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 ISBN 978-85-60944-12-5

An 7 Col. LEPSI IP/FE-USP 2009

 

8/11 - COLÓQUIO-COMUNICAÇÕES LIVRES

 

A percepção da carga horária segundo o olhar do professor1

 

 

Patricia Rosania de Sá Moura

Doutoranda em Educação da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação na Universidade de Genebra, Suiça

 

 


RESUMO

O principal objetivo deste estudo consiste em identificar os efeitos da carga horária dos professores que atuam em uma intituição de ensino superior (IES) privada. Origina-se da própria experiência da pesquisadora que já atuou como professora em duas universidades privadas e da ínfima quantidade de pesquisa nesta área. Para isso foram selecionados 27 professores que trabalham em uma IES privada com características difersificadas como sexo, idade, estado civil, tempo de profissão docente, carga horária de trabalho e formação acadêmica. A abordagem qualitativa deste estudo baseou-se na psicossociologia clínica do trabalho de inspiração psicanalítica. Os instrumentos utilizados foram compostos de entrevista individual compreensiva e não diretiva, observação em sala de aula e alguns documentos oficiais da instituição. Uma vez que a análise dos dados baseou-se nos discursos subjetivos dos professores, os resultados apresentaram-se bastante diversificados. A história singular de cada parofessor é um elemento que infuencia na percepção da sua carga horária e no seu ritmo de trabalho. Assim, a análise da intensidade da carga horária relevou-se bastante complexa uma vez que para alguns professores é possível suportá-la enquanto que para outros ela se torna impraticável.

Palavras-chave: professor, ensino superior privado, carga horária


 

 

Esta pesquisa possui como principal objetivo analisar os impactos da carga horária e do ritmo de trabalho de um grupo de professores que atua em uma instituição privada de ensino superior, segundo o olhar dos próprios atores. Origina-se da própria experiência do pesquisador enquanto docente de ensino superior que já atuou em algumas instituições privadas e da ínfima produção científica de estudos nesta área. Grande parte dos estudos sobre a intensificação do trabalho docente são consagrados ao ensino fundamental e médio(Lourencetti, 2006; Carlotto & Palazzo, 2006). Estudos realizados por Araujo e Paranhos (2003) sobre as condições de trabalho dos docentes da Universidade Estadual de Feira de Santana apontam que os principais problemas enfrentados pelos mesmos referen-se à inadequação das salas e à ausência de manutenção das instalações e dos equipamentos didático-pedagógicos, "representam cargas laborais que comprometem não só a qualidade do ensino, como também a saúde dos professores" (ARAÚJO & PARANHOS, 2003, pp. 118). Os autores destacam, ainda, que a falta de estudos tendo como objeto de pesquisa as instituições superiores limitam a comparação de seus achados.

As principais questões de pesquisa que nortearam este estudo estão relacionadas ao número da carga horária das quais os professores são submetidos, assim como a incerteza ou a variabilidade do número de hora/aula (h/a) atribuída aos professores entre os semestres. Em outras palavras, como a intensificação e a redução da carga horária é percebida pelos professores? E quais serias as conseqüências destes aspectos para o próprio professor e para o ensino?

A organização do trabalho por si só não pode ser considerada a única fonte de sofrimento ou de stress para o trabalhador. Dejours (1980/2000), a partir de um caso clínico, nos mostrou que a organização do trabalho pode contribuir para a saúde biopsíquica, ao invés de ser a determinante de um transtorno psíquico. Portanto, por considerarmos que vários fatores contribuem para uma descompensação psíquica dos trabalhadores, utilizamos no corpo teórico da pesquisa algumas abordagens da psicossociologia clínica de inspiração psicanalítica próxima das perspectivas de Barus-Michel, Giust-Desprairies e Ridel (1996), Cifali (2001) e da psicodinâmica de Dejours (1999). A abordagem da clinica do trabalho consiste em uma postura ética e empática, uma implicação por parte do pesquisador, mas ao mesmo tempo a manutenção de um certo "distanciamento" para não se (con)fundir com o seu objeto de estudo. Pois apesar de possuírem o mesmo estatuto profissional, neste caso o de professor, os sujeitos de estudo e o pesquisador, nesta situação específica, possuem papéis distintos.

Esta clínica do trabalho não visa "curar" e nem prescrever uma receita para evitar ou combater o sofrimento ou o stress. Mesmo porque, no nosso entendimento o sofrimento e o stress, sob certos limites, fazem parte do quotidiano docente. A nossa proposta, ao adotarmos uma postura clínica, é a de possibilitar uma reflexão, um entendimento e fazer com que os sujeitos (re)encontrem um sentido em seu trabalho, em suas vidas. Pois quando a vida perde totalmente o sentido para um sujeito, de uma certa forma, ela deixa de existir, mesmo que simbolicamente.

Os instrumentos utilizados na pesquisa foram constituídos de entrevistas individuais semi-diretivas conforme apresentada por Kaufmann (1996), como um método de explicação compreensiva do social e de observação participativa ativa onde as informações são imediatamente registradas após a observação (Lessard-Hébert, Goyette & Boutin, 1997). Esta observação contou com a presença do pesquisador em sala de aula, onde o mesmo assistiu diferentes disciplinas, totalizando 20 h/a (horas/aula), com a permissão dos professores e dos alunos.

A análise qualitativa e a interpretação dos dados foram obtidos através dos discursos dos professores. Assim, a teoria é construída ou confirmada pelos dados coletados na pesquisa de campo. Nos referimos aqui ao método da Grounded Theory que sustenta a idéia de que a teoria emerge à medida que os procedimentos de campo e a coleta de dados progridem (Strauss & Corbin, 1990).

Foram entrevistados 27 professores com características diversificadas como sexo, idade, estado civil, tempo de profissão docente, formação acadêmica,entre outros. Este grupo trabalha em uma instituição privada de ensino superior que por questões éticas denominaremos MNL. Todos os sujeitos entrevistados também receberam um nome fictício. Ressaltamos ainda que as entrevistas foram realizadas entre agosto de 2005 a novembro de 2006. Sendo assim, as informações sobre idade dos sujeitos e tempo de profissão docente basearam-se no ano de 2006.

 

Distribuição da carga horária e o ritmo de trabalho dos professores

Na instituição privada onde ocorreu este estudo a grande maioria dos professores são contratados no regime de hora aula (h/a) semanal e uma pequena parte é contratada no sistema de tempo integral ou parcial. Dentre os 27 professores, três são contratados em regime parcial e um no regime integral, pelo fato de exercerem também a função de coordenadores de curso; e três não possuem outros vínculos empregatícios e nem outras fontes de renda. Desta forma a remuneração é proporcional ao número de h/a que ele leciona em sala de aula e pela titulação. Nem sempre os professores começam a lecionar na instituição um número de horas/aula significativo, o que implica em uma remuneração insuficiente para o seu próprio sustento.

Diante deste contexto, para garantir um salário decente, os professores que possuem contrato de trabalho no sistema de h/a e de tempo parcial na MNL, que é o caso da grande maioria dos nossos entrevistados, procuram aumentar a carga horária em sala de aula na própria instituição, ou trabalham também em outras instituições de ensino superior, ou exercem outras atividades não ligadas ao ensino. Consequentemente a carga total de trabalho dos sujeitos que exercem além de outras profissões, a de professor, torna-se cada vez mais intensa. A carga horária, em sala de aula, dos sujeitos entrevistados varia entre 8 e 32 horas/aula semanais. Apresentaremos a seguir como a intensificação ou a redução drástica de uma carga horária pode afetar a vida dos sujeitos entrevistados e a qualidade do ensino.

 

Atividades extra classe e intensificação do trabalho.

Devemos considerar que, além de exercerem outras atividades paralelas e não necessariamente ligadas ao ensino, a jornada de trabalho destes professores não se resume apenas em atividades na sala de aula, existe também o trabalho extra classe, que para muitos, consome muito tempo como elaboração do plano de ensino, preparação da aula, elaboração e correção de trabalhos e provas, preenchimento do diário de classe, entre outras. Estas atividades podem provocar mais desgaste e stress no professor do que as atividades em sala de aula. Este fato pode ser observado em dois fragmentos dos discursos da professora Vitória e Beatriz respectivamente, citados abaixo:

"...tem uma parte que é muito pesada que é por exemplo..., eu tenho muitas turmas, eu tenho muitos alunos, eu tenho muito trabalho pra corrigir, eu dou muito exercício em sala de aula..então eu tenho uma carga de trabalho muito grande fora da sala de aula".

"Aquelas uma hora e quarenta, duas horas, que você está ali dentro[ na sala de aula] , o tanto que demandou de tempo fora dali em relação àquela aula, foi muito maior. Às vezes a gente tem um trabalho bem maior fora da sala de aula do que dentro de sala de aula."

 

Carga horária versus qualidade de vida do professor e do ensino

Os professores entrevistados que possuem uma carga horária maior na instituição, ou seja, aqueles que tem mais de 20 h/a em sala de aula, relataram que estão no limite. Isso implica que trabalhar em sala de aula com uma carga horária acima de 20 horas pode afetar não somente a qualidade de vida do professor como também comprometer a qualidade do ensino. O professor Mateus com 28 anos de idade que, começou a carreira docente em 2004 na MNL, atualmente leciona 32 h/a por semana e não possui outras atividades profissionais. Quando interrogado sobre a percepção com relação a sua carga horária, ele admitiu que tem uma carga de trabalho intensa e que este fator, além de afetar a sua vida social, pode também prejudicar a qualidade do ensino. Vejamos o seu discurso:

"Bom é puxado...né... eu to dando conta sem problemas. Venho trabalhando bastante porque eu dou aula de manhã e à noite. Fico em casa à tarde preparando, corrigindo, etc., então é basicamente..., trabalho o tempo inteiro, né. Eu dou aula todas as noites, isso é uma coisa incômoda, não tenho tempo pra ficar a toa, encontrar os amigos, ir ao cinema mas... tem funcionado. Não é um ritmo que eu quero manter desse modo durante muito tempo...não sei se no semestre que vem... tenho intenção que minha carga diminua um pouco. Num plano ideal essa carga horária não é boa não né.. em termos da qualidade, da relação com os alunos da atenção que você pode dar...da sua produção, conta muito..."

O relato do professor Sérgio, com 60 anos de idade e 8 anos de profissão docente concorda também que uma carga de trabalho muito elevada prejudica a qualidade do ensino. Este professor, aposentado de uma empresa estatal e consultor autônomo, possui 16 h/a na MNL. Apresentamos então o seu discurso sobre a percepção da carga horária:

"Ela na realidade, ela oscila, na realidade o meu ideal são 12 h/a. Já foram 24 e na realidade eu comecei aqui com 4 h/a... foi aumentando, e não tenho mais porque eu não quero mesmo. Então eu vejo os professores..., eu tenho uma filha que é professora, ela também não gosta muito desse ritmo, mas o marido dela por exemplo, que também é professor, ele dá 40 h/a por semana, e além disso ainda trabalha, e além disso tem um escritório de advocacia, mas ele tem trinta e poucos anos (...)o professor não tem sensibilidade para isso, ou se tem sensibilidade não tem tempo, porque eu estou te dizendo: uma pessoa que dá 40 h/a por semana, ela não tem tempo de fazer mais nada. E aí é triste, sabe por quê? Aí eu vejo uma pessoa outro dia falando: Ah! eu já tenho um banco de perguntas e respostas, que às vezes até eu copio para fazer uma prova e aí teve uma vez que eu pus duas questões iguais na mesma prova. Olha para você ver, a coisa passou a ser mecânica."

 

Carga horária e idade do professor

Além das atividades extra classe, percebemos através do discurso do professor Ângelo, aposentado, trabalhando como autônomo e lecionando 8 h/a na instituição que, a idade e a manipulação de novas tecnologias na execução de algumas atividades podem contribuir para a intensificação do trabalho. Conforme verificamos no relato do professor Sérgio (citado anteriormente) e deste professor com mais de 70 anos de idade e com 40 anos na profissão docente, que a idade é um fator importante e de certa forma influência na intensificação e no ritmo de trabalho. De acordo com a opinião do professor Ângelo, na idade em que se encontra, ele não teria condições para lecionar 32 h/a:

"(...) A questão da saúde, a idade vai pesando.., eu jamais me atreveria dar 32 h/a por semana. A aula, não é só sala de aula, tem que preparar aula, tem os trabalhos, tem que corrigir as provas, tem que acompanhar a burocracia da MNL, lançamento de aulas, lançamento de faltas, lançamento de notas. Isso tudo é feito pelo professor através do computador. Então aumentou essa carga..."

 

Carga horária e uso de novas tecnologias

Se a tecnologia realmente tivesse a função de reduzir o tempo gasto para a execução das atividades, favoreceria sem dúvidas o trabalhador. Talvez sobraria algum tempo livre, para dedicar a outras atividades como família, lazer, estudos e saúde. Infelizmente isso não se concretiza na realidade (Tait, 1997). Em determinadas situações percebemos que as tecnologias tem contribuído ainda mais para a intensificação do ritmo de trabalho dos professores que trabalham na MNL. Esta instituição adotou dois sistemas informatizados que permite aos professores introduzem dados como: plano de ensino, slides das aulas, exercícios, textos, notas, controle da presença do aluno, entre outros, permitindo aos alunos acessarem as informações quando desejarem. No entanto para alguns professores estes programas têm gerado insatisfação en razão da intensificação na carga horária de trabalho. Apresentamos abaixo dois relatos que demonstram este fator:

"É você faz a chamada em sala de aula, e faz a chamada..., ou seja, transfere, transcreve essa chamada para o sistema. Eu até pensei sincronizar as duas coisas, mas como é um sistema, é uma coisa de internet, de virtual, tem um atraso, não é um tempo real. Um tempo real que demanda um processamento do sistema. Ontem mesmo eu tentei fazer essa chamada diretamente no site e ficou uma coisa meio truncada (...)Então assim, na verdade a gente tem dois trabalhos, tem o trabalho no sistema e tem o trabalho dentro da sala de aula na chamada." (Beatriz, 30 anos, 2 anos na profissão docente)

"Traz mais trabalho pra gente, com certeza. No diário aqui você faz chamada de quem veio e de quem não veio, escrever lá atrás o que teve na aula e entrega. Ou guarda aquele papel ou alguém vai por na internet, pronto meu trabalho acabou ali. Acabou a aula, todo o trabalho, quem veio e quem não veio, o que eu dei. Isso acaba gerando mais trabalho, porque a gente tem que anotar é lógico(...) depois tem que passar tudo a limpo..." (Vitória, 40 anos, 5 anos na profissão docente)

 

Imprevisibilidade tecnológica e intensificação da carga horária

Um outro fator, ligado às novas tecnologias,também nos chamou a atenção. Alguns professores relataram que necessitam de preparar várias técnicas, vários modelos para expor o conteúdo da disciplina em sala de aula, pois eles nunca tem certeza se os equipamentos irão funcionar e em que condições estes funcionarão. Em outras palavras, segundo o discurso do professor Wagner:

"Quando você mais precisa, ela te deixa na mão. Por isso que é importante, você não ser dependente da tecnologia(...)é continuar a aula normalmente, de outra forma, ou com texto, ou com aula expositiva, debate. Na hora a gente utiliza outro método, outra didática. Por isso que é importante não usar só uma didática..., porque se aquela te deixa na mão..., é chamada carta na manga que nós temos que ter" (Wagner, 46 anos, 16 anos na profissão docente)

 

Carga horária e quantidade de disciplinas e de turmas

A carga de trabalho nem sempre é percebida da mesma forma pelos professores entrevistados. Um dos fatores que parece tornar a carga de trabalho intensa não está necessariamente relacionada ao número de h/a semanal, mas à quantidade de disciplinas atribuídas ao professor e à quantidade de turmas. Desta forma, a professora Julia com 29 anos de idade, e três anos de profissão docente, não demonstra sofrimento ou desgaste com as 20 h/a que leciona para seis turmas e com as 20 horas de coordenação de curso. Inclusive se não exercesse atividades de coordenação de curso ela pretenderia até aumentar a carga horária em sala de aula. Ao interrogá-la sobre a carga horária, ela nos disse o seguinte: "Ótima, está ótima...se eu não tivesse as outras 20 horas de coordenação ai poderia até aumentar .. mas está ótima. Com três disciplina, seis turmas."

Por outro lado, para a professora Silvia com 53 anos de idade, professora desde 2001 na MNL com uma carga horária de 26 h/a nesta instituição e lecionando também em outra instituição privada, percebemos através do seu discurso que, interagir com um grande número de alunos em um curto espaço de tempo, e estabelecer o enfoque entre a disciplina e o curso são fatores que provocam desgaste na profissão docente. Atualmente ela leciona para 13 turmas, seis disciplinas para diferentes cursos na MNL:

"Agora eu tenho 13 turmas... cada turma é de um jeito, cada turma tem que fazer de novo um bom contato...é muito rápido porque a gente tem um semestre, mas na realidade não tem... março, abril, maio e junho e acabou...tem quatro meses pra conseguir conectar, produzir, construir, mudar posturas e ainda conseguir uma construção de conhecimento. Então é pouco tempo... quando você vê pluft..,já está na hora da prova... já está na hora da avaliação..."

 

Influência da carga horária na qualificação e na sobrevivência do professor

Observamos que o prejuízo da intensificação da carga de trabalho não afeta apenas a qualidade do ensino como disse o professor Mateus, mas também pode ser um obstáculo para os professores que precisam de qualificação, de formação contínua para inclusive continuarem a exercer a profissão de professor. Vejamos o caso da professora Clara que leciona 8 h/a na MNL, 12 h/a em uma outra instituição privada e que trabalha no regime de tempo parcial em um órgão público governamental. Segundo ela, a sobrecarga de trabalho impede a formação contínua e consequentemente, nós acrescentamos, pode se tornar um obstáculo à progressão na carreira acadêmica: " Olha a minha carga horária de trabalho hoje é uma carga horária alta, que acaba não favorecendo o estudo acadêmico, o aprimoramento..."

Entretanto, para alguns professores, a manutenção de uma carga horária de trabalho alta é uma questão de sobrevivência, e é o que permite dar continuidade nos estudos, atualizar, adquirir material de trabalho e participar de eventos, conforme descreve o professor Wagner, 46 anos de idade, lecionando 24 h/a na MNL e 6 h/a em outras instituições de ensino privado:

"É, o professor não tem outra alternativa, a gente não tem alternativa. Infelizmente você tem que trabalhar muito né, pra sustentar, porque se você trabalhar aí com 12...15 h/a, você não consegue... Porque o professor não é só a questão de família né, existe também todo um gasto né. Você tem que atualizar, você tem que acompanhar, você tem que adquirir livros, você tem que escrever, você tem que estar atento àquilo que o mercado coloca. Então isso tem um custo também, é um custo pra você participar de algum evento, algum congresso..."

A realidade de muitos professores que atuam no ensino superior privado é a de que são eles próprios que pagam seus estudos, seja o mestrado ou o doutorado. Alguns recusam uma bolsa de estudo da CAPES, do CNPQ ou de outros órgãos de fomento, uma vez que o valor não é suficiente para cobrir suas despesas e em alguns casos, as de seus familiares. O caso da professora Vitória que é a base de sustentação da família, convive com um conflito entre trabalhar muito e estudar. É uma situação onde ela precisa manter uma carga horária significativa, lecionando 24 h/a na MNL e em regime de tempo parcial em uma instituição pública estadual de ensino superior para pagar o curso de doutorado, seus gastos pessoais e ajudar seus pais:

"Ela é superpesada mas eu preciso desse dinheiro, eu preciso trabalhar porque eu tenho que garantir a minha sobrevivência e de alguma forma ajudar meus pais que já são mais idosos, além do que eu faço um doutorado que é pago e a bolsa ainda não saiu. É muito contraditório isso...trabalhar muito... quando eu deveria trabalhar menos para dedicar mais ao doutorado..."

 

Instabilidade da carga horária

A passagem de um semestre ao outro pode constituir fonte de tensão e angústia para certos professores, uma vez que eles não sabem exatemente sobre a quantidade de horas/ aula que lhes serão atribuídas, além da incerteza quanto à permanência na instituição. Atualmente, estamos vivenciando no Brasil um momento particular no ensino superior privado e público. O programa do governo denominado "universidade para todos" ou "PROUNI", mudou radicalmente o cenário das instituições de ensino superior. Estas passaram a ampliar o número de vagas nos cursos já existentes e criar novos cursos, inclusive cursos à distancia. Isso começa a criar uma competição muito significativa, principalmente nas instituições privadas, influenciando a qualidade e a quantidade de alunos em sala de aula. Conforme constatamos na nossa observação e relatos dos professores, enquanto alguns cursos possuem turmas de 50 ou 60 alunos em sala de aula, nos turnos matutino, diurno e noturno; outros possuem, em certas turmas, apenas 8 alunos no horário noturno. Algumas instituições estão passando por dificuldades financeiras, sendo colocadas à venda, ou passando por um processo de fusão de turmas, sem contar com a evasão que, muitas vezes, ela não pode interferir. Diante deste contexto a h/a semanal do professor pode ser aumentada ou diminuída, entre os semestres. E esta incerteza e instabilidade é, segundo a professora Cláudia, fator de tensão, de insegurança para o professor. Esta professora ainda faz uma crítica à instituição pelo fato da mesma não fazer um planejamento no sentido de prevenir o professor:

"Isso traz, sem dúvidas nenhuma, uma insegurança muito grande para o professor é...complicado, você sabe que nesse semestre vai dar 20 horas aula, mas você não sabe se no semestre que vem você vai manter essas 20 h/a. E a instituição ela avisa, ela te informa do que esta acontecendo, o que vai acontecer muito em cima da hora..."

Impossibilidade de assumir compromisso financeiro a médio e longo prazo.

Como agir diante da incerteza? Parece-nos que alguns professores se sentem paralisados, imobilizados e sem reação, e quando as decisões envolvem o aspecto financeiro, é o momento presente que parece prevalecer. Acreditamos que os professores que dependem desta profissão e das instituições privadas para sobreviverem podem continuar a sonhar, fazer projetos, porém a concretização é uma outra história. Conforme o discurso da professora Vitória, a instabilidade da carga horária e consequentemente do salário, entre os semestres, a impede de assumir um compromisso financeiro a médio e longo prazo:

"Você fica oscilando. A gente comenta entre nós professores, como que a gente nem pode fazer planejamento da nossa vida. Assim..., eu preciso trocar meu carro., Gente! ..., meu carro fez dez anos agora, está passando da hora de eu trocar o meu carro. Mas eu não consigo fazer um planejamento de quando isso vai poder acontecer. Porque tem uma oscilação no seu salário, se um semestre você está ganhando muito e no semestre que vem vai reduzir, eu tenho que poupar. Poupar o que eu já tenho que poupar naturalmente, porque a gente tem que ter esse hábito, nem tanto, mas a gente tem que ter. Porque eu não sei como vai ser o meu próximo semestre. Se eu vou ter que suprir os meus compromissos com uma renda que não vai ser suprida com o meu salário. Então há muita oscilação."

 

Considerações finais

O primeiro ponto que gostaríamos de destacar ao realizar este estudo é o caráter da subjetividade fortemente presente nos discursos. A vivência, a história de vida exerce diretamente uma influência no modo de como os sujeitos percebem os fatos. Assim, falar de intensidade ou de sobrecarga de trabalho pode parecer complexo, uma vez que para alguns professores é possível suportá-la enquanto que, para outros ela se torna impraticável. Isso significa também que as opiniões sobre a carga horária e o ritmo de trabalho relatadas por este grupo de professores podem ou não estar presentes na percepção de outros professores, atuando na mesma instituição ou em outras instituições privadas ou públicas.

No entanto, atentamos para um outro aspecto, ou seja, para os professores que são a base de sustentação da família e que buscam no ensino privado a única fonte de sustentação, para obterem um salário digno capaz de suprir suas necessidades e em alguns casos, a de seus familiares, merece uma reflexão melhor, antes que a intensificação do ritmo de trabalho não seja destrutivo nem para os professores, nem para as instituições e nem para o ensino.

 

Referências bibliográficas

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1 Este estudo constitui un ensaio de uma tese de doutorado em Educação que se encontra em elaboração.