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An. 1 Simp. Internacional do Adolescente Maio. 2005
Sexualidade – adolescência – deficiência mental: um desafio a pensar
Schliemann, Profª Drª Ana Laura; Duarte, Débora do Espírito Santo Tobias; Garcia, Glaussi S.; Guimarães, Marcela Constantino; Valdrighi, Mariana Silva
Faculdade de Psicologia da PUC/SP - Departamento de Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo, Brasil
RESUMO
Esse é um projeto de iniciação científica realizado por estudantes de Psicologia e tem por objetivo entender como se dá a informação e a vivência do ensino da sexualidade na adolescência de deficientes portadores de deficiência mental. Os dados parciais foram colhidos com duas mães e uma adolescente e apontam para a dificuldade de comunicação entre pais e filhos, o tema é delicado e as mães precisam de acolhimento de suas duvidas e medos. Ao final do estudo, será elaborado um material educativo para os filhos e para os pais.
1. INTRODUÇÃO
A partir da disciplina "Psicologia e Excepcionalidade", oferecida na Faculdade de Psicologia da PUC-SP, optamos por aprofundar os conhecimentos na área da deficiência e sexualidade e concretizamos esse aprendizado na forma de um trabalho de iniciação científica.
Inicialmente, realizamos um levantamento bibliográfico sobre os temas, acerca dos conceitos e definições envolvendo a sexualidade, a deficiência mental e os estigmas que permeiam esses dois tópicos. Procuramos aprofundá-los e pudemos entrar em contato com os seguintes temas: sexualidade "normal", identidade sexual, papel sexual, casamento, orientação sexual, expectativas de pais e educadores com relação à sexualidade do deficiente mental, natalidade, conduta sexual, masturbação, adolescência do deficiente mental e relações familiares.
Tendo por base as discussões do material bibliográfico, realizadas pelo grupo juntamente com a orientadora, foi possível delimitar nosso problema de pesquisa. A pergunta norteadora de nosso trabalho era: como os pais de deficientes lidam com a sexualidade de seus filhos? Tínhamos como objetivos: (1) compreender como os pais entendem o que são os conceitos de deficiência e sexualidade; (2) pesquisar qual a atitude dos pais frente à sexualidade dos filhos deficientes e (3) ouvir os filhos desses pais sobre a atitude deles. Nossa contribuição, ao final do estudo, será a criação de um material de orientação para os pais com filhos deficientes em relação à sexualidade.
Os temas básicos pesquisados serão apresentados de forma resumida abaixo.
SEXUALIDADE
A questão da sexualidade do deficiente mental se apresenta como um conflito para seus pais, para os profissionais que trabalham na sua habilitação, bem como para eles próprios. É importante ressaltar, ainda, que a sexualidade é um assunto difícil em nossa sociedade – se falando em excepcionais ou não – pois é mantida sobre muitos tabus e repressões sociais (Ferreira, 2001).
Pelo conceito da Organização Mundial da Saúde, emitido em 1975:
A sexualidade forma parte integral da personalidade de cada um. É uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida. Sexualidade não é sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que isso é a energia que motiva encontrar o amor, o contato e a intimidade e se expressa na forma de sentir, na forma de as pessoas tocarem e serem tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e tanto a saúde física como a mental. Se a saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada como um direito humano básico (Egypto, 2003).
Assim, conforme esta definição, ao abordarmos este assunto é importante salientar que ele envolve não apenas a conduta sexual do indivíduo, o ato sexual e a reprodução; mas também, tudo aquilo que remete às situações que nos proporcionam prazer, como os afetos, desejos, a nossa relação com o próprio corpo, as relações interpessoais, bem como o papel sexual que exercemos.
O papel sexual, de acordo com Assumpção e Sprovieri (1993), representa o conjunto de ações de uma pessoa, o qual indica para os outros o seu gênero. Assim, o papel sexual é vivido de forma única, singular, por cada indivíduo, tendo em vista que cada um possui uma história, uma bagagem biológica e vivências culturais diferentes. A esta experiência particular dá-se o nome de identidade sexual. Ao falarmos em deficiência mental, é possível dizer que o processo no qual a criança opta por um papel sexual ocorre de forma mais lentificada em função de seu comprometimento intelectual (ibid.).
Assim, ao abordarmos o tema sexualidade e deficiência mental, o mais importante é lembrar que (1) vontades e desejos são comuns a todo ser humano, bem como suas necessidades de satisfação, (2) a atividade sexual pode ser vista como uma forma de busca por segurança e proteção, ou seja, estabilidade e que (3) a conduta sexual do indivíduo é o resultado da interação de aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
DEFICIÊNCIA MENTAL
Deficiência mental, segundo a AAMR (Associação Americana de Deficiência Mental) e DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), é o estado de importante redução do funcionamento intelectual, associado a limitações pelo menos em dois aspectos do funcionamento adaptativo: comunicação, autonomia, cuidados pessoais, competências domésticas, aptidões escolares, habilidades sociais, utilização dos recursos comunitários, saúde e segurança, lazer e trabalho. (Gejer, 2003).
• Estigma: O conceito de estigma é de extrema importância para que se possa entender os conflitos relacionados à deficiência mental e à sua sexualidade, bem como aos conflitos de sua vida como um todo. De acordo com Goffman (1988) estigma é a característica a qual faz com que o indivíduo que a porta seja considerado inferior. Assim, é excluído de uma categoria a qual poderia pertencer, já que este indivíduo possui determinado atributo que se distancia da imagem que a sociedade tem como ideal.
A partir do estigma, é possível observar diversas de suas conseqüências, dentre elas, a de que se tende "inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original" (ibidem). Essa tendência auxilia-nos a compreender porque há a noção equivocada a respeito da pessoa deficiente mental que a coloca como deficiente também em seu desenvolvimento sexual e afetivo (Denari, 1998; Ferreira, 2001). Além disso, supõe-se que o deficiente metal é um ser assexuado ou então, que ela é mais exacerbada neste indivíduo do que nas pessoas em geral.
De acordo com Gherpelli (1995), esses preconceitos são reforçados pela crença de que os portadores de deficiência mental são incapazes de aprender as normas e, desta forma, acaba-se realmente, ocasionando conflitos no que diz respeito ao desenvolvimento da sua sexualidade. Assim, a falta de informação faz com que os estereótipos se perpetuem, negando-se ao deficiente mental a chance de desenvolver suas potencialidades e viver experiências no âmbito afetivo e sexual, impossibilitando a integração social. A importância da informação está na possibilidade de aumento da qualidade de vida do indivíduo e de sua própria família.
No caso do deficiente mental, há comprometimento das funções intelectuais, as quais atuam redirecionando o desejo para outros meios de satisfação aceitos socialmente; o que "não significa, em absoluto, que não sejam capazes de obter uma conduta sexual compatível com as exigências pessoais e sociais" (Gherpelli, 1995, p. 17).
Do ponto de vista biológico/físico, não há nos portadores de deficiência mental comprometimento fisiológico ou anatômico dos órgãos sexuais, bem como dos sistemas responsáveis pelo seu funcionamento.
• Família: A família pode ser entendida como um primeiro espaço onde toda criança pode experimentar diferentes comportamentos, testando limites e possibilidades. Assim, um dos aspectos que formam a identidade do indivíduo se dá a partir de como a família se envolve na educação e na orientação da criança, pois, é ela que fornece um padrão de comportamento importante para a atuação na sociedade (Assumpção Jr. e Sprovieri, 1993).
Após a união, o casal passa a construir sonhos acerca da criança que planejam ter e continuam lhe atribuindo características, tanto físicas, quanto psicológicas; tanto defeitos, quanto qualidades. Com o nascimento da criança, os pais passam a confrontar suas expectativas com os reais atributos de seus filhos, ocorrendo naturalmente, frustrações (Gherpelli, 1995).
Tratando-se de uma criança portadora de deficiência mental, na maioria das vezes, ocorre extinção das expectativas, ou seja, os pais passam por uma quantidade maior de frustrações neste período. Assim, além dos pais enfrentarem frustrações e preconceitos relacionados à deficiência – em sua maioria fruto do estigma relacionado à deficiência mental e não das limitações da própria deficiência – costumam deparar-se também com os preconceitos e diferenças das demais pessoas da sociedade. Contudo, é importante manter diferenças entre quais são as limitações reais que a deficiência traz e, as expectativas e os comportamentos dos pais e profissionais envolvidos no crescimento e desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Quando se fala no comportamento dos pais com relação à educação de seus filhos, diferentes atitudes podem ser encontradas: (1) sabendo do preconceito e do isolamento que a sociedade impõe sobre os deficientes, muitas famílias, para compensar essa situação, fazem com que seus filhos deficientes se tornem extremamente afetivos e carinhosos. (2) Evitar falar sobre o tema sexualidade é uma possível atitude. Ignora-se, partindo da idéia equivocada de que se for esquecida, não poderá ser desenvolvida e inserida na vida do adolescente. (3) Os pais podem tratá-los como eternas crianças e os ver como seres assexuados.
Gejer (2003) afirma que "a conduta sexual é aprendida, formada e reforçada por fatores ambientais", assim a atitude dos pais frente à sexualidade dos filhos é fundamental na formação da identidade sexual dos mesmos.
Para Denari (1997) e para maioria dos estudiosos neste assunto discutir sobre sexualidade com as pessoas portadoras de deficiência mental contribui para a melhora da relação deles com sua sexualidade. Quando a sexualidade é ignorada – negação da sexualidade – contribui para o surgimento de comportamentos sexuais inadequados (Assumpção Jr. e Sprovieri, 1993). A negação da sexualidade e a infantilização fazem com que o deficiente mental apresente dificuldades para se tornar mais independente, bem como para desenvolver sua sexualidade e estabelecer outros relacionamentos. De acordo com Ferreira (2001), a crença de que o deficiente mental também tem comprometimento no desenvolvimento sexual e afetivo faz com que não apenas haja a negação da sexualidade, como, também, o controle de sua expressão, através da repressão comportamental, por canalização de atividades ou por via medicamentosa.
É importante salientar que o desenvolvimento da sexualidade está diretamente relacionado ao desenvolvimento global, ou seja, às funções cognitivas, emocionais, motoras e sociais. Ao serem trabalhadas, essas funções fornecem elementos para o desenvolvimento de uma sexualidade "sadia". Da mesma forma, ao ser bem orientada, a sexualidade contribui para o desenvolvimento da afetividade e das relações interpessoais e, por conseguinte, melhora a auto-estima e a adequação à sociedade (Gejer, 2003).
Segundo Ribeiro e Nepomuceno (1992, p. 169):
Durante a adolescência estes aspectos [amorosos e criativos] encontram-se intensificados e o indivíduo adolescente, em virtude da capacidade do exercício genital, que alcançou nessa idade, pode também desenvolver suas melhores aptidões para conseguir o estabelecimento de vínculos humanos positivos, estáveis, tendentes a uma harmonia e boa relação entre os seres humanos, sempre e quando a família e a sociedade assim o compreendam e o permitam.
• Masturbação: É uma prática que traz benefícios na medida em que proporciona prazer; contribui para o desenvolvimento da sexualidade, se constituindo em uma forma possível de conhecer o corpo e estabelecer intimidade consigo mesmo. Por estas razões, não faz sentido sua proibição. O mais indicado é ensinar ao portador de deficiência mental como fazer e onde fazer; mostrar que, assim como o local utilizado para urinar é o banheiro, "a masturbação é uma atividade íntima, e, portanto só deve ser executada onde haja privacidade" (Gherpelli, 1995, p.89).
Esta tarefa de orientar e informar cabe aos pais e, também, aos educadores. É preciso lembrar que o raciocínio do deficiente tende a ser concreto e, portanto, é mais interessante dar exemplos dessa forma, sendo ideal mostrar como se faz, para assim, evitar que ele se machuque pela manipulação ou por uso de objetos inadequados.
• Casamento: Para os pais costuma ser uma tarefa difícil aceitar que seu filho deficiente mental more sozinho em sua própria casa ou mesmo que ele se case. É difícil para a família perceber e aceitar que o filho deficiente adolescente está desenvolvendo sua sexualidade e abandonando o nível infantil (Gherpelli, 1995).
Há resistência por parte da família, pois esta se vê obrigada a desmontar uma estrutura na qual o deficiente sai dos papéis que costumava ficar – o de responsável por todas as desgraças da família ou anjo da guarda da família – para assumir outro incompatível com a vida adulta, onde a pessoa encontra satisfação ao lado de uma pessoa de fora da família. Além disso, de acordo com Gherpelli (1995), caso haja um casamento a supervisão permanente será necessária; tanto quanto arcar com a responsabilidade acerca da condição econômica do casal e de evitar uma gravidez, se for o caso.
• Natalidade: Falar em contracepção implica falar que o deficiente mental possa ter relações sexuais, e isso já é difícil para os pais e para a sociedade como um todo (Gherpelli, 1995). No caso de uma pessoa portadora de deficiência mental surge a dúvida, por parte dos pais, se ela será capaz de cuidar de um filho. A partir dessa dúvida outras surgem, como: qual dos métodos anticoncepcionais seria o mais adequado para garantir a saúde do deficiente, bem como evitar uma gravidez indesejada; a intervenção cirúrgica é uma medida ética ou não para garantir essa segurança; até que ponto os pais podem interferir na vida sexual dos filhos deficientes; os pais teriam direito de tomar alguma decisão mesmo contra a opinião dos filhos deficientes, sendo eles maiores ou menores de idade etc. Contudo, é preciso ter claro que: "O fundamental é criar um espaço em casa ou na escola para falar de fecundação e da necessidade de evitar a gravidez" (Gherpelli, 1995, p. 101).
2. METODOLOGIA
Realizamos um estudo qualitativo visando entender como os pais de deficientes lidam com a sexualidade de seus filhos. Tal estudo estava alocado dentro de um trabalho realizado pela ONG Helping Hands Brasil, que tem como objetivos promover e cuidar da comunidade carente em saúde geral.
Os sujeitos foram pais de deficientes e seus filhos, indicados pela Instituição, de ambos os sexos de 14 a 21 anos, com condições de comunicação verbal e que os pais também aceitassem participar. Não foi exigida a participação de ambos os pais. Portanto, o número de sujeitos não pode ser definido a priori.
Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC/SP demos inicio a coleta de dados. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas (observação e relato do sujeito):
1. Entrevista semi-dirigida individual feita com os pais. O seu objetivo era: identificação e caracterização dos sujeitos; história da deficiência; relacionamento familiar; aspectos da sexualidade (incluindo atitude familiar frente à educação geral e sexual do deficiente e dos outros filhos e orientação e permissão para comportamentos sexuais).
2. Entrevista semi-dirigida individual com os filhos desses pais já entrevistados. O objetivo era: identificação e caracterização; relacionamento familiar; aspectos da sexualidade (o que possui de informação, com quem e onde obtém, comportamentos) e descrição dos comportamentos dos pais frente à educação sexual.
O local utilizado para as entrevistas foi numa sala propícia alocada numa associação sem fins lucrativos, de cunho religioso, que atende a população carente da cidade de São Paulo.
A análise dos dados foi feita através de: (1) caracterização da população atendida; (2) apresentação das respostas dadas; (3) categorização das respostas dadas; (4) comparação entre as respostas dadas e (4) análise qualitativa das mesmas.
3. RESULTADOS
A pesquisa está em fase de coleta de dados, os resultados aqui apresentados são referentes a três entrevistas já realizadas. Duas das entrevistas foram feitas com mães (mãe A e B) e uma terceira entrevista foi realizada com o filho da mãe B. O adolescente A, 14 anos, sexo masculino, não foi entrevistado, pois a mãe A não autorizou sua participação na pesquisa, alegando que ele não iria responder as perguntas.
A seguir está o quadro descritivo do material coletado na entrevista com as mães.
Análise da entrevista e observação relativas à mãe A
A mãe em questão reconhece a condição especial de seu filho, contudo sua atitude é de tratá-lo como completamente diferente dos outros jovens e dos outros filhos. O diagnóstico da deficiência do filho ocasionou um impacto muito grande, indicando que para esta mãe o fato do filho real diferir muito do filho de suas expectativas (ideal) ocasionou uma grande cisão entre o mundo do filho e o mundo dos outros adolescentes.
O processo de elaboração do luto das expectativas desta mãe ainda está em andamento e está sendo vivido com dificuldades e sofrimento. A mãe relata, inclusive, que sua expectativa era maior por se tratar de um filho homem e por ser um filho "grandão".
Este filho tornou-se um depositário do que é estranho, diferente; "tudo dele é diferente", ela afirma. Desta forma, o jovem passou a ser privado de muitas experiências essenciais para qualquer adolescente e criou-se uma relação de dependência muito grande entre mãe e filho. A mãe afirma: "Eu não deixo ele se misturar com os outros, eu afasto dele muito coisa". Dentre as vivências importantes ao qual o filho é privado, está a sexualidade.
A mãe percebe a existência da sexualidade e reconhece os desejos do filho. Sua atitude é de procurar evitar que ele a manifeste e que os outros manifestem em relação a ele. O jovem especial A apresenta vontade de namorar, por exemplo, e sua mãe diz para ele não fazê-lo. A mãe A relata seu medo do contato do filho com outros jovens: "Tenho medo porque na instituição X tem muito síndrome de Down e eles abraçam muito". Além disso, o fato de A monitorar o banho de seu filho, inibe um momento que seu filho poderia ter de intimidade com seu próprio corpo (exploração, masturbação) e também promove uma infantilização deste filho. A mãe reconhece que seria difícil para ela lidar com o desenvolvimento da sexualidade deste filho, como exemplo, é possível observar em uma de suas falas: "Ia ser difícil pra mim se ele arrumasse namorada".
A mãe A coloca a responsabilidade da educação sexual na escola, porém no que diz respeito à educação dos outros filhos, não especiais. Esta mãe relata que quando as filhas perguntam sobre algo relacionado ao tema, ela apenas confirma ou não e diz "mas quem fala disso mesmo, é a professora". Em relação ao filho especial, a mãe A diz que ele não pergunta acerca de temas que envolvem sexualidade e que não conversa com ele sobre este tema.
É importante ressaltar que a atitude desta mãe acontece no próprio contexto da pesquisa, pois ela não autoriza seu filho para entrevista. Podemos observar neste fato dois fenômenos ocorrendo ao mesmo tempo: (1) a mãe reafirmando o lugar de especial de seu filho, enquanto afirma que ele não seria capaz de responder nossas perguntas e que possivelmente tal atividade poderia interferir nos trabalhos que estão sendo realizados com seu filho em outras instituições e (2) procura evitar que levantemos o tema sexualidade com ele. Este último aspecto vem ao encontro do que encontramos em grande parte do material bibliográfico levantado: muitos pais evitam falar sobre sexualidade com os filhos, baseados na expectativa e em um mito de estes não a desenvolverão.
Análise da entrevista e observação relativas à mãe B
Esta mãe parece ter dificuldades em lidar com a condição de excepcionalidade da filha, pois afirma que não há diferenças entre ela e as outras crianças. Diz que a filha é muito dependente dela, que não fica sozinha. A jovem especial é a única filha que mora com ela; a filha mais velha não mantém contato e a filha do meio saiu de casa para morar com o namorado. Chega a chamar atenção este dado, tendo em vista que esta irmã tenha apenas dois anos a mais que a jovem B e que o seu namorado tenha 20 anos.
A mãe relata que a filha especial é a única que escuta seus conselhos, que procurou educar as filhas da mesma forma, mas que uma os seguiu e a outra não. Ela diz orientar a filha para o sexo seguro e para a vida afetiva: "falo sobre as coisas com ela"; "Digo que antes de casar, precisa estudar primeiro"; "Se arrumar namorado tem que usar camisinha", "Tem que se cuidar"; "Ele [o namorado] deve ser homem bom, trabalhador". Contudo, relata uma situação que contradiz esta postura de abertura e esclarecimento: "Digo para ela não entrar no carro de ninguém" e diante do questionamento da entrevistadora de qual a reação da jovem, a mãe diz que a jovem pergunta o porque disto e que ela responde "porque sim".
Já o material coletado com a filha da mãe B nos mostra seu ponto de vista.
Análise da entrevista e observação relativas à jovem B
A jovem B apresenta dificuldades na fala (troca de fonemas), escrita e leitura. Possui um bom nível de compreensão e não possui significativa limitação na função de comunicação, de acordo com os critérios estabelecidos para participação da pesquisa. É do sexo feminino, tem 12 anos, cursa a 4ª série e faz acompanhamento em uma instituição.
Ela afirma não receber orientações sobre sexo e prevenção, ao contrário do que foi dito pela mãe. Acerca das manifestações da sexualidade, a jovem B apresenta poucas vivências e relata que suas demonstrações de afeto são através de brincar junto e, em relação à mãe, ela o demonstra através de abraços e beijos. A jovem diz não querer namorar e, de acordo com dados de observação, foi possível identificar que ela tem uma atitude infantil no que diz respeito à vida afetiva, mas desenvolveu inteligência prática ligada às atividades que realiza em casa (varrer, lavar os pratos).
Comparação dos dados entre mãe A e mãe B e sua filha (B)
Na mãe A podemos observar que ela percebe a sexualidade do filho (expressa no desejo de namorar) e tem uma atitude de reprimi-la: ao dizer para o filho que ele não vai namorar, ao vigiá-lo no banho, ao "afastar dele muita coisa" (sic). Sobre a mãe B, é possível dizer que ela não reconhece a filha como uma pessoa sexualizada tende a vê-la como criança e apresenta uma atitude de mantê-la dependente, dando poucos estímulos para o desenvolvimento da autonomia da jovem B.
A mãe B diz ter atitudes relacionadas à educação sexual da filha, contudo esta filha diz que a mãe não o faz. Esse desencontro entre o que a mãe diz – que informa, orienta – e o que a filha afirma – não saber sobre sexo ou camisinha e nem a professora nem a mãe falam com ela sobre isso – não aponta necessariamente que uma delas esteja dizendo algo que não condiz com o que realmente acontece no dia-a-dia, mas que é preciso alterar a forma como é feita essa educação sexual, a qual, da forma como vem sendo feita, não está contribuindo para o desenvolvimento saudável desta jovem. Já a mãe A afirma que não conversa com o filho sobre os temas ligados à sexualidade. Desta forma, é possível dizer que as mães entrevistadas apresentam dificuldades em orientar os filhos para uma vida afetiva e comportamentos erótico-sexuais saudáveis.
4. CONCLUSÕES
A coleta de dados da pesquisa ainda está em andamento, mas, a partir do material que já obtivemos e analisamos apresentaremos algumas conclusões. A principal delas é que os pais apresentam dificuldades em educar seu filho especial para a sexualidade, seja por medo, angústia ou falta de informação, educando-os de forma diferente dos filhos saudáveis.
É importante destacar que o fato de apenas as mães desses jovens se apresentarem para realizar a pesquisa. Tal dado demonstra que a educação e o desenvolvimento dos filhos, mesmos os especiais, fica a cargo das mães e a figura masculina tem pouca participação neste processo. O que é inadequado para o desenvolvimento saudável da sexualidade.
As mães dos portadores de deficiência mental entrevistadas apresentam dificuldades significativas em enxergá-los como um ser sexual, dotado de desejos, de dúvidas e medos relativos ao mundo da sexualidade. As mães que o fazem, procuram negar a expressão desses desejos e reforçam o isolamento que já é vivido pelos adolescentes especiais na sociedade como um todo. Percebemos a necessidade de acolher essas mães em suas ansiedades e angústias relativas ao tema.
Os adolescentes deficientes ficam privados de experiências que promovem seu desenvolvimento e no que diz respeito à sexualidade, os jovens são privados de informação, contato social e até mesmo de modelos interessantes de relações afetivas. Trata-se de um mundo negado a estes jovens. Faltam orientações claras, objetivas e fidedignas acerca de temas que envolvem a sexualidade. De acordo com o que observamos no material bibliográfico levantado, os resultados apontam que a falta de informação contribui para a perpetuação dos estereótipos, negando ao jovem a chance de desenvolver suas potencialidades e viver experiências no âmbito afetivo e sexual, de integrar-se socialmente.
Os adolescentes se interessam pelo assunto, mas não obtêm informação através dos pais e a falta de orientação e estímulo para uma vida afetiva saudável no contato com outros adolescentes faz com que o jovem desenvolva uma real dificuldade de relacionamento. Os adolescentes, a despeito de seu crescimento, se vêem privados do contato social e de educação para a sexualidade, o que acaba por gerar dificuldades de relacionamento, vida afetiva e amorosa. Sendo assim, suas relações sociais tornam-se marcadas por um olhar estigmatizado e promotor de exclusão, como em um círculo vicioso. Sendo assim, faz-se importante um trabalho de orientação para as mães e pais e uma cartilha que informe e facilite as comunicações entre eles e seus filhos.
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