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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003
A fixação biológica de nitrogênio como suporte para a produção de energia renovável
Diego Mureb QuesadaI; Cátia FradeI; Alexander ResendeI; José Carlos PolidoroI; Verônica Massena ReisI; Robert BoddeyI; Bruno José Rodrigues AlvesI; Segundo UrquiagaI; Deise XavierII
IEMBRAPA Agrobiologia, Cx. Postal 74.505, Seropédica 23851-970, RJ, Brasil
IIEmbrapa Gado de Leite Juiz de Fora 36038.330, MG, Brasil
RESUMO
A fixação biológica de nitrogênio é um grande suporte para se conseguir altas produções no campo, aliada a um equilíbrio com o meio ambiente e a racionalização dos custos . A importância da FBN se faz ainda maior nos casos de culturas produtoras de biomassa como fontes alternativas de energia, onde se torna necessário que o balanço energético (maior energia produzida que a consumida na produção de biomassa) seja altamente positivo. As pesquisas tem demonstrado que a chave para o sucesso do processo de FBN está numa seleção de genótipos e de bactérias diazotróficas que se associem mais eficientemente. É necessário portanto o estudo mais detalhado sobre a população de bactérias diazotróficas durante o ciclo de crescimento da planta em estudo.
Com este intuito, um estudo está sendo feito no campo para se selecionar genótipos de Pennisetum purpureum que sejam eficientes em produção de biomassa em solos pobres em N. No primeiro estágio, selecionou-se quatro genótipos (Gramafante, Cameroon, BAG 02 e Roxo) que se destacaram em produção ao longo de cinco anos, sem a aplicação de N-fertilizante. Estes foram para o campo para experimentação complementar, em solo também deficiente em nitrogênio para avaliação de biomassa e FBN. Resultados promissores estão sendo alcançados, com os materiais produzindo muito bem sem aplicação de N-fertilizante (estatisticamente igual ao equivalente a 100kg N/ha) e com um percentual de FBN bem satisfatório para uma gramínea forrageira, da ordem de 30%
Palavras-chave: Biomassa, Bactéria Diazotrófica, Energia, Fixação Biológica de Nitrogênio e Pennisetum purpureum,
ABSTRACT
Recently, rapid-growing grasses which possess the C4 photosynthetic pathway such as Miscanthus and Pennisetum spp. have been considered as prime candidates for the production of bio-fuels. In the case of Pennisetum purpureum (Elephant grass) and related hybrids, the genotypes studied until now have generally been selected for high production of forage for cattle under high N fertiliser additions. For forage production it is desirable that the tissues have high protein content. However, for biomass production the priority should be for carbon accumulation and the highest possible biomass production per unit of applied fertiliser. The manufacture of N fertiliser involves a very high cost in terms of fossil energy, and if large additions are made the grass biomass produced may have only a little more (or even less) calorific value than that utilised in the manufacture of the fertiliser. This completely negates the prime objective of biofuel production which the replacement of energy derived from non-renewable fossil sources with that derived from solar radiation.
Recently the team headed by Dr Johanna Döbereiner at Embrapa Agrobiologia have shown that several tropical grasses (including sugar cane and elephant grass) are able to obtain significant quantities of N through the action of associated endophytic N2-fixing bacteria. Derived from this line of reasoning a study is being conducted in the field to select appropriate genotypes of Pennisetum purpureum which are efficient is biomass production in soil of very low N fertility. In the first stage four genotypes have been selected : Gramafante, Cameroon, BAG 02 and Roxo, which have been the most productive over a 5 year period without N fertiliser addition. A complementary study is underway to evaluate biomass production and quantify the N2 fixation input. Preliminary results are promising and show that these materials produce well without N fertiliser application a with a contribution of approximately 30 % of plant N derived from N2-fixing, which can be regarded as very satisfactory for a graminaceous specie.
INTRODUÇÃO
A produção de material energético alternativo através de biomassa representa hoje um dos grandes desafios para a ciência, já que a continuação da queima desenfreada de petróleo, que além de ser finita , contribui para o efeito estufa que ameaça o equilíbrio do clima da terra. Como a queima de biomassa somente recicla CO2 que foi retirado da atmosfera pela fotossíntese, tudo indica que a longo prazo esta será a alternativa energética mais segura.
Qualquer bio-combustível para ter a sua produção viável, não somente precisa ser economicamente compatível mas necessita principalmente de tecnologias que garantam a sua produção com balanços energéticos altamente positivos, isto é, produzir pelo menos três vezes mais energia que a gasta para a produção e processamento dos materiais vegetais a serem utilizados. Na Europa e EUA, a elevada mecanização da agricultura e o consumo de níveis elevados de fertilizantes, principalmente nitrogenados, não permitem que este balanço seja alcançado. Contrário a isto, no Brasil há ainda muito mais uso de mão de obra manual e devido a falta de subsídios de fertilizantes, os adubos nitrogenados são usados normalmente em doses menores que um quinto do aplicado nos países desenvolvidos. Além disso vários genótipos de culturas em nosso país, como cana de açúcar, adquiriram mais facilidades de se associarem com bactérias fixadoras de nitrogênio e assim obtém grande parte do N necessário através da fixação biológica de nitrogênio, o qual pode estar associado com a alta capacidade fotossintética, taxa de crescimento, eficiência do uso de água e intercepção da luz das espécies tropicais. O capim elefante (Pennisetum purpureum Schum.), está entre as espécies de alta eficiência fotossintética, resultando numa grande capacidade de acumulação de matéria seca, tendo sido a forrageira mais utilizada em sistemas semi-intensivos de produção de leite. Nas últimas décadas, tem havido crescente interesse no uso desta forrageira sob pastejo, principalmente para vacas de lactação. Entretanto, devemos considerar que por se tratar de uma forrageira de alta produção, suas necessidades de nutrientes relacionam-se com seu potencial produtivo. Levando-se em conta que dentre os fertilizantes utilizados na agricultura, são os nitrogenados aqueles que mais oneram os custos com adubação, tem-se enfatizado a necessidade de uma maior exploração do potencial da fixação biológica de nitrogênio em gramíneas tropicais.
Devido a estes fatos, o Brasil assumiu a liderança na pesquisa sobre produção de gramíneas com níveis de adubação nitrogenada muito abaixo das necessidades das plantas sendo com isto energeticamente e ecologicamente mais indicados para alternativas bioenergéticas. A pesquisa tem demonstrado que a chave para o sucesso do processo de fixação biológica de N2 (FBN) na agricultura, está numa seleção de genótipos e de bactérias que se associem mais eficientemente. Várias espécies de bactérias fixadoras de N2 como Beijerinckia, Bacillus, Azotobacter, Derxia, Enterobacter e Azospirillum foram isoladas do solo e da rizosfera de cana-de-açúcar e outras gramíneas [1], [2], [3], [4], [5], [6], [7], [8]. Três espécies já identificadas foram chamadas de endófitas (habitam o interior de plantas), são elas: Acetobacter diazotrophicus, Herbaspirillum seropedicae e H. rubrisubalbicans [9], [10], [11]. A. diazotrophicus também foi isolado de plantios de cana-de-açúcar em outros países como Cuba, México[12] e Austrália [13], [14]. Já para Herbaspirillum spp., os trabalhos de isolamento se referem apenas aos plantios no Brasil. O grupo do CNPAB estuda a associação destas bactérias com a cana-de-açúcar e os resultados mostraram que A. diazotrophicus possuí um modo de infecção passivo, isto é, utiliza aberturas naturais ou provocadas pelo crescimento ou injúrias para colonizar a planta. O modo de transmissão mais eficiente é via toletes usados para propagação e portanto somente foi isolado de plantas propagadas vegetativamente [15]. Já Herbaspirillum seropedicae foi isolado de diversas gramíneas e possivelmente usa a semente para sua transmissão [16]. Essas associações permitem que a cana-de-açúcar apresente produções acima de l50t por ha plantada em solos pobres e sem nenhuma adubação nitrogenada, acumulando mais que 200kg N ha-1 através da associação com estas bactérias [17]. Espera-se que no capim elefante sejam encontrados resultados semelhantes
Pouca informação se tem a cerca de bactérias colonizando gramíneas de alta produção de biomassa como Pennisetum, e ha uma grande necessidade de entender se os organismos presentes neste vegetal se comportam de forma semelhante aos resultados encontrados na cana-de-açúcar e usar esta oportunidade para a seleção de fontes energéticas mais eficientes.
Pesquisas com vários capins forrageiros mostraram também possibilidades semelhantes cobrindo até 40% da suas necessidades de N através da associação com bactérias fixadoras de N2 [18], [19]. Como até então, o melhoramento de capins sempre visou finalidades forrageiras que necessitam teores elevados de proteína e baixos níveis de fibra para ter boa qualidade como alimento animal, a mudança no rumo da seleção ou melhoramento de genótipos para fontes bioenergéticas se faz necessária. Neste caso, há a necessidade de um elevado teor de celulose sem necessariamente conter altos teores de proteína. Neste sentido a redução ou eliminação completa do adubo nitrogenado na produção de biomassa além de aumentar o balanço energético, ainda reduz os custos de produção apresentando ainda melhores possibilidades. Tudo isto, vislumbra a possibilidade do uso de capim elefante como fonte de energia renovável
Os objetivos do presente trabalho são o de selecionar genótipos de Pennisetum purpureum Schum., que apresentem elevadas produções quando adubados com adequados níveis de nutrientes (PK e micronutrientes) mas sem a aplicação de N e selecionar genótipos de Pennisetum purpureum Schum. para alta fixação biológica de nitrogênio.
MATERIAL E MÉTODOS
Os estudos estão sendo realizados através de três experimentos.
Experimento 1
Este experimento teve início em 1995, onde foram utilizados 14 genótipos de Pennisetum purpureum e 1 variedade de cana de açúcar selvagem (Krakataú, com alta eficiência para FBN) para se avaliar a contribuição da Fixação Biológica de Nitrogênio nos mesmos, através da técnica de diluição isotópica de 15N. Os genótipos são cultivados em cilindros de concreto (50 cm de prof. e 60 cm de profundidade), preenchidos com solo PVA série Itaguaí e marcados com 15N, em espaçamento 100 x 50cm O experimento vem sendo realizado na EMBRAPA-AGROBIOLOGIA, sendo utilizado o delineamento de blocos ao acaso, com sete repetições, e cortes periódicos estão sendo feitos para se avaliar matéria seca, N-total e enriquecimento em 15N.
Experimento 2
Este experimento tem por objetivo identificar bactérias fixadoras de N2 que colonizam raízes, folhas e colmos de capim elefante do experimento 1, pelo método do número mais provável (NMP).
Experimento 3
Neste experimento que está em desenvolvimento no campo, está se avaliando a produção de matéria seca e a FBN em quatro genótipos de Pennisetum purpureum, através da técnica de abundância natural de 15N , selecionados no experimento 1 e cultivados em solo muito pobre em N ( planossolo ) na área experimental da EMBRAPA-AGROBIOLOGIA. Os tratamentos são testemunha (sem aplicação de N) e aplicando-se 100 Kg de N/ha na forma de Uréia. Os quatro genótipos são Gramafante, Cameroon, BAG 02 e Roxo, sendo sua instalação em outubro de 1999 e a primeira colheita realizada em maio de 2000. As parcelas são constituídas de 5 linhas de 5 x 0,5m e o delineamento é o de blocos ao acaso com quatro repetições.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com relação a produção de matéria seca no experimento com cilindros ( experimento 1 ), a medida que os anos passam alguns genótipos se destacam em relação aos demais. Como este experimento não recebe adubação nitrogenada, isto vem comprovar que alguns genótipos são mais eficientes no uso do N do solo ou que os mesmos genótipos podem estar recebendo outra fonte de N diferente do solo, e neste caso só poderia ser via fixação biológica de nitrogênio. Assim, com o conteúdo de nitrogênio do solo caindo ao longo dos anos, os genótipos que utilizam somente nitrogênio do mesmo caem de rendimento e os que são mais eficientes no uso do N, e/ou possuem outra via de nutrição nitrogenada mantém ou até mesmo melhoram seus rendimentos. Estes resultados se encontram na tabela 1. Observa-se que os rendimentos variaram muito com o ano agrícola, mas o interessante é que no ano de 1999, cinco anos após o estabelecimento da cultura e sem aplicação de N-fertilizante, alguns genótipos como Gramafante e Cameroon se destacaram, produzindo de 50 até 80 t/ha de matéria seca, indicando um alto potencial destes materiais para uso na produção de biomassa, e com um balanço energético muito positivo pois não se tem usado N-fertilizante
As análises de enriquecimento em 15N nos genótipos de Pennisetum no ano de 1995, e consequentemente o percentual de contribuição da FBN nos genótipos estudados, levam a comprovação do que foi dito anteriormente. Os genótipos que mais se destacaram em relação a massa seca, também tiveram destaque quando se trata da contribuição da FBN, não diferindo estatisticamente dos genótipos que tiveram contribuições pouco maiores. Os resultados podem ser vistos na tabela 2.
Para se ter uma maior precisão nos resultados, se faz necessário que análises de enriquecimento em 15N sejam feitas nas colheitas seguintes, uma vez que a medida que os anos passam os genótipos mais promissores começam a se destacar. Estas análises estão sendo feitas na EMBRAPA-AGROBIOLOGIA, por espectrometria de massas. Com base nestes resultados, foram selecionados os genótipos para a implantação do experimento 3
No experimento três, quatro genótipos de capim elefante estão sendo estudados em solo deficiente em nitrogênio e submetidos a dois tratamentos de N. Um onde se aduba o equivalenta a 100 kg de nitrogênio por hectare, na forma de uréia, e outro onde as parcelas não recebem N-fertilizante (testemunha), para se saber se ocorre diferenças em relação a produção de biomassa e nitrogênio acumulado na parte aérea. Através da técnica de abundância natural de 15N, também se obtém o valor do delta para os quatro genótipos e o percentual de nitrogênio da planta oriundo da fixação biológica de nitrogênio nestes genótipos. Para se calcular a FBN por esta técnica, é necessário que se tenha uma testemunha não fixadora, que neste caso foi o genótipo Roxo, pois obteve um valor de Delta equivalente ao do solo
Apesar de não ter havido diferença significativa para nenhum dos parâmetros analizados,é de se ressaltar que os genótipos foram capazes de produzir até 100t/ha de biomassa, acumulando somente 40 kg N/ha, o que é mais um indicativo da capacidade de produção destes materiais, associada a sua elevada capacidade fotossintética, taxa de crescimento e eficiência no uso da luz. O genótipo Roxo teve um rendimento abaixo dos demais, o que já era esperado, pois os demais foram selecionados pela alta capacidade de produção de biomassa observada no experimento 1. Também não houve diferença estatística quando se compara o tratamento que recebeu N-fertilizante com a testemunha, para nenhum dos quatro genótipos, sendo um bom indicativo de contribuição da FBN. Para se ter uma conclusão mais concisa, é necessário que mais colheitas sejam feitas ao longo do tempo para se saber quais genótipos se destacarão. Em se tratando de uma gramínea forrageira, os resultados encontrados para a fixação biológica de nitrogênio são bem satisfatórios e promissores
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem. ao IPT, e especialmente a FINEP pelo apoio financeiro
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