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On-line ISBN 978-85-60944-08-8

An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP 2006

 

Clínica de linguagem, psicanálise e transmissão

 

 

Faria, V. O.I; Lima, G.G.II

Ivorland@ig.com.br
IIglaucigomes@uol.com.br

 

 


RESUMO

O que se transmite na clínica com crianças? Para a psicanálise, a transmissão está articulada à noção de inconsciente. Na clínica, a transmissão se diferencia de uma ortopedia e não se refere à tentativa de adestramento do sujeito. Diz respeito àquilo que lhe foi transmitido e que também pode se transmitir. Neste trabalho, é apresentada a discussão de um caso clínico que vem sendo acompanhado, simultaneamente, em tratamento psicanalítico e fonoaudiológico. A proposta consiste em encaminhar uma reflexão sobre os desdobramentos do conceito de transmissão no âmbito da clínica – tanto na clínica psicanalítica quanto na clínica das falas sintomáticas.

Palavras-chave: linguagem, psicanálise e transmissão.


 

 

I – TRANSMISSÃO E CLÍNICA.

Neste trabalho, o caso clínico de um paciente – Luís – será o mote para a discussão sobre possíveis desdobramentos do conceito de transmissão no âmbito das clínicas de linguagem e de psicanálise com crianças. Começaremos pela chegada da criança na clínica de linguagem. Na seqüência, será apresentado um relato sobre sua presença na clínica psicanalítica para, no final, discutirmos a transmissão na clínica.

 

II – A CLÍNICA DE LINGUAGEM

1. O fonoaudiólogo e a fala sintomática

Antes de iniciar a apresentação do caso, gostaria de introduzir uma discussão sobre o fazer do fonoaudiólogo diante de uma fala sintomática. Em um rápido percurso pela Fonoaudiologia, não é difícil atestar que a prática característica da área é ainda corretiva ou de reeducação. Os trabalhos realizados no âmbito do Projeto Aquisição, Patologias e Clínica de Linguagem, coordenado pela Dra Maria Francisca Lier-De Vitto, têm chamado a atenção para a confusão entre o gesto clínico e o educativo.

Por entre as diversas manifestações sintomáticas da fala – afasia, distúrbio articulatório, retardo de aquisição de linguagem, gagueira, paralisia cerebral etc –, constatamos que, apesar de diferenças nas concepções teóricas, a prática do fonoaudiólogo era (e ainda é) a mesma, ou seja, corretiva/adaptativa. Importa, nesse sentido, o que diz Lajonquière sobre a atual indefinição entre "clínica" e "ensino":

"pensa-se que os campos clínicos e educativos são passíveis de superposição (...) esquece-se que a clínica psicopedagógica [ou a Fonoaudiológica] não consiste em ensinar a Pedrinho aquilo que não sabe" (1999: 163) (grifos meus).

O problema, no que diz respeito à Fonoaudiologia, é que a linguagem, ao ser estratificada, dissecada para o ensino, acaba reduzida a um movimento articulatório, de menor ou maior extensão. No final das contas, explicitamente ou sob a bandeira de uma perspectiva cognitivista ou comunicativa, o organismo é, via de regra, a pedra de toque dos gestos do fonoaudiólogo que caminha com vistas a introduzir ou re-introduzir o paciente numa suposta trilha normal de desenvolvimento.

Dessas conjunções entre domínios incongruentes – lingüístico, orgânico, cognitivo etc. – resulta nada mais nada menos do que o apagamento da linguagem e do sujeito. Mais uma vez são providenciais as palavras de Lajonquière, para quem "qualquer dispositivo de natureza pedagógica implica morte subjetiva, a despeito de qualquer conquista eventual de automatismos [...] comportamentais" (1999:110).

Seguir outra direção, a que retira a linguagem da categoria de objeto para atribuir-lhe função na estruturação subjetiva, exige escapar da epistemologia dualista em que as partes, sujeito e objeto, são tomadas como instâncias independentes, e entender, a partir de Milner (1987 e outros) e De Lemos (2002 e outros), com Lacan, que linguagem e sujeito se corrompem mutuamente numa articulação língua-fala-sujeito. Ou seja, significa retirá-la da condição de objeto para atribuir-lhe estatuto de força determinante do sujeito.

Como já afirmei (Faria, 2003): "na clínica, o que a convoca e lhe concerne é a singularidade da demanda de um sujeito e de uma fala. Para a clínica, interessa a imbricação do "ser e da fala", ou melhor, ela não pode conceber uma divisão, sob pena de perder o que lhe confere dignidade e o título de "clínica", como ressalta Lier-De Vitto (no prelo 1). Nessa direção, imprescindível é a assunção do sujeito tal como o concebe a Psicanálise: aquele que "não cessa de se escrever como discernível..." (Milner, 1987: 63).

Contudo, insisto, mais uma vez, que os passos na direção da Psicanálise devem ser pautados pelo compromisso de não-recobrimento do acontecimento sintomático singular na fala, que funda a clínica de linguagem e que exige que campos outros sejam mantidos em "posição de alteridade". Dito de outro modo, entendo que não cabe à Psicanálise dizer a outro campo o que fazer e nem escrever um outro campo.

É a partir desse compromisso com a natureza particular de uma manifestação sintomática na fala, em que fala e ser não podem ser dissociados, que passo ao relato do caso que, como disse, servirá de base para um contraponto a esse estado de coisas na Fonoaudiologia, ou seja, será o ponto de partida para a formulação de questões pertinentes à transmissão nesse campo – no campo das falas sintomáticas.

2. Luís, a língua e a fala

Trazido pelos pais e encaminhado pela escola, Luís falou depois dos cinco anos. Apresentou dificuldade em interagir com adultos e crianças. Mostrou, desde cedo, um interesse incomum por máquinas e eletrodomésticos. Os pais estavam, a princípio, muito desorientados quanto a lidar com o filho, que lhes parecia estranho. Era visível o desencontro no discurso parental, enquanto a mãe ocupava-se em relatar sobre a fala (sobre a sua ausência) e o pai problematizava os comportamentos do filho. Apesar de eles não discordarem em relação ao que diziam, um não reafirmava a fala do outro.

Nessa entrevista com os pais, surgiu uma situação intrigante: os pais não haviam dirigido uma questão sobre o problema do filho – sobre o que ele poderia apresentar que justificasse a descrição feita. Eles nem mesmo haviam pedido uma avaliação, mas haviam formulado um pedido, o de fazê-lo outro.

No atendimento, o que fazia era constituir um texto a partir das ações de Luís e observar os efeitos sobre suas ações e sua fala. Convocava-o a fazer parte do texto, ou seja, a constituir comigo o texto da brincadeira. Paralelamente, analisava os indícios de sua presença e respondia aos mesmos. No final do ano, Luís era uma criança que, apesar de não falar, brincava de um modo bastante organizado, reproduzindo todos os sons onomatopaicos. A escola também havia notado a diferença.

No ano seguinte houve outra importante mudança em sua fala: ele passou a falar, reproduzindo as vogais presentes nos textos que compunham nossas brincadeiras. Estava, então, diante de uma criança que já falava, até frases inteiras, mas somente com vogais. A pergunta que fazia era: por que sua entrada na língua se fazia desse modo, diversamente ao que apregoa a literatura sobre a aquisição da linguagem (que diz ser por sons bilabiais seguidos de vogais)? Além disso, chamava-me a atenção o fato de as consoantes aparecerem nos sons onomatopaicos (sons de galinha, chuva, batida de porta etc) e não nas palavras da língua.

Outra pergunta que fazia era: se a função das consoantes consiste em conter/obstruir o fluxo contínuo de ar promovido pelas vogais com vistas a introduzir diferenças na língua, por que a fala de Luís não poderia receber essa contenção e, com isso, produzir diferenças? Qual o sentido que teria (ou que não poderia ter) o movimento metafórico da língua, então responsável pela eleição de um dentre os vários fonemas do português?

Mas, as consoantes "vieram". Da presença solitária das vogais, surgiram sons constritivos que passaram a antecedê-las. Surgia a constituição da língua imprimindo marcas naquele corpo. Luís passou a procurar a minha boca, além dos meus olhos, e, ao vê-la, fazia movimentos com seus lábios e com sua língua.

Disso, as consoantes começaram a soar baixinho em sua fala. Luís ainda parecia assustado ao escutar-se na diferença que os novos sons produziam. Nos textos em que eles se faziam presentes, um outro sujeito parecia advir: havia uma mudança de postura, tanto de corpo quanto de órgãos fonoarticulatórios, assim como havia um outro tom de voz – menos agudo. Posso dizer que um novo passo importante havia sido dado em seu no tratamento.

Contudo, seus verbos ocorriam insistentemente em 3ª pessoa e tanto o pronome pessoal "eu" quanto o pronome de tratamento "você" apareciam somente quando Luís reproduzia a fala do outro, ou seja, eram indiferenciados. Dessas constatações, desdobrou-se uma conversa com os pais sobre a constituição subjetiva e, conseqüentemente, sobre as dificuldades apresentadas pela criança. Em foco, então, estavam esses acontecimentos na fala e o que passei a chamar de seu drama subjetivo.

Com Luís, brincava de fazer bolos, sucos e outras comidas. Diante da questão "quem faz o suco?" ele respondia "eu", dando o espremedor de frutas para mim. Situações como essa se repetiram por diversas vezes, como quando eu o questionava sobre quem começaria o jogo, quem faria o bolo etc. Ao lado disso, outras relações pronominais passaram a marcar as sessões: minha/sua, meu/seu e para mim/ para você. Note-se que a face fonológica da língua não estava mais em questão.

Paralelamente a essa desorganização e a uma certa organização, que logo passou a acontecer, Luís passou a incomodar a escola: a criança quieta, passiva, deu lugar a um menino que não queria ficar na classe, abria e fechava torneiras e portas, mexia nos amigos e não realizava as atividades propostas. Os pais foram chamados e a diretora pediu para que a mãe tomasse alguma atitude para que Luís obedecesse à professora.

Os pais, então, me procuraram, bravos com a professora e com a diretora, tanto pelo fato de elas não perceberem a melhora de Luís, quanto, principalmente, pela falta de atitude da escola diante do comportamento do filho. Quando situações como essas ocorriam, em que eles eram chamados pela escola, eles pediam para que eu fosse à escola, orientar a professora e acalmar a diretora.

Contudo, dessa vez foi diferente. Eles queriam mudar Luís de escola. Mas, apesar de reconhecerem os limites da escola em que o filho estudava, não desconsideraram seu comportamento: indagaram-me sobre a necessidade de um tratamento psicológico. Diante disso, reafirmei a importância desse tratamento e, a pedido deles, encaminhei a criança para um tratamento psicanalítico, com Glaucinéia Gomes.

Portanto, desde abril deste ano Luís mudou de escola, a qual foi sugerida pela psicanalista, e encontra-se em atendimento simultâneo nas clínicas de linguagem e de psicanálise. Faço agora uma interrupção para dar vez, e voz, ao relato sobre a chegada de Luís e seus pais na clínica psicanalítica. Acredito ter retratado uma clínica que, distante dos moldes corretivo-adaptativos, vale-se da noção de interpretação para instaurar transformações de posição do paciente diante da fala própria e a do outro.

Termino minha apresentação com uma questão que mais adiante retornará: se transmitir é "fazer passar de um detentor a outro"1 e ainda se transmitir, segundo a Psicanálise, tem a ver com transferir, o que foi transmitido/transferido a Luís para tornar-se sujeito falante do português?

 

III – A ENTRADA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA.

Para a psicanálise, falar de sujeito é falar de um sujeito como efeito da linguagem. Assim, quando se fala de transmissão, fala-se de algo que se dá pela via simbólica, pela via da linguagem. São os avatares da relação de Luís com a linguagem que se constituem nos principais impasses com os quais se deparam os pais, ao procurarem o tratamento psicanalítico.

Para além dos dados já relatados da história singular do filho, alguns elementos se destacam no relato dos pais. A mãe diz o quanto teve dificuldades de fazer a maternagem do filho: logo cedo teve que trabalhar, deixando-o, com um mês, aos cuidados de uma babá, que, segundo eles, "não deu muito certo". Por essa razão, os avós maternos passaram a se ocupar de Luís durante o dia, sendo que somente à noite a criança ficava com os pais.

Luís já estava começando a balbuciar, quando parou de falar. Segundo o relato dos pais, ele estava em casa com a mãe quando o pai voltou do trabalho. A mãe perguntou, então, a Luís: "Quem chegou?", para que ele respondesse: "Papai". Nesse momento, ele parou de falar.

O pai sabe da sua dificuldade com o fato do filho não suportar bem a sua presença e reconhece ter se afastado dele. Não sabia como se aproximar de um filho tão estranho, cheio de comportamentos esquisitos. Percebia que Luís tinha dificuldade de agüentar trânsitos lentos, mudar o caminho para voltar para casa e fazia uma série de movimentos com os braços, com rituais repetidos.

Um dia, o filho viu um tipo de semáforo seqüencial, que ele nunca havia visto antes e, ao chegar em casa, começou a ficar em cima da cama, levantando os braços, numa seqüência repetitiva. O pai, como nos tempos da adolescência, ficou na sua frente, imitando os seus movimentos. O filho parou o seu ritual e começou a falar novamente.

Algumas intervenções preliminares com os pais fizeram-se necessárias para que se desse um tratamento possível. A dúvida sobre a permanência do filho na escola foi mantida e foi feito o questionamento a respeito de uma indicação para uma outra escola, que foi prontamente aceita pelos pais.

Eles temiam que o Luís não aceitasse a mudança, porém a resposta do filho foi muito diferente da esperada por eles. A criança ingressou na escola, foi bem acolhida e, ao invés de se isolar, incluiu-se até demais. Diferente das outras por já saber ler mais, ocupou junto a eles um lugar de destaque. Passou a ter amigos, falar os nomes das crianças, ser procurado por elas e imitar as suas traquinagens.

Sabe-se que a transmissão em psicanálise ocorre na clínica psicanalítica, que opera sob transferência. Na concepção lacaniana, é a transferência que marca o início de uma psicanálise. O encaminhamento feito, a partir do tratamento já iniciado na clínica da linguagem, possibilitou a transferência deste trabalho. Na primeira sessão, sem grandes resistências, Luís entra na sala e, olhando para a analista, fala: "Amiga da Viviane". Embora possam ser feitas as devidas ressalvas sobre o modo de instalação da transferência, pode-se pensar que "amiga da Viviane" pode ter funcionado como um significante que, na transferência, faz com que ele consinta com o tratamento.

As repetições insistem nas brincadeiras feitas nas sessões. O ritual de fazer um bolo de limão aparece em todas as sessões. O bolo deve ser de limão e ele não aceita fazer o bolo de nenhum outro sabor. Entretanto, em uma das sessões, um equívoco surge em sua fala e ele fala bolo de uva, ao invés de bolo de limão. Ao escutar, a analista apontar o lapso e ele passa a fazer um bolo diferente, a cada sessão. Ele começa a fazer bolos de diversos sabores: morango, abacaxi, maçã e a incluir variações nos ingredientes do bolo, acrescentando carne, macarrão, sucrilhos.

A sua entrada na nova escola foi se dando de forma surpreendente para os pais, que relatam as amizades, o quanto ele gosta da escola e como ele passa a contar coisas que lá aconteceram. Dizem de uma diminuição das estereotipias e rituais e um enriquecimento do seu vocabulário, no que se refere à conquista das consoantes e do interesse pela palavra escrita.

Em uma sessão, ele decide pôr bastante cola no bolo que estava fazendo, o que faz, repetidas vezes, por algumas sessões. Em uma dessas sessões, a analista intervém: "Cola não. Chega de cola", encerrando a sessão. Ele pára de colocar a cola no bolo e passa a se interessar por um globo, colocando-o de ponta-cabeça. Ele afirma: "O mundo está de ponta cabeça". Colocar o mundo de ponta cabeça parece lhe interessar bastante, o que o leva a dedicar-se um bom tempo da sua sessão.

Atualmente, a sua entrada na linguagem está se dando de um modo a aparecer o seu gozo com a palavra. Surgem os jogos com os significantes: "Abelha não faz mal, abelha faz mel" "Abracadabra-Fechacadabra". Até alguns lapsos, que adquirem um valor de chiste: "Subrilho" (ao invés de sucrilho). As intervenções operam no sentido de propiciar o acréscimo, o aumento do deslizamento da língua que lhe permita encontrar o pai numa outra posição, que não seja na via da exclusão. Quando ele fala: Bolo, a analista joga com a ambigüidade da língua "bolo ou lobo?", "limão-lima-limãe?", para promover uma maior extensão do deslizamento significante.

 

IV – UMA TRANSMISSÃO POSSÍVEL.

A partir da posição singular desse sujeito com a linguagem, pode-se entender que ele tropeçou com a língua, que ficou colada a um real particularizado na figura do pai, onde havia uma exclusão recíproca. A presença do pai implicava na sua exclusão do campo da língua. Lacan (1969) afirma que a criança pode realizar a presença do objeto da mãe. Aqui, a criança não vem como objeto imaginário, articulando-se entre a mãe e a sua falta fálica. Ocupa o lugar de objeto real, como um objeto dessubjetivado. Ao ser colocada no lugar de objeto real, torna-se o objeto da mãe e não tem outra função que não a de revelar a verdade desse objeto, que é uma verdade de gozo.

De acordo com Estela Solano (2004), as conseqüências dessa posição são múltiplas. O não reconhecimento no espelho, a falta de alteridade imaginária, a dificuldade da criança não se situar em uma realidade habitada pelas significações, a perturbação no nível da identidade de si mesma e na sua relação como o outro. Assim, o filho passa a ocupar o lugar de um objeto pulsional da mãe. A pulsão é acéfala, assegurando um gozo acéfalo, permanente, repetitivo, fora da subjetividade. Na compreensão freudiana, a pulsão é silenciosa, enquanto o inconsciente fala. A mãe encontra o seu objeto pulsional fora de si mesma, o que faz com que o filho seja uma rolha da falta da mãe, tornando impossível à mãe o acesso da própria verdade.

Segundo Pommier (1993), as consoantes, na medida em que interrompem a prorrogação das vogais e encurtam a sua extensão, representam o corte, a castração. Na medida em que a incidência paterna provoca uma exclusão, ele rejeita as consoantes, quando se incorpora à linguagem. A sua posição de sujeito fica colada ao objeto real que o marcou, adquirindo uma solda entre o objeto e a palavra. O significado é produzido pelo caráter do objeto e não pelo encadeamento significante. Não há o deslocamento de significante a significante, mas a insistência do retorno incessante da palavra à mesma posição que garante a solda com o objeto.

Assim, o tratamento na clínica de linguagem permite o movimento de simbolização, possibilitando a Luís o deslocamento do lugar de objeto real em que estava. Houve uma modificação, que faz com que ele saia do estado de petrificação em que se encontrava. Ele sai do sem-sentido, entrando num mundo habitado pela significação, o que lhe permitiu um simulacro de discurso, imaginarizando algo da sua unidade corporal, fazendo uma socialização possível, como afirma Solano (2004).

A singularidade entre os campos da clínica de linguagem e da clínica psicanalítica não impede a tramitação/transmissão entre os dois campos, mantendo-se guardadas os devidos limites e aproximações entre um e outro fazer clínico. O caso clínico em questão permite aprender com ele, naquilo que ele pode nos transmitir. Se o campo da clínica da linguagem dedica-se às falas sintomáticas, a clínica psicanalítica trata do sintoma, naquilo que revela da posição singular do sujeito no campo da fala e da linguagem, no campo do Outro, portanto. Se alguma transmissão pode ser feita, para esse sujeito, que está em tratamento, deu-se a partir da dimensão da aposta em um sujeito, da tentativa de implicá-lo em seu dito e na sua entrada no campo da palavra.

 

V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DE LEMOS, C. T. G. (2002) Das vicissitudes da fala da criança e de sua investigação. Cadernos de Estudos Lingüísticos, v.42. Campinas: Ed. UNICAMP.

FARIA, V. O. (2003) Distúrbio articulatório: um pretexto para refletir sobre a relação teoria e prática na clínica de linguagem. Tese de Doutorado, LAEL – PUC/SP.

HOLLANDA, A. B. (1986), Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.

LACAN (1969). Nota sobre a criança. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 369-370.

LAJONQUIÈRE, L. (1999) Infância e Ilusão (Psico)Pedagógica. Petrópolis: Editora Vozes.

LIER-DE VITTO, M. F. (no prelo 1) On Pathological Speech: the symptomatic history of a repetition. Amsterdam: John Benjamins Publisghing Co.

MILNER, J.C. (1987) O Amor da Língua. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas.

POMMIER, G. (1993). Naissance et renaissance de l'écriture. Paris: PUF.

ESTELA SOLANO (2004). A criança em questão no final do século. Incidências da psicanálise na cidade. Vitória: EDUFES.

 

 

1 Hollanda, A. B. (1986), Novo Dicionário da Língua Portuguesa.