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On-line ISBN 978-85-60944-35-4

An 8 Col. LEPSI IP/FE-USP 2011

 

(Sub)versão: o pai cai, o mestre goza

 

 

Maria de Lourdes S. Ornellas

Professora da Pós-graduação na Uneb e Psicanalista

 

 

(Sub)versão. O sub tem toda a obediência ao comandante. Posição inferior, inferioridade, movimento de baixo para cima, insuficiente, menor, sublevar.

Subversão: Ato ou efeito de subverter-se. Insubordinação as leis ou as autoridades constituídas, destruição, transformação da ordem política, social, econômica estabelecida, revolução.

A questão fundamental da Psicanálise "O que é um Pai?" Será abordada, aqui, a partir de dois pilares básicos da teoria psicanalítica, a saber: o Mito Simbólico do Pai da Horda Primitiva, inaugurado por Freud, na sua célebre obra, Totem e Tabu, de 1912-13. E a questão da triangulação edipiana mãe-criança-falo, verificando em que medida o Pai Simbólico, estruturalmente implicado no complexo de édipo, se insere na díade mãe-filho, promovendo a constituição da criança enquanto sujeito. Nestas circunstâncias ver-se-à como o pai adquire enquanto pai simbólico a função de metáfora, implicando a substituição de um significante por outro significante.

No princípio da humanidade, Freud supôs a existência de uma horda governada por um macho que tinha direito sobre todos e que gozava com todas as mulheres indistintamente. Os filhos se viam interditados ao acesso a este gozo paterno que para eles era o signo da arbitrariedade, costumavam se perguntar por que o pai podia e eles não podiam ter acesso a todas as mulheres que desejassem. Tal legislador em causa própria, cujo desejo era lei, Freud nomeou de Pai da Horda. A condição tirânica e autoritária, assumida por este Pai chegou a termo, quando os filhos se reuniram para porem fim à tirania, assim decidem em conjunto assassiná-lo. Alcançando o tal intento, a morte do Pai, os filhos organizam uma grande festa totêmica, cujo animal totêmico passou a ser o Símbolo do Pai Morto, ou melhor, o representante da ausência paterna. Então, os filhos organizam um cerimonial de devoração do animal totêmico, que passou a ocupar, com a morte do Pai, o lugar de animal sagrado, comendo o animal (ritual canibalístico), eles acreditavam estarem cada um, absorvendo uma parte do pai.

O ato de comer o representante simbólico do pai, isto é, o animal, equivale à identificação com o pai, comê-lo para identificar-se se toma, então, a crença dos filhos na possibilidade de atualizar esse pai, ainda que simbolicamente. Neste momento fica marcada a ambivalência dos filhos para com o pai, ou seja, o pai que, outrora era odiado, por ser tirânico, passa a ser amado e vangloriado. O que pode ter ocorrido, aí, que explicaria tal mudança?

Freud irá dizer que após a morte do pai, reina entre os filhos uma grande culpa, além de uma situação de incompatibilidade, como todos os homens dos clãs poderiam ter acesso a todas as mulheres que desejassem, começaram a ocorrer crimes fratricidas, disputas, até que a situação havia chegado ao limiar da suportabilidade, quando os irmãos de pai pensam numa nova economia de gozo. Assim, instala-se a lei da proibição do incesto, promovendo a exogamia, isto é, os homens só poderiam "transar" com mulheres que fossem de outro clã diferente do seu, cada clã era representado por um animal totêmico, portanto, homens e mulheres do mesmo clã eram considerados parentes.

A partir deste referencial mítico, Lacan irá identificar a posição do Pai da Horda, Primeva, ao conceito de Pai Real, no sentido em que, para este Pai não havia interdição. A lei é a lei do seu desejo, tal Pai se via imerso num gozo indefinido, sem portanto estar submetido a castração, pois nada a ele faltava. A passagem de Pai Real a Pai Simbólico se dá, no momento em que este Pai, até então Real, é morto, e no seu lugar, instaura-se uma Lei, que não é mais a lei do seu desejo, mas a lei da interdição do incesto, uma lei que passa a ser a regra universal que possibilita a convivência em comunidade.

Assim, Lacan diz: "A Lei é a Metáfora do Pai Morto"; então, pode-se ler que a Lei da Interdição do Incesto, é o substituto simbólico da ausência paterna, que, por outro lado, por meio dela se faz presente. Dessa forma, o Pai Simbólico encama a função fálica, vez que o falo pode ser conceitualizado como uma presença que se define em relação a uma ausência possível e uma ausência que se toma possível em relação a uma presença suposta.

Segundo Lévi-Strauss citado por Dor (1999), a lei da interdição do incesto inaugura a passagem da natureza à cultura, no sentido em que a cultura é a única natureza do homem, e se há alguma diferença entre natureza e cultura é no sentido em que tudo que é da natureza é da ordem do universal e tudo que é da cultura é da ordem do particular. A psicanálise inaugura, também, o conceito de pai, como "operador simbólico, "a-histórico", pois garante a posição de assujeitamento da condição humana a um código universal que a preexiste.

Neste aspecto pode-se colocar a afirmação universal da Psicanálise, referendada a partir das Categorias Lógicas Aristotélicas, constituídas pelos quantificadores: particular e universal, leia-se: "todos os seres sexuados são portadores do falo". Dessa forma, o falo não se reduz ao seu correspondente imaginário, qual seja, um órgão real, mas um órgão transmutado à categoria de significante e que, nesta condição, pode estar presente ou ausente. Em outras palavras, todo sujeito está inserido na lei fálica, vez que a condição de ser falante implica castração. Fazendo, exceção a esta regra universal, Lacan acrescenta um outro enunciado: "ao menos um se coloca fora da lei fálica", alguém que poderá gozar indefinidamente.

No seminário "As Formações do Inconsciente", Lacan, a partir de Freud, define a instância paterna referendada nos três tempos do Édipo. No princípio, era o pai, o Falo e o Verbo. É no entorno dessa relação triangular que Lacan articula o Édipo o qual encontra-se inscrito no inconsciente.

O conceito de Pai em Lacan, ganha um estatuto simbólico, no sentido em que não precisa haver homem para que haja Pai, pois o Pai é entendido como função, na díade mãe-filho, substituindo o Desejo da Mãe pelo significante Nome do Pai. Dessa forma, o pai é visto, inicialmente, pela criança e pelo aluno como um pai privador, interditor e frustrador, vez que ele irá retirar a criança e o aluno da posição de falo, objeto causa de desejo da mãe, assim como deslocará a mãe do lugar de objeto de desejo para a criança e o aluno, desfazendo tal relação fusional mãe-criança, possibilita a emergência da criança como sujeito, por intermédio do significante Nome do Pai. O significante Nome do Pai é o representante da lei que interdita o gozo presente entre mãe e filho.

Na escola se escuta entre os professores o discurso sobre limites, indisciplina, ausência de autoridade, falta da figura paterna com relação aquele aluno indócil, que subverte e desautoriza seus mestres. O pai é um operador simbólico. Há uma radical exterioridade dessa função, que se institui na ausência desse pai genitor ou desse pai do espermatozóide, tal como escreveu Lacan: (1980, p. 120): a noção de pai real é cientificamente insustentável.

Só um pai real, é o espermatozóide e até segunda ordem, ninguém jamais pensou em dizer é que é filho de espermatozóide. O que é um pai? O pai não é um objeto ideal fabricado, nem é objeto real, mesmo que possa intervir como tal. O Pai é o pai simbólico, Freud já havia dito e Lacan complementa: o pai é uma metáfora. A metáfora é um significante que vem no lugar de outro significante (Lacan, 1957-58, p. 58),

Logo o pai é um significante que substitui. Essa estrutura de metáfora opera de maneira a assegurar que a interdição simbólica seja significante perante o desejo do filho às voltas com o desejo da mãe. Podemos pontuar que o destino do sujeito, como infante, é fazer laço de um com a mãe em condição de puro gozo. Mas, a própria mãe - ou quem quer que a substitua - é também marcada pelo signo da cultura, interditada desse gozo do um pela linguagem.

A criança ao entrar no mundo da fala, inclusive também através de significantes maternos, é igualmente interditada desse gozo. É bom esclarecer que não é a lei que impede o gozo, mas é a linguagem que a impede. Não e preciso que haja necessariamente um homem para que haja um pai, Lacan leu em Freud sobre o Nome-do-Pai, por ser nome é linguagem, e, por ser pai, é um operador que visa a intervenção.

Lacan vai falar do significante Nome-do-Pai. Trata-se de um nó estampado no brasão de armas pertencente a uma a uma nobre família do norte da Itália, os Borromeus, que o reproduziu de tecelões escoteiros, e, antes deles, marinheiros, que os conheceu desde os tempos egípcios. O nó significou para Lacan, um modo radicalmente diferente para contar o significante da metáfora paterna.

Nas sociedades tradicionais havia uma ilusão: ser homem era igual a ser pai. No entanto essa ilusão na contemporaneidade murchou. O homem de hoje parece se situar na corda banca, entre de um lado, ser o suposto possuidor do falo, e do outro desprovido dele. Lacan (1969-70 p. 59), ao instituir no falo como exceção, interpreta a ideia de felicidade em Freud através da ironia: "Só o falo pode ser feliz - não o portador do dito cujo." O mestre pensa na materialidade fálica, na potência. O mestre é um mestre de um discurso, não de uma função lógica. Freud disse: o pai como representante da lei, ainda que o invente como aquele que interdita o gozo do corpo da mãe.

O homem que fez da mulher a que a criança chama de mãe, a causa do seu desejo. É justamente nisso que ele representa (e não funda) a lei do desejo. Assim, a mãe se torna para o sujeito ao mesmo tempo objeto de desejo e interditado. Essa falta, essa hiância (fenda) não indica que o Nome-do-Pai permaneceu sem titular real, mas parece que o pai nunca alcançou tal nomeação, pois se trata de um lugar sempre vazio.

O pai real não é o da realidade, tampouco ideal. O pai real cuja função está ligada a sua palavra e não a um sujeito encarnado e não podemos confundí-lo como função genitora e provedora.

O pai simbólico Freud chamou-o de morto. Não tem nenhuma consistência histórica mal parece ser o instituinte cultural da humanidade. Obriga aos filhos a realizarem rituais reparadores.

Pai simbólico é aquele que medeia à investidura do pai real como simbólico. É uma atitude fantasmagórica que recupera a tirania do macho assassinado pela horda filial. O pai e sempre um demissionário, um frouxo, um deficiente, é um castrado (Freud e Lacan 1969-70, p. 89) pai é algo que está sempre, de fato, em potência e criação.

O mestre é, nesse sentido, o capitão que naufraga com seu barco, pois se identifica com a coisa que ele reduz à lei que ele mesmo representa. Ele nomeia, mas nomeia sem fazer furo. Nomeia o nome que já existe, que já fora determinado, o furado pela linguagem.

Ele é um guardião desse nome que é elevado ao estado de lei. Em ultima instância, o mestre é o encarnado, o homem mestre, um imperfeito. A marca da impossibilidade recai sobre o corpo do mestre que se faz de escravo, para garantir o idêntico supostamente determinado pela lei. No discurso do mestre, o governante, o senhor autoriza-se como base em sua subjetividade, esperando obter do governado, do escravo a produção de objetos fracassados para ser usufruto: objetos de gozo. Estabelece esse discurso que tudo deve estabelecer-se a lei, ele rechaça o gozo, discurso do desejo. Ele é castrado e sujeito.

Na pós-modernidade ou como alguns desejam mais há um declinio da lei, do pai, pergunto: o mestre com todo seu ideal de mestria, impostura estaria no lugar do mais de gozar? Lacan utilizou letra em lugar de palavras. Os quatro discursos se sustentam na matemática e se enlaçam na contemporaneidade.

Estas letras têm um código a ser decifrado:

S1= significante mestre

S2= o saber

$= sujeito barrado

a= pequeno a, o mais-de-gozar

 

 

O S1 ocupa o lugar do poder. Nesse lugar tudo está submetido à lei, ao controle social, à ordem. É um discurso do desejo. Eis que emerge $, um furo do mestre que insiste num saber todo e aprisiona nossa singularidade. O discurso do mestre (discurso político, por excelência) é aquele que não quer saber sobre as coisas, mas quer apenas que elas andem. Para que as coisas andem, aquilo que é da ordem do sujeito, como assinala o gráfico, a e $ abaixo da barra deve ficar recalcado.

O primeiro, mais antigo, o do discurso do mestre, visa "consertar" o que surge como problemático por meio de medidas práticas que interferem naquilo que é concebido como a causa do problema. Só nesse ponto é que ele se interessa pelo saber, uma vez que este pode concorrer na solução do problema. Um saber amputado, posto que, é um saber já sabido "todo" do qual se retirará uma eficácia.

No discurso do mestre, há a ideia de que quem fala sabe sobre o que fala. É o discurso da possibilidade do saber, que se aproxima da ciência ao se acreditar unívoco. O conhecimento que resulta desse discurso se reduz a um saber teórico. Essa forma discursiva coloca o outro na posição de escravo, mas de um escravo que tem um saber prático do qual o mestre depende, para dali extrair sua essência e transformá-la num saber de mestre. Visa a um tipo de poder conferido ou prometido pelo saber. É comandado por um significante mestre apresentado ao outro como o saber que satisfaria o desejo.

A versão moderna do discurso do mestre tem sua continuidade no discurso universitário, comandado pelo saber estabelecido. Tem o saber como agente e se dirige ao aluno que deve obedecer ao imperativo "saber mais". A produção resultante é o sujeito universitário que supõe um agente do saber, sobre o qual ele se sustenta, pois precisa validar cada afirmação pelo já dito de um autor reconhecido enquanto tal. O discurso universitário prega que há um conhecimento erudito ao qual o aluno deve se assujeitar; há um saber sobre o objeto (o aluno como objeto), em como este deve ser. O saber é da ordem de um grande Outro, o que provoca a alienação do sujeito. Observa-se no Discurso Universitário que no ato de educar, há um que sabe (o professor) e outro que não sabe (o aluno). E um discurso transmissor da bibliografia, do conteúdo, do método, etc. Torna-se escravo da escrita do Outro para dar sentido a sua escrita. Esse discurso funciona como porta-voz de saberes e conhecimentos. É um mito do EU que impera o lugar da Eu-cracia, termo utilizado por Lacan em 1969 para parafrasear a palavra democracia. O discurso universitário goza-se com a alienação. O saber veiculado é só aquele "creditado", o que recebeu da "etiqueta" universitária a autorização e a credibilidade. É um discurso que serve bem ao discurso do mestre. É por isso que a universidade corre sempre o risco de cair na máxima da "ciência pela ciência", do "saber pelo saber" e no final, as pesquisas mostram muito mais eficácia metodológica do que resultado profícuo.

O discurso do histérico é sedutor, o histérico deseja reinar sobre o mestre. A queixa, a insatisfação são marcas desse discurso e, por ser $ não é mais de gozar que esse discurso deseja para ser objeto a e não um semblante deste. Enfim, idealiza seu mestre e diz que o ama. Enquanto que o discurso do analista vai na contramão do discurso do mestre. O analista de posse do saber do inconsciente desvela o sujeito analisante na sua singularidade e o eleva na condição de sujeito da fala e da falta. E o sujeito suposto saber SsS e, ao mesmo tempo sabe que não sabe. O segundo, mais recente, o do discurso analítico, busca "escandir" o que surge como conflituoso, agindo na forma como é falado o conflito e que advém um saber ainda não sabido. Um saber cuja eficácia reside na possibilidade de fazer questões (outras que não aquelas já existentes na queixa) e não em dar respostas.

Os quatro discursos circulam em vários espaços: na família, na escola, na igreja, no trabalho etc. São atos e não os espaços que especificam o discurso. Ex: o mestre não se funda apenas no discurso do mestre, mas se enreda nos quatro discursos.

O pai e o Mestre presentificados no título desse escrito são duas posições percebidas nesse pequeno fragmento de caso clínico.

Chego ao consultório e escuto as gravações deixadas. Dentre elas uma voz que dizia ser um pai que carecia de tratamento, deixou três contatos, solicitou um retorno urgente e salientou: estava cansado de ser pai. As primeiras sessões foram agendadas numa periodicidade de duas vezes por semana. O tratamento vem transcorrendo sem interrupção e após 4 meses o paciente revela que é viúvo e, o único filho (22 anos) que tem trata-o como se fosse um nada. Adianta: "parece que quando esse menino cresceu me tirou o lugar de pai, é como se tivesse tomado uma queda, não consigo levantar e escuto sua fala de baixo para cima além de ser seu serviçal". É possível pensar que este filho tenha desejo de assumir o lugar do mestre. No discurso do mestre, há a ideia de que quem fala sabe sobre o que fala. Ser mestre é colocar o outro na posição de escravo, mas de um escravo que tem um saber prático do qual o mestre depende. Mesmo assim, esse filho goza. O gozo esperado, aguardado, prenhe de angústia posto que está fora desse pai originário, marcado pela falta e não pela plenitude.

 

BIBLIOGRAFIA

DOR, J. (1999) O pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor.

FREUD, S. (1987) Algumas Conseqüências Psíquicas da Diferença Anatômica entre os Sexos (1925). Vol. XIX. Rio de Janeiro. Imago.

KAUFMANN. P. (1996) Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud a Lacan. Rio de Janeiro. Jorge Zahar.

LACAN, J. (1998) Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

LACAN, J. (1980) As Formações do Inconsciente. Rio de Janeiro. Jorge Zahar.

PEREIRA, M. R. (2009) A impostura do Mestre. Belo Horizonte. Argvmentvm.