An. 6. Enc. Energ. Meio Rural 2006
Proposta de desenvolvimento regional sustentável no semi-árido promovido por agente do setor elétrico
L. H. PolizelI; C. M. V. TahanI; M. A. PelegriniI; B. F. SoaresI; H. K. TakenoII; O. C. da SilvaIII; B. MonteiroIII; S. M. S. G. VelázquezIII; M. A. DrumondIV; J. B. dos AnjosIV
IENERQ - Centro de Estudo em Regulação e Qualidade de Energia, da USP
IICEP - Companhia Energética de Petrolina
IIICENBIO - Centro Nacional de Referência em Biomassa, da USP
IVEmbrapa Semi-Árido - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
RESUMO
Este trabalho sugere uma proposta de desenvolvimento regional sustentável no semi-árido nordestino brasileiro promovido por termelétricas convencionais já instaladas e operando atualmente com combustíveis não-renováveis (diesel ou óleo mineral pesada). A proposta está formatada num modelo de cadeia produtiva de oleaginosa composta por processo seqüencial de produção agrícola caracterizada com agricultura familiar, extração de óleo vegetal in natura das sementes de mamona e conversão em biodiesel e, finalmente, aplicação de misturas de óleos de origem vegetal adicionados aos atuais combustíveis de termelétricas para geração de eletricidade. Os resultados dessa aplicação são geradores tornando-se agentes de desenvolvimento sustentável sobre os aspectos econômicos, sociais e ambientais, como: estímulo da economia local; a promoção de geração de emprego e renda para a comunidade local; fixação do homem no campo; minimização de emissão de gás de efeito estufa, geração de energia limpa e renovável e etc.
Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável, Biodiesel, Óleo Vegetal, Mamona, Agricultura Familiar.
ABSTRACT
This paper shows a thoroughly analysis of a biodiesel production model tailored to insert in the production chain communities near fossil fuels fired power plants located in the northeast brazilian semi-arid. Such insertion would be conduced by the replacement of diesel by a diesel-biodiesel mixture, the last produced by local families. Among the factors analyzed on this small scale biodiesel production chain are: the castor oil extraction, transesterification process, efficiency and adequacy in power plants. The aim is to turn termal power plants into a sustainable development vector, considering social, economical and environmental aspects such as local employment and income boost, settlement increase on rural áreas, decrease of green house gases emissions, clean energy production and so forth.
1. Introdução
A reforma do Setor Elétrico Brasileiro (SEB) ocorrida na última década provocou o surgimento de novas instituições, agentes e modificou o conteúdo e a forma das atividades setoriais, promovida pelo marco regulatório do Novo Modelo do Setor Elétrico. Em especial, o panorama de agentes supridores de energia no cenário da matriz elétrica brasileira é assistido, nos últimos anos, pela instalação preponderante de modalidades de geradores com combustíveis não-renováveis, como por exemplo: usinas termelétricas operando com gás natural, carvão, óleo diesel, óleo combustível e outros.
Em face a esse panorama, surge a oportunidade de promover a inserção de combustíveis renováveis como insumo primário para termelétricas convencionais já instaladas e operando atualmente no sistema elétrico brasileiro com combustíveis não-renováveis, particularmente diesel e óleo combustível. Em contrapartida, acrescenta-se o fato que o Brasil favorece essa promoção por ser um país com amplo potencial de recursos energéticos renováveis e uma enorme extensão geográfica territorial associada a uma ampla diversidade de culturas agrícolas promissoras em zonas inter-tropicais.
É dentro desse contexto que esse trabalho propõe um modelo de prospecção de oportunidades de implantação de cadeia produtiva de oleaginosa sustentável, na forma de agricultura familiar no semi-árido nordestino, para aplicação em usinas termelétricas convencionais. Os possíveis resultados dessa aplicação são geradores de energia elétrica tornando-se agentes de desenvolvimento sustentável nos aspectos econômicos, sociais e ambientais, como por exemplo, dentre vários que podem ser inicialmente citados, tem-se respectivamente: estímulo da economia local; a promoção de geração de emprego e renda para a comunidade local; fixação do homem no campo; minimização de emissão de gás de efeito estufa e etc.
A modelagem proposta neste artigo é resultado de um trabalho multidisciplinar que contou com a colaboração de equipes de pesquisadores especialistas em química, agronomia, ciências agrícolas, sociais e ambientais, ciências energéticas, elétricas e mecânicas, e econômicas, dos seus respectivos centros de pesquisas.
Segundo pesquisas experimentais realizadas pela Embrapa no semi-árido nordestino brasileiro em 2005 com várias oleaginosas, a cultura mais promissora e adaptável é a mamona (Ricinus Communis L. da família da Euphorbiaceae). A cultura da espécie oleaginosa "mamona" dispõe de características vantajosas em relação às demais alternativas de cultura de espécies vegetais no que tange ao cultivo na região do semi-árido. Além das vantagens comerciais há também as vantagens agronômicas, pois a cultura pode se estabelecer em sistemas agrícolas sustentáveis de pequena escala, com rotação de culturas, menor uso de agroquímicos e uso de sistemas com baixa tecnologia com a possibilidade de ausência total de mecanização no processo de plantio e manejo. A expansão de seu cultivo se deu principalmente devido à sua capacidade de adaptação a diferentes condições ambientais e às diversas possibilidades de uso de seu principal produto, o óleo extraído das sementes.
Segundo ensaios do Laboratório de Combustíveis e Energia (Policom) da Universidade de Pernambuco (UPE) em 2005, as usinas termelétricas convencionais com motores a diesel e a óleo mineral pesado (OCA) são elegíveis para aplicação do estudo proposto. Através de testes físico-químicos dos combustíveis supracitados com a adição gradual de óleo vegetal de mamona in natura e na forma transesterificada (biodiesel) obteve-se resultados satisfatórios com várias proporções de mistura (5/95, 20/80 e 50/50, de óleo vegetal/mineral) e desempenho compatível com as características do combustível original. Verificou-se apenas sucintas reduções graduais do poder calorífico das misturas em função da adição proporcional de biodiesel no óleo mineral e uma sensível redução para o caso de óleo vegetal in natura. Evidentemente que é possível obter melhores performance de operação de termelétricas com misturas de biodiesel de mamona.
Para expor a metodologia proposta, o texto subseqüente apresenta a prospecção de aplicação de combustíveis renováveis em termelétricas, os sistemas de cultivos adaptáveis, os aspectos regulatórios, políticos, tributários, financeiros, sociais e ambientais do modelo elaborado, a ferramenta computacional elaborada para abrigar o modelo e, por fim, o estudo de caso que exemplifica aplicação do modelo proposto.
2. Proposta de Aplicação de Óleos Vegetais em Termelétricas
A proposta de modelagem de aplicação de misturas de óleos minerais (não-renováveis) com óleos vegetais (renováveis) em termelétricas é, inicialmente, composta por uma cadeia produtiva de sementes de mamona, processo de extração de óleos e produção de biodiesel (opcional) e, posteriormente, elaboração de misturas na proporção desejada e, por fim, utilização em máquinas de geração de eletricidade, conforme a Figura 1 a seguir.
Para melhor compreensão da sistematização apresentada pela Figura 1, a redação está convenientemente segregada e organizada em 9 tópicos, conforme os itens a seguir.
2.1. Sistema de Cultivo da Mamona
Inicialmente deve-se identificar a infra-estrutura necessária para produção agrícola de sementes (bagas) de mamona, as atividades correlatas à produção, os recursos humanos associados às atividades, a configuração da estrutura produtiva e as alternativas de manejo da oleaginosa. Para isso, correlacionou as seguintes variáveis pertinentes ao sistema de cultivo da mamona.
Cultura: Espécie adaptável à região (mamona, variedades e produtividades); Áreas cultiváveis; Sistemas de cultivo e plantio de mamona; Rotação de cultura; Exigências e procedimentos para produção de oleaginosas; Climas e solos para a mamoneira; Dimensão da área; Preparo e conservação do solo; Adubação e calagem; Profundidade, densidade e arranjos de plantio; Técnicas de cultivos com captação de água de chuva "in situ"; Controle de plantas daninhas; Principais pragas / controle; Principais doenças / controle; e Colheita, secagem e armazenamento da produção.
Organização Produtiva: organização do sistema de produção de sementes de mamona, como: Assentamentos; Arrendamentos ou Aquisição da área necessária para implementação do sistema de produção.
Estrutura Organizacional: modalidades de organização produtiva, como por exemplo, Cooperativas de produção agrícola e Associações de produtores.
Extensão Rural: orientação técnica e segura da implantação de cultivos de mamona no semi-árido por profissionais técnicos agrícolas.
Descascamento: o método de descascamento dos frutos de mamona mais adequado para agricultura familiar é com instrumentos simples, confeccionados artesanalmente de madeira, tendo resultado considerado dentro dos padrões desejados e promove a geração de emprego e renda para os habitantes das pequenas comunidades rurais. Não obstante, existem máquinas que realizam o descascamento de modo automatizado, porém essas são pouco eficientes e não promovem a geração de emprego.
2.2. Dimensão da Área Cultivável
Estabeleceu-se dimensões padrão para estudos de prospecção de implantação de um sistema de cultivo de mamona na forma de agricultura familiar. O dimensionamento foi baseado pelos portes padrões existentes comercialmente de centrais de beneficiamento de sementes de mamona. E ainda, tomando como referência as propriedades rurais produtoras de oleaginosas existentes no Brasil, especialmente no semi-árido, podem-se considerar as extensões de áreas cultiváveis propostas nesse trabalho como dimensões consagradas, as quais são: pequenas (600 ha), médias (5.000 ha) e grandes (15.000 ha).
2.3. Impactos Ambientais, Sociais e Econômicos
Os impactos ambientais, sociais e econômicos são analisados separadamente nesse trabalho. Os impactos ambientais podem ser compreendidos como os eventuais reflexos da implantação da cadeia produtiva proposta sobre os recursos naturais no perímetro do semi-árido, como por exemplo: água, vegetação local, solo, clima e eco-morfologia. Quanto ao solo, deve-se ater a dois aspectos: erosão e perda de nutrientes; e poluição por fertilizantes e agrotóxicos. Um outro aspecto ambiental, o uso de óleo de mamona como alternativa de substituição do combustível fóssil (diesel) favorece a redução da importação de petróleo e, consequentemente, a redução de emissões de gases de "Efeito Estufa" na atmosfera.
Dentre os principais impactos sociais, a geração de empregos é o mais preponderante. Em especial, a agricultura familiar promove a fixação do homem no campo e a força de trabalho familiar como meio de socialização dos pequenos produtores agrícola.
Segundo (Bonelli, 2001) no seu trabalho "Impactos econômicos e sociais de longo prazo na expansão agropecuária no Brasil: revolução invisível e inclusão social", a avaliação dos impactos econômicos é abrangente. Pode-se citar o impacto quantitativo de longo prazo do desenvolvimento agropecuário sobre a geração de renda, crescimento populacional, arrecadação de impostos e desenvolvimento humano no espaço geoeconômico apropriado. Nesta análise confirmou-se o pressuposto de que a expansão agropecuária determina as dinâmicas econômicas e demográficas e, conseqüentemente, de qualidade de vida em espaços econômicos homogêneos. Nela identificou-se que a renda dos demais setores da economia está estreitamente associada à renda da agropecuária.
2.4. Logística de Extração de Óleo Vegetal
Considerado um dos óleos mais versáteis da natureza, o óleo de mamona possui centenas de aplicações industriais, como por exemplo: fabricação de cosméticos, próteses para ossos humanos, lubrificantes, aditivos de combustíveis aeroespaciais etc. dentre tantas aplicações, esse trabalho evidencia-se o óleo vegetal como insumo para geração de eletricidade e emprego, conseqüentemente.
A extração do óleo da mamona é feita a partir da semente, através de uma seqüência de processos utilizando equipamentos apropriados, em escalas que variam de algumas dezenas de quilos de sementes processados por hora, a várias toneladas de sementes por hora. Os métodos utilizados para extração do óleo de mamona podem ser: Prensagem a frio; Prensagem a quente; ou Extração por solvente. A prensagem a frio é utilizada nos casos de produção do óleo medicinal, passando o óleo posteriormente pelos processos de refinação, para que seja isento de acidez e de impurezas, obtendo-se o óleo líquido, incolor e brilhante. Já para a extração do óleo industrial, utiliza-se preferencialmente a prensagem a quente das sementes completas, obtendo-se óleo tipo standard límpido e brilhante.
Independentemente de qualquer um dos métodos e considerando o modelo organizacional na forma de agricultura familiar, o sistema de beneficiamento em micro-usinas instaladas nas próprias propriedades rurais pode trazer vantagens, como: garantia de economia no transporte, valor agregado do produto e emprego de mão-de-obra local em processos de extração.
As micro-usinas de beneficiamento são compostas principalmente pelos seguintes equipamentos, considerando a capacidade de prensagem de 300kg de semente/hora, o que equivale a uma plantação de mamona com extensão rural equivalente a 600ha.
2.5. Processo de Obtenção de Biodiesel a partir de Óleo Vegetal de Mamona
O processo de produção de biodiesel, partindo de uma matéria-prima graxa qualquer (mamona, girassol, dendê e etc), envolve alguns processos operacionais de reação química. Após o processo de extração de óleo vegetal das sementes de mamona, por exemplo, pode-se iniciar esse processo, conhecido como transesterificação.
Com esse processo, as propriedades químicas e físicas do ricinoleato de etila, principal componente do éster de mamona, favorecem a solubilidade de etanol em óleos minerais, permitindo o desenvolvimento de mistura ternária, cujo resultado de desempenho em motor revelou-se promissor. Estima-se ainda que estas propriedades aumentem a lubricidade dos motores, melhorando o desempenho dos motores.
Vários centros de pesquisas vêm desenvolvendo estudos sobre os processos de conversão de óleos vegetais em biodiesel. Existem, por exemplo, a transesterificação ácida, básica, direta e o craqueamento térmico. No entanto, esse trabalho explora o processo convencional de produção do biodiesel, com reações de metanol e etanol. Esse processo tem as seguintes fases:
Como referência para o estudo, as capacidades de processamento das plantas de produção de biodiesel compatível com os padrões de mercado nacional brasileiro, para diferentes capacidades, são apresentadas Tabela 2.
2.6. Aplicação de Óleos Vegetais em Usinas Termelétricas
Uma das finalidades de aplicação de novos combustíveis em grupos geradores de usinas termelétricas com motores a combustão (e compressão) que atualmente utilizam combustível fóssil diesel e óleo mineral pesado é experimentar o óleo vegetal como alternativa energética renovável local como alavanca ao desenvolvimento socioeconômico das regiões do semi-árido, além de proporcionar ao agente de geração uma flexibilidade de alternativas de combustíveis.
Para isso, foram realizados ensaios de laboratórios para examinar, inicialmente, as características físico-químicas das misturas de óleo diesel ou óleo mineral pesado (OCA / HFO - Heavy Fuel Oil) com adição de óleo vegetal, na forma in natural e transesterificada.
O óleo in natura de mamona é um óleo bruto extraído do processo de prensagem dos frutos da oleaginosa mamona, sendo não refinado, denso e de alta viscosidade que se assemelha ao óleo pesado (HFO). Enquanto que o biodiesel de mamona é obtido a partir da reação química do óleo in natura e apresenta baixa viscosidade.
Os resultados dos ensaios com misturas de diesel ou OCA com biodiesel de mamona foram satisfatórios para a finalidade de combustível de motores a combustão. Esse resultado era esperado, pois o biodiesel apresenta características físico-químicas muito semelhantes ao diesel comum. Então, recomenda-se acrescentar, no máximo, 50% de biodiesel na mistura proposta. Entretanto, os resultados dos ensaios de misturas com óleo vegetal de mamona in natura apresentaram desvio de poder calorífico à medida que se aumenta a parcela de óleo vegetal na mistura. Para tanto, esse trabalho propõe adição de, no máximo, 20% de óleo in natura na mistura.
E os resultados dos ensaios evidenciaram que com adição de óleos vegetais na foram in natura e transesterifica na matriz de óleo diesel ou OCA é possível se obter misturas homogêneas e estáveis como forma de combustível para ambos os casos.
2.7. Aspectos Regulatórios e Políticos
A autorização de uso de novos combustíveis foi regulamentada em dezembro de 2004 e é resultado de um trabalho conjunto com agentes dos setores automotivos e de combustíveis, da agricultura, de pesquisa e desenvolvimento, de financiamento e de órgãos reguladores. A utilização de biodiesel e óleos vegetais, no Brasil, está amparada em um marco regulatório específico e contempla a diversidade de oleaginosas, a garantia de suprimento, a qualidade do novo combustível e uma política de inclusão social.
Como exemplo para aplicação de biodiesel em termelétricas, tem-se a regulamentação do setor automobilismo. Assim, o marco regulatório é formado por atos legais que tratam dos percentuais de mistura do biodiesel ao diesel, da forma de utilização e do regime tributário. Cria também o Selo Combustível Social e isenta a cobrança de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
2.8. Aspectos Tributários
A questão tributária relacionada ao biodiesel tem sido assunto polêmico devido à sua quase equivalência com os impostos incidentes sobre o óleo diesel. A discussão se iniciou com a Medida Provisória 227. Essa medida, que se consolidou no Decreto 5.297 em 6 de dezembro de 2004, previa que fossem recolhidos PIS/COFINS sobre atividade de produção de biodiesel. No entanto, o exercício de aplicação dessa tributação resulta em 222,20 R$/m3 para biodiesel e enquanto para o diesel o valor de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), na qual estão incluídos PIS/CONFINS, é de 218,00 R$/m3. Sendo o biodiesel isento da CIDE e alíquota de 0% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), estabelecido pelo Decreto 5.298, de 6 de dezembro de 2004.
Só em junho de 2005, por meio do Decreto 5.457, houve uma redução das alíquotas da contribuição de PIS/COFINS sobre biodiesel e resultado 217,96 R$/m3, de modo que a regra geral fosse equivalente à tributação do diesel (218 R$/m3). Já para os casos especiais, como por exemplo: produção de biodiesel cujas matérias-primas fossem provenientes de mamona e palma do N/NE e Semi-Árido com agricultura familiar as alíquotas são zeradas. A situação tributária atual aplicada ao biodiesel está sintetizada na Tabela 3 abaixo.
2.9. Fontes de Financiamento
Identificou-se as fontes de financiamento disponíveis para implementação de projetos que abrange a cadeia produtiva de mamona e biodiesel, que contempla: projeto produção agrícola, extração de óleo e, eventualmente, produção de biodiesel. Assim, são identificadas, por órgão financiador, as principais linhas de crédito que podem ser apropriadas para o empreendimento:
- O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que proporciona financiamentos em relação a Infra-estrutura e Agropecuária, através de programas como: Programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar - Pronaf, Programa especial de financiamento agrícola, Programa de desenvolvimento cooperativo para agregação de valor a produção agropecuária - Prodecoop.
- Através do Banco do Nordeste do Brasil é possível obter financiamento através do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), pelos seguintes programas: FNE Rural, FNE Verde e Proinfra.
Em especial, os projetos de produção agrícola podem ser organizados em linhas de crédito nas seguintes modalidades:
- Custeio - modalidade de crédito para gastos com a manutenção das atividades já desenvolvidas na propriedade;
- Investimento - modalidade destinada à aquisição de equipamentos ou construção de benfeitorias geradoras de renda;
- Operação de Compras da Agricultura Familiar - modalidade nova em parceria com o Ministério da Segurança Alimentar e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que tem objetivo contribuir para a recomposição dos estoques reguladores;
- Instalação - modalidade de crédito destinada à execução de obras básicas para o desenvolvimento das atividades na propriedade.
3. Logística da Cadeia Produtiva
A proposta de modelo de aplicação de óleos vegetais em termelétricas exige a elaboração de uma logística que represente a cadeia funcional e organizacional de produção agrícola de mamona, beneficiamento de sementes de mamona e, eventualmente, conversão em biodiesel. O intuito é identificar os aspectos correlatos da cadeia produtiva. Como já estabelecido anteriormente, adotou-se as três dimensões de área como premissa para elaboração do diagrama funcional. O diagrama da Figura 2 abaixo ilustra a cadeia funcional elaborada para representar a proposta de modelo de desenvolvimento regional sustentável promovida pelo agente termelétrica.
O diagrama funcional apresentado propõe uma rotina para se analisar projetos candidatos de processos de produção agrícola de mamona, beneficiamento de sementes, conversão de óleo vegetal in natura em biodiesel (opcional) e aplicação na UTE, através de indicadores de avaliação econômico-financeiro, social e ambiental, que são respectivamente: Valor Presente Líquido (VPL), payback simples (PBS) e descontado (PBD), custo unitário de produção óleo vegetal in natura ou biodiesel (R$/kg); quantidade de famílias assentadas e funcionários empregados no empreendimento; quantidade de gás carbono (CO2) evitado com combustível renovável, uma vez o ciclo de vida da mamoneira (ciclo de carbono) é um processo fechado em virtude que a parcela equivalente da emissão de CO2 proveniente da combustão (queima) em termelétricas de óleos vegetais de mamona é absorvida da atmosfera na fase de crescimento da planta mamoneira cultivada, conforme ilustrado pela Figura 3. Através do consumo anual de combustível da termelétrica analisada é possível identificar o volume de CO2 evitado pelo projeto.
Para tanto, foi desenvolvida uma ferramenta computacional "AGRIFIS" para abrigar o modelo de desenvolvimento regional sustentável, representado pelo diagrama funcional, que é capaz de gerar cenários para avaliação econômico-financeira, social e ambiental de propostas de projetos da cadeia produtiva elaborada neste trabalho.
4. Experimentos Agrícolas Realizados
Em colaboração com a Embrapa Semi-Árido, realizou-se experimentos agrícolas na região de semi-árido nordestino com oleaginosas de espécies vegetais de mamona visando identificar as produtividades, os períodos de plantio apropriados, as características do ciclo de crescimento, de reprodução, de produção de frutos, e de colheitas associadas a diversas condições de sequeiro, como: condições climáticas, solo, irrigação, precipitações atmosféricas e outras. Como exemplo, pode-se mencionar os experimentos realizados na região de Petrolina (PE), onde os estudos reúnem informações que auxiliam a seleção de espécies vegetais adaptáveis a região analisada. A Tabela 4 abaixo evidencia a atratividade da produtividade da cultura de mamona para essa região de sequeiro no semi-árido.
Embora estudos afirmem que a mamoneira necessite 400 a 500 mm de precipitação atmosférica, do período de plantio até o início da floração, neste experimento observou-se que nos primeiros seis meses após o plantio as plantas receberam pouco mais de 110 mm de chuva e, no entanto, produziram frutos satisfatoriamente. Estima-se que plantios realizados no início do período chuvoso, em anos de precipitação pluvial normal, a produtividade de sementes pode ultrapassar 1.000kg/ha.
5. ESTUDO DE CASO
O Estudo de Caso propõe um exercício de aplicação do modelo proposto neste trabalho, utilizando o software AGRIFIS, com base em 2 (dois) exemplos de simulação. Para tanto, o exercício de aplicação está dividido em duas etapas. Na 1ª etapa, é necessário informar os dados correlatos às atividades agrícolas, extração de óleo e produção de biodiesel, os quais principalmente são:
- Organização produtiva (assentamento, arrendamento ou propriedade rural própria);
- Impostos / Contribuições fiscais / Tributações compulsórias;
○IRPJ / CSLL / PIS / COFINS / ICMS / IPI;
- Linhas de créditos / Financiamentos;
○Tx. juros, cobertura, horizonte e carência para: Maquinário / Construção Civil / Aquisição da área;
- Infra-estrutura necessária / Aquisição da área cultivável;
○Escola / Lazer / Vias de transporte / Saneamento / Habitação familiar / Energia Elétrica / Áreas disponível (R$/ha);
- Maquinários / Equipamentos / Implementos / Insumos necessários e envolvidos;
○Trator / Pulverizador / Descascador / Pressa / Cozinhador / Unid. de transesterificação / Adubos / Fertilizantes;
- Custos de operação da planta ou usina / Relação estequiométrica / Encargos administrativos;
○Serviços de preparo do Solo / Plantio / Colheita / Transporte / Armazenamento / Despesas operacionais (O&M);
- Recursos humanos envolvidos / Famílias / Empregados;
○Técnicos agrícolas e manutenção / Funcionários / Serviço de assistência social;
- Expectativa da produtividade da mamona e consórcio / Expectativa de operação da usina ou planta;
- Forma de remuneração das famílias (proporcional a produção, salário mensal ou mista);
Já na 2ª etapa, é necessário informar os dados correlatos à aplicação de misturas de óleos vegetais em termelétricas, os quais principalmente são:
- Alguns dados utilizados nessa etapa advêm da 1ª etapa, como:
○Óleo vegetal utilizado na mistura (in natura ou biodiesel) com combustível fóssil (diesel ou OCA [HFO]);
○Quantidade (litros) e Preço unitário anual do óleo vegetal no horizonte de 20 anos;
- Potência firme da termelétrica analisada (MW);
- Expectativa anual de operação da termelétrica (horas/ano);
- Quantidade de gases nocivos emitidos ao meio ambiente proveniente da combustão de:
Óleo vegetal (in natura ou biodiesel) / Combustível fóssil (diesel ou OCA);
- Percentagem anual de substituição de combustível fóssil por óleo vegetal ou percentagem da mistura;
Considerando que os exemplos assumam valores conservadores, como 800kg/ha de produtividade agrícola de mamona com teor de 47% de óleo, utilizam a organização e instalação de assentamento rural existente, sistema de cultivo consorciado (feijão: 300kg/ha e R$0,6/kg), a remuneração familiar proporcional a produção (R$0,5/kg de semente) e os custos de infra-estruturas, impostos, O&M e maquinários assumam valores comerciais correntes. E ainda, os exemplos simulam aplicação em uma determinada termelétrica localizada no semi-árido nordestino, cuja potência firme é 124MW, com expectativa de 700h/ano de operação, com consumo de 25mil litros/hora, utilizando atualmente diesel (R$1,6/litro). Propõe-se adicionar 1,63% de óleo vegetal in natura (exemplo 1), 11% de biodiesel (exemplo 2) no volume do atual combustível para obter as misturas desejadas. Considera-se que o poder calorífico das misturas não se altera com adição de óleos vegetais nas proporções propostas. Os resultados da simulação são os seguintes.
6. CONCLUSÕES
Em algumas simulações desenvolvidas, os primeiros resultados demonstraram viabilidade social e ambiental de implementação da proposta de desenvolvimento regional sustentável promovida por termelétricas utilizando novos combustíveis de misturas de óleos de origem renovável e não-renovável, principalmente nos aspectos sociais e ambientais. Não obstante, a viabilidade econômica não foi satisfatória quando se faz análise comparativa dos custos unitários de produção (óleo de mamona in natura ou biodiesel) alcançados com projetos formatados pelo modelo proposto nesse trabalho em fase aos atuais custos unitários de combustíveis minerais (diesel ou OCA / HFO) utilizados pelas termelétricas. Uma alternativa para minimização dos custos finais de produção é a integração das atividades da cadeia produtiva com a geração de eletricidade sob os aspectos fiscais. Desse modo, possivelmente não há incidência de tributação sobre todas as atividades separadamente.
No Brasil, os incentivos governamentais existentes abrangem apenas um elo da cadeia produtiva (Bertelli, 2006). Essa analise deixa evidente que a viabilidade econômica tem oportunidade de ser atrativa, por exemplo, por meio de intervenções de programa de incentivo às iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável, agricultura familiar, geração de energia renovável e limpa, geração de emprego, CO2 evitado e etc. Isso pode ser garantido por políticas de incentivo fiscal, tributário e subsídios quanto a projetos com retorno social, ambiental e cultural, como os propostos pelo modelo desenvolvido neste trabalho. Entretanto, há uma ressalva não explorada nesse trabalho quando se trata de aplicações em comunidades isoladas eletricamente, pois para essas condições existe subsídio do setor elétrico e se garante atratividade econômica.
Em especial no estudo de caso, os sistemas de cultivo em regime de consórcio com a mamona assumem papel econômico-social de grande relevância para manutenção e complementaridade do orçamento familiar, como por exemplo, o cultivo de feijão, amendoim, milho, gergelim, gramíneas e outros.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Lei nº 11.097, 13/01/05, dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira.
Decreto nº 5.298, 06/12/04, Ministério de Minas e Energia. Dispõe sobre altera a líquota do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre o produto que menciona.
Decreto nº 5.297, 06/12/04, Ministério de Minas e Energia. Dispõe sobre os coeficientes de redução das alíquotas de contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, incidentes na produção e na comercialização de biodiesel, sobre os termos e as condições para a utilização das alíquotas diferenciadas.
Decreto Casa Civil, de 23/12/2003, institui a Comissão Executiva Interministerial encarregada da implantação das ações direcionadas à produção e ao uso de óleo vegetal - biodiesel como fonte alternativa de energia.
Decreto Casa Civil, de 02/07/2003, institui Grupo de Trabalho Interministerial encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade de utilização de óleo vegetal - biodiesel como fonte alternativa de energia, propondo, caso necessário, as ações necessárias para o uso do biodiesel.
Resolução BNDES nº 1.135 / 2004. Programa de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel no âmbito do Programa de Produção e Uso do Biodiesel como Fonte Alternativa de Energia.
Resolução ANP nº 3, 10/01/03. Estabelece o procedimento para comunicação de incidentes, a ser adotado pelos concessionários e empresas autorizadas pela ANP a exercer as atividades de exploração, produção, refino, processamento, armazenamento, transporte e distribuição de petróleo, seus derivados e gás natural, biodiesel e de mistura óleo diesel/biodiesel no que couber.
Anjos, J. B.; Drumond, M. A., Adaptação de semeadora manual para plantio direto de mamona. In: I Congresso Brasileiro de Mamona - Energia e Sustentabilidade, 2004. Campina Grande - PB.
Bertelli, L. G., evento: Condições necessárias para o estabelecimento de uma política de produção de biocombustíveis no Brasil. Fiesp, março 2006.
Bornelli, R., Impactos Econômicos e Sociais de Longo Prazo da Expansão Agropecuária no Brasil: Revolução Invisível e Inclusão Social, IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2001
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do programa de P&D-ANEEL da Companhia Energética de Petrolina (CEP), ciclos 2002/2003 e 2004/2005, com o Centro de Estudos em Regulação e Qualidade de Energia (ENERQ/USP), e com a colaboração do Centro Nacional de Referência em Biomassa (CENBIO); Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Semi-Árido).Prof. Dr. Carlos M. V. Tahan (e-mail:cmvtahan@pea.usp.br) - USP / POLI / PEA - São Paulo-Brasil (+55 11 3091-5404)