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An. 1 Congr. Intern. Pedagogia Social Mar. 2006

 

A educação escolar do adolescente em conflito com a lei: as medidas sócio-educativas em estudo

 

 

Andreza Garcia Lopes1

 

 


RESUMO

O direito brasileiro considera o menor de dezoito anos inimputável para fins penais dando-lhe tratamento especial através do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei complementar nº 8069/90). Esta decisão legal não é fruto aleatório do legislador brasileiro, seguindo tendência mundial sobre o novo direito da criança e do adolescente preconizado pela Organização das Nações Unidas, que reconhece tal grupo como sujeito de direitos, destinatários da doutrina da proteção integral e prioridade absoluta das políticas públicas. A proposta de trabalho que apresento objetiva perceber como o direito à educação aos adolescentes autores de ato infracional, com medidas sócio-educativas vem sendo praticado, tendo em vista os atuais ordenamentos legais e institucionais (Constituição da República, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e ainda frente às resoluções e recomendações dos órgãos responsáveis pelas políticas destinadas à atenção a esse grupo (Conselho de Direitos e Conselho da Educação). Toma-se como estudo processo jurídicos sentenciados pela Vara da Infância e Juventude., a quem o sistema de garantia de direitos (executivo, legislativo e justiça) delega, no Estado de São Paulo, competência no trato dos infratores para o cumprimento das medidas sócio-educativas. A relevância da pesquisa está em verificar o grau de materialização desse direito público e subjetivo; em quê condições e modalidades ele acontece junto aos infratores; as dificuldades e facilidades no que se refere ao acesso à escola pública desses adolescentes; a análise do perfil dos adolescentes com medidas judiciais; o levantamento das ações civis públicas sobre o cumprimento ou não desse direito (oferta irregular dos serviços educacionais); o papel dos diferentes órgãos do sistema de garantia de direitos (executivo, legislativo, judiciário e ministério público, conselhos) na oferta, execução, controle e avaliação da atenção escolar; a existência ou não de projeto pedagógico junto aos adolescentes infratores conforme determina a legislação (Estatuto da Criança e do Adolescente); o levantamento e a análise das propostas pedagógicas de atenção escolar aos adolescentes infratores no plano geral da sociedade brasileira), sua relação com as legislações (ECA e LDB) e as resoluções dos Conselhos de Educação e dos Direitos da Criança e do Adolescente. Por fim, a relevância do estudo está em revelar como está a condição educacional do jovem infrator sentenciado as medidas sócio-educativas.

Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente; ato infracional; medidas sócio-educativas; adolescente; inclusão social.


 

 

Objetivos

O objetivo central é examinar a política de educação praticada aos adolescentes autores de ato infracional, com medidas sócio-educativas estabelecidas e aplicadas. Como objetivos específicos, trazer o debate do direito e verificação da atenção dispensada ao ser - adolescente infrator pelas instituições de atendimento.

 

Problema

O direito brasileiro considera o menor de dezoito anos inimputável para fins penais dando-lhe tratamento especial através do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei complementar nº. 8069/90). Esta decisão legal não é fruto aleatório do legislador brasileiro, seguindo tendência mundial sobre o novo direito da criança e do adolescente preconizado pela Organização das Nações Unidas, que reconhece tal grupo como sujeito de direitos, destinatários da doutrina da proteção integral e prioridade absoluta das políticas públicas.

A proposta de trabalho que apresento traz como problema a percepção de como o direito à educação aos adolescentes autores de ato infracional, com medidas sócio-educativas vem sendo praticado, tendo em vista os atuais ordenamentos legais e institucionais (Constituição da República, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e ainda frente às resoluções e recomendações dos órgãos responsáveis pelas políticas destinadas à atenção a esse grupo (Conselho de Direitos e Conselho da Educação).

A relevância da pesquisa está em verificar o grau de materialização desse direito público e subjetivo; em quê condições e modalidades ele acontece junto aos infratores; as dificuldades e facilidades no que se refere ao acesso à escola pública desses adolescentes; a análise do perfil dos adolescentes com medidas judiciais; o levantamento das ações civis públicas sobre o cumprimento ou não desse direito (oferta irregular dos serviços educacionais); o papel dos diferentes órgãos do sistema de garantia de direitos (executivo, legislativo, judiciário e ministério público, conselhos) na oferta, execução, controle e avaliação da atenção escolar; a existência ou não de projeto pedagógico junto aos adolescentes infratores conforme determina a legislação (Estatuto da Criança e do Adolescente); o levantamento e a análise das propostas pedagógicas de atenção escolar aos adolescentes infratores (no plano geral da sociedade brasileira), sua relação com as legislações (ECA e LDB) e as resoluções dos Conselhos de Educação e dos Direitos da Criança e do Adolescente. Por fim, a relevância do estudo está em revelar como está a condição educacional do jovem infrator sentenciado as medidas sócio-educativas.

 

Justificativa

As medidas de proteção estão previstas no art. 101, voltadas a atender as crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco, ou seja, quando seus direitos previstos forem ameaçados ou violados e as medidas sócio-educativas, como se viu, previstas no art. 112 aos adolescentes que cometem atos infracionais.

Os Conselhos de Direitos são responsáveis pela formulação e deliberação da política de atendimento de proteção e das medidas sócio-educativas (art. 90).

No tocante à política de atendimento ao adolescente autor de ato infracional, o tratamento a ser aplicado por atos infracionais deve, assim, ser diferenciado. A criança estará submetida às medidas de proteção previstas nos arts. 98 a 102 e o adolescente às medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do Estatuto. Constata-se que a natureza das medidas sócio-educativas não é de retribuição ao lesado (seja pessoa ou patrimônio), mas de sanção ao adolescente pela conduta infratora.

O Estado de Direito tem respostas definidas à prática do crime, instituindo mecanismos de contenção social, as medidas sócio-educativas privativas e restritivas de liberdade.

Para a aplicação da lei não se pode prescindir de uma avaliação mais detalhada do fato e do adolescente, tendo em vista o princípio universal da lei que regula o comportamento lícito e ilícito do adolescente infrator, devendo considerar sua situação real. As adversidades presentes ou não em sua vida devem, portanto, ser apreciadas por parte daquele que julgar a conduta infracional. Não se deve, entretanto, estabelecer uma relação automática entre pobreza, desorganização familiar e delinqüência, sendo prudente, no entanto, reconhecer que, para determinados adolescentes, as condições reais de vida são tão adversas que acabam impulsionando-os à prática de atos anti-sociais.

Pesquisa feita em fóruns judiciais junto a Vara da Infância e Juventude, sobre o perfil do adolescente autor de ato infracional, levantou que grande parte dos adolescentes leva vida regular, ou seja, exerce atividades escolares ou laborativas ou apresenta condições de fazê-lo – o que torna mais complexa a identificação dos fatores determinantes do ato infracional. As famílias residem em locais com infra-estrutura básica com luz, água, coleta de lixo; 69,5% dos pais são proprietários; apenas 20,2% moravam nas ruas (Pereira & Mestriner, 1999).

Esse fato demonstra aos meios técnicos e jurídicos a necessidade de um diagnóstico que contribua para o estudo da problemática infracional juvenil e seu enfrentamento. A política dos direitos da criança e do adolescente e a filosofia imprimida pelo ECA deixa claro que na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (art. 113).

Diante do exposto, a relevância da presente investigação apóia-se na propriedade e na atualidade do debate sobre o direito do adolescente infrator sentenciado as medidas sócio-educativas e no trato dessa problemática que, permiti a continuidade de práticas segregacionistas e coercitivas (as medidas sócio-educativas) que atendem a moral e os bons costumes de uma sociedade que se quer moderna, democrática e competente; e não ao direito do adolescente em questão.

Esse estudo poderá contribuir para explicitar questões ainda pouco exploradas sobre o assunto e, assim, auxiliar nos processos de formulação de políticas públicas, criação de metodologias inovadoras na atenção ao grupo de adolescentes com medidas judiciais.

 

Embasamento teórico metodológico

Tendo em vista o objetivo do presente estudo, é preciso levar em conta o tempo de cumprimento das medidas judiciais, principalmente das medidas privativas de liberdade (internação e internação provisória), o grau de escolaridade dos mesmos, a distorção idade-série cursada, o local de cumprimento da medida entre outros, fatores que interferem substantivamente na materialização da educação obrigatória.

Todavia, ainda que se trate de situação peculiar, tais adolescentes têm direito e o Estado o dever de ofertar serviços educacionais, tendo como critério básico igualdade de direitos, pois

"garantidas a vida e a saúde de uma pessoa, a educação representa o bem mais valioso da existência humana, porquanto confere a possibilidade de influir para que os demais direitos se materializem e prevaleçam. Somente reivindica aquele que conhece, que tem informação, saber, instrução, e,. portanto, cria e domina meios capazes de levar transformações à sua própria vida e história (...) Inexiste algo mais nobre do que socializar o conhecimento, de vez que aquele que ensina aprende o real sentido do saber; e aquele que aprende ensina o verdadeiro propósito de educar" (Paula, 1995:103).

Decorridos dezesseis anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, os programas sócio-educativos destinados aos adolescentes infratores com medidas judiciais ainda não ganharam adesão junto à sociedade e impacto confronta o seu com os mais elementares princípios da normativa constitucional brasileira e das resoluções e recomendações internacionais2. Como o recorte é o direito à educação como direito público e subjetivo dos adolescentes sentenciados judicialmente, tendo em vista a mudança paradigmática ocorrida no Brasil a partir de 1988, em relação ao direito específico da criança e do adolescente, é necessário contextualizar o problema na História e, em particular, na brasileira, tendo como ponto de partida o século XX, pois é desse tempo, a ampliação do debate sobre o lugar que a Infância3, de modo geral, ocupa nos mais diferentes tipos de sociedade.

A preocupação com a punição ao adolescente infrator não é uma novidade em nossa sociedade. Desde a Independência do Brasil, o sistema jurídico adotado pelo Código Criminal do Império (1830) era o da "teoria do discernimento" (Morelli, 1996). Através desse critério, a idade mínima de responsabilização penal era de quatorze anos; mas, crianças com menos dessa idade, poderiam ser penalizadas caso fosse apurado que o ato cometido pressupunha o discernimento. Desse modo, a medida imposta era o seu recolhimento compulsório às antigas casas de correção para que o poder judiciário pudesse determinar o tempo necessário de sua internação.

Tal prática foi criticada pela sua arbitrariedade e severidade pela presença de elementos subjetivos diante do fato cometido, além de abrir brecha para que qualquer criança, independente da idade mínima, fosse condenada e penalizada, arruinando sua vida desnecessariamente e não trazendo nenhum benefício para a sociedade.

Com o advento da República, o Código Penal Republicano (1890) optou por não considerar como criminoso, em hipótese alguma, o menor de nove anos de idade; todavia, adotou a medida de inimputabilidade condicional para a faixa etária de nove a quatorze anos de idade, tendo em vista a teoria do discernimento.

A crítica à continuidade da idéia de discernimento esteve presente no período, pois tal critério não se apoiava em estudos e argumentações científicos uma vez que sua verificação mais se parecia a um jogo de adivinhação do que a um parâmetro adequado de imputação penal. O referido código, conhecido como Código Mello Matos, constituiu na primeira legislação direcionada exclusivamente aos direitos da população infanto-juvenil.

Cabe salientar que, mesmo sendo declaradamente voltada à regulamentação das ações do Estado com os menores abandonados e delinqüentes, foi também criticada pelos setores mais conservadores da sociedade brasileira alheios às mudanças no plano internacional dos direitos da criança e do adolescente. As críticas abrangiam certos aspectos da lei, principalmente os que regulamentavam a utilização de crianças como mão-de-obra em diversos tipos de serviços e os que apresentavam restrições às ações dos responsáveis principalmente quanto aos castigos físicos e a manutenção dos filhos.

Na verdade, esses dois pontos foram suficientes para demonstrar atitudes hostis ao Código de Menores e, assim, difundir a idéia de que determinadas leis apenas "garantem que os menores possam fazer qualquer coisa" (Morelli, 1996). Por exemplo, a medida judicial de destituição de pátrio poder foi instituída como recurso a ser aplicado aos responsáveis legais apenas para a situação de não garantia satisfatória das necessidades básicas de sua prole. Sobre aplicar castigos mais severos, agredir ou violentar física ou moralmente a criança não se constituía crime.

Este abuso de autoridade constitui crime apenas na legislação de 1990 (ECA). Em nenhuma legislação anterior, Código de Menores de 1927 e de 1979, a condição de pobreza e de exclusão social das famílias era assumida como responsabilidade do Estado, uma vez que recaía a sanção da violação somente sobre a família, apesar de

"mudanças significativas na forma de perceber a pobreza e a desocupação ocorreram nos finais do século XIX, quando o país caminhava para a abolição da escravatura e vivenciava discussões calorosas quanto às dificuldades de encontrar braços para a lavoura" (Martins, 1998: 54).

Com o desenvolvimento da psiquiatria e da psicologia, novas descobertas a respeito da gênese da criminalidade foram se consolidando e trazidas para o interior do Direito Penal. Passou-se a analisar o crime pela ótica da patologia, considerando-o como uma doença genética e desvio de caráter, ocasionado por fatores sociais como o abandono, o ambiente hostil, a carência, a falta de perspectivas, o abandono dos estudos, etc., causas presumidas da não adaptação do indivíduo na sociedade.

O segundo ponto de vista, trouxe como conseqüência idéia, bastante difundida, de que o delinqüente social poderia ser corrigido, caso recebesse cuidados especiais que permitissem sua readaptação na vida social. Já, em relação ao delinqüente patológico, a sua agressividade poderia ser atenuada com tratamento médico adequado ao problema apresentado (Auad, 1999).

Essas idéias implicaram numa nova atitude política em relação ao crime auxiliando no debate sobre a severidade das penas. O Código Penal (1940), incorporou idéia de diluição do grau de severidade das penas e, assim, o menor de dezoito anos de idade foi considerado inimputável, por presunção absoluta. A idade mínima de dezoito anos foi mantida na reforma da Parte Geral do Código Penal, ocorrida em 1984 e no artigo 228 da Constituição Federal em vigor.

No atual debate das modificações de parte do Código Penal, os congressistas da ala conservadora vêm propugnando para o rebaixamento da idade para os dezesseis e até aos quatorze anos de idade. Assim, o Código Penal passa a regular os casos penais praticados pelos adultos enquanto que os menores de dezoito anos, caso cometam algum tipo de delito, passam a receber tratamento específico pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).

As garantias de direitos previstas no Código não conseguiram competir com a prioridade estabelecida em regulamentar práticas de controle de crianças e adolescentes que estivessem em situação propícia para a delinqüência, a conhecida situação de risco pessoal e social. Assim, até a década de 60, a maior preocupação dos juizes era organizar instituições destinadas ao recolhimento de abandonados e delinqüentes, fomentando a criação de inúmeras casas de recolhimento cujo atendimento baseava-se na caridade, quase sempre de orientação religiosa e, em alguns casos, na orientação profissional.

Na verdade, até o advento do ECA o poder judiciário além de aplicar medidas judiciais, agindo nos conflitos, funcionava como mais um serviço social do poder executivo, criando programas, designando profissionais técnicos para o atendimento, legislando sobre entidades governamentais ou não, numa verdadeira relação de promiscuidade entre os poderes.

É importante salientar que o trato caritativo foi um traço permanente na história das ações de atendimento à criança principalmente por parte das ordens religiosas, cujo exemplo clássico, foi a ação das santas casas de misericórdia. A trajetória da caridade à filantropia e à assistência institucionalizada pelo Estado revela aspectos dessa questão vigorando até fins do século XIX no Brasil (Rizzini 1997; Priori, 1999, Santos (b)1999; Marcílio, 1998; Passeti, 1999; Faleiros, 1995; Pereira Jr. 1992).

A criação do Serviço Social, em 1936, altera, em parte, esse modo de olhar e tratar a criança e o adolescente, tomando corpo idéias de racionalização do serviço e de "higienização" do atendimento à população infanto-juvenil4 (Martins, 1998; Pereira Jr. 1992). É, a partir desse momento, que o Estado brasileiro deixa de ser espectador das mudanças em relação ao Direito da Infância, no plano internacional, ampliando sua participação no debate, na elaboração de programas e projetos, subsidiando com recursos estaduais e federal as instituições sociais e gerenciando os problemas.

Em fins dos anos 50, com o pleno funcionamento do Serviço de Atendimento ao Menor (SAM), instância pública destinada ao atendimento e orientação técnica ao menor, foi possível a realização de levantamentos e acompanhamento das ações sobre dados quantitativos de adolescentes abandonados, órfãos e infratores (Marcílio, 1998; Pereira Jr. 1992). No entanto, o SAM revelou ineficiência no trato da questão dos empobrecidos e desviantes das normas sociais do mesmo modo que os serviços anteriores, destacando aumento da prática de internação de crianças e dos adolescentes, por qualquer situação e condição (Passeti, 1999).

A criação da Fundação Nacional de Bem Estar Social e de suas congêneres, nos Estados da federação, as Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (FEBEMs), sob a égide da Doutrina de Segurança Nacional preconizada pelo regime ditatorial dá continuidade ao processo de institucionalização dos menores de idade, seja em situação de abandono familiar e/ou social; seja na situação de cometimento de ato infracional. A criação dessas instituições fortaleceu a idéia da doutrina da situação irregular, tendo no pobre, no órfão, no delinqüente, a culpa de sua situação.

Na prática, os menores de idade continuaram sendo recolhidos por qualquer motivo e se reconhecendo de fato como menor, trombadinha, pivete, delinqüente, representada em parte pela prepotência do mundo adulto como guardião absoluto da pessoa que ainda não possui controle de seus atos.

Esta atitude ganhava contornos mais violentos quando a criança e o adolescente não adaptados ao convívio social eram responsabilizados por danos contra a sociedade, não responsabilizando o Estado e a sociedade, pela construção e visão dos conflitos sociais. O aumento da violência, a falta de liberdades democráticas e de expressão trazidos pelo golpe militar, fez dos empobrecidos, no caso dos menores de idade, um perigo à sociedade, mesmo que não tenha cometido crime algum, mas tratados como alguém prestes a cometer delitos.

Assim, o recolhimento passa a ser a linha de ação social prioritária do sistema público de atendimento, inclusive contando, nos espaços de atendimento, com a presença ostensiva do policiamento, tanto do efetivo da polícia militar quando dos quadros do exército.

Com a superlotação da FUNABEM e das FEBEMs e diante das denúncias de violência, de maus tratos, da falta de condição de reeducação e de ressocialização dos menores, instala-se no Congresso Nacional, apesar de toda a situação política desfavorável à democracia, a Comissão Parlamentar de Inquérito tematizando a situação dos menores (CPI do Menor), em 1975.

Uma série de depoimentos demonstrou a real face do atendimento dessas instituições totais, levando os grupos preocupados com os direitos humanos e justiça social a organizarem uma série de eventos sobre a situação e exigirem reformas urgentes da legislação específica do Código de Menores e de demais dispositivos instituídos no período.

O Código de Menores de 1979 trouxe maior rigor à legislação, agravando ainda mais a situação das crianças e adolescentes no Brasil, ampliando os poderes da autoridade judiciária, exigindo que todos os menores carentes, abandonados e delinqüentes devessem passar pelo Juiz de Menores, atitude essa compatível com a doutrina da situação irregular, quando já, no artigo primeiro definia-se: "esta lei destina-se ao menor em situação irregular [...]".

No plano jurídico, o menor não possuía defesa técnica, como acontecia com os adultos. Eram encaminhados pela autoridade judiciária às instituições apropriadas para o controle e a reeducação, instituindo-lhe a prisão provisória, decretada sem a audiência com o Curador de Menores, o que permitia ao juiz aplicar medidas a meros suspeitos e sem provas do fato. A autoridade judiciária só se via obrigada a determinar a instauração do processo contraditório somente quando a família do acusado tinha condições de contratar advogado. E, desse modo, o processo não corria na Vara de Menores e, sim, na Vara da Família.

Esse é apenas um dos agravantes cometidos contra o direito da pessoa. A criança e o adolescente de modo geral; os empobrecidos de modo particular, foram negligenciados pelos governos e sociedade em quase toda a história brasileira. Sua presença começa a ser notada, com maior vigor, na década de 80, quando "novos personagens entraram em cena" (Sader, 1988). Começam a ser criadas instituições de defesa das crianças numa perspectiva de defesa e/ou restabelecimento dos direitos, como a República do Pequeno Vendedor no Pará/PA, o Movimento em Defesa do Menor em São Paulo/SP, a Pastoral do Menor e o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, de capilaridade nacional (Ferreira, 1998).

Essa movimentação vai tomando corpo, as semanas ecumênicas sobre os direitos do menor vão acontecendo, a organização de meninos e meninas de rua é elemento novo na mobilização social (atores-chaves), as centrais sindicais de trabalhadores e sindicatos vão se colocando na materialização dessas ações e auxiliando na infra-estrutura dos eventos, os profissionais dos programas governamentais vão se somando à luta da sociedade e parte do sistema de justiça (a promotoria) vai começando a tratar da questão dos direitos em seus congressos e reuniões científicas.

O processo constituinte propicia a participação organizada dos movimentos na elaboração de propostas de políticas públicas sob a ótica dos direitos coladas ao debate internacional. Entidades multilaterais como o Unicef vão se modernizando e aliando a esse movimento social, injetando recursos em eventos voltados à capacitação dos novos atores sociais (Pereira e Carvalho, 1994; Dos santos, 1992; Heringer, 1992).

A criança e o adolescente ganham, assim, status de cidadãos, conforme estabelece o artigo 227 regulamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Princípios e diretrizes constantes do atual ordenamento não chegaram ainda no cotidiano da política de atendimento no país. Ainda é preciso buscar por experiências inovadoras e premiá-las, numa clara alusão de que o direito continua apenas impresso, nas formatações legais.

Há que percorrer a enorme distância que separa o plano legal do plano real. Na tocante realidade dos adolescentes infratores, nem as experiências consideradas inovadoras, de fato, o são. Muitas delas incorrem na visão antiga, em que o sistema de justiça, mais particularmente o juizado da infância, dirimia conflitos e realizava ações de atendimento, pode ser vista no caso da aplicação de medidas restritivas de liberdade, a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida, que ainda não se constitui em programa governamental, mas em ação gerida pelos técnicos do poder judiciário, quase sempre, com anuência dos promotores de justiça (Pereira, 2000).

Quando se fala que criança tem direito independentemente de sua condição social, econômica, cultural e étnica; quando os espaços de co-gestão das políticas para a Infância e de parte das políticas setoriais mostram sinais positivos na abertura de espaços e de inovação de política pública, pode-se também reclamar, falar, ajuizar ações civis públicas para que o direito da criança e do adolescente se materialize e o dever do Estado seja cumprido (Pereira, 2000).

Na relação com a principal política de proteção à Infância, como é o caso da educação pública, os estudantes e a família podem contestar os métodos, as avaliações, a proposta pedagógica. Ainda mais, os Conselhos Tutelares, estabelecidos pelo Eca, nos artigos 131 a 140, têm por função acompanhar como está se dando a política de direitos. A lei é clara no artigo 56 quando trata da relação dos dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental em relação ao acesso, permanência e sucesso escolar dos estudantes:

"Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar, os casos de: I – maus-tratos envolvendo seus alunos; II – reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares; III – elevados níveis de repetência".

O problema é que essa relação vem sendo muito mal trabalhada pela escola e pela maioria dos conselheiros tutelares, tendo em vista os problemas históricos sobre o papel e função da escola numa sociedade de classe do que de fato conflitos de interesses jurídicos e de competência político-administrativa.

O ECA ainda prevê para a inserção de crianças e adolescentes excluídos da escola fundamental, em seu artigo 57 que

"o Poder Público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório".

Tendo em vista o orçamento da educação, o orçamento da criança e os fundos públicos, os conselhos das políticas de educação e da criança e do adolescente, num esforço articulado, devem propor ações conjuntas para superação dos casos de dificuldade na materialização do direito à educação.

As situações mais comuns enfrentadas pelas crianças e adolescentes são: as vivências delituosas, as diferentes formas de sobrevivência nas ruas, a inserção precoce no trabalho, doenças crônicas dos pais e/ou responsáveis que acabam por promover a desorganização da família, o abrigamento de crianças e adolescentes como medidas de proteção (ECA, art. 101), o tratamento aos drogaditos, as dificuldades na interação professor-aluno-família-escola-comunidade, entre outras.

Nessa perspectiva, torna-se cada vez mais necessário esclarecer o significado do Direito5 e das garantias mínimas de vida saudável, deixando claro que os avanços legais sob essa ótica representam a possibilidade de ampliar ou criar condições para implantar uma política de atendimento integral, introduzindo uma série de inovações na política de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente a ser aplicada a todas as pessoas com idade inferior a dezoito anos, em qualquer situação.

 

Metodologia

A opção de estudo pressupõe a compreensão de como o direito à educação dos adolescentes infratores sentenciados com medidas sócio-educativas vem sendo materializada, tomando como estudo de casos sentenciados no poder judiciário junto a Vara da Infância e Juventude.

Assim, pretende como opção metodológica revisão da literatura a partir da legislação específica na área da criança e adolescente Estatuto da Criança e do Adolescente, Constituição Brasileira, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

A pesquisa deve incorporar outras fontes, entrevistando adolescentes no cumprimento das medidas (tanto as restritivas quanto às privativas de liberdade) e seus familiares, profissionais da educação e das entidades de atendimento dos adolescentes, gestores das políticas da criança e adolescente e da educação, conselhos tutelares e operadores do sistema de justiça (promotoria e juizado da infância e juventude).

Tais entrevistas obedecerão, sempre que possível, a representação no tempo histórico privilegiado, pois interessa à pesquisa ver como esses grupos se relacionam frente ao direito à educação dos adolescentes infratores com privação e restrição de liberdade, como também sobre a atuação diferenciada do Estado com relação a esse grupo da população brasileira.

É imprescindível priorizar o aprofundamento do tema no sentido de mostrar a influência dessa representação na atenção direta ao grupo aqui privilegiado devido à complexidade desse atendimento, a persistência do debate sobre o lugar ocupado pelo adolescente na sociedade, a continuidade do tratamento ambíguo dispensado pelo Estado brasileiro à Infância (defesa da criança / defesa da sociedade), tendo em vista que "[...] tudo que se nos apresenta no mundo histórico-social está indissociavelmente entrelaçado com o simbólico...", embora não se esgote nele. (Castoriadis, 1982:142).

As fontes serão diferentes e diversas para explorar, o máximo possível, as relações que permeiam as representações, a concepção de educação e sua oferta aos adolescentes infratores com medidas sócio-educativas. A exploração de tais fontes permitirá um conhecimento mais detalhado da situação pesquisada e melhor aproximação com a literatura escolhida. Outro procedimento que não poderia faltar a uma investigação dessa natureza é o acompanhamento do debate na agenda da polícia nacional e internacional como forma de captar os limites e os avanços, o consenso e o dissenso, a ideologia e/ou ideologias presentes no interior do movimento social de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

 

RESULTADOS

(Deve-se considerar que a pesquisa, até a presente data dessa publicação, está sendo desenvolvida sobretudo no campo empírico, nesse sentido, os indícios de maiores resultados estão por serem apresentados posteriormente a esse congresso, devido a conclusão e finalização do trabalho).

Toma-se como estudo processo jurídicos sentenciados pela Vara da Infância e Juventude, a quem o sistema de garantia de direitos (executivo, legislativo e justiça) delega, no Estado de São Paulo, competência no trato dos infratores para o cumprimento das medidas sócio-educativas.

Todo esse procedimento deverá resultar no exame das concepções do adolescente de modo geral e do adolescente infrator de modo particular; a oferta, as condições e os resultados das políticas públicas para esse grupo no tocante à educação e a ressocialização dos adolescentes com medidas sócio-educativas, resultantes da internação em estabelecimentos chamados de educacionais, na prática correcionais.

Espera-se que esse caminho possa permitir a descoberta e discussão de experiências educacionais nem sempre documentadas oficialmente sobre a temática em questão.

 

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VIEIRA, Evaldo. O Estado e a Sociedade Civil perante o ECA e a LDAS; Revista Serviço Social e Sociedade, nº. 56 março de 1998.

 

 

1 Mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da USP, orientada pelo Prof. Dr. Evaldo Amaro Vieira. E-mail: andreza@usp.br
2 A Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989), Regras Mínimas das Nações Unidas para a administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing, 1985), Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (1985), Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de RIAD 1988).
3 Quando usada com letra maiúscula, a expressão Infância designa as várias infâncias possíveis que configuram a menoridade (biológica, pedagógica, psicológica, sociológica, jurídica), as quais nem sempre coincidem entre si.
4 "Em 1920 realiza-se o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância tornando mais sistemática a agenda de proteção social. Em 1923, o Presidente da República aprova o regulamento da assistência e proteção aos menores abandonados e delinqüentes (...) mas, o Código de Menores só é promulgado em 1927(...) O Código de Menores de 1927 incorpora tanto a visão higienista de proteção do meio e do indivíduo como a visão jurídica repressiva e moralista" (Faleiros, 1995: 62-63).
5 Direito: "conjunto de normas de conduta e de organização, constituindo uma unidade e tendo por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais para a convivência e sobrevivência do grupo social, tais como, as relações familiares, econômicas, superiores de poder, também chamadas de relações políticas, e ainda a regulamentação dos modos e das formas através das quais o grupo social reage à violação das normas de primeiro grau ou a institucionalização da sanção" (Bobbio, 1997: 349).
Estado de Direito, o indivíduo não tem só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de Direito é o Estado de cidadãos (Bobbio, 1992, apud Pereira, 1995: 2). É portanto, aquele em que as soluções dos conflitos obedecem aos primados da lei.