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On-line ISBN 85-86736-12-0

An. 4 Col. LEPSI IP/FE-USP Oct. 2002

 

Falando sobre a ética e os direitos humanos em tempos de epidemias

 

 

Flávia Schilling1

Professora da FEUSP

 

 


RESUMO

Este texto discute a questão da violência problematizando os discursos, em geral especialistas, que tentam dar conta dela propondo soluções.
O que caracteriza a violência é que ela é quebra de discurso, produz emudecimento, fato que se configura em uma boa hipótese para explicar a insuficiência dos discursos que tentam dar conta da questão.

Palavras chave: violência; ética ; discurso


 

 

As epidemias

Durante o ano de 2002, em São Paulo, convivemos com discursos que, veiculados principalmente pela imprensa cotidiana paulista, nos informavam sobre algumas "epidemias". Em primeiro lugar, a epidemia da dengue, a exigir um cuidado no nosso jardim, um olhar atento sobre o inseto inimigo, presente em qualquer lugar, pronto para atacar sem olhar sexo, idade, posição social.

Porém, outras epidemias se fazem presentes nos discursos políticos e jornalísticos do ano de 2002. Fala-se na "epidemia" da violência a exigir, desta forma, a vigilância constante sobre a nossa liberdade e um olhar médico, sociológico, pedagógico, criminológico, principalmente sobre os jovens, homens, perpetradores e vítimas preferenciais. Neste caso, diferentemente do mosquito que ataca indiscriminadamente, verifica-se a existência de territórios violentos, e idades, sexo e raça/etnia, condição social preferencial. Há discursos que tratam a violência (termo que agrupa um grande número de práticas heterogêneas, envolvendo conflitos e atores diferentes) do ponto de vista epidemiológico, como uma questão de saúde pública, retratando uma sociedade doente a exigir a intervenção de determinados setores.2

Há, ainda, outro discurso que utiliza a metáfora da epidemia: o que nos informa sobre o conjunto heterogêneo de práticas chamadas de "corrupção".

Estaríamos, desta forma, na presença de "males" que exigem soluções e respostas. Se o tratamento da dengue de ponto de vista epidemiológico é evidente, podemos problematizar a emergência de outras questões – violência e corrupção - como "problemas sociais" sob a metáfora da "epidemia".

A primeira idéia que esta utilização intensiva da metáfora da epidemia sugere é que algo que estava "fora", irrompe: a epidemia é vista como a invasão de um "outro" proveniente de outro tempo ou de outro lugar. A sociedade é percebida como um organismo com seu sistema imunológico enfraquecido ou desorganizado. Esta colocação do problema como proveniente de uma exterioridade, de "outros" caracterizados ou como "vírus" ou como "ogros", sugere a existência de uma tática: ao separar podemos combater. Urge separar o sadio do doente, dividir o que pertence ao passado e o que pertence ao presente para atuar, para extirpar, para combater.

Ao discutir as transformações nos modos de governar do século XIX, Foucault mostra como aparece a idéia de uma guerra na sociedade, sugerindo a necessidade de defesa interna contra perigos que nascem em seu próprio corpo. "Se trata de la gran inversión de lo histórico-biológico en el pensamiento de la guerra social, del paso de lo jurídico a lo médico (...) este saber forma un vínculo entre una acción científica sobre los procesos biológicos y orgánicos (es decir, sobre la población y el cuerpo) y una técnica política de intervención con sus efectos específicos de poder. La medicina es un saber-poder que actúa a un tiempo sobre el cuerpo y sobre la población, sobre el organismo y los procesos biológicos"(1992, p.261). Foucault sugere que ocorre uma substituição dos vocabulários, ou melhor, o cruzamento íntimo entre a linguagem jurídica que servia de modelo para pensar as relações políticas e a linguagem médica3.

Comprovamos, cotidianamente, discursos perito/midiáticos sobre a violência e a corrupção que são repletos de metáforas que se cruzam e se reforçam mutuamente, provenientes de vários campos discursivos apoiados no discurso da medicina. As bactérias e os vírus, os cancros, os vermes e as "maçãs podres" coexistirão com as teias e as tramas, com o palco e com a guerra, com a necessidade de um "diagnóstico" correto que possa dar conta do problema. É um discurso construído por oposições como saúde-doença, luz-sombra, interno-externo (pele-vísceras, superfície-raízes).

Existe uma remissão à questão da saúde como ordem e à doença como desordem, com uma simbiose sugestiva entre a saúde do corpo e a saúde da sociedade, entre doença da sociedade e a doença do corpo do governante.4

Candido (1994) mostra essa relação entre saúde-ordem social e doença-desordem social quando analisa a tragédia de William Shakespeare sobre Ricardo II, que tem como questão central o mando, com este pressupondo um princípio geral que o justifica, uma função que o encarna e uma pessoa que o exerce. No caso do mando que segue o princípio do direito divino, o rei é o ápice da sociedade e tudo depende dele, a prosperidade do reino refletindo a prosperidade do rei; natureza e corpo, portanto, em íntima relação, sangue e seiva alimentando-se mutuamente. "Recebeu ao nascer um fluido vital sagrado, o sangue, que circula como seiva na sua árvore genealógica. Sendo galho desta árvore simbólica ele planta as raízes na terra e se liga misteriosamente ao seu ritmo, de tal modo que ela é saudável quando sua saúde é boa, e doentia quando ele adoece [...] Entende-se que metaforicamente saúde é organização segundo as normas, e doença, desordem devido à violação desta"(1994, p.95).

Estas passagens ilustram a conservação de uma mitologia, baseada na "concepção jurídico-teocêntrica que se combina com a história profético-milenarista"(Chauí,1994 p.27), preparando o campo para as formas de poder populista. Mitologia constantemente recuperada, por contar com uma base real para se constituir que é o autoritarismo social, com a organização e a estrutura da sociedade brasileira promovendo a indiferenciação do poder e da lei da figura do ocupante da função. Abrindo caminho para as posturas "salvacionistas", militaristas, de um Estado-penitenciário.

Silva (1992)5, trabalhará na perspectiva foucaultiana de que os discursos são forças cuja direção é modificável, apontando para sua reversibilidade tática dentro de uma trama epistêmica que pode ser independente das diferentes teses sustentadas e das posições políticas que carregam. Ao passar em revista os enunciados que abordam a corrupção analisando-os como elementos articulados em um território de saber,percebe a obstinação de um olhar que promove enunciados que se remetem mutuamente, constituindo algum tipo de solidariedade, assim como a repetição de certos rituais que permitem a formulação de um discurso sobre a corrupção proferido desde um lugar metafórico, ou no limite, literalmente médico em sua natureza (1992, p.144).

As metáforas militares que completam as metáforas médicas se fazem presentes e são assim analisadas por Silva: "no entanto, no sentido de constituir a corrupção como atividade invasora, nenhum outro conjunto vocabular parece concorrer tão regularmente com a medicina quanto o militarismo (...) Pudera: não se trata propriamente de um encontro circunstancial entre dois campos que apontam para um mesmo acarretamento, mas de uma unidade que se estabelece muito aquém dos discursos que analisamos [...] os domínios da infectologia e da oncologia estão amplamente submetidos à metáfora da guerra (...) quando se fala sobre a corrupção em termos militares é ainda à doença que ela está sendo comparada"(Silva, 1992 p. 97-99).

Trata-se de uma invasão, ataque aberto ou camuflado, tiroteio, massacre, roubalheira, assalto, que se refugia no corpo social, formando uma fortaleza, escudo, que exige guerra, combate, luta, confronto, levante, missão, exigindo mira certeira, fuzilamento, mapa da mina, o rolar de cabeças, estratégia, tática, manobras contra o batalhão, tropa, bando, quadrilha, esquadrão da morte, comando vermelho, máfia, gangue, tropa de choque.

Verificamos também, em nossa pesquisa, algumas relações explícitas entre as práticas de corrupção e de violência, da dengue, do HIV e o vocabulário propriamente religioso. Estaríamos em presença de algo diabólico, que exige sacrificados, sacrifício, vítima, bode expiatório, com a existência em curso de procissão e cruzada contra o diabo, bestas do apocalipse, anjo negro, alma, missão, Davi e Golias, Caim e Abel, Esaú e Jacó, milagre, ungido, benção. Canetti sugere a transformação da idéia dos mortos invisíveis, com seus diabos, seus anjos e espíritos que povoam todas as religiões: "para nós os exércitos dos mortos se transformaram numa superstição vazia (...) se considerarmos ainda o destino das massas invisíveis(...) pode-se afirmar que algumas desapareceram em grande parte, outras por completo (...) como as dos diabos, que voltaram a aparecer no século XIX como bacilos. Em vez de atacarem a alma, o objetivo deles é o corpo humano"(Canetti, 1983 p.49).

Em todos os casos citados – violência, corrupção- , urge o recorte do "mal", o que permite uma diferenciação dos atores. Não estamos todos no mar de lama, não estamos todos contaminados pelo cancro ou pelo micróbio da violência. Esta separação, esta colocação do fenômeno fora, do lado de lá, permite uma dada caracterização do problema, assim como dos seus responsáveis e sugere formas de atuação. Estas formas de atuação são marcadas por metáforas médicas e militares. "Medicina y derecho, las dos ‘rejas’ teóricas de la lupa ético-política de la modernidad" (Abraham, 1992 p.:12).6

Trata-se de formas possíveis de falar sobre a corrupção, sobre a violência, como se estes temas carecessem ser cercados por uma explosão metafórica. São usados termos fortes que conclamam a ação urgente frente a esta emergência, frente aos desastres, aos ataques, às invasões microbianas que justificariam a necessidade de uma intervenção radical, um combate, uma guerra. São termos mobilizadores, próprios de um confronto social, são termos de luta. Não admitem réplica: quem poderia colocar em questão a necessidade de uma intervenção num organismo doente? A saúde não é o supremo bem? Quem colocaria em questão a intervenção frente a uma epidemia? Criam-se, desta forma, linhas divisórias entre os homens do bem e os homens do mal, entre os bandidos e os trabalhadores, entre os desonestos e os honestos.

Discursos, portanto, que promovem uma visão de "sociedade", que forçam uma determinada perspectiva sobre os conflitos que estes temas expressam, que implicam em determinadas "soluções" que fortalecem modos específicos de governar, de exercer o poder.

O discurso dominado, o discurso resistente

Eles cavavam e não mais ouviam

eles não se tornaram sábios

não inventaram nenhuma canção

ou qualquer tipo de linguagem.7

Há um debate em curso sobre a "linguagem da violência". Gostaríamos de sugerir a problematização desta questão: qual será esta linguagem, a gramática que a rege, que faz com que possa ser amplamente falado de determinado lugar discursivo, predominante jurídico/ médico, epidemiológico/ militar? A pergunta seria: quem pode falar, contra quem, a favor de quem, de que forma?

Analisando as relações de poder incluídas nesta gramática, vê-se que há quem é reduzido ao silêncio. Um dos silêncios centrais é o das vítimas (da violência, da doença, da corrupção), "faladas" por outros. Há uma associação entre a importância da dor para a conquista de algo chamado "maturidade". O poema de Paul Celan retrata muito bem, em contraposição a esta visão, o silenciamento provocado pela violência, a dificuldade em representar a catástrofe. Não nos tornamos mais sábios. Não se criam discursos – audíveis – quando estas questões – públicas e políticas – são analisadas como privadas e vistas sob o registro da doença/ desordem.8

Tudo era silêncio, como num aquário e como em certas cenas de sonhos (Levi,1988:18)

Entre os discursos da epidemia e o silêncio há discursos inauditos e imprevistos que apontam para uma compreensão ampliada das questões que nos preocupam.

No livro A peste, de Albert Camus, cuja ação se passa em 194.. na cidade de Orão, recupera-se a função da crônica, do narrador: "sua tarefa é dizer: isto aconteceu". A personagem central é aquele que testemunha, que viu e ouviu. Uma delas é o médico. Sua legitimidade para ocupar este lugar vem de sua posição que permitiu que recolhesse depoimentos de muitos outros. Informa que deve testemunhar, esta tarefa lhe cabe. Mas será verossímil? Daí precisar de um relato minucioso daqueles primeiros dias da peste.

Há, portanto, duas questões iniciais que emolduram a posição da testemunha: a legitimidade de sua fala e a veracidade. Como se constrói a verdade sobre o acontecimento da peste? O vivido, o visto, o ouvido por um é algo digno de atenção? Somos construtores da verdade do acontecimento mesmo em nossa insignificância? Mas há uma terceira questão que envolve o lugar da testemunha: o que pode ser contado? O que é "digno" de integrar o relato da peste?

A ação começa a ser narrada contando como o Dr. Bernard Rieux encontrou o primeiro rato morto. O dia, 16 de abril. No dia 17 de abril, havia muitos ratos mortos. Uma primeira reação: "não é nada". A sensação interna é de agitação, ansiedade, repugnância. Há a necessidade de compartilhar a descoberta, a observação: "oh, respondeu o padre, deve ser uma epidemia". E seus olhos sorriam por detrás dos óculos redondos" (p.28) Integra o relato da peste a reação do que desvia o olhar, pois esta é uma das possibilidades. Aferrar-se à "normalidade", transformar aquilo que aparece como ameaçador em um caso isolado, em algo que não nos diz respeito, que afetará outros (e não nós). Esta crônica da epidemia tem, no livro de Camus, outro narrador- testemunha. Trata-se de Jean Tarrou, o cronista. "Mas trata-se de uma crônica muito especial, que parece obedecer a uma idéia preconcebida de insignificância. À primeira vista, poderia julgar-se que Tarrou se empenhara em ver através de um binóculo ao contrário. Na confusão geral, ele aplicava-se, em suma, a fazer-se o historiador do que não tem história.". Uma destas histórias é do diálogo entre dois condutores do elétrico, sobre a morte de um colega. Não se faz ligação, mesmo esta tendo sido explicitada, entre "ratos", febre e abcessos. A conclusão a que chegam é que não se deve tocar um instrumento de sopro quando se tem o peito fraco. (p.36) Outra história contada por Tarrou é a do velho que cospe nos gatos. Ao comentar sobre os ratos: "perguntei-lhe que desgraça, em sua opinião, se podia esperar. Não sabia. É impossível prever a desgraça. Mas não se admiraria se fosse um tremor de terra. Reconheci que era possível e ele perguntou-me se isso não me inquietava. - A única coisa que me interessa – respondi-lhe – é encontrar a paz interior. Ele compreendeu-me perfeitamente"(p.39)

A negação, a compreensão súbita e imediatamente perdida, a minúcia, o fragmento, a associação inaudita são elementos que compõem o discurso dos sujeitos durante a peste. Camus retrata neste livro a importância do lugar daquele que narra, conta o que viu e o que ouviu, sem necessariamente apoiar-se em grandes falas, naquelas que reproduzem o mesmo, nas que são consideradas as únicas legítimas e verazes. O cercamento realizado pelas estatísticas e os registros incessantes e obsessivos, o grande esquadrinhamento da população será o pano de fundo da insuficiência da compreensão sobre o que acontece. O binóculo ao contrário de Tarrou, o insignificante, as falas daqueles que não foram convocados iluminam de forma muito especial o drama da cidade. Recupera a história do processo, daquilo que não tinha história.

Podemos cogitar que este lugar da testemunha amplia o campo da palavra. "Quando o campo da palavra se amplia, não se trata mais da mesma palavra, dos mesmos significantes, da mesma lei. Os indivíduos não são falados pela organização (ou por seus guardiões), mas eles falam a organização e por isso a transformam"(Enriquez, 1974 p.75)

Quando os indivíduos, portanto, conseguem falar sobre o acontecimento, criar um saber sobre ela além do saber perito que é proposto como sendo o único legítimo, saem do que Enriquez chama de relação dual (a relação de fascinação pelo nome de um) e entram na posição do "terceiro", do que restaura a alteridade, a diferença, o que mostra a falha e os limites. "Le seul objectif c'est de faire apparaitre ce qui peut miner le phantasme de l'un et par voie de conséquence le pouvoir de la rélation duelle: ce qu'on peut nommer la position tierce, place occupé par ce qui ne se laisse jamais incarner: la verité ou encore mieux le questionnement." (Enriquez, 1980 p.85) Mesmo sendo este questionamento parcial, fala emergente, ação ambígua, se este comporta uma dúvida sobre a regra do jogo, uma crítica à lógica interna deste jogo, coloca as instituições e seus discursos em questão e abre a possibilidade da emergência de uma nova lógica.9

Enriquez vincula esta situação fortemente à possibilidade de novas falas, falas imprevistas de atores sociais até hoje excluídos da cena histórica. Não grandes falas. Falas surgidas no cotidiano do trabalho, no seio das instituições, a partir de problemas concretos da vida cotidiana, enquanto sujeitos no processo de produção e de consumo. "Tomar a palavra" seria o que permitiria descobrir ou inventar a relação entre o que tinha sido dividido e aparecia como impossível de relacionar, introduziria a diversidade dentro do que era apresentado como naturalmente uniforme. Isto porque a palavra, a lei, é, nas organizações e instituições marcadas pela heteronomia, privilégio do "Um", portador da fala inaugural, da fala fundadora do mundo. "Tomar a palavra" significa criar um saber. Um saber sobre o outro e sobre si mesmo: falar a instituição e não ser mais falado por ela; falar sobre o trabalho, sobre as epidemias, sobre o tempo da vida e não mais, apenas, ser "falado".

Este seria o lugar da resistência, da construção dos direitos humanos em tempos de epidemia. Tentar formular palavras novas, mesmo sabendo dos seus limites, desenvolvendo discursos que articulam poder e saber de forma não estável nem contínua: Pois "os discursos, como os silêncios, nem são submetidos de uma vez por todas ao poder, nem são opostos a ele. É preciso admitir um jogo complexo e instável em que o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, e também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma estratégia oposta. O discurso veicula e produz poder; reforça-o, mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo"(Foucault,1985 p.96).

 

Referências Bibliográficas

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Silva, F. L. Lopes da. (1992) Por uma genealogia da corrupção. Dissertação de Mestrado, Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP.

 

 

1 Neste texto utilizarei os subsídios da tese de doutoramento (ver bibliografia). Nesta tese discuto o estatuto da "corrupção", sua emergência como um "problema", ou seja, seu deslocamento de uma ilegalidade tolerada para um crime, seguindo a sugestão foucaultiana apresentada em Vigiar e Punir (1984). Verifica-se que a violência também emerge no debate nacional e internacional como uma questão social de forma paralela à da corrupção. Estes dois temas combinam-se de muitas formas, entre outras, a de nos construírem como cidadãos avessos à política (vista como "suja") e atemorizados, afastados, portanto, do espaço público. São entraves poderosos à construção da democracia que exige cidadãos presentes, ocupando os espaços públicas e participando ativamente da política.

2 Os discursos que cercam a "questão da violência" são relativamente heterogêneos: se o discurso epidemiológico é dominante na imprensa, em programas de partidos políticos, em algumas propostas de políticas públicas é mais disputado por abordagens antropológicas, sociológicas e psicológicas que escapam a esta visão. O ponto de cruzamento forte da medicina (saúde/doença) com a "violência" (da criminalidade urbana violenta) é a droga, vista como a fonte primeira do "mal".

3 Como um dos lugares dominantes de produção de discursos sobre a violência e a corrupção é o jurídico, constatamos este cruzamento cotidianamente. Foucault mostra esta relação se constituindo quando discute o bio-poder. "Pela primeira vez na história (...) o biológico reflete-se no político: o fato de viver não é mais esse sustentáculo inacessível que só emerge de tempos em tempos, no acaso da morte e da fatalidade: cai, em parte, no campo de controle do saber e da intervenção do poder" (Foucault, 1985 p.134).

4 "A medicina não deve ser mais apenas o corpus de técnicas de cura e do saber que elas requerem; envolverá (...) um conhecimento do homem saudável (...) uma definição do homem modelo. Na gestão da existência humana, toma uma postura normativa que não a autoriza apenas a distribuir conselhos de vida equilibrada, mas a reger as relações físicas e morais do indivíduo e da sociedade em que vive. Situa-se nessa zona fronteiriça, mas soberana para o homem moderno, em que uma felicidade orgânica, tranqüila, sem paixão e vigorosa, se comunica de pleno direito com a ordem de uma nação, o vigor de seus exércitos, a fecundidade de seu povo e a marcha paciente de seu trabalho"(Foucault, 1994 p.39).

5 Esta dissertação, brilhante, foi defendida em dezembro de 1992, no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

6 Abraham comenta: "el lenguaje jurídico que servía de modelo para pensar las relaciones políticas deja lugar a un discurso médico. La idea de constitución indica relaciones de fuerza, sistemas de equilibrio, juego de proporciones, revolución de fuerzas y no restablecimiento de viejas leyes (...) Foucault analiza la reversibilidad táctica de los discursos y muestra que las tramas epistémicas pueden ser independientes de las tesis sustentadas y de las posiciones políticas"(1992a p.12).

7 Paul Celan citado por B. Bettelheim, 1989, p.97.

8 Diz Enriquez: "o discurso da violência é um discurso sem voz (...) o que ela promove não é o reino do discurso, que permite o reconhecimento mútuo, é o do corpo -a- corpo sem mediação, da hegemonia direta dos senhores sobre os escravos."(Enriquez,1974, p.88-89)

9 "Entendo ao contrário por subversão sutil aquela que não se interessa diretamente pela destruição, esquiva o paradigma e procura um outro termo: um terceiro termo, que não seja entretanto, um termo de síntese, mas um termo excêntrico inaudito." (Barthès, 1987,p.71)