An. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002
Modelagem de políticas públicas para atendimento energético a comunidades isoladas
Maria Julita Guerra FerreiraI; Adnei Melges de AndradeII
ISecretaria de Estado de Energia - SEE1 Rua Bela Cintra, 847, 11o andar, CEP - 01410-000, São Paulo, SP. Fax: 11 3258-6700; email: julita@uol.com.br
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RESUMO
O presente trabalho é dedicado à apresentação de um modelo para a implantação de políticas públicas na área energética dirigidas ao atendimento das necessidades de comunidades isoladas das redes de distribuição de energia elétrica, desenvolvido na tese de doutorado de Ferreira. O modelo é construído a partir da análise da experiência de instalação de sistemas fotovoltaicos através do Programa de Atendimento a Comunidades Isoladas - PACI, da Secretaria de Estado de Energia de São Paulo - SEE, com suporte do Ministério de Minas e Energia, através do Programa para o Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios - PRODEEM.
1 - DEFINIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
É usual se classificar como "projeto social" o atendimento das demandas energéticas de Comunidades Isoladas, na maioria das vezes porque essas comunidades são compostas por populações de baixa renda ou porque essas intervenções são consideradas inviáveis financeiramente pelas empresas de distribuição de energia elétrica. Para que o entendimento dessa questão seja feito do ponto de vista do Poder Público, primeiro responsável pela implementação de Políticas Públicas, é necessário definir o que significa um "projeto social". Neste trabalho, entende-se como projeto social uma ação transformadora voltada a promover melhorias na qualidade de vida de pessoas ou grupos sociais para os quais as condições atuais de vida são insatisfatórias, e que não possuem as condições necessárias para ultrapassar exclusivamente através de seus próprios meios essa situação insatisfatória. Portanto, segundo essa definição, o projeto social deve incorporar a variável temporal, considerar o momento histórico de sua implantação. Decidir-se por uma atuação com esse perfil requer a identificação dos grupos sociais que nesse momento necessitam de auxílio externo para suplantar as limitações a que estão submetidos. Com tamanha amplitude, a definição permite a inserção de grandes blocos sociais, principalmente em países do chamado terceiro mundo, onde o Brasil se localiza. Como a ação social que será estudada é também ação de governo de estado e para essas ações os recursos são restritos, nosso Universo de estudo também é mais restrito, atendo-se aos grupos que são considerados por unanimidade como dependentes do auxílio externo para ultrapassar sua atual situação de vida "insatisfatória".
A segunda questão colocada é localizar dentro da condição "insatisfatória" de vida, o aspecto que será objeto do trabalho social. Para o caso em questão, a ausência dos serviços de energia elétrica corresponde a essa condição "insatisfatória". Parte da ação social, portanto, será a oferta de energia elétrica restrita para usos básicos, que em cada comunidade terá uma definição própria.
Uma característica marcante e comum a qualquer programa social, seja qual for o setor administrativo ao qual esteja relacionado, é que sua estruturação envolve a compatibilização de interesses de todos os envolvidos. E, não raro, cada parte envolvida encara o problema com contornos bastante diferentes. Como não poderia deixar de ser, partindo de pressupostos diferentes, cada parte define o problema segundo óticas próprias. Para as comunidades, ações que se limitam a ofertar o recurso energético, no caso através de sistemas fotovoltaicos, sem reunir as condições para a manutenção desse recurso e consolidação das melhorias na qualidade de vida que o recurso propicia[1], são vistas como ações meramente empresariais, corriqueiras e incompletas, na medida em que para outros estratos sociais que já dispõem do recurso energético, além da oferta do recurso também são desenvolvidas ações de qualidade do recurso, com penalização para a interrupção dos serviços. Ou seja, ações de eletrificação rural não são entendidas pelo público - alvo como projetos sociais, mas sim como obrigação da prestadora de serviços, o que também é o entendimento da legislação atual, expresso através da minuta de Decreto de Universalização dos Serviços de Energia[2]. De forma mais global, do ponto de vista das comunidades, ações que se limitam a fornecer o recurso energético não correspondem ao anseio das comunidades envolvidas, cujas carências ultrapassam em muito a carência energética, e alguns dos conflitos verificados em campo são oriundos dessa limitação, como se verá no relato dos casos específicos.
O foco do presente estudo, portanto, não é o reconhecimento e quantificação da carência do recurso energético e os instrumentos para sua superação, o que freqüentemente é entendido como "projeto social". É buscar definir o conjunto de condições que um projeto deve reunir para: 1) cumprir as funções de superação de barreiras que impedem melhorias na qualidade de vida, ou seja, mudança de uma condição insatisfatória de vida para outro patamar de níveis de satisfação, impossíveis de alcançar com os recursos da própria comunidade, e 2) garantir a consolidação do novo patamar de satisfação. Esse é o entendimento de "projeto social" na área de energia que permeia o presente estudo.
Outro ponto que surge é a discussão sobre quem deve implementar a ação social. Antes de tudo, é preciso lembrar que projetos sociais podem ser desenvolvidos por qualquer ator ou conjunto de atores do cenário, e o surgimento de projetos implementados por Organizações Não Governamentais - ONGs, nas últimas duas décadas, são o melhor exemplo de que não apenas o Estado pode e deve se incumbir dessas funções. No entanto, como veremos no caso em estudo, o Estado é o ator mais indicado para executar projetos sociais, por reunir condições estruturais abrangentes e diferenciadas, e por que sempre terá algum nível de envolvimento legal com o atendimento de demandas sociais, por mais que seja reformado, pelo que se vê em países desenvolvidos e mais capitalizados. O cerne do problema é avaliar a capacidade do Estado de promover ações sociais através de seu setor energético.
Nas áreas administrativas governamentais questiona-se sobre a amplitude que as ações deflagradas como "projetos sociais" pelo Estado devam ter. No caso brasileiro, a partir de 1995 houve uma forte movimentação administrativa e política voltada à diminuição do tamanho do Estado Nacional, especialmente nas áreas de energia e telecomunicações, para aumentar a eficiência de suas ações em outras áreas consideradas prioritárias, tais como saúde e educação. O discurso político desse momento histórico foi direcionado à finalização das ações do estado como empresário do ramo energético[3].
As ações desenvolvidas dentro do setor elétrico nas áreas de eletrificação rural e uso de fontes renováveis enquadram-se num grupo de atividades diferenciadas, muitas vezes qualificadas como ações sociais. É sintomático e digno de nota que geralmente estão vinculadas estruturalmente a áreas de planejamento, onde são colocadas todas as atividades que o setor não sabe muito bem como classificar. Estão nas margens da organização do sistema elétrico e, coincidentemente, dedicam-se às atividades voltadas às franjas do tecido social. E por essa razão carregam e expõem questões muito importantes, tanto para o público interno, o próprio setor energético, quanto para o seu público alvo, os excluídos dos serviços de energia, direito de todos mas não acessível a muitos, na ordem de 15 milhões de pessoas, segundo os dados de 1996, divulgados em 1999 pelo Ministério de Minas e Energia - MME.
É fácil constatar que a exclusão dos serviços de energia é uma das formas pela qual se expressa o distanciamento existente entre os diferentes estratos sociais no país inteiro e em outros países. Isto se dá não apenas na zona rural, e expõe as conseqüentes formas diferenciadas de atendimento que o Estado dispensa aos diferentes estratos sociais. A fronteira que delimita o grupo de cidadãos que tem seu direito aos serviços de energia assegurado define também qual é a Nação que os Estados Nacionais tem representado, e com a qual mantém o compromisso em fornecer a infra-estrutura básica por ela requerida.
Um grande desafio para setores da área energética dedicados ao atendimento desse estrato social desde o início do programa de privatizações vem sendo o de se capacitar, no novo formato do setor, a arcar com sua responsabilidade constitucional de atendimento desses excluídos, sejam quais forem os interesses dos grupos privados. Essa responsabilidade é intransferível, não se pode repassar às forças do mercado, mas o seu exercício pode ser compartilhado, e nas circunstâncias atuais esse compartilhamento é estratégico e indispensável. Deve-se, no entanto, zelar para que o compartilhamento não incorra em diluição de responsabilidades. Para que isso não ocorra, cabe ao Estado definir as estruturas onde serão exercidas as atividades hoje incluídas no âmbito da eletrificação rural, mesmo que compartilhadas, de acordo com as atuais e reais limitadas condições.
O modelo apresentado neste trabalho engloba a proposta estrutural, apresentada no Agrener 2000[4], com a preocupação de uma inserção institucional que garanta a continuidade e sustentabilidade das ações voltadas a comunidades isoladas, de forma a que se constituam em reais "projetos sociais".
2 - DESCRIÇÃO DO MODELO
A primeira preocupação do modelo é como romper o isolamento energético das comunidades, promovendo simultaneamente sua integração ao ambiente regional, o resgate da cidadania e inserção de seus componentes no "mundo contemporâneo", problemas identificados e relatados anteriormente, mas respeitando as suas condições de adaptação e as suas aspirações de "desenvolvimento". Os contatos com as comunidades permitiram a observação desse conflito: ao mesmo tempo em que anseiam pelo atendimento energético, temem que a chegada da energia elétrica cause a perda de sua identidade cultural, ou mesmo a sua desintegração. Por outro lado, a experiência dos projetos mostra que os índios das aldeias guaranis, caiçaras do Ribeira, assentados do Pontal, têm em comum a consciência de sua diferenciação cultural e o anseio por construir sua própria opção de desenvolvimento que garanta a integração ao "mundo contemporâneo", a sua sustentabilidade econômica, sem que isso se reflita na perda de seus valores culturais.
O modelo de atendimento energético através de sistemas fotovoltaicos permite a flexibilidade de implementar uma proposta de desenvolvimento controlada pelas comunidades, que respeite os seus próprios anseios de desenvolvimento. O estabelecimento das metas para esse desenvolvimento, que está na origem do planejamento energético, pode ser realizado de forma mais eficiente na própria comunidade e nos Comitês de Bacia Hidrográfica - CBHs, com parceiros regionais.
O segundo enfoque do capítulo é a discussão das condições estruturais para a implantação de projetos de energia fotovoltaica em comunidades isoladas, no contexto do Planejamento Integrado de Recursos - PIR[5], e a proposição de uma nova estrutura que viabilize a realização e sustentabilidade desses projetos.
3 - A INSERÇÃO REGIONAL DAS COMUNIDADES: CAMINHOS PARA ROMPER O ISOLAMENTO
Tomemos como ponto de partida uma comunidade que, tendo avaliado as vantagens e desvantagens de usufruir a energia elétrica, busque uma alternativa para obtê-la sem comprometer seus valores culturais. Imediatamente algumas questões se colocam:
- Quais são os planos da distribuidora local de energia elétrica para atendimento da comunidade?
- Quais as opções de geração disponíveis que se adaptam às suas necessidades?
- Existem experiências de atendimento energético bem sucedidas na região?
- Como ter acesso aos demais serviços de infra-estrutura?
- Que opções de desenvolvimento podem ser implementadas pela comunidade?
- Como garantir a preservação da sua identidade cultural?
Uma comunidade nessas condições no estado de São Paulo findará por apresentar sua demanda à SEE. E às questões da própria comunidade, a atribuição de definir políticas públicas acrescentará suas questões:
- Como viabilizar a sustentabilidade do projeto energético?
- Como desenvolver um planejamento energético que abranja o atendimento dessas comunidades?
- Como promover o desenvolvimento da comunidade, garantindo sua preservação?
- Como fazer chegar à comunidade os demais serviços públicos de infra-estrutura?
- Como integrar esta e demais comunidades isoladas à região e ao estado?
O que se apresenta como solução para essas questões é aproveitar a oportunidade do projeto energético para incentivar a participação da comunidade no CBH da região, e passar a desenvolver atividades de planejamento energético incorporados aos Planos de Bacia desenvolvidos anualmente pelos CBHs, como forma de ter acesso às demandas regionais, utilizando a metodologia do PIR, expandida para outros aspectos da infra-estrutura. Como se verá a seguir, essa alternativa responde a outras questões.
Um dos pontos que se destaca nos projetos apresentados neste trabalho é a distância do Estado dessas comunidades isoladas do sistema de distribuição de energia elétrica. Esta constatação se evidencia em campo a todo o momento pois, para essas populações a privatização dos serviços de distribuição de energia elétrica não dissocia o Estado da responsabilidade de providenciar o fornecimento de eletricidade a todos os cidadãos. E, além da persistência desse entendimento institucional "ultrapassado", a associação entre Estado e energia nos casos apresentados é real porque, de fato, à exceção do Ecowatt que se iniciou no período de transição da Elektro de empresa estatal para empresa privada, trata-se de ações do Estado. Acrescente-se a isso o fato de que não se percebe na iniciativa privada a intenção de desenvolver projetos com esse alcance. Portanto, do ponto de vista de seus habitantes, o atendimento energético é um momento de presença do Estado nessas comunidades.
Assim, qualquer ação que venha a ser deflagrada no âmbito do fornecimento dos serviços públicos, como a expansão dos serviços de energia elétrica, é entendida como uma intervenção do Estado e deve-se aproveitar a oportunidade para buscar ampliar o contato do Estado com essas comunidades. Ou seja, deve-se otimizar a ação "energética" e retirar dela outros benefícios, como um contato maior com os programas de atendimento social e de desenvolvimento estabelecidos pelos governos do estado e federal. Essa convicção é compartilhada por Udaeta[6], que entende que "... o processo integrado do planejamento energético (... deve ser...) abrangente quanto aos recursos, quanto a oferta e a demanda, quanto a supridores e consumidores, e quanto ao tempo e a geografia - entorno ambiental cultural social e político...", e por Gimenes[7], que postula a "... disponibilização de energia elétrica integrada em um cenário mais amplo, o da infra-estrutura, abrangendo o Transporte, a Água e Saneamento, o Tratamento de Lixo e as Telecomunicações, com vistas a criar uma base sólida para alavancar o desenvolvimento...".
Neste trabalho propõe-se que seja incorporado ao planejamento energético ou a qualquer outra ação de infra-estrutura o planejamento da ruptura do isolamento, como ação de resgate da cidadania dos moradores de comunidades isoladas. Essa ampliação deve se iniciar pela aproximação com as organizações municipais de assistência, rede de assistência social do estado e da federação, das quais poderiam ser obtidos recursos administrativos ou financeiros para a realização de projetos, e de uma forma mais global com a bacia hidrográfica na qual estão inseridas as comunidades. Na verdade, dada a raridade dessas intervenções, qualquer ação exógena que tenha por objetivo proporcionar o desenvolvimento das comunidades isoladas deve ser aproveitada como vetor de integração. Os CBHs constituem-se em espaços para essa integração e prevêem a participação de organizações populares em suas estruturas. Outro aspecto importante para a inserção regional das comunidades que a participação dos CBHs propicia diz respeito à sua integração na história da região. Também nesse aspecto, a realização de planejamentos energéticos regionais propicia condições para essa integração, uma vez que a inserção de projetos nas comunidades isoladas deve ser precedida de um levantamento das experiências desenvolvidas na região, como forma de obter maiores informações sobre os caminhos mais apropriados para o desenvolvimento da ação pretendida. Esse levantamento atualizado trazido ao conhecimento das comunidades, não apenas amplia o leque de opções para o seu desenvolvimento, mas permite a inserção na história, no tempo e no espaço regionais. A adoção dos colegiados regionais como portas de entrada das comunidades para esses programas, com destaque para os CBHs, tem a função estratégica de permitir um imediato entrosamento com demais atores presentes na região e o conhecimento das experiências desenvolvidas em outras localidades da mesma bacia hidrográfica, e em outros setores de infra-estrutura.
Mais um ponto relevante que a participação das comunidades nos CBHs propicia é a visualização das alternativas energéticas disponíveis na região. Também nesse caso, a discussão com os parceiros regionais é fundamental para escolher a forma de geração de energia a ser adotada na comunidade, dentro da ótica do desenvolvimento sustentável, desenvolvimento este cujas metas devem ser definidas pelas comunidades, pois, como aponta Serpa[8] "...até que ponto vai o direito, se algum direito existe, de decidir o que é bom para o outro?"
Mas, a proposta de que as comunidades definam suas metas de desenvolvimento freqüentemente entra em choque com as definições de metas mais globais, muitas vezes com alcance federal. Esse enfrentamento é ainda mais presente no setor elétrico onde o planejamento é tradicionalmente feito de forma centralizada e essa prática é "legitimada" pelo fato do sistema elétrico brasileiro ser interligado, o que requer um planejamento de operação igualmente interligado. No entanto, este argumento não é suficiente para justificar que o planejamento da expansão da geração hidrelétrica, as definições de novas obras e as opções por formas de geração sejam feitas exclusivamente no plano federal. O que sustenta essa prática é muito mais a ausência de estruturas de planejamento regionalizadas do que a "inadequação" do sistema interligado à realização de planejamento regionalizados de geração de energia. Como as principais formas de geração de energia adotadas no país utilizam a água, seja como insumo básico no caso das hidrelétricas, seja no inevitável processo de refrigeração no caso das termelétricas, é fundamental que os planos de expansão da geração sejam discutidos e analisados nos CBHs, responsáveis pela gestão dos recursos hídricos regionais.
Em seu trabalho, Udaeta[2] propõe a consolidação de Comissões de Serviços Públicos de Energia em cada CBH, provavelmente motivado pelas esperanças que à época estavam depositadas sobre as atividades das CSPEs. Em 2002, dada a prática da CSPE estadual, é possível perceber que o espaço dessas entidades é quase que completamente tomado pelas atividades de fiscalização e regulamentação, restando praticamente nulo o espaço para planejamento energético, muito menos no nível regional. Nesse enfoque, a inserção sistemática do planejamento energético integrados de recursos entre as atividades das agências de bacia apresenta diversas vantagens para todos os envolvidos, fornecedores e consumidores de energia:
- ações de planejamento energético no âmbito dos CBHs permitem o atendimento planejado das diversas demandas energéticas de uma região, uma vez que os representantes de todos os segmentos participam desse fórum;
- possibilitam a democratização do estabelecimento das metas de desenvolvimento para a região, através da previsão de energia para os planejamentos estratégicos das diversas áreas do estado, que serão acompanhados por todos os participantes;
- permitem o planejamento do atendimento das demandas advindas de áreas administrativas do Estado e também podem constituir-se em um instrumento seguro para garantir a universalização dos serviços através da participação das representações populares e associações de moradores;
- a fiscalização e o acompanhamento das etapas de constituição do planejamento energético que podem contar com a participação de todos os componentes do CBH.
Outra virtude da adoção do planejamento energético regionalizado em bacias hidrográficas é a possibilidade de enriquecimento da metodologia de PIR, expandindo sua abrangência para outros aspectos da infra-estrutura, presentes nos CBHs, e a possibilidade de adoção de sua prática entre seus procedimentos usuais do Plano de Bacia, que pela lei deve ser elaborado anualmente em cada CBH. Trata-se da integração no Plano de Bacias dos planejamentos de todas as áreas de infra-estrutura, que direta ou indiretamente sempre causam impactos sobre a questão da água, e buscar a otimização das ações que serão realizadas em cada esfera (energia, abastecimento de água, saneamento básico, saúde, transportes, telecomunicações, etc.). Vale lembrar que pela legislação em vigor no estado de São Paulo, aos colegiados de recursos hídricos (CBHs) já foram agrupados os colegiados de saneamento: na esfera estadual, o Conselho Estadual de Saneamento - CONESAN, aglutinado ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CRH, e na esfera regional, a substituição das Comissões Regionais de Saneamento - CRESANs pelas Câmaras Técnicas de Saneamento, em todos os CBHs do Estado de São Paulo. Movimento de unificação semelhante vem sendo desenvolvido pelos colegiados responsáveis pela área da saúde, como explicitado no site da Secretaria de Estado da Saúde[9]:
"A incorporação de novos atores sociais ao cenário da saúde: os Conselhos Municipais de Saúde, as Comissões Intergestoras Regionais, Bipartite, Tripartite, o COSEMS, o CONASEMS e o CONASS, representam uma verdadeira Reforma do Estado, fruto da descentralização e do controle social".
A aglutinação tem ainda em seu favor uma razão de ordem financeira, na medida em que parte substancial dos recursos que sustentam o Fundo de Recursos Hídricos - FEHIDRO, estabelecido por lei para financiamento dos projetos a serem desenvolvidos nos CBHs, advém da arrecadação de royalties do setor elétrico.
Em março de 2002, encontrava-se em tramitação na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo o projeto de Lei para criação da Secretaria de Estado de Energia - SEE e Recursos Hídricos, Saneamento e Obras - SRHSO, fusão das pastas de energia e recursos hídricos no nível estadual, por contingências político - administrativas, mas baseada em diversos estudos e pareceres técnicos desenvolvidos pela administração estadual. Do ponto de vista administrativo, esta fusão facilita a elaboração de ações conjuntas nestas esferas e aumenta as possibilidades de realização de planejamentos energéticos regionais através das agências de bacia dos CBHs. A abrangência do sistema de recursos hídricos pode ser visualizada no esquema apresentado no site institucional da SRHSO[10] e reproduzido na Figura 1.
Em regiões carentes como a região do Vale do Ribeira, onde os recursos disponibilizados tanto pelo Estado quanto pela iniciativa privada responsável por serviços públicos de infra-estrutura são limitados, a otimização dos recursos disponíveis em cada esfera de atuação do Estado e da sociedade civil ganha importância fundamental na medida em que cada unidade de recurso investida na região pode gerar benefícios nos diferentes aspectos da infra-estrutura, e deve ser planejado para atingir a máxima produtividade possível nessa direção.
No caso da exploração de recursos regionais, ou mesmo da otimização das ofertas energéticas convencionais, a participação comunitária e dos representantes da administração pública local é condição necessária para o êxito e deve ser praticada desde as etapas iniciais de planejamento e levantamento de dados. Esses atores que estão reunidos nos CBHs são os maiores conhecedores das condições regionais, seja no que diz respeito à demanda de serviços, seja no que diz respeito aos recursos naturais disponíveis para uso e/ou exploração. Além do mais, trata-se do desenvolvimento da região habitada por esses atores, e os caminhos desse desenvolvimento devem ser definidos localmente em uma primeira e fundamental estância de decisão, ao espírito da Constituição de 1988, que implantou os sistemas integrados de recursos hídricos, de meio ambiente, de saúde, de saneamento, entre outros.
Cabe ressaltar que a legislação estadual contém outras iniciativas que visam a regionalização do planejamento das ações de governo, como é o caso dos escritórios regionais de planejamento - ERPLANs. O que diferencia essas iniciativas da proposta de realização de um planejamento integrado de recursos de infra-estrutura nos CBHs é o fato das bacias hidrográficas discutirem prioritariamente a questão da água, insumo básico para qualquer ação de desenvolvimento, e que os CBHs vem desenvolvendo suas atividades com respaldo das prefeituras, organizações populares e das ONGs, e estão consolidados como espaços democráticos de planejamento para as ações de recursos hídricos e saneamento.
As ações de planejamento energético, no entanto, devem estar compatibilizadas com os planos estratégicos das demais áreas (transportes, comunicações, energia no âmbito nacional), e cada vez mais considerar as restrições ambientais e as relativas à preservação dos recursos hídricos. Dessa forma, é determinante que o modelo preveja uma estrutura capaz de implantar projetos de geração de energia autônomos, atendendo a proposta de desenvolvimento que a sociedade pretende implantar na região.
4 - A OPÇÃO FOTOVOLTAICA NOS COMITÊS DE BACIA HIDROGRÁFICA
A geração de energia elétrica por conversão fotovoltaica da energia solar integra-se muito bem com as principais preocupações expressas nos CBHs do estado de São Paulo, em especial no CBH do Vale do Ribeira, como constatado pela participação da Coordenadoria de Planejamento e Política Energética (CPPE) como representante da SEE naquele colegiado, no período de 1995 a 1999.
Como se constata em diversos projetos de energia fotovoltaica, esta alternativa de geração de energia é compatível com as necessidades de comunidades carentes, permitindo que essas populações atinjam níveis mínimos de conforto e capacidade de produção, o que se traduz em consolidação de alguma renda e sua decorrente capacidade de participação do mercado de consumo. Também está perfeitamente inserida na ótica do desenvolvimento sustentável, sendo uma das recomendações da Agenda 21, como visto anteriormente. Assim, a implantação de projetos fotovoltaicos (e não apenas estes) atende a interesses da população e do Estado, através de várias de suas áreas, destacando as seguintes, com os seus respectivos interesses:
- Energia: atendimento de demandas dispersas e isoladas, de alto custo para as empresas de distribuição de energia elétrica, cumprindo as determinações de universalização desses serviços;
- Meio Ambiente: forma de geração de energia não agressiva no local de consumo, que não exige a extensão de redes de distribuição e sua conseqüente necessidade de desmatamento, e cujos resíduos decorrentes de sua utilização são de fácil gerenciamento (remoção de baterias que chegaram ao fim do ciclo de vida);
- Recursos Hídricos: dispensando a água em seu processo de geração de energia, os sistemas fotovoltaicos oferecem vantagens tanto quando comparados com sistemas de geração de base hídrica, que exigem uma compatibilização com os demais usos do recurso, quanto com sistemas de geração térmica, que necessitam da água em seus ciclos de resfriamento;
- Emprego e Trabalho: uma estrutura de geração de energia descentralizada permite a criação de postos de trabalho nas localidades, seja para o desenvolvimento de atividades produtivas tradicionais, seja para a produção de periféricos ou outros equipamentos, para suprir as necessidades dos sistemas instalados ou para atividades de manutenção, conseqüência direta da tecnologia implantada.
Todas essas áreas do Estado estão presentes nos CBHs, além das prefeituras e representantes da sociedade civil. Estes fóruns, que foram implantados no âmbito da Política Nacional de Recursos Hídricos, estão timidamente constituindo as suas Agências de Bacia, órgãos previstos na legislação para desempenhar as funções técnicas para cada bacia, como a elaboração do Plano de Bacia, projetos de captação e tratamento dos recursos hídricos, entre outras necessidades de suporte técnico.
5 - ETAPAS DO MODELO
Em linhas gerais, o modelo de planejamento integrado de recursos energéticos no nível regional proposto neste trabalho é composto por três estágios básicos:
- Determinação da demanda energética de uma região: através de uma análise comparativa com padrões de conforto e desenvolvimento, previamente discutidos e acordados no CBH, verificar a energia necessária em cada área de desenvolvimento (educação, saúde, lazer, trabalho, infra-estrutura, transportes, etc.). Para o modelo, os níveis mínimos aceitáveis são os índices adotados internacionalmente e que servem de base para a determinação do IDH das regiões;
- Planejamento da oferta de energia: adoção da metodologia de Planejamento Integrado de Recursos para estruturar a matriz de opções energéticas que atenderão a região;
- Estrutura para implantação dos projetos energéticos autônomos: baseada na análise dos projetos desenvolvidos em São Paulo, implantar uma estrutura capaz de implantar projetos de energias renováveis, e garantir a continuidade das ações efetuadas e sustentabilidade desses projetos.
No diagrama de blocos da Figura 2 apresenta-se a metodologia adotada pelo Grupo de Trabalho do Vale do Ribeira[11] - GTVR no desenvolvimento do Planejamento Energético Integrado do Vale do Ribeira, que pode servir como base para a elaboração dos planejamentos energéticos nas agências de bacia, como proposto neste trabalho.
Para sistematizar a realização dessas atividades, e transformá-las em rotinas viáveis no âmbito de todos os CBHs do estado, é necessária a criação de uma estrutura específica e permanente que complete e dê suporte ao modelo apresentado.
6 - CONDIÇÕES ESTRUTURAIS PARA VIABILIZAR O ATENDIMENTO DAS COMUNIDADES
Como se pode observar, para o desenvolvimento de planejamentos energéticos no âmbito dos CBHs e a implantação de projetos autônomos de geração de energia é necessário criar estruturas onde esses projetos possam ser desenvolvidos, que o Estado não tem, mas que pode incentivar e participar de sua criação.
A necessidade de estruturas para o desenvolvimento de pesquisas nas áreas de renováveis e eficiência energética é percebida em outros países, como o demonstrado no trabalho de Bajay[12] sobre a experiência americana do Energy Efficiency and Renewable Energy Network - EREN. No caso do EREN, trata-se de uma rede de instituições voltada ao fomento das atividades de eficiência energética e energias renováveis, com atuação importante também na área de planejamento energético, e congrega diversos centros tecnológicos e de pesquisa já constituídos. Trata-se de uma superestrutura que congrega estruturas regionais e setoriais.
No caso brasileiro, no entanto, ainda existem poucas estruturas regionais e setoriais. Das poucas estruturas existentes que atuam na área de renováveis, muitas foram criadas há pouco mais de cinco anos, num esforço do MCT para a implantação de Centros de Referência nacionais, e já demonstram a importância dessa iniciativa pela produção realizada e suporte dado à implantação de Programas. Dentre esses centros, merecem destaque o Centro Nacional de Biomassa - CENBIO, Centro Brasileiro de Energia Eólica - CBEE, o Centro Brasileiro para Desenvolvimento da Energia Solar Térmica - Greensolar, o Centro de Referência em Pequenas Centrais Hidrelétricas - CERPCH, e o Centro Nacional de Referência para as Energias Solar e Eólica "Sérgio de Salvo Brito" - CRESESB, este último anterior à iniciativa do MCT, mas que conta com o seu suporte. Mesmo assim, o MCT acredita que é necessário ter uma política de longo prazo que aumente o número de estruturas voltadas a essas áreas de atuação, para reforçar e consolidar os esforços em ciência e tecnologia no Brasil. Para tanto o MCT instituiu a Comissão Tundisi[13], cujo relatório final foi concluído em fevereiro de 2002.
A iniciativa federal desenha-se para um momento anterior à implantação de projetos de campo, que é o momento do desenvolvimento tecnológico. No entanto, para a maioria desses centros o trabalho ultrapassa o estágio da pesquisa e avança para a implantação de projetos.
Mesmo assim, essas iniciativas não respondem à necessidade apontada neste trabalho, de uma estrutura inserida na perspectiva de políticas públicas para o atendimento energético de comunidades isoladas. Mesmo contando que as iniciativas federais surtam efeito, e que nos programas federais como o PRODEEM sejam feitos os ajustes necessários para a inserção de recursos para treinamento, operação e manutenção de equipamentos, as lacunas metodológicas presentes na forma de implantar projetos como analisado para o estado de São Paulo[5], persiste a necessidade de outro tipo de estrutura que responda às necessidades locais e seja referência para os projetos já implantados e para as comunidades onde estão inseridos. Uma estrutura permanente que, além de seus trabalhos próprios, seja origem de uma rede estadual que apoie o desenvolvimento de políticas públicas na área de energia no estado de São Paulo regional. Para tanto, essa estrutura deve ter um formato institucional que permita a flexibilidade para:
- alavancar recursos de organismos internacionais, ou junto à iniciativa privada;
- contratar serviços e fornecer suporte técnico aos projetos já instalados;
- ter independência financeira que lhe garanta a continuidade de suas atividades, independente de mudanças políticas e administrativas;
- dar continuidade às atividades já iniciadas pelo Estado.
CONCLUSÃO
O trabalho apresentado desenvolveu um conjunto de hipóteses, que podem ser agrupadas em dois grandes grupos, a saber: 1) As responsabilidades, atribuições e competências legais do Estado frente às demandas energéticas de comunidades isoladas e suas condições para desempenhá-las; 2) As experiências de projetos fotovoltaicos dentro do contexto de políticas públicas na área energética. Resumidamente, o que podemos concluir são os seguintes pontos:
- A exclusão a que estão submetidas as comunidades isoladas mesmo no estado de São Paulo não se resume à exclusão dos serviços de energia, e é função do Estado tornar possível o resgate da cidadania e a ruptura do isolamento dessas comunidades;
- O Estado é responsável final pela universalização dos serviços de infra-estrutura, dentre eles os serviços de energia, seja garantindo a oferta em ações próprias de implantação dos serviços, seja promovendo condições para que as concessionárias cumpram seus compromissos assumidos nos contratos de concessão, e a obrigação da universalização dos serviços de energia;
- A chegada de qualquer serviço de infra-estrutura nas comunidades isoladas é uma das raras oportunidades em que o Estado se faz presente. Portanto, pode e deve ser utilizada para promover a integração da comunidade ao restante da região, para planejar e fomentar a extensão dos demais serviços de infra-estrutura e para viabilizar caminhos de integração e resgate da cidadania de seus moradores;
- A área energética/Estado tem encarado o atendimento de demandas das populações mais carentes como projeto social. Esse entendimento não apenas restringe as possibilidades de sucesso do projeto em tela, mas restringe as possibilidades de desenvolvimento de reais "projetos sociais" em oportunidades posteriores, pois caso se confirme um resultado negativo, este promoverá o descrédito das populações e se transformará em mais um argumento dos implementadores para se negarem a desenvolver essas atividades;
- Um projeto só pode ser considerado social se for uma ação transformadora voltada a promover melhorias na qualidade de vida de pessoas ou grupos sociais e garantir a consolidação do novo patamar de satisfação alcançado. A intervenção desconectada de um planejamento integrado de recursos corre grande risco de se transformar em uma ação efêmera;
- No que tange ao atendimento das demandas energéticas das populações carentes e isoladas, o Estado é o responsável pelos serviços de energia, e pela oferta dos demais itens de infra-estrutura. Mesmo considerando o entendimento de que o Estado deve se retirar das funções empreendedoras, deve-se considerar a capacidade ímpar do Estado em catalisar diversos aspectos da infra-estrutura. Essa capacidade está basicamente centrada na capilaridade das estruturas existentes e que compõem o Estado no Brasil;
- Estado vem desmontando sistematicamente suas estruturas internas para implementação de projetos voltados às populações mais carentes. Se anteriormente não reunia as condições necessárias para implementar projetos sociais, cada vez mais se distancia dessa condição. Essa situação pode levar a um enfraquecimento das instituições democráticas, como citou Alain Tourraine[14] :
" ....o maior perigo que as sociedades enfrentam neste início de século XXI não é a universalização, almejada pelos intelectuais e pensadores do século XX, mas a globalização que, causando o desaparecimento das estruturas intermediárias entre os estratos sociais (estruturas nacionais), expõe as nações à mercê das imposições do mercado globalizado e torna mais frágeis as instituições democráticas."
Como ponto de partida para a solução destas questões, é proposta central deste trabalho que o setor energético passe a desenvolver planejamentos regionais, utilizando a estrutura existente no SIGRH (os CBHs) e, em uma ação conjunta com o Estado, promova a criação de uma estrutura para desenvolver este planejamento e implementar o atendimento de comunidades isoladas usando para tanto as tecnologias de geração que exploram as energias renováveis, como o IRES.
Esta proposta apoia-se na existência de um arcabouço legal implantado no país a partir da Constituição de 1988 voltado à descentralização das estruturas de decisão do país e que teve maior sucesso na implantação das estruturas de gestão de meio ambiente e recursos hídricos, que guardam muitas frentes de ligação e interação com a área energética. Embora a área energética apresente uma grande resistência ao desenvolvimento de ações descentralizadas, apoiada entre outros argumentos na operação interligada do sistema energético, no início da década de 90 esboçavam-se algumas iniciativas no sentido de descentralizar ações de planejamento, como o desenvolvimento da metodologia do PIR. Essas iniciativas foram interrompidas no início do processo de privatizações e foram definitivamente desconsideradas durante a crise de energia de 2001/2002, quando as alternativas e gerenciamento das ações para enfrentamento da crise foram tomadas de forma centralizada, desconsiderando mesmo as outras estruturas centralizadas existentes, como o caso do Comitê Coordenador da Expansão dos Sistemas Elétricos - CCPE, órgão que congrega representantes de todas as empresas energéticas junto ao MME e que foi deixado ao largo das decisões.
O movimento de descentralização era e é de fundamental importância para o estabelecimento das tecnologias baseadas na exploração das fontes renováveis não convencionais, como o caso da energia fotovoltaica, pois sua possibilidade de expansão de mercado, até o advento dos sistemas interligados à rede, era a expansão em projetos autônomos de eletrificação rural, ou seja, levar os serviços de energia a comunidades isoladas.
Foi no contexto da descentralização que criou-se o principal Programa de incentivo ao uso das fontes ditas alternativas, o PRODEEM, e é no contexto do refluxo conjuntural que o Programa atravessa a crise que se desenrola desde 1998, sem conseguir implementar um projeto que garanta a sua sustentabilidade nem a sustentabilidade dos projetos implantados. Diagnósticos realizados em 2001 apontaram a grande incidência de sistemas implantados pelo PRODEEM desativados e em processo de sucateamento. O Programa e os projetos parecem se sucatear juntos no esteio do refluxo conjuntural.
Os projetos fotovoltaicos implantados pela SEE/PACI, dentro de suas limitações estruturais, conseguiram promover melhorias nas localidades onde foram implantados. Mesmo assim existem muitos problemas possíveis de solução. O que esses projetos demonstram é que a tecnologia fotovoltaica é viável para esses atendimentos, que as comunidades não ficam paradas no tempo e na história e que portanto necessitam de atualização e redimensionamento de seus sistemas.
Os sistemas fornecidos foram dimensionados sem o devido conhecimento dos planejadores pelas comunidades e vice-versa, o que os tornou em muitos casos totalmente inadequados. Mas os projetos também mostraram que é possível buscar adaptar e compatibilizar a demanda com a oferta possível. Esse posicionamento não auxilia a construção de um Programa eficiente de implantação de sistemas fotovoltaicos, mas auxilia as comunidades alvo dos projetos atuais a terem os melhores serviços com os sistemas disponíveis.
Os estados podem e devem atuar para viabilizar a sustentabilidade dos projetos voltados ao atendimento das demandas de comunidades isoladas. Uma ação dos estados, especialmente estados com escassez de recursos, deve buscar otimizar os investimentos realizados. Assim, deve olhar o público - alvo a que se dirige buscando solucionar o maior número de problemas possível.
O cenário de implementação de projetos utilizando a conversão fotovoltaica de energia solar, como no caso das experiências desenvolvidas pelo PACI e demais experiências no Brasil, enfocou as comunidades isoladas como o público-alvo para sua expansão. Esse cenário tanto é composto pelo arcabouço técnico desenvolvido nas Universidades, Centros de Pesquisa, Laboratórios especializados e empresas energéticas, quanto pelos técnicos que trabalham nessas instituições ou orbitam nessas esferas. Assim, essas instituições se inserem como atores e devem fazer parte efetiva de novas estruturas como o IRES, onde possam ser sanados os problemas constatados na implantação de projetos, ultrapassando as lacunas estruturais identificadas e transformando o que pode se caracterizar em "opção pelos pobres" em uma ação eficiente de planejamento integrado de recursos.
Os caminhos para o aprimoramento dos mecanismos para a implantação de projetos sociais como o PACI, e a necessidade de consolidação da rede institucional através da qual esses projetos são implantados, geridos e monitorados, é uma realidade premente e por isso fazem parte das conclusões deste trabalho. Cabe ressaltar que no campo prático o trabalho ainda não terminou, ao contrário, apenas atravessou a tênue fronteira entre o sonho e a realidade, entre o que se planeja e o que se consegue concretizar, e que, certamente, ainda terá um longo caminho até sua maturidade, que esperamos traga a tão almejada sustentabilidade e reais benefícios para o público-alvo dessas experiências.
Para finalizar, é importante frisar que os trabalhos de pesquisadores citados neste texto, e daqueles que não foram citados mas empenham-se no atendimento das camadas mais carentes da sociedade, têm em comum o objetivo de ultrapassar o estágio das "experiências" e consolidar uma rotina de atendimento que, com o apoio de tecnologias que já demonstraram sua efetividade, traga a todos aquilo que é direito de todos: acesso à energia elétrica.
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