6Escola e violênciaO psicanalista e a inclusão escolar de crianças autistas e psicóticas author indexsubject indexsearch form
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On-line ISBN 978-85-60944-08-8

An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP 2006

 

Inclusão escolar e acompanhamento terapêutico: possibilidade ou entrave?

 

 

Andréa Maia Assali

andrea_maia@uol.com.br

 

 


RESUMO

O texto a seguir tem como objetivo suscitar questões derivadas do trabalho de acompanhamento terapêutico de crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento que frequentam escolas regulares da rede particular de ensino do Estado de São Paulo. Para isso, será necessário retomar a questão da loucura e da luta antimanicomial, que se iniciou na Europa e tomou corpo, no Brasil, no final da década de 60. Com o fim dos manicômios foi necessário pensar alternativas para a reinserção desses pacientes na sociedade. Aparecem, desta maneira, hospitais-dia, ambulatórios de saúde mental e clínicas psiquiátricas. Começa a surgir, portanto, um esboço da função do acompanhante terapêutico. Nas escolas, uma das construções possíveis para a inclusão é o trabalho deste profissional, que pode funcionar como um agente facilitador do processo inclusivo. Será que sua presença age na direção da inclusão dessas crianças na escola? Esta é a questão que se pretende discorrer neste texto.

Palavras-chave: Inclusão Escolar; Acompanhamento Terapêutico; Psicanálise.


 

 

Crianças com Transtornos Globais do Desenvolvimento1 e a escola regular: uma possibilidade possível?

Desde as últimas décadas do século XX, as escolas brasileiras e seus profissionais vêm confrontando-se com as questões suscitadas pela assunção das diferenças entre seus alunos, desveladas, desde então, pelo crescente processo de inclusão escolar.

Crianças com TGD entram cada vez mais nas escolas regulares (tanto em salas especiais como em comuns). Se educar passa por tantas variáveis (indisciplina, fracasso escolar, desistências, depressão dos professores), com os portões abertos para esta população outras questões se abrem. Como educar crianças que muitas vezes não falam, não sentam, não estão inseridas no mundo das leis e das regras? Estas são apenas algumas das perguntas que os educadores fazem quando pensam na inclusão.

A instituição escolar, por desejo, curiosidade ou mesmo falta de opção, recebe essas crianças em suas salas, principalmente depois da aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB – 1989). De várias maneiras a escola tenta facilitar a entrada e permanência desses alunos, sendo que alguns trabalhos seguem com sucesso, mas outros são interrompidos.

Há certos pontos importantes para pensar a viabilidade da escolarização destas crianças. De acordo com Jerusalinsky (1997):

- na infância, a psicose ainda não está decidida;

- mesmo quando decidida, há possibilidade de aprendizagem na psicose.

Para Colli (1997), é característica da infância a indefinição e, consequentemente, o diagnóstico neste período também é indefinido. A escola, nesse sentido, consegue propiciar novas inscrições que podem marcar uma elasticidade simbólica.

Kupfer e Petri (2000) afirmam que, "...tratar é portanto permitir que a estruturação seja retomada..." (pg. 113). Diferente da psicose adulta, nas crianças o desenvolvimento se interrompe, mesmo que parcialmente, antes da aprendizagem acontecer ou no início dela.

Quando as autoras falam em tratar, estão implicitamente remetendo-se ao termo Educação Terapêutica que consiste em uma das possibilidades atuais de tratamento destas crianças: "Tipo de intervenção no trato de crianças com problemas de desenvolvimento, é um conjunto de práticas interdisciplinares de tratamento, com especial ênfase nas práticas educacionais, que visa à retomada do desenvolvimento global da criança ou à retomada da estruturação psíquica interrompida ou à sustentação do mínimo de sujeito que uma criança possa ter construído. Um dos eixos da Educação Terapêutica é justamente a inclusão escolar" (Kupfer, 1997, pg. 115).

Existe a possibilidade de aprendizagem nessas crianças, uma vez que possuem ilhas de inteligência preservadas que ficariam ameaçadas se não houvesse alguém para dar significado. Assim, mesmo que não haja possibilidade de grandes avanços, para poder conservar as capacidades cognitivas já existentes, a escola e tudo que vem associado a ela, como por exemplo, o laço com as crianças e adultos, as leis, as regras, a possibilidade do interesse por tudo que tem a ver com o aprendizado são essenciais. De acordo com Kupfer (2000): "As crianças psicóticas e autistas possuem ilhas de inteligência preservadas, que podem desaparecer caso não as ajudemos a lhes dar sentido. Podem – por falta de sentido, de direção, porque não são utilizadas para enlaçá-las no Outro – desaparecer, ou se transformar em estereotipias. Assim, a freqüência à escola acaba sendo um instrumento crucial, se não de crescimento, ao menos de conservação das capacidades cognitivas já adquiridas" (pg.116).

 

O acompanhamento terapêutico:

Uma modalidade, entre tantas outras, que pode marcar a inclusão escolar principalmente de crianças pequenas é a presença de um acompanhante terapêutico na escola.

Partindo deste pressuposto, pretende-se discorrer sobre as questões que o acompanhamento escolar traz para o próprio profissional, para os professores, para os alunos em acompanhamento, para os que não o têm e, finalmente, para a instituição escolar. Primeiramente é necessário localizar o termo, acompanhante terapêutico, dentro da história. Para isso, é preciso retomar a questão da loucura e a luta antimanicomial, que se iniciou na Europa e tomou corpo, no Brasil, no final da década de 60. Antes dessa luta, pessoas consideradas loucas permaneciam, em tempo integral, dentro de manicômios. Assim sendo, a loucura era mantida à margem da sociedade e as pessoas não precisavam confrontar-se com isso. A partir do momento em que as paredes dos muros começaram a ser derrubadas foi necessário pensar em alternativas para a reinserção dessas pessoas na sociedade. Surgiram, desta maneira: hospitais-dia, ambulatórios de saúde mental e clínicas psiquiátricas. Foi dentro dessas instituições que profissionais psis e não psis tentaram uma aproximação cotidiana com a loucura. Começa a formar-se um esboço da função do acompanhante terapêutico.

O trabalho do acompanhante terapêutico foi por muito tempo utilizado como recurso auxiliar no tratamento de pacientes psicóticos substituindo, aos poucos, a permanência deles nos hospitais psiquiátricos, como escrevem os autores da Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital-Dia A Casa (1991): "Acompanhamento terapêutico: prática de saídas pela cidade, com a intenção de montar um ‘guia’ que possa articular o paciente na circulação social, através de ações, sustentado por uma relação de vizinhança do acompanhante com o louco e a loucura, dentro de um contexto histórico". (p. 30-31).

 

O acompanhamento terapêutico escolar:

Na escola o profissional que trabalha com a criança dentro da sala de aula e nos demais ambientes também foi chamado de acompanhante terapêutico. Esta nomeação utilizada na escola foi emprestada e isto pode ser entendido pela função que o acompanhante realiza tanto na rua como na escola que é: participar da reintegração do paciente no universo social e fazer uma ponte entre estes sujeitos e as mais diversas problemáticas que possam enfrentar no laço social. O trabalho do acompanhante terapêutico é cada vez mais usual nas escolas particulares e surgiu da tentativa de possibilitar a inclusão de crianças graves no universo escolar propriamente dito.

Segundo Assali et all (1999), há uma relação entre o trabalho do acompanhante terapêutico e a escola particular, que talvez possa ser entendido a partir da realidade e da oferta de atendimento às crianças com TGD. A maior parte destes serviços são oferecidos por clínicas escolas ligadas às universidades, privilegiando a população carente. O trabalho desenvolvido por algumas delas possibilita um tratamento anterior que facilita a entrada dessa criança na escola. Como a maioria das crianças da rede privada não tem a oportunidade de vivenciar este processo de trabalho anterior ou concomitante à escolarização, com uma sustentação institucional, encontram na figura do acompanhante terapêutico essa possibilidade. Nada mais pertinente de que o acompanhante terapêutico seja um dos profissionais a pilotar tal processo.

Por princípio, a função do acompanhamento terapêutico na escola é algo bem definido e com tempo de finalização. Para as escolas, na maioria das vezes, a presença deste profissional está relacionada às dificuldades que educadores sentem em relação à aprendizagem destas crianças e também às questões que estas trazem, ou seja, por conta das falhas na constituição subjetiva que estas crianças estabelecem, quando estabelecem, relações diferentes, às vezes bizarras e mesmo assustadoras, gerando angústia e medo na escola.

Estes alunos podem causar um grande desconforto para a escola que está acostumada a situações mais controláveis. Com isso o acompanhante terapêutico que exerceria sua função com tempo determinado, permanece na escola para resolver um grande problema que deveria ser enfrentado pelos educadores, sem a sua presença, ou seja, a do escolar propriamente dito para as crianças com TGD.

Apesar de estar subentendido que o trabalho do acompanhante terapêutico é principalmente garantir a entrada de uma criança pequena na escola, o que muitas vezes acontece é a permanência deste profissional por mais tempo. Em algumas instituições de ensino o dilema é sempre o mesmo: não conseguir prescindir deste profissional na vida escolar da criança incluída.

 

A tragetória de uma criança com diagnóstico de TGD na escola regular: a história de Pedro:

Pedro tinha seis anos quando começou a frequentar pela primeira vez, diariamente, uma escola de Educação Infantil na cidade de São Paulo. As tentativas anteriores em outras instituições escolares fracassaram, segundo os pais, pela impossibilidade de seu filho permanecer em sala de aula, mesmo por poucos minutos. De acordo com as escolas, este problema existia por ele ser um autista (diagnóstico do neurologista e do psicólogo) e não demonstrar interesse por nada que se referisse à aprendizagem. O tempo que permaneceu nas diversas escolas em que esteve matriculado foi marcado pelo fato de perambular pelos espaços e pela dificuldade de ficar em sala de aula com seus colegas.

A escola que o matriculou aos seis anos, no final do ano letivo, constatou que este aluno continuava desinteressado por qualquer possibilidade de aprendizado oferecido pela professora e praticamente não estabelecia nenhum contato com os adultos e mesmo com as crianças. A instituição estava perdida e sem saber realmente se poderia mantê-lo em sala de aula.

Esta é uma questão importante, pois muitas instituições de ensino acreditam que basta inserir uma criança com TGD na escola e trabalhar os laços sociais. Assim, muitas crianças que teriam condições de aprender a ler, escrever etc, perdem esta oportunidade pela impossibilidade da instituição escolar ampliar o olhar sobre o seu aluno.

Os próprios pais de Pedro sugeriram a entrada de um acompanhante terapêutico a fim de tentar propiciar outras possibilidades para seu filho. Por sua vez esta instituição considerou muito interessante a idéia da entrada de um profissional psi na sala de aula, pois já havia uma acompanhante terapêutica nesta escola.

O profissional que ocupou este lugar passou por uma seleção com outros acompanhantes terapêuticos e foi escolhido pelos pais por ter recebido um beijo de Pedro. Na primeira entrevista da família com este psicólogo, Pedro, no momento da despedida deu-lhe um beijo e, para esses pais, isto foi muito significativo, pois era a primeira vez que o filho tinha um contato próximo com um estranho. A partir de então, nenhum outro profissional teve relevância para esta família.

No imaginário escolar a entrada de um profissional especializado poderia garantir algo que o corpo docente não estava conseguindo: a permanência deste aluno em sala de aula e a possibilidade, por ser um profissional psi que supostamente conheceria bem as questões de uma criança com TGD, de despertar a curiosidade desta criança para o aprendizado.

No início do trabalho, o acompanhante terapêutico recebeu dos pais um livro contando a história de Pedro. Neste, estavam todos os exames desde os neurológicos até os genéticos, mas não existia o Pedro como Sujeito. A marca, ou melhor, a capa deste livro era o teste do pezinho. Este era o olhar endereçado a ele tanto dos pais, como dos profissionais que o tratavam e, principalmente, da escola.

A entrada de um profissional psi na escola poderia seguir dois caminhos: o primeiro, atuar diretamente com Pedro e propiciar outras possibilidades de inserção na escola e no aprendizado; o segundo, tentar ampliar o olhar da escola não somente sobre este aluno, mas para a entrada de crianças com TGD na instituição.

O trabalho com Pedro pôde acontecer e avanços significativos foram constatados. Já a escola não possibilitou uma abertura no seu olhar. O acompanhante terapêutico fez seu trabalho sem a interlocução com a direção escolar. Nos primeiros meses conseguiu contato com a coordenadora da Unidade do Infantil e com o grupo de professores. Foi por este caminho que seguiu seu trabalho.

Ao mesmo tempo, as conquistas de Pedro no decorrer do segundo ano nesta escola foram visíveis. No primeiro ano perambulava pelos espaços, não ficava dentro de sala de aula e não se relacionava com os outros ou mesmo com a aprendizagem. O acompanhante terapêutico teve uma função importantíssima neste momento e por várias semanas e meses perambulou junto com este aluno pelos espaços da escola até poder, aos poucos, convidá-lo para entrar em sala de aula. Após alguns meses, um certo vínculo foi estabelecido entre eles e possibilitou a permanência de Pedro, por tempos variáveis, na sala.

Outra função importante do acompanhante terapêutico nestes primeiros meses foi a de ser um interlocutor entre Pedro, as crianças e a professora. Isto permitiu, por exemplo, que a maioria dos alunos da sala tivessem a possibilidade de aproximar-se mais dele, pois quando Pedro tinha reações de afastamento ou mesmo de desligamento, com a interferência do acompanhante terapêutico as crianças e a professora conseguiam insistir para que ele voltasse à atividade ou continuavam o trabalho com Pedro perambulando pela sala. Ele não precisava participar o tempo todo na roda para significar que estava aprendendo, porém os instantes em que podia estar eram muito valorizados por todos. O acompanhante terapêutico, neste sentido, exerceu a função de interprete de algumas reações de Pedro, pois ele só balbuciava alguns sons.

O trabalho deste profissional se tornou mais tranqüilo quando a professora que assumiu este aluno no ano seguinte, apesar de estar muito angustiada no início do ano letivo por nunca ter trabalhado com uma criança como Pedro em sala de aula, mostrou-se muito disposta a arriscar e estudar. Com isso, gradativamente o acompanhante terapêutico conseguiu afastar-se de Pedro, reduzindo o seu trabalho para três dias na semana (anteriormente eram todos os dias). Porém, mesmo com todos os progressos de seu aluno, a instituição (diretoria) continuava não quererendo saber nada sobre esta criança.

Quando o acompanhante terapêutico iniciou seu trabalho, Pedro não queria chegar perto de uma caneta, tinta ou mesmo giz de cera. Sua mãe havia relatado que tanto ele como o irmão tinham "aversão" a cheiros fortes e por isso entendia o porquê de Pedro provocar ânsia quando via tinta ou mesmo canetinha. Porém, um episódio na escola desconstruiu esta idéia: um dia no computador a professora começou a mostrar as possibilidades de pintura na tela e Pedro provocou ânsia. E todos sabem que computador não exala cheiros.

Pedro começou a sentar-se e "espiar" as atividades propostas pela professora. Reconheceu seu nome e o escreveu com letras de borracha. No papel iniciava, com o apoio da mão de um outro, a experimentar traços. (Círculos que, em alguns momentos, pareciam tentativas de letras). Se eram, realmente, não é possível saber, mas Pedro recebia sempre a interpretação de um outro, que apostava nisto. A princípio esta interpretação foi realizada pelo acompanhante terapêutico que pôde exercer a função de testemunha dos progressos e produções de Pedro. Com o passar do tempo a professora que viu este profissional realmente apostar no seu aluno, conseguiu, também, fazer apostas. Acredita-se que isto marcou a diferença para Pedro continuar seu caminho pela escrita.

No final deste ano letivo, o acompanhante terapêutico encerrou o trabalho na escola por considerar sua presença desnecessária para esta criança. É importante salientar que, neste caso, apesar deste aluno, do próprio acompanhante terapêutico e da equipe de professores apostarem na continuidade do processo de escolarização de Pedro sem um profissional psi em sala de aula, o mesmo não foi aceito pela direção desta escola, que entra em contato, imediatamente, com outro acompanhante terapêutico utilizando a justificativa de que se tratava de um caso muito grave que precisaria deste trabalho por mais tempo.

É interessante notar que a escola ao querer manter o acompanhante terapêutico na sala de aula não estava mais pensando na dificuldade do professor em estar com esta criança, mas sim da dificuldade da escola em dar um espaço de escuta para o professor, ou seja, com a presença de um novo acompanhante terapêutico a escola não precisaria responsabilizar-se por este aluno.

Assim, se por um lado este profissional é um agente atuante no processo de escolarização de crianças com TGD, por outro sua presença constante impede que a escola crie estratégias e espaços de interlocução com sua equipe de trabalho. Pode-se dizer que a idéia de que o acompanhante terapêutico tampona a falta do professor não se processou aqui, mas os acompanhantes terapêuticos desta escola tamponavam as faltas da instituição.

A questão não está direcionada para a entrada deste profissional na escola, uma vez que não somente esta criança obteve muitos avanços com a entrada do acompanhante terapêutico, como durante estes dois anos os pais puderam rever os tratamentos desta criança e iniciar outros processos terapêuticos. A questão é que a escola não queria, de fato, ter que ocupar-se deste aluno e a ausência deste profissional automaticamente faria a escola ter que se reposicionar. Não daria mais para adiar. Este aluno precisaria ser pensado por todos da escola.

Quando há questionamentos a respeito do trabalho do acompanhamento terapêutico nas universidades e nos espaços de produção científica, com o argumento de que este profissional tampona as possíveis faltas do professor e da escola, é possível pensar que mesmo em instituições de ensino onde não há a presença de um trabalho como este existe possibilidade do professor e da escola não trabalhar com as faltas e com as angústias. A questão do tamponamento ou do não querer saber sobre este aluno acontece na presença de um profissional em sala de aula e em sua ausência também. É claro que uma escola que nada quer saber sobre seu aluno e sobre a inclusão pode beneficiar-se muito da presença de um acompanhante terapêutico, mas mesmo sem este profissional isto pode acontecer.

Deste modo, não é o acompanhante terapêutico que tampona por si só a escola, mas sim a impossibilidade de perceber a ausência de respostas prontas. Quando a escola puder construir novos modos de ensinar e apostar em novos modos de aprender, alguma coisa poderá ser diferente. Com isso, só resta ao acompanhante terapêutico (à medida que muitas vezes seu trabalho é importante ou mesmo essencial no início da escolarização de algumas crianças psicóticas ou autistas) não ser mais um participante disto e sim, quando estiver na escola, propiciar espaços para que esta produza questionamentos e mudanças no seu modo de ver e agir.

Pode-se pensar então que a grande contribuição da Psicanálise é dizer que o saber é sempre incompleto e o conhecimento sempre parcial. Uma grande questão da educação é poder perceber que o tudo é impossível. O grande desafio da escola que quer ser inclusiva, e isto implica em muito trabalho, é contestar as idéias das salas homogênias, supondo que existe a diferença e trabalhar com ela é parte essencial. A escola ao saber que não precisa responder tudo, poderá viver esta travessia com os seus alunos de um modo bem diferente.

É importante destacar que no tratamento de crianças psicóticas o laço social é imprescindível e isto coloca a escola em um lugar de grande importância para este tratamento.

 

Os desafios da escola hoje:

Muito antes da entrada de crianças com TGD nas escolas a educação já havia sido invadida pela Psicologia na tentativa de trabalhar alunos-problema e o tão falado fracasso escolar. De acordo com Lajonquière (1997), os profissionais psi tentam roubar a cena dos educadores ao dizer o que se deve ou não se deve fazer a partir de manuais, de avaliações e prognósticos do futuro de crianças e adolescentes. Esta realidade, mais atual que nunca, traz como conseqüência a destituição do lugar do educador ao colocar outras disciplinas não-escolares dentro da instituição como sabedoras do que fazer com esses alunos: "A psicologia da educação acabou virando a ‘bendita’ dentre todas assim chamadas, e outrora respeitadas por igual, ciências da educação"( pg. 29).

Como nos diz Freud (1937), educar, psicanalisar e governar são tarefas impossíveis, ou seja, sempre vai existir uma falta, e cobrir com saberes este espaço só faz adiar o mal-estar:

"Hagamos aquí una pausa por un momento para asegurar al psicoanalista que tiene nuestra sincera simpatía por las exigentes demandas que ha de satisfacer al realizar sus actividades. Parece casi como si la psicoanalista fuera la tercera de esas profesiones ‘imposibles’ en las cuales se está de antemano seguro de que los resultados serán insatisfactorios. Las otras dos, conocidas desde hace mucho más tiempo, son a la da educación y del gobierno." (pg. 336).

A escola, imbuída das exigências sociais, acaba tomando para si uma série de obrigações que só poderiam ser contempladas pela existência de profissionais que anteriormente não faziam parte do corpo escolar (psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais). Ainda assim a angústia continua, uma vez que, mesmo tentando ignorar e não escutar os professores, a própria instituição escolar diz para quem quiser escutar: é impossível permanecer nesta posição de tentar resolver tudo instituindo cada vez mais saberes. As reuniões de reciclagem, nomenclatura dada a encontros de educadores, por si só já dizem tudo. O professor precisa reciclar, o problema está aí? Ou será que a escola ainda procura respostas imediatas ou se retrai e prefere viver na ignorância.

Conforme propõe Patto (1990), o fracasso escolar teve seu responsável deslocado na última década. Outrora, era o professor, o método, o aluno, os pais. A cada impasse, algum destes representantes da escola ocupava ou ocupa o lugar de culpado pela impossibilidade do aprendizado.

Se a escola não consegue funcionar como uma instituição de ensino, pois toma seus alunos como clientes e a educação como um produto vendável, fica realmente difícil manter relações entre educandos e educadores, nas quais o princípio e o valor estejam na transmissão de saberes e não em um comércio de quem dá mais, quem oferece o produto mais interessante e mais vendável. Isto não se aplica somente à iniciativa privada, pois de forma diferente a educação em geral, vai tomando outro lugar na sociedade e, consequentemente, na própria escola.

Neste contexto, os alunos que não aprendem são nomeados, mesmo que nas entrelinhas, de fracassados, acabam rotulados e segregados na escola, através do discurso da sociedade capitalista. Conforme Patto (2005), com a tentativa de homogeneização das classes, muitos ficam de fora, em salas ou em escolas especiais. Não é difícil ouvir dos professores da rede pública, principalmente os das salas especiais, que muitos alunos deveriam freqüentar as salas regulares. Os professores das salas regulares, por sua vez, não os desejam, não apostam neles. A idéia das salas homogêneas, apesar de não fazer mais sentido na escola – nem nunca ter feito – , ainda é freqüente na boca dos educadores que resistem muito à possibilidade de incluir crianças com necessidades diferentes em uma mesma sala. Não interessa encontrar culpados, até porque não existem. O que há são alunos segregados e rotulados e uma instituição deprimida.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ASSALI, A.M. & RIZZO, C. & ABBAMONTE, R.M. & AMÂNCIO, V. (1999). O acompanhamento terapêutico na inclusão de crianças com distúrbios globais do desenvolvimento. In: A Psicanálise e os impasses da educação. Anais do I Colóquio do Lugar de Vida / LEPSI, São Paulo: IP/FEUSP – Universidade de São Paulo.

BERGER, E. & MORETTIN, A.V. & NETO, L.B. (1991). Introdução à clínica do acompanhamento terapêutico. In: Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital-Dia A CASA (org.) A rua como espaço clínico. São Paulo: Escuta.

COLLI, F. A. G. E COL. (1997). Começando uma travessia pelo ponte. In: Estilos da Clínica, São Paulo, ano II, n°2, 2° semestre de 1997.

COLLI, F. A. G. E AMÂNCIO, V. (2000). Continuando a travessia pelo ponte. In: Estilos da Clínica, São Paulo, volume V, n°:9, 2° semestre de 2000.

COLLI, F. A. G. e KUPFER, M. C. M. (2005). Travessias – a experiência do grupo ponte – pré- escola terapêutica lugar de vida. São Paulo: Casa do Psicólogo.

FRAGUAS, V. e BERLINCK, M.T. (2001). Entre o pedagógico e o terapêutico - algumas questões sobre o acompanhamento terapêutico dentro da escola. In: Estilos da Clínica, São Paulo, vol. IV, n° 11, 2° Semestre de 2001.

FREUD, S. (1937). Analisis terminable e interminable. In: Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1948, vol. III.

JERUSALINSKY, A. (1997). A escolarização de crianças psicóticas. In: Estilos da Clínica. São Paulo, n° 2, 2° semestre de 1997.

KUPFER, M.C.M. (1997). Educação terapêutica: o que a psicanálise pode pedir à educação. In: Estilos da Clinica, São Paulo, ano 2, número 2, 1997.

KUPFER, M. C. M. E PETRI, R.. (2000). Porque ensinar a quem não aprende? In: Estilos da Clínica., São Paulo, Vol. V, n° 9, 2° semestre de 2000.

LAJONQUIÈRE, L. (1997). Dos "Erros" e em especial daquele de renunciar à educação. In: Estilos da Clínica, São Paulo, Ano II, n° 2, 2° semestre de 1997.

 

 

1 Neste trabalho, foi utilizado, como referência o CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), por ser a classificação oficialmente adotada no Brasil a partir de 1996.