de capim elefante
Braunbeck O. A.I; Volpato C. E. S.II; Oliveira C. A. A.III
IProfessor Ph.D. do DMAQAG, FEAGRI, UNICAMP
IIProfessor Ms. do DEG/UFLA. Doutorando em Eng. Agrícola no DMAQAG, FEAGRI, UNICAMP
IIIDoutorando em Engenharia Agrícola no DMAQAG, FEAGRI, UNICAMP
A colheita mecanizada de capim para aplicação forrageira constitui prática corrente da pecuária. A tendência atual de globalização exige da agricultura qualidade e produtividade o que frequentemente demanda mudanças tecnológicas nos processos e equipamentos utilizados. Para o aproveitamento do capim em aplicações industriais surgem restrições particulares relacionadas com custo da operação e a qualidade do produto colhido que demandam uma tecnologia de colheita específica para essa aplicação.
Capacidades operacionais da ordem de 15 t/h são normais em aplicações de pecuária, sendo que o custo da operação sofre redução significativa se a capacidade da operação for superior a 50 t/h, rendimento esse corrente na colheita de gramíneas similares, como a cana-de-açúcar.
Os equipamentos atualmente disponíveis para colheita de forragens foram desenvolvidas para operar em culturas plantadas em linhas, como é o caso do milho e do sorgo, Fig. 1 , sem possibilidade de operar satisfatoriamente em culturas perenes, como o capim elefante, que desenvolvem touceiras largas e tendem a se espalhar na entrelinha de plantio. O uso de mecanismos de corte basal com contra-faca ou faca de espera estacionária provocam movimentação ou desprendimento de raízes que danificam o estande da cultura perene. No caso de culturas anuais o corte basal com faca de espera pode provocar arrancamento ou movimentação das soqueiras sem prejuízo econômico.
Equipamentos lançados recentemente no estrangeiros efetuam o corte em área total, Fig. 2, utilizando corte basal com contra-faca estacionária. Os rotores alimentadores de eixo vertical operam com baixa velocidade de rotação para poderem efetuar simultaneamente as operações de alimentação e corte basal. No caso de gramíneas perenes, como o capim elefante e a cana-de-açúcar, os danos provocados pela contra-faca estacionária inviabilizam sua utilização.
A colheita do capim envolve cinco operações principais cujas características e desempenho devem ser aprimorados nas colhedoras de forragem convencionais para adequa-las à colheita de capim elefante para aplicações industriais :
1- Corte de base;
2- Alimentação da colhedora;
3- Alimentação dos processos de picagem ou esmagamento;
4- Picagem ou esmagamento;
5- Transporte ao veículo de transporte ou lançamento ao solo para secagem natural.
O presente trabalho tem por objetivo estudar o processo de corte de base inercial juntamente com o processo de flutuação do mecanismo de corte sobre a superfície do solo. O corte inercial permite que a própria reação inercial do colmo de capim desenvolva as tensões de cisalhamento necessárias para provocar o corte basal quando o colmo é atingido pela faca móvel, evitando assim o uso de uma contra-faca estacionária. As colhedoras ilustradas nas Figs. 1 e 2 utilizam o princípio de contra-faca estacionária, a qual danifica as soqueiras do capim em função da pouca flexibilidade das mesmas quando o corte é efetuado perto da superfície do solo.
Revisão Bibliográfica
O processo de corte inercial requer que a faca atinja os colmos de capim com uma velocidade mínima para completar o corte e na medida que essa velocidade aumenta, até um certo valor, a qualidade do corte melhora e a energia de corte diminui. Velocidades tangenciais elevadas melhoram o desempenho do corte mas tornam a faca mais vulnerável ao impacto com corpos estranhos, como pedras e tocos, alem de acelerar o processo de desgaste pelo atrito com o solo. O uso de facas oscilantes visa proteger as facas que operam com alta velocidade tangencial, aproveitando dessa forma as vantagens da alta velocidade de corte sem riscos importantes de danos mecânicos. A operação das facas de corte com alta velocidade tangencial apresenta ainda o inconveniente de seu rápido desgaste e a contaminação do produto com terra, se permitido o contato freqüente da mesma com o solo; para contornar esta limitação tornam-se necessários recursos de flutuação que mantenham as facas próximas mas sem contato direto com o solo.
A força e energia necessários para o corte dos colmos de cana-de-açúcar foram quantificados por KROES & HARRIS (1996), utilizando um aparelho composto de uma lamina de corte anexada a um braço fixado a uma mola que, tencionada, acelera o conjunto braço-faca com velocidade de até 20 m/s; a força de corte, representada na Fig. 3, é medida através de um transdutor de força conectado ao suporte que sustenta o colmo.
A força e a energia necessárias para o corte inercial de colmos de sorgo foram estudadas por Chattopadhyay e Pandey (1999). Os autores registraram velocidades mínimas no intervalo de 12,9 to 18,0 m/s para completar o corte inercial dos colmos. Aumentando a velocidade da faca até 60 m/s a energia específica de corte (energia por unidade de área da seção transversal cortada) reduziu-se a um terço dos valores registrados com a velocidade mínima. Os autores observaram que a energia utilizada específicamente para o corte dos colmos não supera 10% da energia total utilizada para o corte e lançamento (transporte) do material.
Hummel e Nave (1979) estudaram as perdas de grãos e a aceleração conferida à planta durante o corte inercial de talos de soja com três modelos de discos rotativos efetuando o corte com velocidades periféricas de 36, 46 e 65 m/s. As maiores velocidades resultaram em menores perdas e menor aceleração da planta, parâmetros esses que seguramente estão correlacionados. Em todos os ensaios a aceleração conferida à planta foi inferior para os discos rotativos que para a barra de corte convencional com movimento alternativo. Os resultados da pesquisa indicam a conveniência do uso de uma maior velocidade tangencial de corte, restando apenas como ponto negativo o risco de dano mecânico às facas na presença de corpos estranhos.
A quantidade de terra incorporada à matéria-prima varia com a posição mais ou menos ereta dos colmos. RIDGE et al. (1984) verificaram menor contaminação com terra nos colmos eretos. Segundo os autores, a posição relativa entre o cortador de base e o eixo dianteiro da colhedora afeta o nível de contaminação dos colmos. Os cortadores de base convencionais são normalmente fixados na parte inferior e frontal do chassi da colhedora, ficando o ajuste de altura por conta do operador que hidraulicamente modifica a posição relativa entre a estrutura da colhedora e as rodas dianteiras. Os autores destacam que o cortador de base localizado à frente do eixo dianteiro melhora a visibilidade do operador, mas paralelamente apresenta maior variabilidade na altura de corte, como consequência da maior distância aos pontos de apoio nas rodas. O cortador localizado próximo ao eixo dianteiro consegue um melhor acompanhamento do solo mas dificulta a visão do operador e exige o uso de mostradores dentro da cabine para permitir o ajuste manual da altura de corte por parte do operador.
O controle automático da altura de corte é utilizado nas colhedoras Class atuais, onde o controle de altura toma como referência o ponto de apoio das helicóides alimentadoras (pirulitos), as quais se encontram afastadas de 600 a 700 mm do ponto de corte dos discos.
Os volumes de terra alimentados pelo cortador de base junto com os colmos pode ser elevado. RIDGE e DICK (1988) avaliaram a capacidade de rejeição de terra dos cortadores de disco convencionais submetidos em laboratório à vazões de terra equivalentes a operar o cortador de base a 25 e 50 mm de profundidade. Apesar do cortador de base ter rejeitado entre 83 e 93% da terra e que os rolos alimentadores tenham rejeitado de 3 a 16% da mesma, o teor final de terra na matéria-prima permaneceu em torno de 1,5%. Os mesmos autores testaram também o suporte de facas tipo "spider" (aranha ou pé de galinha) como recurso para reduzir o teor de terra na matéria-prima os resultador desta alteração não foram conclusivos.
A deficiência no controle da altura de corte de base das colhedoras de cana-de-açúcar, além de contaminar os colmos com terra quando opera em subsuperfície, provoca também perdas de matéria-prima quando o corte é elevado. OMETTO (1994) apresenta perdas na forma de tocos deixados pelo cortador de base. Estas perdas atingiram 1,17% (1,26 t/ha) na cana queimada e 1,44% (1,43 t/ha) na cana sem queimar, de um total de aproximadamente 5% de perdas totais visíveis.
Objetivos
O presente trabalho tem dois objetivos principais para auxiliar o desenvolvimento de uma colhedora de capim elefante: o primeiro consiste no estudo do processo de flutuação integral do mecanismo de corte e também das facas articuladas com oscilação num plano vertical; o segundo objetivo consiste no estudo do desempenho de facas oscilantes no plano horizontal visando efetuar o corte, em alta velocidade, sem riscos de quebras por impacto na presença de obstáculos. O processo de flutuação do mecanismo de corte basal, pesquisado neste trabalho, visa o acompanhamento ponto a ponto do microrelevo do terreno tomando como referência um ponto de tangência, entre o mecanismo e o solo, localizado muito próximo do local de corte na base do colmo. Deve-se resaltar que o ajuste da altura de corte é efetuado manualmente pelo operador da colhedora, do que podem resultar tocos excessivamente altos ou corte subsuperficial, fenômenos ambos indesejáveis por resultarem em perdas de matéria-prima ou contaminação da mesma com partículas e microrganismos do solo.
Material e Métodos
O desenvolvimento dos mecanismos de corte basal foi abordado através das seguintes fases:
1- Proposta de configuração do mecanismo e modelagem dinâmica para ser utilizada nos processos de simulação e otimização envolvidos no dimensionamento da unidade piloto. Esta fase foi aplicada tanto ao mecanismo pantográfico de sustentação quanto ao mecanismo de facas oscilantes com dois graus de liberdade. As figuras 4 e 6 ilustram respectivamente os mecanismos pantográfico (quatro barras) e o disco segmentado propostos para o caso.
2- Simulações para avaliação preliminar do desempenho do mecanismo proposto
3- Otimização do desempenho do mecanismo proposto. Esta fase inclui as definições das funções objetivo e restrições para cada caso.
4- Projeto mecânico de uma unidade piloto com base nos resultados da otimização. Esta unidade visa validar em caixa de solo os desempenhos previstos pela simulação.
5- Verificação em caixa de solo das características de desempenho da unidade piloto.
Uma estrutura de sustentação pantográfica, (quatro barras) ,Fig. 4, caracterizada pelo grande peso do mecanismo de corte, foi inicialmente dimensionada utilizando síntese gráfica de posição e avaliada em simulações para verificar a posição do disco cortador com relação ao perfil do solo em várias alturas de operação. Seu desempenho dinâmico foi simulado através das equações de Newton Euler aplicadas ao mecanismo plano com um grau de liberdade. Dos diagramas de corpo livre foram escritas oito equações de reação e uma equação de movimento. A solução numérica do sistema de nove equações permitiu obter as reações nas quatro articulações, a posição do mecanismo ao longo do tempo e a força de interação mecanismo-solo. As simulações foram efetuadas utilizando o pacote computacional Matlab. Após as simulações, foi feita a otimização do mecanismo objetivando minimizar a força, sempre positiva, de interação mecanismo-solo, tendo como restrição as dimensões construtivamente viáveis do mecanismo. Nessa, utilizou-se o módulo Toolbox-Optim do programa computacional Matlab,
A validação do modelo de simulação do mecanismo pantográfico foi efetuada utilizando uma unidade piloto de cortador alimentador ilustrada na Fig. 5, a qual foi montada através de barras articuladas ao carro portador da caixa de solo. A instrumentação implementada permitiu registrar a força de contato do disco cortador com o perfil senoidal de seguimento. A velocidade de deslocamento é monitorada através dos pulsos gerados por um cabeçote indutivo, o qual se movimentando junto a uma grade com barras de aço espaçadas 50 mm. O movimento vertical do mecanismo pantográfico é monitorado através de transdutor linear fixado próximo ao ponto de contato do disco cortador com o perfil de seguimento.
Disco cortador segmentado
O disco para corte basal em desenvolvimento apresenta un conjunto de oito facas, cada uma com dois graus de liberdade como ilustra a Fig. 6. O mecanismo apresenta um conjunto de pinos e buchas posicionados vertical e horizontalmente; as articulações horizontais permitem o movimento da faca no plano vertical. Esse deslocamento viabiliza a rejeição da faca pelo solo, evitando a penetração no mesmo, na medida que a força de interação faca-solo atinge o valor previsto no dimensionamento. Uma segunda articulação de eixo quase vertical viabiliza a rejeição da faca pelos obstáculos, caso estes apresentem força de reação superior à necessária para o corte dos colmos, segundo previsto no dimensionamento e de acordo com os valores registrados por KROES & HARRIS (1996). O modelo de simulação dinâmica desenvolvido resultou da aplicação das equações de Newton-Euler às três peças móveis representadas na Fig. 6. O sistema de 18 equações inclui duas equações de movimento correspondentes aos movimentos da faca nos planos vertical e horizontal e 16 equações de reação que permitem calcular as forças atuantes nas articulações e no ponto de fixação do motor de acionamento. O rotor segmentado encontra-se disposto em ângulo de 10 graus com relação ao plano horizontal de forma a permitir o contato das facas com o solo apenas na parte frontal, local onde as mesmas efetuam a varredura da superfície e o corte dos colmos de capim.
Resultados e Discussão
Mecanismo pantográfico de sustentação
A Tabela 1 apresenta as características do mecanismo inicialmente dimensionado pela síntese de posição e o mecanismo final obtido através do processo de otimização. As mudanças dimensionais encontram-se dentro dos limites estipulados nas restrições do processo de otimização. Verifica-se que a mudança mais significativa, proposta pela otimização, corresponde à constante elástica da mola cujo valor incrementou-se sete vezes com relação ao valor inicialmente proposto.
O desempenho dos mecanismos pantográficos inicial e otimizado pode ser apreciado nas Figs. 7 e 8. As simulações correspondem a um perfil de solo senoidal com amplitude de 50 mm e espaçamento entre sulcos de 1230 mm, com velocidade de deslocamento do cortador de 2 m/s. O processo de otimização melhorou significativamente o desempenho de flutuação do mecanismo, representado pela força normal de reação do solo, cujo valor máximo foi reduzida de aproximadamente 3.000 N para 100 N. Este baixo valor de carga pode ser convertido em pressão inferior a 5 N/cm2 com área de contato de apenas 20 cm2 , pressão essa adequada para evitar movimentação ou compactação do solo ainda em casos de solos de baixa sustentação.
Rotor segmentado com facas oscilantes
O desempenho dinâmico do rotor de facas oscilantes foi avaliado através do modelo dinâmico registrando a força de interação faca-solo e os movimentos vertical e horizontal da faca representados pelos ângulos Teta2 e Teta4 nas Figs. 9 e 10. Na fase atual do trabalho as forças de interação entre faca e solo são elevadas, superiores a 5000 N, as quais devem ser reduzidas significativamente através do processo de otimização. Observa-se na Fig. 9 que existe um comportamento oscilatório da faca no plano vertical, quando esta não está em contato com o solo (força Rs nula). No entanto, quando a faca está em contato com o solo esse comportamento oscilatório não se manifesta, o qual é positivo já que permite que os processos de varredura e corte sejam sempre rentes ao solo. A Fig. 10 ilustra o movimento da faca no plano horizontal; observa-se um comportamento desejável do ponto de vista de não existir praticamente oscilação para as características da faca propostas inicialmente e considerando que a cada giro a faca efetua o corte de um colmo; verifica-se, no entanto, que a faca posiciona-se com um ângulo Teta4 de aproximadamente 65 graus durante a operação o qual deverá ser reduzido durante a otimização do mecanismo ou a configuração geométrica da faca alterada para adequar o projeto a essa posição angular.
Conclusões
1- As limitações de capacidade operacional e capacidade de corte basal das colhedoras de forragem existentes justificam o desenvolvimento de tecnologias alternativas que reduzam o custo da colheita, melhorem a qualidade do produto colhido e protejam o equipamento assim como a soqueira do capim para futuras brotações.
2- A utilização de mecanismos articulados flutuantes permite efetuar um seguimento do perfil do terreno de forma a manter a altura de corte mínima agronomicamente recomendada sem provocar movimentação de solo que possa contaminar o produto colhido e danificar as soqueiras ou as facas dos discos cortadores.
3- A utilização de modelos de simulação combinados com técnicas de otimização permitem obter ganhos de desempenho dos mecanismos não atingíveis normalmente através de processos intuitivos de aprimoramento ou por simulações sucessivas.
4- A proposta de rotor segmentado com facas oscilantes em dois planos mostrou resultados preliminares promissores em termos das amplitudes de oscilação das facas e da capacidade de corte; não assim com relação à força de interação solo-faca que deverá ser otimizada para atingir valores aceitáveis.
Referências Bibliográficas
Chattopadhyay P. S. and Pandey K. P., Effect of Knife and Operational Parameters on Energy Requirement in Flail Forage Harvesting. Journal of Agr. Eng. Research. 73: 3-12, 1999.
Hummel, J.W. and Nave W.R., Impact Cutting of Soybean Plants. TRANSACTIONS of the ASAE 22(1): 35-39, 1979.
OMETTO, M.C., Desempenho da Colhedora Engeagro. STAB. V-12(3), p.21-24, 1994.
RIDGE, D.R.; HURNEY, A.P., DICK, R.G. Cane Harvester Efficiency. Conference on Agricultural Engineering. Bundaberg, Autralia, p. 118-122, 1984.
RIDGE, D.R.; DICK, R.G., Current Research on Green Cane Harvesting and Dirt Rejection by Harvesters. Proceedings of Australian Society of Sugar Cane. Technologist: 19:19-25, 1988.
Endereço para correspondência
Braunbeck O. A.
E-mail: oscar@agr.unicamp.br
Volpato C. E. S.
E-mail: cesvolp@agr.unicamp.br
Oliveira C. A. A.
E-mail: caaoliv@agr.unicamp.br