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Print ISBN 2236-7381

3° Encontro Nacional ABRI 2011 2011

 

Smart power: os pilares deste poder na política externa brasileira

 

 

Danielle Jacon Ayres Pinto

 

 


RESUMO

A estratégia da política externa brasileira na última década evidencia uma vontade latente de projeção internacional e liderança regional. Todavia, os moldes como essa projeção e liderança foram alicerçados revelam uma modificação nos padrões tradicionais de influência internacional (que privilegia a imposição da vontade dos atores mais fortes sobre os mais fracos), e faz emergir uma maior cooperação e interdependência entre os Estado, na busca por cooptar parceiros ao invés de coagí-los

Nesse sentindo, este artigo se propõe a trabalhar a idéia de uma nova forma de liderança e influência internacionais que pode ser analisada através do prisma conceitual do Smart Power criado pelo autor Joseph Nye Jr, e de como as bases deste smart power podem ser percebidas/reconhecidas nas ações de política externa do governo Lula e de sua sucessora a Presidente Dilma.

Palavras-chave: Smart Power, Ganhos Absolutos, Política Externa, Brasil


 

 

1. Introdução

Pensar a estratégia da política externa brasileira na última década, mas do que um exercício de análise dos fatos da realidade, passa por um repensar das teorias das relações internacionais e de como os Estados, principais atores no cenário internacional, adaptaram suas ações para alcançar seus objetivos políticos, econômicos e, também, militares. Nesse sentido, contextualizar o surgimento do "smart power", é além de uma necessidade epistemológica, uma obrigação teórica e histórica que visa compreender a evolução das relações internacionais depois do fim da Guerra Fria.

Um primeiro conceito importante a se debater quando se fala em política externa é a construção do poder do Estado, e de como a projeção deste poder pode ser uma importante ferramenta para se conseguir uma influência e relevância internacional. Logo, poder vai estar diretamente relacionado com o conceito de hegemonia. De acordo com o cientista político Norberto Bobbio, o conceito clássico de hegemonia pode ser entendido como:

A potência hegemônica que exerce sobre as demais uma preeminência não só militar, como também frequentemente econômica e cultural, inspirando-lhes e condicionando-lhes as opções, tanto por força do seu prestígio como em virtude do seu elevado potencial de intimidação e coerção. (BOBBIO ET AL., 1998, p.579)

Complementando este conceito, Bobbio vai dizer que hegemonia não é uma norma jurídica, e sim uma influência interestatal que não necessita de uma regulação para que exista e seja aplicada.

Com o desenvolvimento da relação entre os Estados no âmbito internacional, o conceito de hegemonia vai sofrer modificações, não em seu cerne, que trata de exercer um poder de liderança, mas sim, na maneira como essa liderança será alcançada e exercida. Segundo João Gomes Cravinho (2002, p.243), hegemonia é o "conjunto de pressões que define os limites aceitáveis para decisões autônomas e que produz, por conseguinte padrões repetidos de comportamento no plano internacional". A ideia do autor é que a hegemonia se exerce não só no plano militar e econômico, mas também, em um conjunto de forças que não são mensuráveis como as ideias, as ações e as experiências do ator hegemônico, que produzem uma liderança mas sem desestabilizar o sistema internacional. Como argumenta Triepel  (apud BOBBIO ET AL.,1998), é uma espécie de influência particularmente forte, exercida sem o recurso às armas e à força, e por isso alicerçada em um certo grau de legitimidade.

Essa duas idéias de hegemonia podem ser relacionadas, respectivamente, com as duas principais teorias clássicas das relações internacionais, o realismo e o liberalismo. Todavia a hegemonia que impõe sua vontade aos outros Estados, não é o tipo de inserção internacional que se visa, neste artigo, para o Brasil no século XXI, muito pelo contrário, a idéia é perceber a construção de uma nova dinâmica internacional que privilegie a cooptação de aliados através do multilateralismo e da projeção de ganhos absolutos1. É uma hegemonia baseada em padrões multidimensionais (GOODIN ET AL., 2005), na tentativa de influenciar os parceiros, sem a utilização coerciva da força militar, e sim, levando em conta fatores econômicos e de soft power, que se pode classificar como a projeção das ideias e cultura de um Estado.

Assim, a perspectiva teórica deste artigo não está em apresentar uma proposta de modificação do status quo da ordem mundial, que vê o mundo como anárquico e onde o objetivo do Estado é lutar pela sua sobrevivência, ou seja, manter o seu poder soberano e sua integridade regional, como defendido pelo realismo (WALTZ, 1979). Ao invés, a busca é por uma ordem que se baseia na cooperação e na interdependência (PECEQUILO, 2004). Uma visão neo-institucionalista que acredita que regras, normas e instituições2 são os melhores meios de garantir a segurança e a estabilidade no sistema internacional (KEOHANE; NYE JR., 1989).

No sentido da construção do poder internacional de um Estado através da cooperação e interdependência com outros Estados no espaço internacional, o smart power, vai surgir como uma alternativa que irá mesclar dois tipos de poderes, o chamado hard power com o soft power. Esses dois poderes irão sustentar os recursos de poder do Estado em três categorias3: a) estrutural, b) institucional e, c) situacional (PECEQUILO, 2004). Em conjunto, essas categorias de recurso de poder irão formar o que chamamos de smart power, como pode ser observado pela tabela abaixo:

 

 

O smart power é entendido como a integralidade de poder que abrange as vertentes de poder militar e econômico de um Estado, e vai procurar desenvolver outras áreas, no intuito de complementar as duas primeiras vertentes. O desenvolvimento dessas áreas deve se focar em cinco pontos principais: a) alianças, parcerias e instituições; b) desenvolvimento global; c) diplomacia pública; d) integração econômica e; f) inovação e tecnologia (ARMITAGE; NYE JR., 2007, p.5).

Deste modo, podemos classificar o surgimento do smart power como uma junção, necessária nos finais de 90, do neo-realismo e do liberalismo-institucional, podendo então enquadrar essa vertente de poder nas premissas teóricos do neo-institucionalismo. As principais mudanças no neo-institucionalismo incluem: o reconhecimento do Estado como ator relevante na política internacional, como também, a aceitação do ambiente anárquico do sistema internacional. Essas mudanças denotam uma aproximação da teoria realista, mas com um diferencial, pois os neo-institucionalistas acreditam que apesar da disputa de poder e da adoção pelo Estado de estratégias de sobrevivência neste ambiente, o resultado não será o conflito de forças, e sim, a criação de uma oportunidade de cooperação e interação entre esses atores. Para os neo-institucionalistas, esta cooperação deixará de ocorrer, principalmente, na esfera dos atores transnacionais e passará a ter seu foco recaído sobre o Estado (NOGUEIRA; MESSARI, 2005).

O conceito de cooperação que será usado é a ideia proposta por Keohane (1984) em seu livro After Hegemony, ao fazer uma análise sobre cooperação, harmonia e discórdia o autor vai afirmar que a cooperação nem sempre está desprendida do conflito, pelo contrário, muitas vezes a cooperação nasce do conflito. A cooperação visa resultados profundos, como o de produzir uma interdependência entre os Estados, onde o interesse em resolver divergências seria mais pela cooperação do que pelo conflito bélico, visto ser a conflitualidade armada um processo muito mais custoso.

Assim, cooperação para Keohane:

Ocorre quando os atores ajustam seus comportamentos atuais ou antecipados, pela preferência dos outros, através de um processo de coordenação política. [...] em resumo é quando a cooperação intergovernamental na política atual seguida por um governo, é considerada pelos seus parceiros como um facilitador da realização dos seus próprios objetivos, como o resultado de um processo de coordenação política. (KEOHANE, 1984, p.51-52)

Nessa perspectiva, cabe agora aprofundarmos os cinco áreas principais a serem desenvolvidas dentro da estratégia para a construção do smart power, e posteriormente tentar demonstrar na política externa de do governo Lula, e atualmente no governo Dilma, como essas áreas estão sendo trabalhadas.

 

2. Áreas a serem desenvolvidas para fortalecer o smart power de um Estado 

Pensar o poder no século XXI, está para além de uma tarefa pura de manutenção de uma força superior que leva os atores no espaço internacional a se submeterem a "um líder poderoso e coercivo", centra-se principalmente na complexidade da relação destes atores do espaço internacional, e da capacidade de cada um em produzir o que podemos chamar de "bens públicos internacionais". Neste sentido, Joseph Nye Jr faz em seu mais novo livro uma afirmação pertinente e esclarecedora sobre o smart power:

"Uma narrativa para o smart power no século XXI, não é somente sobre maximização do poder e manutenção da hegemonia. É principalmente, sobre encontrar caminhos para combinar recursos dentro de uma estratégia de sucesso em um novo contexto de difusão de poder e "ascensão dos outros atores"." (NYE JR., 2011, p. 208). .

Desta perspectiva as cinco áreas sugeridas para serem desenvolvidas, estão inteiramente ligadas a uma relação mais interdependente e cooperativa dos Estados no espaço internacional, mas não somente visando seus próprios benefícios, como também o desenvolvimento de benefícios que tenham um alcance global, e que proporcionem ganhos a todos os atores do sistema internacional.

Vejamos as cinco áreas mais detalhadas e como seu aprimoramento pode resultar em ganhos absolutos no espaço internacional.

2.1   Alianças, parcerias e instituições

Essa área está relacionada não somente como uma maneira de interagir na esfera internacional, mas como construir uma nova maneira de responder a desafios globais e modificações do status quo do poder no sistema internacional. Alianças, parcerias e instituições são ações que buscam acabar com o isolamento do Estado, e se propõe a dividir tantos os bônus como os ônus de se agir no espaço internacional.

Podemos dividir esta área na busca de três pontos principais: a) renovar o comprometimento do Estado com as instituições internacionais; b) Revigorar as alianças com tradicionais Estados parceiros e; c) Buscar padronizar as ações do Estado frente ao Direito Internacional. (ARMITAGE; NYE JR., 2007)

Quanto ao comprometimento com as instituições internacionais, é preciso rever o compromisso dos Estados em fortalecer de maneira multilateral organismos como ONU, FMI, BM, OIT, OMC, na busca de que estes organismos sejam capazes de atender a necessidade de todos seus membros, trazendo um benefício coletivo.

Nas alianças, se pode pensar este revigoramento do prisma de reproduzir acordos bilaterais ou mesmo multilaterais que sejam efetivos meios de cooperação e benefícios a todos seus participantes, e também que sejam uma maneira de produzir um bem público global. Não faz sentido para o smart power, produzir um ganho entre um grupo específico de Estados, se a conseqüência desse ganho for um prejuízo na esfera global.

Por último, quando se fala de padronização do Estado frente as suas ações no Direito Internacional, o foco é aprofundar a busca por um interesse coletivo global protegido por acordos onde todos estejam presentes. Ou seja, a ideia não o Estado só ratificar o acordo internacional que lhe seja benéfico ou menos custoso, mais abrir seu leque de interesse pela norma internacional para o prisma da criação de uma rede de proteção efetiva no Espaço Internacional, que não deixará de ser anárquico e com a soberania do ator estatal, mas que terá regras e limites de ação mais claros e efetivos.

2.2    Desenvolvimento Global

Esta área está diretamente relacionada com a capacidade de ação do Estado na promoção do desenvolvimento (econômico, político e social) de outros Estados. Para isso, o desenvolvimento interno do Estado que pretende por em prática estratégias de construção do smart Power, são imprescindíveis. O exemplo interno de desenvolvimento deve ser o foco de ação internacional.

Neste sentido, o desenvolvimento global visa não somente a doação de recursos financeiros de um Estado para outros mais necessitados, mas a preocupação na qualidade dessa ajuda, e na real eficácia que ela terá para modificar situações desfavoráveis. Outro ponto importante, é essa ajuda não ser tida como somente uma contribuição estatal oficial, mas na verdade na preocupação de se criar uma rede de engajamento em torno do propósito de promover o desenvolvimento global, por exemplo: que instituições como fundações, universidades, corporações, organizações religiosas, ONG, entre outras participem do processo de ajuda externa ao desenvolvimento.

Todavia, promover o desenvolvimento global também passa por questões mais delicadas e menos práticas do ponto de vista da ação externa no terreno. Isso significa que promover o desenvolvimento global passa por questões como perdão de dívidas dos Estados, liberação justo do comércio entre os países, fim da exploração de mão-de-obra barata, etc.

Como comentam Nye Jr e Armitage (2007) o ponto principal da promoção do desenvolvimento global é dar aos Estados mais necessitados e aos seus cidadãos a capacidade de alcançarem suas aspirações, sem estarem privados de questões básicas como saúde, alimentação, educação, salários justos, acesso a tecnologia, entre outros.

2.3   Diplomacia Pública

A Diplomacia Pública talvez seja a área com maior dificuldade de se definir dentro da abordagem sobre uma estratégia do smart power. A diplomacia pública é muito mais do que somente a atuação transparente dos organismos diplomáticos oficiais de um Estado, é todavia, uma diálogo de um Estado com a opinião pública interna e internacional.

A ideia é que diplomacia pública existe em tudo que faz e diz o Estado e a sua sociedade, significa como a imagem do país é passada aos outros de maneira não oficial, mas sim através das redes de relações criadas por organizações não governamentais e cidadãos que formam a sociedade de tal Estado, e de como sua interação com outras sociedades molda suas maneiras de se auto-reconhecerem.

Aqui vale uma importante ressalva, diplomacia pública não é a mera propaganda que um Estado faz sobre suas ações, é uma atitude centrada na percepção cognitiva dos indivíduos sobre as atitudes reais de um Estado, e qual o peso que então passam a dar a cultura, valores e procedimentos praticados por esse Estado.

Para elucidarmos melhor essa questão dois bons exemplos de diplomacia pública são: a) o intercâmbio educacional entre jovens e; b) o tratamento exemplar dado aos imigrantes em um país. O intuito com esses exemplos é demonstrar que esse tipo de diplomacia inclui uma troca de idéias, de informações entre pessoas passadas através da educação e da cultura, com o aumento do alcance das novas tecnologias, etc. Esses tipos de relações aproximam os indivíduos, quebrando tabus, estereótipos e criam uma confiança, não só no outro mas também na sua cultura e sociedade natal. (ARMITAGE; NYE JR., 2007)

Como afirma John Zogby segundo Nye Jr e Armitage (2007, p. 47) "Uma diplomacia pública "inteligente" é aquela que mostra respeito com outros Estados e um desejo de entender as necessidade e questões relevantes deste país".

Assim, essa área apesar de complexa é um fonte importante de poder, do chamando soft power, de um Estado e não pode ser negligênciada pela entidades governamentais, é preciso que políticas públicas fortaleçam essas ações e que estas passem a ter um peso significativo na agendas de política externa de um país.

2.4   Integração Econômica

Está área é a mais sensível de todas na estratégia de construção do smart power, isto porque está diretamente ligada a manutenção das diretrizes mais ferozes e prejudiciais dos meios capitalistas de produção e de acumulação, o que por sua vez, ao longo do século XIX e XX na política internacional se mostrou uma maneira eficaz de submeter todos atores a vontade de um Estado hegemônico.

Todavia, a realidade dos finais do século XX e início do XXI, traz para cena um aumento da integração econômica mundial. Isto não significa simplesmente maiores áreas de integração econômica (i.e. Mercosul, Asean, UE e NAFTA), mas sim uma maior dependência entre os atores ao nível comercial global.

Deste modo, a integração econômica visa produzir um cenário que ao mesmo tempo em que atenda as necessidades comerciais de um Estado, se preocupe com a totalidade de benefícios que possam ser gerados para toda a comunidade internacional, e principalmente, para os países mais pobres do globo.

Medidas como diminuir ou eliminar barreiras aos produtos, principalmente, os dos países mais pobres, reavaliar e diminuir os custos dos trabalhadores afetados pelo processo de globalização, fortalecer de maneira equitativa as instituições financeiras e comerciais internacionais são medidas imprescindíveis para se construir um poder alicerçado em ganhos absolutos.

Uma política global de comércio tida como smart, depende do desenho de uma economia que é suficientemente flexível e competitiva para distribuir benefícios econômicos, enquanto consegue minimizar os custos humanos dos processos de globalização e deslocação econômica. (ARMITAGE; NYE JR., 2007)

Importante nessa área é perceber a diferença dessa estratégia para Estados desenvolvidos e em via de desenvolvimento. Estão ambos em lados opostos da "briga" econômica e comercial global. Todavia, ambos têm que buscar uma nova maneira de se inserir no comércio internacional, visando abrir mercados de maneira que sejam sustentáveis, tanto do ponto de vista econômico como humano. Manter antigos padrões não mais vai fortalecer as economias fortes, e muito menos levar as médias a um patamar mais alto, simplesmente tais padrões irão somente aumentar o fardo dos países subdesenvolvidos e limitar ainda mais a sua capacidade de crescer e se tornar, de alguma forma, competitivo.

2.5   Inovação e Tecnologia

Para compreender esta última área temos que enquadrá-la na realidade do mundo nos finais do século XX e início do XXI, mais precisamente nas mudanças climática e na necessidade de se buscar meios alternativos de produção de energia. Assim, inovação e tecnologia estão intimamente ligadas à maneira que um Estado pode construir seu poder internacional através de investimentos em novas matrizes energéticas para sustentar o desenvolvimento nacional e internacional, sem afetar a vida na terra.

Um Estado capaz de alicerçar seu desenvolvimento no século XXI nestes parâmetros estará se preparando não só para proteger sua população de alterações climáticas profundas, mas estará construindo para si um parque tecnológico capaz de colocá-lo como um diferencial no sistema internacional.

Todavia, essa não é uma ação isolada de um Estado, e é aqui que o poder através de estratégias de smart power pode ser erigido. Ser capaz de promover uma mudança nas políticas ambientais e de produção de energia pode provocar um empoderamento do Estado no sistema internacional, que irá levá-lo a ser uma referência para os restantes, criando assim um poder de cooptação com ganhos absolutos com os parceiros, ao invés de coerção e manutenção de meios poluentes e promotores da desigualdade entre os atores estatais.

Segundo Nye Jr e Armitage (2007), os Estados que querem ter poder de influenciar o sistema internacional no século XXI precisam ser capazes, entre outras coisas de: estabelecer uma carta de princípios para promover o avanço energético, a segurança internacional e sustentabilidade, como também, criar e participar de um livre mercado para bens e produtos provenientes de matrizes energéticas limpas.

Novamente, esta é mais uma área onde países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos estarão em conflito latente, mas conseguir poder no sistema internacional só será possível para quem tiver a capacidade de construir um consenso entre todos, que promova o desenvolvimento igualitário protegendo o ambiente, mas isso se estrutura não só pela produção de novas matrizes energéticas, mas principalmente, pela promoção do desenvolvimento econômico de todos os Estados, conjuntamente com acesso a educação e a possibilidade de todos buscarem uma maneira limpa, do ponto de vista ecológico, de inserção na esfera comercial internacional.

 

3. Política Externa do Brasil

Seria uma ingenuidade pensar que em poucas páginas este artigo poderia tratar de todas as nuances da política externa4 brasileira, e da suas ações para a construção do poder do Brasil na esfera internacional. Assim, se pretende nesta peça somente demonstrar a dicotomia tradicional existente na política externa brasileira, como os presidentes Lula e Dilma se posicionaram em relação a está dicotomia e como podemos relacionar seus principais atos externos com as perspectivas básicas do smart power:

Analisar o tema das intenções de projeção internacional e liderança regional do Brasil significa, ao mesmo tempo, analisar as bases da política externa traçada pelo Itamaraty5 ao longo da história. Neste contexto é possível identificar uma realidade da política externa brasileira que trabalha em duas frentes: uma primeira subordinada unilateralmente às grandes potências e, uma segunda que busca autonomia, nem sempre de aspecto independente, do Brasil frente às grandes potências mundiais (VIZENTINI, 2003). Esta dicotomia vai permear toda a política externa brasileira, e vai criar para este Estado avanços e retrocessos que são determinantes para compreender sua realidade atual, e para verificarmos os possíveis alicerces para uma estratégia de política externa baseadas nas premissas do smart power.

A nuance mais evidente que se pode constatar na política externa brasileira, é uma grande movimentação da vontade política nacional entre a posição de estar alinhada a potência hegemônica do período, ou buscar a autonomia com intuito de criar uma identidade política própria. Desde a independência essa será a realidade política nacional, que poderá trazer benefícios e prejuízos ao desenvolvimento e inserção internacional do Brasil.

Como se pode constatar no comentário a seguir:

A questão do grau da autonomia política foi, desde a Independência e durante a República, um eixo central do debate sobre a política externa. Assim, a busca de uma relação de "amizade" com os Estados Unidos e uma estratégia de "autonomia pela participação" (a manutenção da "margem de manobra" com a ampliação da interdependência econômica) são marcas que remetem às "escolas diplomáticas" de Rio Branco (1902-1912) e de Aranha (1938-1943).Por outro lado, a idéia de que se deve defender a soberania e os "interesses nacionais", mesmo criando conflitos potenciais com os Estados Unidos, é clara na tradição da "política externa independente", de San Tiago Dantas (1961-1963), reiterada por Azeredo da Silveira. (VIGEVANI; CEPALUNI, 2007, p.276)

 

3.1   Pilares da política externa de Lula e Dilma

Cabe o cuidado nesta parte, de não confundirmos o governo Lula e Dilma como uma continuidade absoluta das premissas tanto da política externa como na interna. O governo de Dilma Rousseff ainda está em seu primeiro semestre, o que todavia, nos faz ter pouco material de análise para a política externa, porém podemos ver suas ações iniciais (i.e. como a posição do Brasil contrária ao Irã no Conselho de Direitos Humanos da ONU) como uma pequena, mas expressiva mudança, na dinâmica até então praticada pelo presidente Lula nas relações internacionais. Todavia, como afirma o Ministro Antônio Patriota em seu discurso de posse no Itamaraty, a premissa é continuar nos caminhos sólidos alicerçados pelo governo Lula: "Orientaremos a ação externa do Brasil preservando as conquistas dos últimos anos e construindo sobre a base sólida das realizações do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva" (PATRIOTA, 2011, s/p).

A política externa de Lula, contudo, foi marcada por uma virada na ação internacional, que se propôs a colocar o Brasil em um patamar de autonomia na esfera internacional, como podemos verificar na fala do então ministro Celso Amorim (2008, p. 28) "Temos uma inserção internacional que [...] tem muito a ver com nossa política independente, não confrontacionista, ao mesmo tempo sem pedir licença para fazer as coisas".

Na prática essa visão política do governo Lula vai produzir um novo paradigma de ação externa que visa dois pontos: a) multilateralismo de reciprocidade e b)  internacionalização econômica (CERVO;BUENO, 2008).

O multilateralismo de reciprocidade demonstra ser o alicerce base da política externa de Lula, isso devido a uma questão essencial, a de que esse multilateralismo exacerba-se às questões econômicas e comerciais, ele também visa à reciprocidade nas questões de saúde, direitos humanos, meio ambiente e segurança internacional. É a busca pela diversificação das questões debatidas ao nível internacional, trazendo os temas relevantes para os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos (i.e. fome e desenvolvimento), para o centro do debate, deixando claro que se essas questões não forem debatidas, não se alcançará justiça social e segurança internacional (VIZENTINI, 2007).

Tal multilateralismo vai se sustentar na idéia de que não adianta globalizar a democracia, o necessário é democratizar a globalização (Amorim, 2008). Apesar de ser uma retórica bem elaborada, essa percepção será a raiz da política externa de Lula e vai conter premissas sólidas de:

reforço do papel do Estado como negociador internacional, defesa soberana dos interesses nacionais, aliança com países emergentes começando pela América do Sul, diálogo cooperativo e não mais subserviente com os países avançados; enfim, uma pitada de moral, o combate a pobreza e a fome. (CERVO; BUENO, 2008, p.493-494).

O conceito deste multilateralismo é de que "a reciprocidade se estabelece quando as regras do ordenamento multilateral beneficiam a todas as nações" (CERVO; BUENO, 2008, p.496). Para atingir essa concepção duas premissas são necessárias: a) existência de regras para compor o ordenamento internacional e; b) a elaboração conjunta dessas regras (Ibidem: 497).

Nessa perspectiva, podemos identificar que na prática a política externa de Lula, demonstrou que seus pilares são compatíveis com uma estratégia de inserção internacional através do smart power. Como comenta Pecequilo (2010, s/p):

Nos últimos anos, a solidez das relações internacionais brasileiras tornou-se evidente no cenário global. Dentre as iniciativas que representam este salto qualitativo encontram-se: a diversificação de parcerias Sul-Sul e Norte-Sul, a consolidação de coalizões de geometria variável como o G20 comercial e financeiro, o Fórum de Diálogo IBAS, o comando da Missão de Paz das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), a mediação de questões sensíveis referentes à proliferação nuclear (Irã) e instabilidades políticas (Honduras, América do Sul), o avanço das nações emergentes (Cúpula dos BRIC), além da ajuda e cooperação técnica a nações mais pobres.

E completa afirmando (PECEQUILO, 2010, s/p):

Da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas) aos G20 comercial e financeiro, ao IBAS, ao exercício da liderança focada em temas sociais (fome, saúde, desenvolvimento) observa-se autonomia e equilíbrio. Fazendo uso dos termos norte-americanos, o Brasil exerce a diplomacia do "poder inteligente" (smart power).

Todavia, esse cenário de crescimento do poder do Brasil não é só parte de uma ação isolada da política externa de Lula, mas uma conseqüência das transformações dos cenários econômico e político mundiais, e da nova divisão e difusão de poderes do espaço internacional (HISRT; SOARES DE LIMA; PINHEIRO, 2010).

Assim, as aspirações do Brasil por uma liderança regional e influência internacional, podem ser alicerçadas em uma perspectiva mais dinâmica e promotora de ganhos absolutos, e os elementos-chaves do smart power podem ser uma referência importante na construção de uma estratégia contínua, coerente e inovadora para a nova inserção internacional do Brasil. Como afirma Celso Amorim, a preocupação do Brasil deve ser em liderar de maneira diferenciada, em outros parâmetros que não mais as tradicionais fontes de poder:

Às vezes nos perguntam se o Brasil quer ser líder. Nós não temos pretensão à liderança, se liderança significa hegemonia de qualquer espécie. Mas, se o nosso desenvolvimento interno, se as nossas atitudes [...] de respeito ao direito internacional, da busca de solução pacífica para controvérsias, de combate a todas as formas de discriminação, de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, se essas atitudes geram liderança, não há por que recusá-la. E seria, certamente, um erro, uma timidez injustificada. (AMORIM, 2003: s/p).

 

4. Considerações finais

Por fim, podemos refletir que o processo para construir uma política externa baseada em uma estratégia de smart power, está apenas no início dentro da política brasileira. Para sustentar tais estratégias, mas do que participar internacionalmente é preciso um esforço do Estado brasileiro em assegurar a manutenção das ações externas do país, é preciso que exista uma política de Estado6 para as relações exteriores, e não uma política de governo.

As cinco áreas adjacentes ao smart power : a) alianças, parcerias e instituições; b) desenvolvimento global; c) diplomacia pública; d) integração econômica e; f) inovação e tecnologia, devem ser prioridades não são só para âmbito externo, mas também refletir ganhos internos aos cidadãos brasileiros, para que esses também possam ter uma percepção de que seu país está com um peso, influência e papel diferenciados no espaço internacional, e ser dessa maneira, também a sociedade brasileira uma fonte de propagação dos valores, ideais e instituições do Brasil através do mundo.

A política externa do presidente Lula foi um marco inicial na construção dessa nova inserção internacional do Brasil, todavia, não podemos encerrar somente nela e em suas conquista uma estratégia de inserção internacional diferenciada. No caminho, os pilares da política externa da presidente Dilma serão fundamentais para se reforçar e melhorar o alcance da influência brasileira, como também, para assegurar a todos os parceiros, principalmente os da América do Sul, que a ascensão do Brasil não é uma ameaça a eles, e sim, uma oportunidade de todos juntos conseguirem mais espaço, força de negociação e realizações nas relações internacionais.

Para finalizar citamos um comentário muito pertinente da professora Cristina Pecequilo (2010, s/p) "As atuais conquistas, das quais se tornaram simbólicas a Copa-2014 e as Olimpíadas-2016, não podem ser encaradas com um fim em si mesmas, mas sim como parte de um projeto, ao qual existem alternativas, inclusive de retrocesso".

 

5. Referências bibliográficas

AMORIM, Celso. Discurso proferido pelo Embaixador Celso Amorim por ocasião da Transmissão do Cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. Disponível em: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=2041 . Acesso em 20 de abril de 2009.

_______________. Entrevista concedida aos repórteres Beto Almeida, Carlos Setti, Mylton Severiano. Revista Caros Amigos. n.143, 2008, p. 28-31.

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HISRT, Mônica; SOARES DE LIMA, Maria Regina, PINHEIRO, Letícia. A Política Externa Brasileira em tempos de novos horizontes e desafios. Análise de Conjuntura, Observatório Político Sul-Americano, n.50, dez/2010.

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WALTZ, Kenneth N. Theory of International Politics. Nova Iorque: McGrawhill, 1979.

 

 

1. Se considera ganhos absolutos a distribuição equitativa de ganhos no relacionamento entre os Estados, ou seja, a simetria entre os beneficios gerados pela cooperação. Os ganhos relativos seriam o inverso, ou seja, desproporcionalidade entre esses ganhos, sendo que um Estado ganharia mais com a cooperação do que o outro.
2. Segundo o institucionalismo histórico e seus teóricos, instituições podem ser definidas como: "de modo global, como procedimentos, protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas" (Hall e Taylor, 2003: 196), ou seja, não são somente regras formais, jurídicas, de controle da estrutura, mas também, convenções de comportamento que moldam a estrutura.
3. A categoria estrutural é referente ao que Keohane (1984) classifica como recursos de poder tradicionais, que são o território, as forças armadas, a população, e a localização geográfica; já o institucional é a criação de normas e organismos que possam reger a relação entre os Estados de forma cooperativa, e por último, o fator situacional que é a habilidade do Estado em projetar suas ideias e princípios para os outros atores (Pecequillo, 2004).
4. Neste artigo se utiliza a definição de política exterior dos pesquisador Amado Cervo e Clodoaldo Bueno, que é a seguinte: "A política exterior correspondeu, nos dois últimos séculos, a um dos instrumentos com que os governos afetaram o destino de seus povos, mantendo a paz ou fazendo a guerra, administrando os conflitos ou a cooperação, estabelecendo resultados de crescimento e de desenvolvimento ou atraso e dependência" (Cervo; Bueno, 2008, p.11).
5. Itamaraty é o nome pelo qual é comumente denominado o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, isso vai se originar da instalação deste Ministério no Palácio do Itamaraty em Brasília, a capital Federal do Brasil. Para mais informações sobre esse ministério acessar http://www.mre.gov.br/.
6. Essa política de Estado precisa ser edificada de maneira a evitar que uma mudança de governo mude os pressupostos da política externa do Brasil, pois tal alteração geraria desconfiança nos atores regionais e internacionais.