3, v.1Custos unificados para a eletrificação rural em São PauloA evolução dos custos no programa de eletrificação rural do estado de São Paulo author indexsubject indexsearch form
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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Programa "Luz da Terra" - modelo de eletrificação rural participativo

 

 

Fernando Selles Ribeiro; Luiz Henrique Alves Pazzini; Marcelo Aparecido Pelegrini; Luiz Fernando Kurahassi; Luiz Cláudio Ribeiro Galvão

GEPEA-USP, Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Avenida Prof. Luciano Gualberto, travessa 3, 158, Sala A2, 35, CEP: 05508-900; São Paulo, SP, Brasil, Tel: (55)(011)818-5279, Fax: (55)(011)210-3595

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As empresas de energia que atuam no estado de São Paulo sempre tiveram políticas próprias de eletrificação rural com índice de atendimento global muito baixo. Nunca houvera uma política de abrangência estadual e as iniciativas sempre couberam às empresas. Este trabalho descreve e analisa o modelo de eletrificação rural proposto pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao governo do estado de São Paulo, que resultou no programa "Luz da Terra". São apresentados os papéis reservados a cada ator e a integração deles com uma política energética ampla, desenhada para possibilitar que os recursos do BNDES fossem repassados a proprietários rurais de baixa renda, com forte participação da extensão rural na organização de comunidades rurais e na identificação das demandas. Conclui-se que as mudanças havidas no cenário político comprometeram o arranjo institucional e que o ambiente de pré-privatização das empresas de energia atrapalhou as operações visando atender mercado pobre, tomado pelos funcionários das empresas que iam ser vendidas como não interessante aos futuros proprietários.

Palavras-chave: Eletrificação rural, distribuição de eletricidade, políticas públicas.


ABSTRACT

The companies of energy that act in the state of São Paulo always had own politics of rural electrification with index of very low global attendance. There had never been a politics of state inclusion and the initiatives always fit to the companies. This paper describes and analyzes the model of rural electrification proposed by the National Bank of Economic and Social Development (BNDES) to the government of the state of São Paulo, that resulted in the program "Luz da Terra". There are presented the papers to each actor and their integration with a wide energy politics, drawn to facilitate that the resources of BNDES were reviewed rural proprietors of low income, with strong participation of the rural extension in the rural communities' organization and in the identification of the demands. It is concluded that the changes in the political scenery committed the institutional arrangement and that the atmosphere of privatization of the companies of energy disturbed the operations seeking to assist poor market, taken by the employees of the companies that will be sold as not interesting to the future proprietors.


 

 

A ELETRIFICAÇÃO RURAL É UM PROBLEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA?

A eletrificação rural é uma matéria que diz respeito a uma estratégia de desenvolvimento econômico. O eixo do modelo desenvolvimentista brasileiro é prioritariamente voltado para o crescimento e a modernização da produção de bens que tenham retorno econômico. A eletrificação rural não induz crescimento significativo, nem retorno econômico atraente, nem coisa alguma que possa colocá-la na pauta do desenvolvimento.

Durante muito tempo não houve onde discutir eletrificação rural no âmbito federal. Foi uma omissão de longa data. Nos anos entre 1980 e 1990, o Brasil atendeu a menos de 2% das necessidades de sua área rural, entrando em 1997 com 67% das propriedades no escuro. Somente o estado de São Paulo tem 1.200.000 pessoas vivendo no escuro em metade de suas propriedades rurais, segundo estudo da COOPERS & LYBRAND (1997).

Ausente o Estado, as coisas se passam como se a responsabilidade social, que é sua, fosse assumida pela empresa de energia que recebe a outorga da concessão. Na prática, essa transferência não se realiza, embora, no setor elétrico e na Agricultura, as áreas que mais se aproximam do assunto, bem como em quase todos os setores do governo, é consensual que o tema pertença à concessionária.

A eletrificação rural, pela sua natureza, é um problema de distribuição de energia elétrica. É comum o entendimento que não seja mais do que a extensão das atividades normais da empresa para mercados distantes, dispersos e nada lucrativos e que não requeira qualquer consideração institucional especial. Não motiva engenheiros, técnicos e agentes, muito pelo contrário.

A concessionária tem obrigações muito bem definidas com relação a seus clientes. Vive sob a pressão da busca constante ao lucro e aos índices de qualidade satisfatórios. O cliente que reclama, que consome, que dá lucro é o urbano. A população rural que permanece sem luz é pobre, não vai consumir, vai dar prejuízo e não reclama. Não tem voz e não tem representatividade. Nunca vai se constituir em prioridade para a concessionária. Vai permanecer no escuro e no esquecimento.

Segundo RIBEIRO (1993), a concessionária é posta perante um dilema: por um lado, não pode dizer que vai deixar de atender mercados dentro de sua área de concessão; por outro lado, não vai conseguir conciliar o atendimento de populações rurais pobres com os objetivos da empresa.

O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo se associaram para entender os motivos que impedem que pequenos produtores rurais tenham acesso aos serviços públicos de energia elétrica.

Importantes agências internacionais de financiamento e fomento de projetos de infra-estrutura nos países em desenvolvimento, ao analisar os resultados de políticas extensivas de eletrificação rural, manifestam algumas opiniões convergentes. Primeiro, entendem que eletrificação rural é uma questão social que deve ser resolvida por uma agência de desenvolvimento, de preferência nacional, externa e independente à concessionária, cujos objetivos não se coadunam com o atendimento de populações rurais pobres. Segundo, as agências internacionais afirmam que os relatos de sucesso em tais políticas estão sempre associados a um forte envolvimento das lideranças comunitárias nos processos.

Levando em consideração esses dois pontos importantes, que, de fato, são consistentes com a experiência do BNDES em programas de eletrificação rural para produtores de baixa renda, esse banco e a Escola Politécnica desenvolveram um modelo de eletrificação rural. Tal modelo foi apresentado ao governo de São Paulo, consolidando-se no programa "Luz da Terra".

 

O PROGRAMA "LUZ DA TERRA"

Em 1995 o Estado de São Paulo, instigado pela Universidade de São Paulo, instituiu uma Comissão Especial de Eletrificação Rural (CEER) com os objetivos de avaliar a situação da zona rural e de propor um conjunto de ações capazes de solucionar os problemas encontrados.

A principal conclusão obtida pela CEER foi a necessidade de se definir uma estratégia única em nível estadual que estabelecesse um programa de ações pertinentes a todas as concessionárias.

Com base nessa conclusão, o BNDES, através da Universidade de São Paulo, propôs ao governo do Estado de São Paulo a criação de um programa de eletrificação rural com o objetivo explícito de atendimento da população mais pobre. Foi instituída a Comissão de Eletrificação Rural do Estado de São Paulo (CERESP), com a tarefa de coordenar a implantação em nível estadual de um programa tendo por meta explícita se eliminar o déficit de energia elétrica na zona rural paulista.

Os trabalhos da CERESP levaram a criação do programa de eletrificação rural "Luz da Terra". Esse programa é baseado no modelo aplicado com grande sucesso no Rio Grande do Sul.

Em função das características do estado, optou-se por privilegiar a extensão da malha elétrica. JUCÁ e RIBEIRO (1997) afirmam que no estado de São Paulo raros são os casos de propriedades rurais que distam mais de 50 km de uma subestação e 20 km de uma rede de distribuição. Ressaltam que as características das futuras ligações a serem realizadas são:

• média de 3 ligações por km;

• pequenas distâncias das subestações;

• média de 0,56 transformadores por ligação;

• necessidade média por ligação de 5 kW de potência instalada.

As linhas operacionais do programa são apresentadas a seguir:

• utilização de padrões de rede mais econômicos e adequados à região elétrica, adotando, onde possível, sistema MRT, mão-de-obra local, sistema em mutirão para execução das obras e equipamentos recuperados da rede urbana ou simplificados, como postes de madeira e condutores de aço zincado;

• a estimativa de ligações necessárias é de 150.000 propriedades rurais, ao custo médio de R$ 1.500,00 por ligação. Os recursos vêm de uma linha de financiamento existente no BNDES para programas de eletrificação rural e são repassados aos interessados através da Nossa Caixa Nosso Banco (NCNB), que possui uma rede de agências espalhadas por todo o estado. A divisão de recursos de cada projeto é a seguinte:

• 5% do valor total do projeto é de responsabilidade da concessionária de energia elétrica;

• 15% do valor total do projeto deve ser pago diretamente pelo interessado, em dinheiro ou através de serviços;

• 80% do valor total do projeto é financiado com recursos do BNDES aos próprios interessados, com juros de TJLP (taxa de juros a longo prazo) + 3,5 % ao ano, com uma carência de seis meses a um ano e prazo de pagamento de até 72 meses;

• o valor estimado de cada parcela a ser paga é de aproximadamente R$ 30,00 por mês (caso o custo do projeto seja de R$ 1.500,00), que foi estimado como sendo equivalente ao aumento na produção de 1 hectare de milho por ano. O produtor pode optar também pela equivalência em produto. Vale lembrar que esta é uma operação de empréstimo, ou seja, 95% do custo da ligação será pago pelo interessado;

• os projetos são realizados pelas concessionárias e entregues as comunidades ou grupo de interessados que providenciam a contratação de serviços e mão-de-obra de uma empreiteira, em livre concorrência. É aberta também a possibilidade de a comunidade entrar em acordo com as empreiteiras e realizar tarefas em regime de mutirão. A comunidade é livre para fazer suas compras. Após concluída a obra, as concessionárias fiscalizam e incorporam a rede construída a sua malha de distribuição. Os projetos são também enviados a uma comissão técnica (COMTEC) formada por representantes dos órgãos envolvidos que verificam a adequabilidade do projeto ao programa em termos de uso de padrões técnicos simplificados e orçamentos compatíveis com a realidade do mercado.

• os interessados considerados como de baixa renda terão suas ligações totalmente custeadas pelas concessionárias. A CESP e a CPFL consideravam como consumidores de baixa renda aqueles que possuírem renda familiar bruta de até um salário mínimo. A Eletropaulo considera como sendo de baixa renda os consumidores que possuírem renda familiar bruta de até três salários mínimos;

• a Secretaria Estadual da Agricultura e do Abastecimento participa na análise da capacidade de pagamento dos interessados e na orientação técnica aos produtores rurais no sentido de incrementar a produção. Os produtores rurais ganham o benefício do FEAP (Fundo de Expansão da Agropecuária e da Pesca) que garante um refinanciamento em caso de inadimplência com a NCNB. Funciona como uma espécie de aval, garantindo a NCNB e dando possibilidade ao pequeno produtor saldar sua dívida, caso ele encontre dificuldades dentro do prazo estipulado;

• outros órgãos envolvidos são a Secretaria de Economia e Planejamento, que tem missão de coordenar o programa com outras ações sociais do Estado, e a Universidade de São Paulo, através de prestação de assessoria e consultoria ao programa.

 

O NÃO ARRANJO INSTITUCIONAL

O governo de São Paulo não conseguiu impor o modelo descrito. Alguns atores tiveram dificuldades em aceitar o paradigma social. Outros, de abandonar velhas relações com empreiteiras.

Isso fica patente quando se observam os seguintes fatos:

• uma concessionária estatal relutou em aderir ao programa, tendo assumido sua participação somente na metade do processo;

• a questão do risco bancário não foi solucionada. O governo tinha se comprometido em alterar a lei do FEAP para que os benefícios desse fundo pudessem ser estendidos, dentro do programa "Luz da Terra", aos não produtores rurais. No entanto, isso não aconteceu;

• a divulgação do programa não foi efetuada conforme o previsto. Muitos prefeitos e entidades civis organizadas não foram informadas de que poderiam colaborar no processo.

O programa começou a ser implantado com todas essas deficiências. Apesar das falhas de divulgação, alguns agentes do programa despertaram comunidades rurais para que essas reivindicassem suprimento para sua demanda energética. De repente os agentes depararam com a impossibilidade de iniciar operações por questões institucionais. Acordaram a vontade popular mas não havia como sair da promessa, causando impasse, desgastando os agentes e trazendo descrédito para o programa justamente junto ao seu público alvo. A primeira operação só se concretizou a seis meses do final da primeira fase.

A principal falha institucional foi a falta de mecanismos e agentes de gestão. O modelo previa várias "portas de entrada" no programa e "caminhos paralelos" nos passos de atendimento ao público.

Não houve. Houve apenas as concessionárias, cujos agentes, muitas vezes, boicotaram a política do governo.

O governo do estado assumira um modelo que partia da premissa de que as concessionárias realmente não têm interesse em atender consumidores muito pobres, distantes, dispersos e sem perspectiva de consumo de energia por não ter dinheiro para comprar equipamentos. Assumia, pois, a responsabilidade por criar mecanismos alternativos às concessionárias e agentes que levassem sua nova política ao interior, dentro de um paradigma de atendimento social.

A Secretaria de Energia não conseguiu cumprir sua parte e o programa ficou à deriva, entre o naufrágio e algo equivalente, que era deixar sua condução, nos moldes como foi planejado, para as concessionárias. A vontade política do governo, muitas vezes, não conseguiu se traduzir em ações de seus agentes que fossem em concordância com a política planejada.

 

AVALIAÇÃO E COMENTÁRIOS

A política de eletrificação rural do Estado de São Paulo não funcionou durante a primeira fase de sua implantação. O governo não cumpriu o compromisso junto ao BNDES, afastando-se da política planejada. Isso fica patente quando se observa a questão do risco bancário. Era dever do Estado de São Paulo criar um mecanismo que desse suporte ao risco e que possibilitasse a todo morador da zona rural o acesso ao crédito. Esse instrumento deveria ter sido o FEAP. No entanto, a própria máquina do Estado acabou inviabilizando esse procedimento, gerando um vácuo institucional.

A instituição desse vazio impossibilitou que muitos interessados em iluminar suas casas, entre tantos, os mais pobres, tivessem acesso ao dinheiro. Criou-se um impasse: havia disponibilidade de dinheiro, existia vontade de que esse recurso fosse corretamente empregado mas não havia modo de utilizá-lo.

A questão do risco bancário quebrou o arranjo institucional planejado. Segundo PELEGRINI (1998), a quebra do arranjo institucional foi conseqüência de uma mudança no governo estadual, com a saída de cena de um dos partidos políticos, o PFL que participava da aliança governamental e era responsável pela pasta da Agricultura. Durante a gestão do PFL, a Agricultura se envolveu politicamente no planejamento da eletrificação rural, inclusive assumindo a responsabilidade de criar instrumentos fundamentais para que a política não fosse excludente, tais como, o suporte ao esquema de equivalência em produto e o risco bancário dos mutuários pobres. Todavia, teria, e o antigo Secretário da Agricultura deu início a isso, que alterar a "Lei do FEAP" para que ela contemplasse também os não produtores rurais. Com a ruptura do governo, surgiu um movimento que buscava anular os avanços políticos obtidos por esse partido. E, dentre outros setores, a eletrificação rural foi afetada, pois o papel que a Secretaria de Agricultura e Abastecimento assumira na gestão do PFL foi parcialmente perdido e o não produtor rural ficou fora dos benefícios do FEAP: tanto perdeu a equivalência em produto, quanto o aval que a Secretaria dá ao cidadão rural produtor.

Em conjunto com essa situação a Secretaria de Energia mostrava vontade política para implantar a eletrificação rural, mas essa vontade não se traduzia em ações. A CERESP, presidida pelo Secretário de Energia, se tornou um vazio político. O próprio Secretário se afastou do seu comando e seu representante, e os das outras Secretarias, não conseguiram implantar o programa porque não tinham poder, e não representavam o poder. Isso ficou claro com a insistência da coordenação da CERESP em delegar funções para as concessionárias que não eram de sua alçada pelo entendimento do modelo que se pretendia impor. Assim, as concessionárias passaram a gerir todo o processo dentro dos municípios, desde o cadastramento até a contratação das empreiteiras. A voz de protesto dos pesquisadores da Universidade de São Paulo contra esse procedimento foi uma voz no vazio. Somente ao final da primeira fase de implantação do programa foi que a CERESP conseguiu uma equipe para assumir essa prática.

Diante desse cenário as concessionárias assumiram o controle das ações, passando a descumprir determinações da Secretaria de Estado de Energia. Isso desencadeou uma série de procedimentos das concessionárias, culminando com o nascimento, depois de uma longa e disfarçada gestação, de um programa "paralelo" da CESP. Sobre o pretexto de se suprir as falhas do programa "Luz da Terra", essa iniciativa se mostrou uma prática particular da empresa em relação à eletrificação rural, contrapondo-se à política e as ações do próprio governo do Estado. Em verdade, tratou-se de uma ruptura com a política de eletrificação rural do Estado de São Paulo. Além disso, esse programa "paralelo" promoveu a exclusão social, pois muitos interessados afirmaram não possuir condições de arcar com a forma de pagamento apresentada pela CESP. O programa "paralelo", gerado em afronta ao Secretário de Estado de Energia, acabou sendo aceito pelo próprio Secretário, quando se viu sem condições de construir o arranjo institucional que sua pasta tentara em vão conseguir.

Paralelamente a esses fatos as concessionárias estatais atravessavam uma fase de turbulência, pelo desencadeamento do processo de privatização. O fruto desse processo foi uma redução do corpo de funcionários dessas empresas e o surgimento de um clima de espera da hora fatal da degola. Todas as ações passaram a ser questionadas, com o argumento de que não se saberia a posição dos novos donos. Com a eletrificação rural não foi diferente. Assim, muitas ações foram postergadas para um futuro pós privatização, gerando atrasos nos procedimentos do programa "Luz da Terra".

No entanto o modelo mostrou que funciona. Onde ele foi corretamente implantado, contando com a participação das forças vivas da sociedade, particularmente das prefeituras, o processo caminhou. Exemplos são os municípios de Mongaguá, Bofete e Paranapanema. Fato que as concessionárias parecem não compreender é que a correta implantação do modelo é lenta, quando comparada à prática tradicional das suas equipes, pois não se trata apenas de se ligar luz às propriedades rurais. Trata-se de caminhar no sentido de recuperar a cidadania de pessoas há muito tempo excluídas da sociedade. Isso é uma prática com a qual as concessionárias não estão acostumadas. Assim, elas não assimilaram esse fato e pensam apenas no que a lentidão de todo o processo irá causar à sua imagem. E qual a solução que elas encontram para essa situação? Simplesmente boicotam a política do Estado, não cumprindo com as determinações da Secretaria de Energia.

Os resultados alcançados até o final da primeira fase do programa já refletem uma redução de custos importante. Haverá redução maior com a prática de mutirão e a compra direta de materiais dos fornecedores, atividades previstas no programa mas não executadas durante sua primeira fase. Estudos realizados pela COMTEC apontam que a compra direta dos materiais pelos interessados é capaz de reduzir em 20% os custos, quando se compara com preços de materiais oferecidos pelas empreiteiras. Essas duas práticas, o mutirão e a compra direta de materiais, aliadas a projetos elaborados segundo a norma técnica unificada do programa, possibilitarão uma significativa economia para os interessados. Essa economia muitas vezes pode ser o diferencial entre se ter ou não luz elétrica acesa nas casas das pessoas mais pobres da zona rural.

A adoção dessa política da eletrificação rural trouxe inegáveis benefícios. Apenas o debate gerado pelo programa já é um grande avanço. Empresas como a Eletropaulo e a CPFL passaram a discutir a utilização de sistemas simplificados em suas linhas de distribuição rural. A NCNB criou novas linhas de financiamento de projetos de eletrificação rural e liberou os interessados com rendimentos superiores a R$ 7.500,00 anuais da necessidade de avalistas. Concessionárias privadas, reconhecidamente mais refratárias à prática da eletrificação rural, passaram a se interessar, solicitando apoio da CERESP. A inserção da Universidade de São Paulo na discussão do planejamento e na implantação do processo fez com que a eletrificação rural fosse abordada por novos ângulos. A Universidade mostrou ser um órgão importante na discussão de um problema crucial da sociedade.

As pesquisas elaboradas para a realização deste trabalho mostraram a existência da necessidade de novos estudos para complementá-lo. Um trabalho a ser desenvolvido é buscar criar uma metodologia que auxilie no correto dimensionamento das cargas rurais que, como já visto, na maioria das vezes se encontram superdimensionadas. Outro estudo que se faz necessário é sobre a real confiabilidade do sistema MRT, adotando todas as simplificações possíveis, tais como o uso de mola desligadora e o descarregador de chifre. A adequação do modelo de eletrificação rural BNDES/USP para o cenário de um mercado regido por empresas privadas é um outro tema que ficou aberto.

Este trabalho vem ao encontro de muitos outros estudos realizados em todo o mundo, os quais apontam que a eletrificação rural nas mão das concessionárias é um procedimento de resultados excludentes. Cabe ao Estado tomar definitivamente consciência desse fato, assumindo e comandando a eletrificação rural com o objetivo explícito de atender o pobre rural. Particularmente cabe ao Estado de São Paulo efetivar os compromissos assumidos, com adoção de medidas que possibilitem o resgate do modelo.

 

CONCLUSÕES

Cabem aqui algumas considerações sobre o modelo utilizado no programa "Luz da Terra". A primeira questão é: ele é bom? A resposta é sim, se for bem aplicado. É preciso o engajamento efetivo dos órgãos e da vontade do governo em fazer, como em qualquer outro modelo. Uma avaliação foi feita pelas próprias concessionárias, em outubro de 1997. Nessa ocasião, o Diretor de Distribuição da CPFL relatou que teve dificuldades em entender o modelo, mas quando o entendeu e o aplicou viu que dava certo.

No programa "Luz da Terra" verificou-se que as falhas foram muito mais pelo boicote dos atores do que por ser um modelo excessivamente complicado. Ele pode e deve ser reaplicado, onde existirem condições políticas favoráveis. Apenas deve-se estar atento às duas questões básicas discutidas neste trabalho: o risco bancário e a capacidade operacional de campo. Ganha-se muito se as decisões e as ações forem concentradas nos municípios. O poder local e os beneficiários podem encontrar suas próprias soluções de atendimento.

Outra consideração é que ele permite que alternativas de geração descentralizadas e renováveis, como energia solar, eólica, biomassa, micro-usinas hidrelétricas, etc, possam ser utilizadas. Apenas não se pode descartar a extensão de rede como uma alternativa plenamente viável, com simplificações técnicas que a tornam de custo acessível ao público-alvo do modelo, os pequenos produtores e moradores mais pobres da zona rural.

Assim, fica claro que a eletrificação rural em São Paulo, durante a primeira fase do programa "Luz da Terra", confirmou ser uma matéria que ultrapassa os aspectos técnicos. As razões do seu fracasso, ou dos desencontros havidos, têm suas raízes no caráter político das decisões.

 

REFERÊNCIAS

[1]COOPERS & LYBRAND. Projeto de reestruturação do setor elétrico brasileiro - Etapa VI - Cooperativas de eletrificação rural. Eletrobrás, dezembro de 1997.

[2]RIBEIRO, F.S. Eletrificação rural de baixo custo. Tese (Livre Docência), Escola litécnica, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1993.

[3]JUCÁ, A. DA S.; RIBEIRO, F.S. Uma rede de distribuição a ser estendida. In. XVI Conferência Latinoamericana de Electrificacion Rural - XVI CLER. Santiago do Chile, setembro de 1997.

[4]PELEGRINI, M.A. Prática da eletrificação rural em São Paulo (1995-1997). Dissertação (Mestrado) apresentada à Escola Politécnica da USP para obtenção do título de Mestre em Engenharia Elétrica. São Paulo, abril de 1998. 162 p.

 

 

Endereço para correspondência
Luiz Henrique Alves Pazzini
e-mail: pazzini@pea.usp.br