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On-line ISBN 85-86736-12-0

An. 4 Col. LEPSI IP/FE-USP Oct. 2002

 

Transferência na adolescência: Implicações clínicas e educacionais.

 

 

Beatriz Cauduro Cruz Gutierra

Psicanalista; Mestre e Doutoranda IPUSP; Prof. Universitária : Universidade São Marcos e FTS

 

 


RESUMO

Discutimos neste texto a especificidade do campo transferêncial na adolescência e suas conseqüências na clínica e na educação. A questão decorrente desta discussão é se esta especificidade exige um educador diferenciado ou um "analista especialista".

Palavras-Chave: Adolescência - Educação - Clínica


ABSTRACT

In this work we will discuss the specificity of the transferential field in adolescence and its consequences on clinical and education tasks. The question that rises from such a discussion is whether this specificity needs a differentiate educator or a "specialist analyst".

Key words: Adolescece - Educacion - Clinic


 

 

Os estudos psicanalíticos sobre a transferência têm demonstrado que há certa especificidade em relação a processo em sujeitos no tempo da adolescência, o que resulta em particularidades tanto na educação de adolescentes quanto na clínica.

Relatos de professores de adolescentes indicam que há uma transformação no campo transferencial da relação professor-aluno quando se trata de alunos adolescentes. São freqüentes as posturas de questionamento e afronta ao professor, indicando uma transformação em relação ao saber vida do campo do Outro. Campo este que, na infância, incluía a promessa da possibilidade relação sexual e que na adolescência, se revela como impossibilidade desta completude, deste gozo prometido na infância. O mundo adulto e seus ideais ficam "sob suspeita".

Na clínica psicanalítica com adolescentes, por sua vez, não são incomuns os casos de abandonos da análise fruto da destituição do lugar de saber atribuído ao analista ou atuações intensas inscritas na transferência com o analista.

Suas análises, quando levadas adiante, são povoadas por "pequenos grandes dilemas": "Discursos inflamados sobre a conturbada relação com os pais, as primeiras paixões, as grandes decepções, os ideais em plena construção, são facetas do processo adolescente de construir uma assertiva sobre si mesmo, visando uma escritura singular.". (Gutierra, 2002, p. 36)

Análises ricas em produções simbólicas: diários, desejos, poesias. Ou, pelo contrário, repletas de angústia e do silencio que revela o encontro atônito com o real pubertário. Análises onde se assiste ao franco desencadeamento de uma psicose ou da re-afirmação de uma neurose.

A experiência analítica tem demonstrado que não é simples o engajamento de adolescentes na análise. São constantes abandonos, como ocorreram nas primeiras análises empreendidas com adolescentes encetadas por Freud: o Caso Dora (1905{1901}) e a Jovem homossexual (1920), pacientes na faixa de 18 anos.

Tudo isso nos faz pensar que existem algumas especificidades na transferência estabelecida por um sujeito quando este se encontra no tempo da adolescência.

Rassial (1999) debruça-se sobre o tema focando o aspecto transferencial. Segundo o autor o analista pode ser colocado em algumas posições (via transferência) que freqüentemente comprometem o processo psicanalítico.

O analista quando é tido como mais um "adulto" pode tornar-se dejeto na visão do adolescente, remetido à "idiotisse" do adulto que não compreende nada, tido como incapaz de entender qual é a sua demanda. Há certa rejeição em relação ao analista, incluído na mesma série dos adultos junto com os pais, a escola, a instituição, o corpo médico.

Rassial afirma que, diante disto, o analista deve silenciar junto com o adolescente, abrindo espaço para que o adolescente diga seu sintoma, além ou aquém do dito sobre o mesmo. Para tanto, o analista não pode estar ligado a uma obrigação de tratamento. Abre-se para o adolescente a possibilidade de estabelecer ou não uma relação, sem obrigações diante de um terceiro como o Estado, a justiça, a escola ou os pais. "À solidão do adolescente, o analista responde com sua própria solidão, seu não poder, e não com uma tentativa de subjugação, sedução ou autoridade".(Rassial, 1999, p.163)

Outra possibilidade transferencial, relativa ao tempo da adolescência, é tomar o analista enquanto "cúmplice" face ao mundo social e à decepção frente ao mesmo.

Ao contrário de "deprimir-se" junto com o paciente, tornando-se cúmplice de seus desapontamentos em relação ao mundo, o analista deve tomar a depressão do adolescente como uma manifestação efetiva e autêntica acerca dos fundamentos da existência e uma alavanca para a cura analítica. Esta depressão não deve ser combatida, devendo inclusive por vezes ser buscada por trás de respostas patológicas, trazendo à fala o que está colocado no ato adolescente.

Por fim, o analista pode ser colocado no lugar de "mestre", onde o adolescente busca no analista enquanto um personagem sem defeitos e com respostas para tudo. O analista não deve identificar-se com este lugar de absoluto saber, mas ser aquele que traz as questões, deixando-as em aberto para o processo analítico do próprio adolescente.

Verificamos que o primeiro caso refere-se à possibilidade de ocorrer facilmente uma "des-suposição" de saber em relação à figura do analista, o que comprometeria mais seriamente o processo. As outras duas situações mantêm a suposição de saber, tornando possível a análise que dependerá efetivamente do desejo do analista sustentado em sua falta-a-ser, não identificado com este lugar de saber, apesar de a ele ser atribuído.

Alberti (1996) indica-nos esta direção, ressaltando que basicamente não haveria "dicas" específicas sobre o manejo do analista em relação à transferência do adolescente, pois o analista, em qualquer análise por ele conduzida, responde com seu desejo de analista, pautado em sua falta-a-ser e em sua ética.

A autora, então, ressalta que o analista se pautará na "perseveração na psicanálise" para a condução do tratamento do adolescente. No entanto, se em relação ao manejo ela não situa diferenças em relação à análise de adultos, no que se refere à transferência na adolescência ela também ressalta uma particularidade:

"A transferência na adolescência, desde que o analista não parta pela via da sugestão à identificação, talvez tenha a particularidade, devido ao próprio fato da adolescência, de deixar cair o analista mais facilmente que o adulto, de lhe des-supor um saber, como vimos no capítulo 4, ao analisarmos a saída de Dora da análise". (Alberti, 1996, p.163).

O adolescente vivencia este real impossível de se escrever – a relação sexual – distinto da norma culta e neurótica que se sustenta nesta suposição. Neste sentido, o analista sendo colocado como representante da cultura, mais facilmente será "caído" do lugar de suposição de saber, diferentemente do adulto que já engendrou sua fantasia neurótica, tamponando esta verdade que se escancara na adolescência.

Apesar desta particularidade, que torna "frágil e ameaçado" o lugar de suposto saber do analista nas análises de adolescentes, Alberti ressalta que a saída da análise traz, como dizia Lacan, um apelo ao Outro diante de uma resistência do analista.

Seguindo esta trilha deixada pela hipótese de que a saída seria um apelo ao Outro assinalarei uma outra particularidade no trabalho com adolescentes percebida na clínica assim como em situações escolares/sociais: são as suas "encenações".

Ruffino (1997) discorre de forma interessante sobre este assunto, sustentado na hipótese de que o que está em jogo na adolescência é o que o adolescente não pode dizer.

Este limite ao dizer de que se trata é aquele fruto do "embaralhamento" que advém da puberdade e do novo olhar social dirigido ao jovem, implicando num tempo onde o jovem estará desentendido, confuso e siderado.

O que não se pode dizer é encenado (atuado), através de atos muitas vezes desajeitados que na verdade constituem uma busca de compreensão. É desta compreensão que eles pretendem retirar o sentido do segredo que carregam e que não conseguem dizer.

Ressalta que esta leitura demandada pelo jovem não deve ser realizada a partir da cena em si, que é sempre enganosa, mas sim por seus bastidores, pelo jogo significante que a sustenta.

Esta encenação pode ser entendida como um apelo, em transferência, ao adulto que o jovem supõe dotado de certa grandeza (pais, analista, professores). Apelo que é demanda de leitura. Assim, apesar destas encenações estarem sustentadas em processos de destituição do saber do adulto, comportam um apelo a uma significação.

O "adulto" que responde a estas encenações via norma da cultura é aquele que cai em descrédito pelo adolescente, pois, se a norma culta sustenta-se na existência da relação sexual, escancaradamente o adolescente sabe que isto é uma falácia.

Como manejar esta situação transferencial que se coloca não apenas na análise, mas como em todos os laços sociais estabelecidos pelo adolescente com os representantes do mundo adulto?

As "respostas" encetadas por alguns analistas apontam para a posição do analista enquanto "amigo", não de forma especular, mas aquele que acompanha, acolhe o adolescente, contribuindo para que ele possa simbolizar o que lhe ocorre.

Becker (1997) articula de forma bastante interessante um possível posicionamento do "adulto" diante do adolescente com sua carga transferencial específica:

"Por isso, na transferência, a restituição daqueles significantes que possam constituir uma identificação simbólica é uma forma de devolver ao adolescente sua posição discursiva. É somente se o adulto admite estar numa relação transferencial como um mestre que não escreve, mas partilha a verdade, que poderá sustentar uma certa posição de autoridade perante este que aborresce."(Becker, 1997, p.111 e 112).

No caso dos professores, um MESTRE NÃO-TODO, que sustenta seu lugar e seu valor na transmissão, sem identificar-se ao lugar de todo saber que implicaria num embate com os adolescentes. Um mestre que, na verdade, permite a circulação discursiva e desejante dos alunos, contribuindo para que aquilo que ele ensina pode constituir numa oferta de significantes para o aluno construir sua inserção social. Posição não muito cômoda, pois implica num professor que sustente o discurso do mestre matizado pelo discurso do analista.

Lugar do Homem mascarado na peça de Weddekind: não é o pai, mas é semblante que acompanha e aposta na construção possível do sujeito...

Em relação à clínica, temos que, sustentando o Discurso do Analista, como hipótese que a psicanálise de adolescentes deve ter enquanto direção específica a oferta de um espaço onde se possibilite a construção de um laço social fundado de um lugar sexuado e discursivo próprios. Mas não seria esta a direção das análises, no campo da linguagem e dos modos de gozo construídos pelo sujeito – antes de adolescente...sujeito do inconsciente? Questões para pensarmos a hipótese de existência ou não de uma especificidade da clínica psicanalítica com adolescentes...

 

Referências bibliográficas

ALBERTI, S. (1996). Esse sujeito adolescente. Rio de janeiro: Relumé-Dumará Ed.

BECKER, A . L. (1997). Aborrescência, de quem? In: Adolescência: entre o passado e o futuro. APPOA.Porto Alegre: Ed. Artes e Ofícios

FREUD, S. (1905[1901]) Fragmento da análise de um caso de histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud – VOL VII. Rio de Janeiro: Imago, 1987.

_________.(1920) A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud - VOL. XVIII. . Rio de Janeiro: Imago, 1987.

GUTIERRA, B. C. C. (2002) O mestre (im)possível de adolescentes – uma especial posição subjetiva na transmissão.In: Estilos da Clínica – Revista sobre a infância com problemas. Ano VII. N`12. Dossiê: Adolescência.

RASSIAL, J-J. (1999). O adolescente e o psicanalista. Rio de Janeiro: CIA de Freud Ed.

RUFFINO, R. (1997). O que está em jogo na adolescência de nossos filhos? In: Resenha Judaica, n´673, 20 de junho de 1997 – 15 de Sivan de 5757, p. 2. Redigido em março de 1997.