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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003
Comparação de dois modelos de células fotovoltaicas usando dados reais: modelo de dois diodos versus modelo de um diodo e quatro parâmetros
Cristiano Augusto da Silva FreireI; Paulo César Marques de CarvalhoII
IDepto. de Engenharia Elétrica, Universidade Federal do Ceará
IIDepto. de Engenharia Elétrica, Universidade Federal do Ceará, Caixa Postal 6001, Fortaleza, CE, 60455-760, tel: (085) 288.9579 fax:(085) 288.9585
RESUMO
Dois modelos de célula fotovoltaica conhecidos são o modelo de dois diodos e o modelo de um diodo e quatro parâmetros (L4P). O objetivo deste trabalho é fazer uma comparação entre esses modelos com base em dados reais. Os dados foram coletados em 1992 como parte de um projeto de bombeamento de água por energia fotovoltaica em uma comunidade rural no interior do Ceará. Os modelos foram implementados utilizando linguagem de programação do MatLab para construir a curva corrente-tensão de um módulo fotovoltaico e para estimar a corrente do arranjo completo tendo como entradas a radiação solar, a temperatura da célula e a tensão do arranjo. O erro médio quadrático calculado com base em dados de um mês de medição foi de 17.1% para o modelo L4P e de 10.1% para o modelo de dois diodos. Dos resultados obtidos, conclui-se que o modelo de dois diodos apresenta resultados dentro do que se espera de modelos que não incluem correção espectral nem correção de ângulo de incidência solar. Já o modelo L4P permite apenas uma previsão grosseira do dimensionamento de uma instalação embora apresente a vantagem de necessitar apenas de dados do fabricante.
Palavras-chave: Energia solar, sistemas fotovoltaicos, modelagem, simulação.
ABSTRACT
Two already known photovoltaic cell models are the two diode model and the one diode and four parameters model. The purpose of this work is to compare these models regarding real data collected in a photovoltaic water pumping project runned in a rural community in the state of Ceara. The models were performed in MatLab programming language in order to build the photovoltaic module IV curve and estimate the full array current given the solar radiation, cell temperature and array voltage. The root mean square error calculated on a one month basis was 17.1% in the L4P model and 10.1% in the two diode model. One concludes from the results that the two diode model produces results as good as expected from models which do not consider spectral correction neither solar incidence angle correction. Moreover, one sees that the L4P model can just be used as a rough instalation dimension prediction tool although it has the advantage of requesting only manufacturer data to be performed.
INTRODUÇÃO
Um modelo é escolhido para representar um sistema, em determinado estudo ou trabalho, de acordo com a complexidade de sua implementação e a exatidão dos resultados desejadas. Também leva-se em conta o tipo de resposta que se deseja obter com o modelo. Se a resposta dinâmica em um estudo de transitórios ou a resposta estática de regime, por exemplo. O modelo deve ser capaz de apresentar resultados aproximadamente iguais a dados reais obtidos em experimentos já realizados bem como prever, satisfatoriamente, saídas para determinadas entradas.
Dois modelos de células fotovoltaicas inicialmente desenvolvidos e hoje bastante conhecidos são o modelo de dois diodos e o modelo de um diodo. Uma abordagem simplificada deste último é o modelo de um diodo e quatro parâmetros (L4P) encontrada em (TOWNSEND, 1989). Ambos são modelos reduzidos de parâmetros concentrados e utilizados para estimar a energia a ser fornecida por uma instalação fotovoltaica e seu rendimento. Cada um desses modelos tem dificuldade de implementação e precisão de saída próprios. Comparar-se-á os resultados obtidos com os dois modelos quando confrontados com dados reais, procurando identificar as vantagens de um modelo sobre o outro.
Essa pesquisa se insere, em um contexto mais amplo, no projeto de osmose reversa acionada por painéis fotovoltaicos que tem como objetivo dessalinizar água salobra de poços, por meio da energia solar, para torná-la apropriada ao consumo humano. Esse projeto constitui uma alternativa para o fornecimento de água potável em comunidades rurais sem rede de energia elétrica. Destaca-se sua aplicabilidade no interior do nordeste brasileiro onde a predominância de solo cristalino faz com que a água de poços apresente índice de salinidade superior ao admitido (CARVALHO, 2000). O projeto é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Banco do Nordeste (BNB).
MODELO DE UM DIODO E QUATRO PARÂMETROS
Um modelo concentrado que representa toda a curva corrente-tensão de uma célula fotovoltaica, e não apenas a região próxima ao ponto de potência máxima é o modelo de um diodo e quatro parâmetros. O circuito equivalente deste modelo é mostrado na figura 1.
IL é a corrente de fótons e, com ótima aproximação, varia em proporção direta com a intensidade de radiação solar incidente. Também varia linearmente com a temperatura da célula e depende do material e do processo de fabricação. ID representa a característica de corrente de diodo das células fotovoltaicas. RS é a resistência série da célula. Esta resistência encontra-se, na realidade, distribuída na superfície e contatos metálicos da célula. V e I são a tensão nos terminais da célula e a corrente de saída da mesma. RL representa a carga conectada à célula.
A corrente I no circuito é dada pela equação (1) a seguir.
onde:
I0 é a corrente de saturação reversa
q é a constante de carga do elétron (1,602 x 10-19 C)
k é a constante de Boltzmann (1,381 x 10-23 J/K )
TC é a temperatura da célula
g é igual a (A . NCS)
A é o fator de forma (igual a 1 para célula ideal)
NCS é o número de células em série
Os quatros parâmetros do circuito são:
IL = corrente de fótons
I0 = corrente reversa de saturação
g = A . NCS
RS = resistência série
Três pontos conhecidos da curva IxV da célula fotovoltaica são usados para calcular os parâmetros desejados: o ponto da corrente de curto-circuito, o ponto da tensão de circuito aberto e ponto de máxima potência. Como são quatro os parâmetros a serem encontrados, é necessário uma outra relação entre eles. Essa relação é a expressão analítica da tensão de circuito aberto Voc em termos de Rs e dos pontos da curva já conhecidos, Imp, Vmp e Isc. Diferenciando esta expressão com respeito à temperatura da célula, obtém-se o coeficiente de temperatura da tensão de circuito aberto, m voc, em função de Rs. Utiliza-se então um algoritmo de busca com valores de Rs variando entre um mínimo e um máximo até que se obtenha o valor de m voc dado pelo fabricante. O valor mínimo de Rs é zero ohms e o máximo é dado por um limite físico imposto por outro parâmetro do módulo, g. Rs varia inversamente com g, e g possui um limite mínimo de NCS (A=1). Obtido Rs, restam três parâmetros para três pontos conhecidos da curva.
Para este circuito equivalente, não é necessário atribuir valores arbitrários a qualquer parâmetro. Todos são obtidos a partir das informações do fabricante.
Uma vez encontrados os quatro parâmetros procurados, eles são substituídos na equação (1) que representa a curva IxV nas condições de referência de temperatura da célula e irradiação. Para obter a característica da célula em outros valores de temperatura e irradiação usam-se as equações (2) e (3).
onde:
,REF irradiação na condição nova e na de referência (W/m2)
IL REF = corrente de fótons nas condições de referência (A)
µisc = coeficiente de temperatura da corrente de curto-circuito (A/graus)
TC, TC REF = temperatura da célula na condição nova e na de referência.
onde:
D = fator de difusão do diodo (aproximadamente constante)
eg = banda de energia do material (1,12 eV para o silício e 1,35 para o GaAs).
MODELO DE DOIS DIODOS
O modelo de dois diodos completo inclui resistência série e resistência paralelo. O circuito equivalente pode ser visto na figura 2 (SCHUMACHER, 1991). A relação entre a tensão Uc de uma célula de um módulo fotovoltaico e a densidade de corrente j da célula é dada pela equação (4).
onde:
rs é resistência série da célula.
rsh é a resistência paralelo da célula.
a é o parâmetro do primeiro diodo (igual a 1).
b é o parâmetro do segundo diodo (igual a 2).
TC é a temperatura da célula.
e0 é a carga do elétron
k é a constante de Boltzmann.
j01, j02 representam as densidades de corrente de saturação dos diodos do modelo.
As densidades de corrente de saturação são dadas pelas equações (5) e (6).
onde:
C01 é o coeficiente da densidade de corrente de saturação do primeiro diodo.
C02 é o coeficiente da densidade de corrente de saturação do segundo diodo.
eg é a banda de energia do material.
A corrente de fótons é dada por:
onde:
C0 é o coeficiente da densidade da corrente de fótons.
C1 é o coeficiente de temperatura da densidade de corrente de fótons.
F é a irradiação solar
Finalmente, a tensão e a corrente do módulo fotovoltaico completo são:
onde:
Ac é a área de uma única célula.
Ns é o número de células em série do módulo (para um arranjo de mais de um módulo, considerar as células de todos os módulos).
Np é o número de células em paralelo do módulo (para um arranjo de mais de um módulo, considerar as células de todos os módulos).
DADOS REAIS
A tabela 1 relaciona as quatro grandezas que são utilizadas como entradas dos modelos e como referência para validação dos mesmos. Os dados usados nas simulações foram coletados em maio de 1992 como parte do projeto, iniciado em 1989, de bombeamento de água por energia fotovoltaica para a comunidade rural da localidade de Lagoa das Pedras, interior do Ceará. Esse projeto, executado pela GTZ alemã (Sociedade Alemã para Cooperação Técnica) em parceria com a COELCE (Companhia de Eletricidade do Ceará), contemplou quatro outras localidades com o mesmo sistema composto por geradores fotovoltaicos, seguidor de máxima potência, inversor ,bomba submersa e sistema de aquisição de dados. O arranjo fotovoltaico completo da instalação do projeto é constituído por um total de dezesseis módulos conectados em dois grupos de oito módulos em série, estando esses dois grupos ligados em paralelo. O módulo usado é o M50-S, de 50Wp, da Siemens. A saída do arranjo é então conectada ao conjunto seguidor de máxima potência-inversor (TEGETHOFF, 1995).
SIMULAÇÃO
Foram implementados os modelos de dois diodos e L4P utilizando a linguagem algorítmica de programação do MatLab versão 4.2. para construir as curvas de corrente por tensão e potência por tensão do módulo e para estimar a corrente do arranjo completo dados radiação solar, temperatura da célula e tensão do arranjo. Finalmente, a simulação calcula o erro entre os valores estimados por cada modelo e o valor medido da corrente.
No modelo L4P foi usado um mecanismo de busca binária para encontrar o valor de Rs que correspondesse ao coeficiente de temperatura da tensão de circuito aberto, m voc, dado pelo fabricante. Para encontrar a corrente do arranjo foi usado em ambos modelos o método iterativo de Newton-Raphson.
Foram considerados os dados com radiação solar medida maior que 100 W/m2 pois em valores de radiação menores encontram-se muitas medidas de tensão e corrente incoerentes e que levam a erros de até 70% em ambos os modelos.
A figura 3 mostra a curva corrente-tensão e a curva de potência pela tensão do módulo fotovoltaico obtidas pelo modelo de dois diodos. A figura 4 mostra essas curvas, para o mesmo módulo, agora construídas pelo modelo de um diodo e quatro parâmetros. Note-se nas figuras 3 e 4 que a escala de potência está dividida por dez para possibilitar sua visualização junto das curvas de corrente.
Na figura 5, tem-se uma comparação dos dois modelos pela exibição, no mesmo par de eixos, das curvas de corrente pela tensão do mesmo módulo fotovoltaico, M50-S, obtidas com cada um deles.
O erro médio quadrático, Erms, dado pela expressão (8), entre as correntes, estimada e medida, do arranjo, foi calculado com base em dados de um mês.
O resultado está na tabela 2.
CONCLUSÃO
As curvas das figuras 3 e 4 mostram que ambos os modelos estimam com exatidão a corrente de curto-circuito (Isc=3.1 A) mas que apenas o modelo L4P estimou a tensão de circuito aberto (Voc=21.5 V) acertadamente. Quanto à região vizinha ao ponto de potência máxima (Mpp), vê-se pela figura 5 que os modelos apresentaram resultados bastante próximos. A diferença entre as tensões de potência máxima encontradas com os modelos foi de apenas 1,4%.
O erro, em torno de 10%, do modelo de dois diodos está dentro da espectativa de erro dos modelos que não incluem correção espectral nem correção do ângulo de incidência (KING, 1996). No entanto, sua implementação requer o conhecimento de parâmetros não fornecidos pelos fabricantes. Estes valores foram retirados do manual do INSEL reproduzido em (TEGETHOFF, 1995). Nem todos os módulos existentes no mercado, porém, estão incluídos naquele programa.
Já o erro de 17% obtido com o L4P só permite uma estimativa grosseira do dimensionamento de uma instalação fotovoltaica. Sua grande vantagem está no fato de se necessitar apenas de dados encontrados atualmente em praticamente todos catálogos de fabricantes.
AGRADECIMENTOS
Apresentamos nossos agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Banco do Nordeste (BNB) que juntos financiam integralmente o projeto de osmose reversa acionada por painéis fotovoltaicos no qual esse trabalho se insere.
REFERÊNCIAS
[1] Townsend, Timothy U. : A method for estimating the long-term performance of direct-coupled photovoltaic systems; Dissertação de mestrado, University of Wisconsin, Madison, 1989.
[2] Carvalho, P. C. M.: Água potável via energia solar; Ciência Hoje, vol. 27, no 158, março, 2000.
[3] Schumacher-Gröhn, Jürgen: Digitale simulation regenerativer elektrischer energieversorgungssysteme; Dissertation, Universität Oldenburg, Oldenburg, 1991.
[4] Tegethoff, Wilhelm: Experimentelle und theoretische analyse eines photovoltaisch betriebenen pumpsystems unter besonderer berücksichtigung der aquiferdynamik; Diplomarbeit, Philipps-Universität Marburg, 1995.
[5] King, David L.:Photovoltaic Module and array performance characterization methods for all system operating conditions; NREL/SNL Program Review, AIP press, 1996.
Endereço para correspondência
Cristiano Augusto da Silva Freire
e-mail: cristiano@gpec.ufc.br, e-mail: cristiano@funceme.br
Paulo César Marques de Carvalho
e-mail: carvalho@dee.ufc.br