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An. 5. Enc. Energ. Meio Rural 2004

 

Uso do caroço de açaí como possibilidade de desenvolvimento sustentável do meio rural, da agricultura familiar e de eletrificação rural no Estado do Pará

 

 

Ivete Teixeira da SilvaI; Arthur da Costa AlmeidaII; José Humberto Araújo MonteiroIII; Isa Maria Oliveira da SilvaIV; Brígida Ramati Pereira da RochaV

IDoutoranda. PPGEE - Universidade Federal do Pará. pjulio@ufpa.br
IIDoutorando. PPGEE - Universidade Federal do Pará
IIIGraduando. DEEC - Universidade Federal do Pará
IVProfª Drª. Deptº de Meteorologia - Universidade Federal do Pará
VProfª Drª. Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

Denomina-se caroço de açaí o fruto despolpado. O caroço do açaí é proveniente de uma palmeira de origem amazônica, que se desenvolve em touceiras. É composta por várias estipes, chegando a formar até 25 pés em cada touceira. Do seu fruto é obtida uma bebida (suco), sendo consumida diariamente pela população do Estado do Pará, especialmente a Capital, Belém e comunidades ribeirinhas. O Estado do Pará é o maior produtor nacional de açaí com 112.676 ton/ano do fruto. Deste total 93.521 ton/ano é de resíduo (caroço), ou seja, cerca de 83%. A comunidade quilombola que vive às margens do rio Genipaúba, em Abaetetuba, no Estado do Pará, não possui energia elétrica e é grande produtora de açaí, o qual é comercializado no período da safra, em forma in natura. Neste trabalho visa-se o aproveitamento sustentável dos caroços, subproduto do beneficiamento dos frutos de açaí. O poder calorífico do caroço, obtido em laboratório, foi em média 4.505 kcal/kg e o potencial energético em torno de 40.800 MWh/mês. Com metodologia apropriada, foram obtidos peletes naturais, sem compactação, os biocombustíveis de açaí. Este trabalho mostra a inovação tecnológica que este tipo de pelete promove no Estado do Pará, com possibilidades de exportação, devido à sua utilização, podendo ser utilizado em gaseificadores, caldeiras para geração de energia elétrica, mecânica e gás, em fornos de padarias, fogões a biomassa, substituindo antigos ferros a carvão etc.

Palavras-chave: Pelete, biomassa, inovação, desenvolvimento rural, modelagem com redes neurais.


ABSTRACT

Called core of açaí the fruit without pulp. The core of açaí is originated from an Amazonian palm tree, which grows in "touceiras", composed by several stems, forming up to 25 plants in each touceira. açaí's fruit it is used to obtain a juice consumed daily by the population of the State of Pará, especially the Capital, Belém and iverine communities. The State of Pará is the largest national producer of açaí with 112.676 ton/year of the fruit. Of this total, 93.521 ton/year is made of residue (core), in other words, about 83%. The community remainder of race black and indian that lives to the margins of river Genipaúba, in Abaetetuba, in State of Pará, doesn't possess electric power and is big producing of Açaí, which is marketed in the period of the harvest, in form in natura. In this work , sustainable exploitation core, by-product of the improvement of the fruits of açaí is sought. The calorific power of the core, obtained in our laboratory, was 4.505 kcal/kg average and the energy potential is 40.800 MWh/month. This work shows the technological innovation that this pellet type promotes in Pará, with export possibilities, due to its use, could be used in bakeries ovens, kettles etc.

Keywords: Pellet, biomass, innovation, agricultural development, modeling with neural nets.


 

 

1. Introdução

Uma das grandes dificuldades da população das áreas rurais do Estado do Pará é proporcionada pela falta de eletricidade e inserção social. Este fato soma aos demais indicadores da impossibilidade do desenvolvimento local das áreas isoladas do Estado. É fato notório em nossa região a grande distância de progresso e melhoria de qualidade de vida em que estas comunidades se encontram, apesar do inegável potencial de biodiversidade, entre os quais se encontra o açaí (Euterpe oleracea, Mart), grandemente cultivado e consumido, principalmente nas comunidades ribeirinhas do nosso Estado.

O açaí é consumido pela população paraense em forma de suco, acompanhado pela farinha de mandioca e de tapioca, ou mesmo no acompanhamento das principais refeições, como camarão, peixe, carnes etc. Constitui-se a base da alimentação cotidiana, e oferece disponibilidade de resíduos, sendo estes ainda sem destinação econômica adequada. Do seu fruto é obtida uma bebida (suco), sendo consumida diariamente pela população do Estado do Pará, especialmente a capital, Belém. O Estado do Pará é o maior produtor nacional de açaí com 112.676 t/ano do fruto (IBGE, 2003). Deste total 93.521 t/ano é de resíduo (caroço), ou seja, cerca de 83%. O poder calorífico do caroço, obtido em laboratório, foi em média 4.505 kcal/kg e o potencial energético em torno de 40.800 MWh/mês. Este potencial pode ser explorado de forma sustentada, atendendo aos pressupostos do desenvolvimento sustentável. Isto garantirá a melhoria da qualidade de vida das populações citadas acima, assim como permitirá a equidade de gênero, e a garantia de ser estendido às gerações futuras, além de promover o equilíbrio ambiental. Este resíduo pode ser transformado em combustível de biomassa verde, na forma de peletes, para ser utilizado em diversas formas, tais como geração de energia elétrica, mecânica e gás combustível; padarias, caldeiras, cocção em fogões à biomassa; substituindo o carvão dos antigos ferro de passar roupa etc.

A comunidade quilombola que vive às margens do rio Genipaúba (Figura 1), em Abaetetuba, no Estado do Pará, não possui energia elétrica e é grande produtora de açaí, o qual é comercializado no período da safra, em forma in natura. A eletrificação rural, assim como as necessidades de outras formas de energia, são visíveis e os caroços de açaí poderão ser utilizados para ajudar a supri-las. Com a eletrificação rural, a comunidade poderá utilizar uma pequena agroindústria, onde os caroços, subprodutos do beneficiamento, em forma de peletes, poderão ser utilizados para alimentar um gaseificador e, dependendo da produtividade, aumentada através de um manejo sustentado, servir como fonte de renda a essa comunidade, através da comercialização dos peletes para outras áreas do Estado do Pará.

 

 

Poderão ainda ser utilizados juntamente com outro tipo de biocombustível, os resíduos de mandioca (SILVA et al., 2002), também presentes na região, na micro agroindústria de beneficiamento de farinha de mandioca, produzida ainda de forma artesanal e rudimentar. Outros cultivos da área de produção dos agricultores familiares de Genipaúba poderão igualmente ser utilizados (SILVA et al., 2002; CARDOSO et al., 2002). Outra forma de aproveitamento da diversidade de biomassa existente na localidade, é a produção de briquetes compostos dos resíduos (DANTAS et al., 2002; REIS et al., 2002). Pela necessidade da utilização de um banco de dados para essa biomassa diversificada, será criado um sistema de bancos de dados dinâmicos (LIMA et al., 2002).

Hoje, as pesquisas vêm proporcionando uma utilização cada vez mais generalizada dos frutos de açaí, como as alunas do Curso de Odontologia da UFPA, que vêm utilizando um marcador natural de placas bacterianas, feito de corantes contidos na polpa dos frutos, desenvolvido por pesquisadora da EMBRAPA (SALVADOR, 2004). Isto demonstra que a larga utilização desses frutos em setores diversos é questão de muito pouco tempo e com isso, os resíduos em forma de caroço estarão em disponibilidade crescente, para serem utilizados como peletes para geração de energia elétrica, mecânica e gás, através dos processos de conversão da biomassa.

Este trabalho objetiva sensibilizar os consumidores de biocombustível a essa forma inovadora de utilização, ainda possibilitar a inserção social e o desenvolvimento sustentável das comunidades ribeirinhas do Estado do Pará, através de mecanismos socioeconômicos e ambientais.

 

2. Metodologia

Os caroços do açaí foram coletados nas barracas de venda existentes na cidade de Belém do Pará e nas áreas de produção das comunidades ribeirinhas de Genipaúba, aleatoriamente. A coleta foi realizada no período da manhã, logo após o beneficiamento dos frutos (despolpamento para obtenção de suco), garantindo matéria prima de alta qualidade. Este procedimento evita fermentação dos resíduos da polpa remanescente do beneficiamento dos frutos e ainda o aproveitamento de material com qualidades devidas.

Após a coleta, os caroços foram lavados em água corrente, em uma bacia, para eliminar os resíduos de polpa, com a finalidade de não interferência nas medidas de poder calorífico. Em seguida foram submetidos a uma redução prévia de excesso de umidade utilizando-se papel reciclado absorvente, pois ficam submetidos, para o processo de extração a polpa a um demolhamento, para amolecê-la. Em seguida foram submetidos ao processo de secagem em estufa a 105° C, por 2 dias, até atingir peso constante. Após esta fase, foi medido o poder calorífico dos caroços, através do método da bomba calorimétrica, PMB-454/IBP - ABNT, 1968. A umidade considerada foi de 11,43%. Foram feitos testes preliminares experimentais em um pequeno gaseificador de 2 kW para geração de energia elétrica e cocção, em nível experimental de laboratório, através da alimentação do reator do equipamento com os caroços de açaí transformados em peletes (mantendo sempre em torno de 60% da capacidade do reator). Para análise dos resultados do tempo de secagem em estufa, foi desenvolvida uma rede neural, do tipo backpropagation, para modelagem dos dados obtidos. Após o treinamento da rede, obteve-se os gráficos de secagem.

 

3. Resultados e Discussão

Ao observarmos o processo de secagem, viu-se que o mesmo ocorreu naturalmente. O esquema da rede neural, pelas suas próprias características, apresentou a principal aplicabilidade o problema da curva de secagem, envolvendo o reconhecimento e a classificação do padrão da mesma.

A Figura 2 mostra o esquema da rede neural utilizada para o ajuste dos dados. É uma rede neural do tipo backpropagation, usando função sigmóide nos neurônios. As entradas utilizadas foram os tempos e as massas dos caroços de açaí. A saída é uma curva ajustada aos pontos de dados. As saídas produzidas pelos nodos da última camada, quando comparadas às desejadas, foram viáveis e atenderam às expectativas.

 

 

Após 20 épocas de treinamento da rede, obtivemos o resultado em forma de curva representando o processo de secagem mostrado na Figura 3.

 

 

No primeiro dia de secagem os caroços já apresentaram uma estabilidade no teor de umidade. A perda de umidade se deu mais rapidamente nas primeiras 4 horas. Isto ocorre devido o caroço apresentar uma umidade acentuada em sua parte exterior.

Este resultado demonstra a possibilidade de se reduzir o tempo de permanência dos caroços em estufa. A umidade média obtida dos peletes foi de 11,43 %. O poder calorífico dos peletes foi de 4.505 kcal/kg.

A Figura 4 mostra as etapas de transformações para obtenção do pellet do caroço do açaí.

Com a metodologia apropriada, foram obtidos peletes naturais, sem compactação, os biocombustíveis de açaí. Este trabalho mostra a inovação tecnológica que este tipo de pelete poderá promover no Estada do Pará, com possibilidades de exportação, devido à sua utilização, podendo ser utilizado em gaseificadores, caldeiras para geração de energia elétrica, mecânica e gás, em fornos de padarias, fogões a biomassa, substituindo antigos ferros a carvão etc. Os peletes foram obtidos após um período de 24 horas em estufa de secagem.

O processo de secagem poderá ser realizado ao natural, nas áreas dos produtores familiares, em estufa para secagem de biomassa com 5 m x 3 m, contendo paredes como mata-vento de aproximadamente 3 m de altura ou com outras medidas apropriadas à produção local. Essas estufas terão controladores de temperatura e serão confeccionadas com matéria prima vegetal local, de forma sustentável. Os testes estão em andamento. Este procedimento evitará perdas de caroços por processo de germinação.

Os peletes apresentaram um bom desempenho, quando levados ao gaseificador de 2kW, atendendo à necessidade de alimentar 12 lâmpadas incandescentes de 60 W em todo o período de experimentação (três horas) e alimentar de gás um fogão para cocção, onde foram cozidos arroz, feijão e carne, em um tempo médio considerado de 15 min, 30 min, e 45 min., respectivamente. O consumo médio dos caroços de açaí foi de 4,04 kg/h. Estes são resultados preliminares e testes em laboratório e nas áreas de produção estão em andamento para análise destes e de outros parâmetros.

3.1. Aspectos inovadores

Como aspectos inovadores considera-se:

Nas cidades, o aproveitamento útil de resíduos de biomassa que ficavam sem destinação em grandes proporções acondicionados em sacos, à espera de recolhimento pela prefeitura local. Nas comunidades quilombolas, ficavam jogados aos montes nas áreas, sem destinação específicas.

A inovação de confecção de peletes naturais, utilizando os caroços de açaí como matéria prima, os biocombustíveis de biomassa, já que sua utilização era destinada apenas à produção de adubo orgânico e preenchimento de vasos de jardinagem.

Diminuição do custo de coleta da prefeitura ou agentes terceirizados.

Aproveitamento como biocombustíveis para uso doméstico em ferros de passar roupa, em fogões à biomassa, inclusive em padarias e similares.

Substituição da lenha na cocção de alimentos, podendo promover economia de tempo no preparo de alimentos e sustentabilidade ambiental.

Aproveitamento em gaseificadores caldeiras e para geração vapor, eletricidade e gás combustível.

É um biocombustível produzido no Estado do Pará.

Não necessita de compactação na industrialização dos peletes.

Redução nos custos de produção dos peletes, já que não necessita de compactação para sua confecção.

Com a necessidade da verticalização da cadeia produtiva do açaí na área de produção da comunidade, haverá, certamente, oportunidade de negócios. Com isso, a comunidade poderá ter mais uma opção de obtenção de capital, através da comercialização dos peletes, quando houver excedentes desse biocombustível. É, portanto, mais uma forma de geração de renda e criação de postos de trabalho para a comunidade.

 

5. Conclusões

A utilização dos biocombustíveis em forma de peletes energéticos (caroços de açaí), como fonte energética na Amazônia e particularmente no Estado do Pará, apresenta-se com viabilidade de utilização, promovendo uma solução aos problemas de falta ou escassez de energia elétrica, inclusive nas atividades domésticas; de panificadores industriais e demais indústrias que utilizam lenha. Pode promover, portanto a inserção social da população local e aumentar a geração de emprego e renda nos elos de sua cadeia produtiva, promovendo também a equidade de gênero; pode garantir a sustentabilidade das gerações futuras.

A fácil aquisição do resíduo é um dos pontos favoráveis.

Apresenta características vantajosas na queima primária como: baixa emissão de gases, poder calorífico elevado, entre outros.

A peletização natural poderá ser boa alternativa tecnológica para se produzir energia de forma mais econômica, devido à redução de custos na sua produção e conseqüentemente na geração de energia elétrica, vapor e gás combustível.

 

6. Agradecimentos

Aos Departamentos de Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica da UPFA e à CAPES.

 

7. Referências Bibliográficas

[1] IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Produção da extração vegetal e da silvicultura, Rio de Janeiro - RJ, Brasil, 2003.

[2] SILVA, I. T.; ROCHA, B.R.P.; Energia de biomassa, agricultura familiar e inserção social em contribuição ao desenvolvimento sustentável nas comunidades isoladas do Estado do Pará. ANAIS DO SIMPÓSIO AMAZÔNIA, CIDADES E GEOPOLÍTICAS DAS ÁGUAS, 2003. Projeto MEGAM. v. único. p. 172-173.

[3] SILVA, I. T.; SILVA, I. M. O.; ROCHA, B. R. P. Geração de Energia a Partir de Resíduos de Mandioca para Agricultura Familiar no Estado do Pará. AGRENER 2002 - 4o Encontro de Energia no Meio Rural, outubro de 2002, Campinas-SP.CD.

[4] RODIGUES, L. D.; SILVA, I. T.; ROCHA, B. R. P., SILVA, I. M. O. Uso de briquetes compostos para produção de energia no Estado do Pará. AGRENER 2002 - 4o Encontro de Energia no Meio Rural, outubro de 2002, Campinas-SP.CD

[5] REIS, B. O.; SILVA, I. T.; SILVA, I. M. O.; ROCHA, B. R. P. Produção de briquetes energéticos a partir de caroços de açaí. Trabalho AGRENER 2002 - 4o Encontro de Energia no Meio Rural, outubro de 2002, Campinas-SP.CD

[6] LIMA, V. D.; J. H. A. Monteiro, B. R. P. da Rocha, I. T. da Silva, I. M. O. da Silva. Sistema de banco de dados dinâmicos. AGRENER 2002 - 4o Encontro de Energia no Meio Rural, outubro de 2002, Campinas-SP.CD

[7] CARDOSO, S. A.; SILVA, I. T.; ROCHA, B. R. P., SILVA, I. M. O. Utilização de resíduos de cacau para produção de energia no Estado do Pará. AGRENER 2002 - 4o Encontro de Energia no Meio Rural, outubro de 2002, Campinas-SP.CD

[8] SALVADOR, F. Corante de açaí ganha uso em solução odontológica. Disponível em http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2004/mai/21/14.htm . Acesso em 13 jun. 2004.