2, v.3Sobre lo bajo en Gombrowicz y Sarmiento: ciudades, políticas y cuerposNova personagem feminina na literatura hispano-americana: a mulher envolvida com o mundo das drogas, Estela Sánchez Dragó author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

El Entenado, a práxis poético-narrativa de Juan José Saer

 

 

Paulo César Thomaz

USP

 

 

Neste trabalho, trataremos do cruzamento entre narrativa e poesia no romance El entenado, do escritor argentino Juan José Saer. Pretendemos, com isso, analisar brevemente os procedimentos poéticos encontrados no texto e observar como eles se relacionam com um dos núcleos da narrativa de Saer, o questionamento do estatuto do real e da escrita. Procuraremos, ainda, detalhar em que medida a transfiguração poética da narrativa, levada a cabo pelo estilo inquisitivo da personagem central do relato, debate as aporias dos processos significantes da linguagem.

Cumpre consignar que a composição poética do romance põe em cena o questionamento da narrativa enquanto modo de linguagem que age à distância e na ausência do objeto. Partindo do pressuposto que a proliferação de procedimentos poéticos na estrutura do texto expressa uma procura em representar discursivamente, ainda que de modo problemático, aspectos, qualidades e valores da experiência que a narrativa diretamente descritiva e referencial não abarca, buscaremos abordar os efeitos de sentido alcançados por Saer com esses procedimentos. Precisamente por essa perspectiva, Paul Ricouer assinala em A metáfora viva (Ricouer, 1983) que a função poética da linguagem não se limita apenas a recriar e resignificar as palavras por si mesmas; não consiste apenas em um trabalho sobre a linguagem. Ela conforma, além disso, um vínculo referencial com o objeto que a linguagem meramente descritiva deixa escapar ou não pode abarcar. A interrupção da função referencial direta e descritiva seria apenas o avesso de uma função referencial mais oculta do discurso, que é de certo modo liberada pela suspensão do valor descritivo dos enunciados. É desse modo que o discurso poético traz à linguagem significados, atributos e sentidos da realidade que não emergem do discurso diretamente descritivo. Esses valores só podem ser expressos por meio dos intrincados vaivens entre a enunciação metafórica e a transgressão regrada das resistentes significações usuais de nossas palavras e de seu ordenamento.

Apesar de entender a linguagem como um obstáculo no interior do discurso narrativo e reconhecer o impasse que governa a relação entre os objetos que compõem a experiência humana e o contínuo verbal que usualmente denominamos narrativa, a personagem protagonista do romance não apaga em definitivo o conteúdo dos signos lingüísticos que utiliza. Sem negar a complexidade e as particularidades do modo de ser da narrativa, que é composta de palavras e somente de palavras, ela explora precisamente esse caráter aporético da narrativa, incorporando esse conflito no relato.

Isso posto, a reformulação especulativa e irônica de formas discursivas, o intenso debate sobre a representação da conquista espanhola da América e da origem da América hispânica, o aprofundamento da reflexão sobre o estatuto da memória e da realidade, a argumentação cética acerca da construção de identidades, e a antropofagia se fazem presentes no romance juntamente com procedimentos poéticos que sublinham continuamente na superfície textual do relato a entranhável, complexa e problemática relação existente entre linguagem e experiência de mundo que o universo narrativo saeriano procura incorporar.

Não obstante o reconhecimento das indeterminações dos processos significantes da narrativa transpasse todo o romance, notamos em El entenado uma profusão de procedimentos poéticos que deslocam a situação discursiva do grumete espanhol, desde certa perspectiva comprometida com as circunstâncias históricas às quais se remete, dessa esfera de causticidade absoluta, em que qualquer significado ou representação do campo do visível e do observável não pode sobreviver como instante, ainda que fugaz e problemático, de significação.

Apesar do narrador expressar e reconhecer a extrema heterogeneidade e problematicidade de toda articulação discursiva significante, podemos reconhecer em meio ao estatuto ambivalente da linguagem e a essa presença de mundo obscura e quase irrepresentável alguns procedimentos poético-narrativos que procuram dar forma ao relato, não obstante os obstáculos lingüísticos que envolvem essa empresa.

No espaço narrativo do romance, ao passo que a subjetividade da personagem se debate exaustivamente contra um emaranhado de imagens mnemônicas hipotéticas e ambíguas, construídas por uma linguagem igualmente aproximativa e imprecisa, uma complexa experiência de mundo emerge. Nesse exaustivo conflito entre as faculdades cognitivas da consciência e a linguagem, impresso em tecido textual que se auto-avalia continuamente, há uma reelaboração intensa das estruturas e dos ritmos da narrativa, na tentativa de incorporar a essa malha textual a intensidade da percepção poética de mundo.

O correr poético do discurso em El entenado, que se configura por meio de diferentes procedimentos, como a pontuação que organiza as unidades rítmicas e regula o som das palavras, e o uso de formas predicativas, que retêm o deslizar das frases e, ao mesmo tempo, as dilatam, entornando a conotação do adjetivo sobre o sujeito e sobre a ação (Gramuglio, 1984), constitui um dos principais elementos da práxis literária de Saer, como ele mesmo assinala: ''A partir de 1960, mi trabajo literario ha consistido principalmente en tratar de borrar las fronteras entre narración y poesía. (...) Mi objetivo es combinar el rigor formal de la narración moderna con la intensidad de la percepción poética del mundo'' (SAER, 1981, p. 72).

Nos esforços por desdobrar essa retórica ficcional, Saer submeteu muitos textos, ao longo de sua obra narrativa, a um agressivo processo de experimentação, trabalhando intensamente sobre a sintaxe e as estruturas do relato. Em alguns momentos, o grau de dilaceramento do discurso narrativo alcançou tal magnitude que deu origem a textos ficcionais que podem ser caracterizados como poesia e não-narração. Ao exacerbar a reiteração de estruturas narrativas e interromper, quase por completo, o encadeamento episódico, por exemplo, o escritor santafesino ultrapassa as raias que balizam os terrenos da lírica e da prosa, vizinhança bastante discutida durante os anos cinqüenta e sessenta na argentina (Saer, 2000, p. 5.)

Ricardo Piglia, escritor em permanente diálogo com a produção literária de Saer, assinala, por exemplo, que ''su obsesión por captar el instante y describir el espacio lo llevó en su mejor libro (La mayor, 1975) a la construcción de narrativas que se destruyen para volver a armar como si fuesen réplicas microscópicas de las máquinas polifacéticas con que siempre soñó Roberto Arlt'' (Piglia; Saer, 1995, p. 39). A persistência em observar e descrever minuciosamente aquilo que é narrado, sublinhando as propriedades, formas e cores dos objetos que ocupam o espaço ficcional, apontada por Piglia, aproximam os textos de Saer, segundo alguns críticos, do estilo ''objetivista'' extremo do nouveau roman francês. Por meio de descrições circulares que incorporam uma multiplicidade de perspectivas narrativas, e do obsessivo rebaixamento da ação, a narrativa saeriana constitui uma escrita em que tudo o que é referência permanece numa incessante e problemática tensão entre determinadas matrizes de significação e a dissolubilidade negativa do nada.

No entanto, embora essa escrita invista contra o contar ininterrupto e orgânico, que outorga unidade ao que é narrado, e incorpore construções rítmicas e sintaxes da poesia, ela procura não renunciar ao sentido denotativo das frases, além de partir sempre de uma zona definida espacialmente, cunhando uma espécie de saga narrativa. Nesse sentido, o próprio Saer adverte:

Creo haber tratado de incorporar relaciones más complejas entre un sistema de elaboración poética (poética en el sentido de la poesía como género), y las leyes de organización de la prosa, repeticiones, construcción rítmica y producción de versos en los textos de prosa, búsqueda (por momentos) de nudos en los cuales el nivel denotativo persiste (Piglia; Saer, 1995, pp. 12-13).

A desconfiança com respeito às regras de estruturação da narrativa, que fez em diferentes momentos com que a escrita saeriana se tornasse destacadamente precavida, ''como si sólo a través de múltiples asedios indirectos la realidad finalmente se rindiera; como si sólo una paciente textura de visiones repetidas y cambiantes pudiera delinear en su reverso la figura que captura el evanescente acaecer'' (Corbatta, 1992, pp. 564), marca igualmente os conflitos do narrador de El entenado, não obstante o romance não reproduzir esses ''múltiples asedios'' com a mesma intensidade que outros textos saerianos.

Apesar de não encontrarmos no romance, com a mesma força, as repetições, o fracionamento e a dilatação da percepção do tempo em contrapartida ao estreitamento da história narrada que distinguem grande parte da referida práxis literária saeriana, podemos observar, igualmente, uma elaboração textual rigorosa que entrelaça uma narrativa acentuadamente vertical, que não se detém em partes nem capítulos e que encerra uma sucessão de acontecimentos romanescos, com uma linguagem de exacerbada intensidade simbólica e poética, que assedia e interroga os sucessos obsessivamente com inquietações de ordem filosófica, como no trecho abaixo reproduzido:

Llegó la noche. Era una noche sin luna, muy oscura, llena de estrellas; como en esa tierra llana el horizonte es bajo y el río duplicaba el cielo yo tuve, durante un buen rato, la impresión de ir avanzando, no por el agua, sino por el firmamento negro. Cada vez que el remo tocaba el agua, muchas estrellas, reflejadas en la superficie, parecían estallar, pulverizarse, desaparecer en el elemento que les daba origen y las mantenía en su lugar, transformándose, de puntos firmes y luminosos, en manchas informes o líneas caprichosas de modo tal que parecía que, a mi paso, el elemento por el que derivaba iba siendo aniquilado o reabsorbido por la oscuridad (SAER, 1983, p. 90).

Nessa passagem, a personagem avança pelo rio sobre uma canoa indígena. Há no texto uma reiteração de elementos, que observam um mesmo ritmo, conferindo certa musicalidade à narrativa, que reforçam a ausência de luz naquele momento em torno da personagem. Em seguida, a conformação da paisagem ganha outros elementos que acentuam a particularidade dos dados referenciais exteriores: as planícies que rodeavam a personagem permitiam que o rio duplicasse com a mesma intensidade a profunda escuridão da cobertura celeste, além de produzir um achatamento, um adensamento do espaço narrativo. O próximo momento é de ruptura, de subversão da ordem denotativa da narrativa: a canoa parece, ao menos no plano das impressões do narrador, deslizar através do ''firmamento negro''. Irrompe então a imagem poética: desse ponto em diante o toque do remo na água transubstancia-se em movimento textual que se liberta do referente, ainda que não o afaste definitivamente. É importante assinalar que o sentido denotativo não desaparece em nenhum momento desse trecho do texto.

No empurrão da linguagem para além da esfera do referente, que incorpora uma súbita distensão do tempo mediante a transposição da narrativa para o espaço anímico da personagem narradora, desvela-se para o leitor uma experiência do campo do visível. A correlação entre o espaço-tempo da personagem e os diferentes estratos das coisas sensíveis surge apenas por meio de um firme intuito discursivo que quer explorar as regiões subterrâneas dessa circunstância individual. O esmiuçamento, por meio do tratamento poético das estruturas do texto, dos atributos que compõem esse curto instante de tempo permite ao leitor transitar por complexas associações metafóricas, por novos predicados do discurso — como as estrelas que se diluem no elemento que as origina — que tornam a experiência individual um degrau para outra, coletiva e mítica.

Além disso, podemos observar no trecho um claro intuito narrativo de reforçar determinadas correspondências semânticas e regularidades de sinonímia, recorrentes e importantes em todo o texto, como o questionamento da origem e a ausência de luz como metáfora de uma aflitiva existência.

Devemos assinalar ainda outro recurso narrativo que acentua o vínculo entre El entenado e o conjunto de obras que lhe antecede e que apresenta da mesma maneira o mencionado caráter poético: a dilatação e intensificação do espaço circundante por meio da descrição pormenorizada e reiterada da luz, de cores e dos elementos naturais que o conformam, além da distensão do tempo por meio da introspecção da personagem em seu mundo anímico. Não obstante a impressão de fluidez, naturalidade e inteligibilidade do relato de certo modo linear do grumete, podemos notar a presença de uma configuração narrativa em que os dados sensíveis referentes às cores e luzes ganham relevo e conformam um espaço ficcional pleno de imagens-impressões que sublinham sobretudo o caráter sensível dos objetos do mundo. Como exemplo cito o seguinte trecho do romance:

En la luz tenue y uniforme, que se adelgazaba todavía más contra el follaje amarillo, bajo un cielo celeste, incluso blanquecino, entre el pasto descolorido y la arena blanqueada, seca y sedosa, cuando el sol, recalentándome la cabeza, parecía derretir el molde limitador de la costumbre, cuando ni afecto, ni memoria, ni siquiera extrañeza, le daban un orden y un sentido a mi vida, el mundo entero, al que ahora llamo, en ese estadio, el otoño, subía nítido, desde su reverso negro, ante mis sentidos, y se mostraba parte de mí o todo que me abarcaba, tan irrefutable y natural que nada como no fuese la pertenencia mutua nos ligaba, sin esos obstáculos que pueden llegar a ser la emoción, el pavor, la razón o la locura. (Saer, 1983, p. 71)

Nessa passagem, o desdobramento do espaço circundante e o cruzamento de temporalidades que se remetem à natureza e à psique da personagem introduzem e modificam, por meio do ritmo e do conteúdo adjetivo que contêm, o modo de ser e o caráter das especulações de ordem filosófica e metafísica da personagem protagonista que despontam em seguida.

Além dessa conformação narrativa, o aparente encadeamento linear do relato, que se torna a cada momento mais denso em razão da complexidade dos processos significantes em jogo, tem o curso reconfigurado pelo alvoroço resultante do uso excessivo da lucidez e da palavra argumentativa — muitas vezes cética — por parte da personagem protagonista, no esforço hermenêutico de decifrar a si mesma e a cosmovisão indígena. As interrogações acerca do sentido da experiência e realidade humana emergem então em meio a esses espaços e temporalidades, construídos discursivamente, de forte poder simbólico e poético, que as matizam e contaminam. Porém, as distendidas ações discursivo-especulativas da personagem protagonista que buscam atingir uma positividade não deixam de questionar concomitantemente o que as palavras designam e o processo mesmo de significação, seu sistema de significantes e significados.

Isso considerado, a perspectiva gnosiológica e polêmica que quer decompor o espaço da experiência e que atravessa toda a tessitura do relato da personagem ganha corpo precisamente no momento em que se duplicam os elos intermediários entre a linguagem poética e a linguagem narrativa. O correr do discurso que quer passar da ignorância ao conhecimento, que se torna mais contundente ao final do relato, desemboca numa linguagem que precisa incorporar continuamente a poesia à narrativa, como uma força em luta com o tumulto insondável da realidade contingente, sobre a qual paira a dúvida parodiante do significado. Cito novamente romance:

Desde hace años, noche tras noche me pregunto, con los ojos perdidos en la pared blanca en la que bailotean los reflejos de la vela, cómo esos indios, cerca como estaban, igual que todos, de la aceptación animal, podían perderse en esa negación de lo que a primera vista parece irrefutable. Entre tantas cosa extrañas, el sol periódico, las estrellas puntuales y numerosas, los árboles que repiten, obstinados, el mismo esplendor verde cuando vuelve, misteriosa, su estación, el río que crece y se retira, la arena amarilla y el aire de verano que cabrillean, el cuerpo que nace, cambia, y muere, palpitante, la distancia y los días, enigmas que cada uno cree, en sus años de inocencia, familiares, entre todas esas presencias que parecen ignorar la nuestra, no es difícil que algún día, ante la evidencia de lo inexplicable, se instale en nosotros el sentimiento, no muy agradable, por cierto, de atravesar una fantasmagoría, un sentimiento semejante al que me asaltaba, a veces, en el escenario del teatro cuando, entre telones pintados, ante una muchedumbre de sombras adormecidas, veía a mis compañeros y a mí mismo repetir gestos y palabras de las que estaba ausente lo verdadero (SAER, 1983, pp. 126-127).

Nesse trecho, guiada por uma interrogação que a acossou durante longos anos e desde uma temporalidade distante, a personagem percebe diante de si o abismo cambiante que a separa do mundo exterior, a cisão entre sua subjetividade, consciência, e os objetos que o compõem. O mundo torna-se, então, um conjunto de impressões vazias, em que a coisa-em-si está ausente. Diante desses fenômenos indeterminados e vacilantes, que apenas o olhar do sujeito vivifica, da inconsistência da realidade, a personagem declara a radical exterioridade das coisas do mundo, culminando na suspeita da vida como representação, espectro ou sombra parodiante.

Há ainda outros núcleos narrativos medulares em Saer que estão presentes de forma destacada em El entenado e dizem respeito ao caráter poético de sua práxis literária. A interdição deliberada do sentimento constitui um deles, e pode ser observada, por exemplo, no absoluto não envolvimento da personagem com as demandas indígenas. Apesar do discurso poético se caracterizar por um transbordamento dos atributos retóricos que fazem referência a diferentes sentimentos presentes no ser humano, o exercício programático da ascese e da lucidez em El entenado conformam uma ordem narrativa em que a sentimentalidade não constitui o único eixo para alcançar a tensão poética.

As figuras poéticas que aparecem no contínuo simbólico verbal elaborado pelo grumete existem sobretudo enquanto instrumentos que procuram dar conta desse precipitar-se sobre a mundividência indígena e sobre a própria existência da personagem. Na busca por decifrar olhares e comportamentos, a linguagem poética torna-se imprescindível visto que apenas por meio dela a complexa, fragmentária e ambivalente experiência dos índios e da personagem pode emergir.

Assim, a subsistência do sujeito atrelada ao discurso que o constitui, a desconfiança na possibilidade de perceber a realidade, o desvelamento da deficiência ontológica característica do tempo humano, a consciência como fluxo incessante de impressões e a argumentação cética são elementos que neste texto conformam e contribuem para que o universo narrativo do romance incorpore a percepção poética de mundo mencionada anteriormente. Dessa maneira, através da voz narrativa inquisitiva e inconclusiva do grumete, alojada em um centro de solidão concentrado (Bachelard, 1998), que percorre a narrativa do romance desarticulando o tecer da intriga e vivenciando com uma aguçada percepção a experiência do tempo, Saer reivindica certa postulação especulativa da narrativa. Filosofia do conhecimento, antropologia especulativa, são suas palavras preferidas para caracterizar um discurso literário que propõe um estatuto de realidade destacadamente mais próximo dos fluxos e vacilações da consciência que das convenções da escrita (CHEJFEC, 1994, p. 115 ).

Assim sendo, a apresentação especulativa do mundo ficcional, em que tempo e espaço são abordados com ceticismo, a experiência discursiva adensada e esclarecida pela inteligência percorre de forma acentuada a sintaxe textual de El entenado. Em seu sistema narrativo nos deparamos com uma série de procedimentos poéticos que conformam uma linguagem que explora precisamente os novos modos da presença (re-presentação) dos objetos do mundo. Ante a consciência de que o ser da linguagem é o não ser do objeto, resta somente a Saer se esquivar das categorias lógicas da escrita narrativa para abrir uma fenda no logos da leitura a fim de expressar o conjunto de relações simbólicas em que consiste nossa percepção da realidade. A disposição seqüencial dos fatos não esconde a feição dubitativa e ao mesmo tempo lírica do romance, que arranca o presente dilatado da personagem protagonista da experiência imediata, de um estar no mundo orgânico e abarcável.

 

BIBLIOGRAFIA

BACHELARD, G. ''A casa. Do porão ao sótão. O sentido da cabana.'' In: A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

CHEJFEC, S. ''La organización de las apariencias.'' In: Hispamérica. Abril, 1994, pp. 109-116.

CORBATTA, J. ''En la Zona, germen de la práxis poética de Juan José Saer.'' In: Actas del X Congreso de la Asociación de Hispanistas. Barcelona: Promociones Publicaciones Universitarias, 1992.

GRAMUGLIO, M.T. ''La filosofía en el relato.'' In: Punto de vista. Buenos Aires: nº 20, 1984, pp. 35-36.

MONTELEONE, J. ''Eclipse de sentido: de Nadie nada nunca a El entenado de Juan José Saer.'' In: Sitio. Buenos Aires: mayo, 1985, pp. 153-175.

PIGLIA, R.; SAER, J. J. Diálogos. Santa Fé: Universidade Nacional del Litoral, 1995.

RICOUER, P. A metáfora viva. Porto: Res, 1983.

SAER, J. J. El entenado. Buenos Aires: Alianza, 1983.

_____. ''Sobre Literatura.'' In: Cuadernos de Recienvenido. São Paulo: Humanitas, 2000.

_____. ''Entrevista.'' In: Historia de la literatura argentina. Buenos Aires: Cedal, 1981, cap. 26.