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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Out. 2002

 

LÍNGUA ESPANHOLA

 

Dificuldades com os pretéritos "perfecto simple" e "perfecto compuesto": uma questão de tempos

 

 

André Luiz Abreu de Mattos

UFF (Niterói)

 

 

O processo de ensino do Espanhol como língua estrangeira no Brasil passa por uma série de dificuldades. Há os problemas que são comuns a todas as disciplinas do ensino, resultados do descaso do governo em relação à educação. Os outros estão ligados às dificuldades encontradas pelo estudante brasileiro, que fala uma língua e estuda outra que é bastante parecida à sua. É justamente este fator, contrariando a muitos dos que a vêem desde fora, o ponto de dificuldade. E é nesse aspecto, sem negar a importância do problema educacional brasileiro, que me deterei.

Dentre os muitos obstáculos encontrados no caminho do aprendiz de espanhol poderia destacar um que, acredito, é elemento fundamental na compreensão do que pretendo desenvolver. Ele se refere à visão do livro didático como verdade absoluta por parte da sociedade, incluindo-se escola e professor, e única fonte de informações. Em um estudo realizado por Almeida Filho verifica-se, após pesquisa em escolas públicas de São Paulo, que há "em todas as salas observadas o uso exclusivo do livro como fonte de conteúdo, com o qual o professor estabelece uma relaçãodefidelidadetotal". (ALMEIDA FILHO, 1991, p.74).

Essa falta de interesse pelo sair do livro limita o alcance do professor, permitindo, entre outras coisas, que este insista, sem refletir, em determinados ensinamentos de materiais que não se baseiam na realidade de uso da língua alvo. Observar a ocorrência de tais fatos pode ajudar a entender o problema a ser explorado neste pequeno estudo.

Acredito ser consenso entre professores de espanhol de todos os níveis, que trabalham em escolas públicas, privadas ou cursos de idiomas e dão aulas para alunos de todas as idades, que o mais difícil para a grande maioria dos aprendizes brasileiros de língua espanhola é aprender a usar os verbos. A cada anúncio de um novo tempo verbal a ser estudado, nos deparamos com feições preocupadas e suspiros que, na verdade, poderíamos traduzir como um "outra vez?". Reações como essas são frutos da ansiedade em relação ao novo desafio e, muitas vezes, de desespero devido a um novo modo verbal que se apresenta, sem que ele tenha realmente aprendido o anterior. Igualmente assustador para o aluno é, por exemplo, perceber que não consegue usar o tempo Condicional e logo depois lembrar que também não havia conseguido entender o Futuro Indefinido.

Entre todos os chamados tempos verbais, há dois em especial que causam mais problemas: os pretéritos Perfecto Compuesto e Perfecto Simple. Na verdade, o ponto de dificuldade é a noção de tempo: o primeiro, segundo alguns livros didáticos, é usado para expressar um passado "recente", "ação inacabada", "que conserva uma relação com o presente", etc; o outro, ao contrario, algo "distante" no tempo, "acabado", "sem relação com o presente". O professor, preso ao manual, não tem a oportunidade de pesquisar e observar o uso dos verbos, prendendo-se ao ensino de técnicas de conjugação que não contribuem para um ensino que se diz comunicativo.

Parece-me importante citar dois autores, cujos comentários sobre o problema me parecem bastante apropriados e que poderiam ser tomados como base para o ensino dos dois pretéritos. Emilio Alarcos Llorach afirma que não é a questão do aspecto verbal que influirá na preferência ou não pelo pretérito simples ou composto do espanhol:

Una misma acción, "leer un libro", por ejemplo, expresada con las dos formas no muestra diferencias de aspecto, sino diferencias temporales: leí un libro frente a he leído un libro indica un mayor alejamiento de la acción con respecto al punto de vista del que habla, pero en los dos casos el aspecto de la acción es el mismo: perfectivo. (ALARCOS LLORACH, 1978, p.19-20)

Esta observação põe em dúvida as idéias de "ação inacabada" e "acabada" presentes alguns manuais. Na verdade, não é o feito que ainda não se realizou totalmente e sim a unidade de tempo da ação que ainda não acabou.

O tempo da ação, creio, acabou transformando-se em um dos vilões no ensino dos dois pretéritos, na medida em que se criou uma espécie de dependência de expressões temporais em sua aprendizagem. O aluno é forçado a gravar uma lista de advérbios para "saber" quando e como usar os dois pretéritos. Dessa forma, o aprendiz tem a idéia de que só deve usar, por exemplo, hoy e siempre com o tempo composto e ayer e la semana pasada com o simples. O aluno não tem a oportunidade de refletir se, mesmo com tais expressões, as frases usadas como exemplo falam de um tempo passado mais ou menos distante ou relacionado com o tempo da enunciação. Até porque tais frases, na grande maioria das vezes, são dadas fora de um contexto.

Manuel Seco, o segundo dos dois autores aos quais me referi anteriormente, embora fale de passado "terminado" (SECO, 1994, p. 267), faz uma observação que, ao meu ver, poderia ser considerada ao ensinar os dois pretéritos.

Los tiempos pasados enfocan el hecho "pasado" de diferentes maneras. (...) Esta distinción a menudo es sólo psicológica: un mismo suceso puedo exponerlo diciendo MURIÓ ayer o HA MUERTO ayer, según que lo considere como un hecho ya liquidado y ajeno al hoy, o como un hecho que todavía hoy es operante. (SECO, 1994, p.267-269)

O aluno, sem o conhecimento deste fato, normalmente estranha frases como ha muerto ayer e siempre trabajó mucho e pode passar a achar-se incapaz de aprender a usar os pretéritos simples e composto. Na verdade, seguir a orientação de Manuel Seco representa uma espécie de fim da dependência das expressões adverbiais de tempo e o início de uma maior atenção aos fatores subjetivos das orações. Isso facilita, inclusive, o uso desses verbos em situações onde não há expressões de tempo.

Mas como será que os manuais de ensino vêm tratando este tema? Talvez a pergunta mais adequada seja: como os professores vêm ensinando os dois pretéritos? No entanto, retomando o que foi dito no inicio deste trabalho, observa-se que o docente acaba dependendo muito do livro e tratando-o, na maioria das vezes, como verdade absoluta. Desta forma, não haveria muita diferença entre falar de como ensina o livro e como ensina o professor, infelizmente.

Tive a oportunidade de analisar alguns dos manuais de espanhol mais usados pelos professores de espanhol para iniciantes, nível no qual o aluno tem o primeiro contato com os dois tipos de pretérito. O primeiro a ser estudado é quase sempre o perfecto compuesto, provavelmente pela menor preocupação com as irregularidades. Neste caso, o aluno normalmente tem problemas com particípios irregulares como, por exemplo, dicho, roto, escrito, vuelto, abierto e muerto. Em seguida, ao aluno são apresentados o perfecto simple (que em muitos dos manuais aparece como indefinido) e as diferenças entre os dois.

Um dos manuais produzidos pela editora Edelsa/Enterprise, o Ven, talvez o mais usado atualmente por professores de Língua Espanhola, especialmente em cursos de idiomas, traz em seu prólogo a informação de que os conteúdos gramaticais são apresentados em ordem gradual de dificuldade (VIUDEZ, 1998, p. 3). Como o perfeito composto aparece primeiro, os autores assumem, então, a idéia de que este é mais fácil que o tempo simples.

O método se divide em três partes. Na segunda metade do nível inicial o livro apresenta o pretérito perfeito composto, iniciando a lição com um pequeno diálogo chamado "¿Dónde has estado este verano?", marcado pelo uso de várias expressões adverbiais de tempo. Logo depois, aparece um quadro contendo as expressões este verano, este mes, este año e hoy. Nesse mesmo quadro aparecem os verbos ver, estar, hacer e salir conjugados na primeira pessoa do singular: he visto, he estado, he hecho, no he salido. Ao final da lição, em uma seção chamada Contenido Lingüístico – Gramática, surgem mais algumas expressões: alguna vez, nunca, ya, todavia no.

Nesta mesma lição são apresentados também os verbos estar e ir em um segundo quadro, conjugados na primeira pessoa do singular do pretérito perfecto simple e acompanhados de outras expressões temporais, a exemplo do que foi feito no outro quadro. Ou seja, diferentemente do que normalmente ocorre, no Ven já se começa por tentar mostrar as diferenças de uso entre os dois.

Após a breve apresentação, o aluno realiza dois pequenos exercícios. No primeiro os aprendizes, em duplas, praticam mais controladamente os verbos: seguem um modelo e fazem perguntas uns aos outros e aguardam as respostas, absolutamente previsíveis. No segundo, um pouco mais livre e ainda em pares, eles também perguntam e respondem, mas só as perguntas são dadas pelo manual.

Encontro aí algumas questões. Em primeiro lugar, como já havia dito anteriormente, não acredito que relacionar uma lista de advérbios com determinado tempo verbal seja a melhor maneira de ensiná-lo. Lendo o livro, o aprendiz pode acreditar que aquele tempo verbal somente pode ser acompanhado com aquelas expressões. Além disso, se formos colocar em um quadro todos os advérbios que poderiam aparecer acompanhando determinado verbo, precisaríamos de muito espaço, devido ao grande número de combinações possíveis.

Num segundo manual de espanhol, o Hacia el Español, da Editora Saraiva, o assunto é tratado de maneira também um pouco diferente e até mais interessante. Neste livro didático, o tempo simples é o primeiro a ser mostrado e depois o composto, juntamente com as diferenças de uso. Embora todas os exercícios se baseiem em expressões de tempo, é interessante notar que em nenhum momento é dado um quadro com uma lista limitada das mesmas.

Parece-me interessante destacar algumas informações importantes que aparecem no Hacia el Español:

1- Afirma-se que o falante é quem sente a ação terminada ou não, optando, assim, por um dos dois tempos (BRUNO e MENDOZA, 1999, p. 137);
2- Determinado pretérito não necessariamente estará acompanhado de uma expressão de tempo (p. 137);
3- Quando são mencionadas as expressões temporais com as quais normalmente se usam os pretéritos, ao final aparece um etc, indicando que há muitas possibilidades(p. 178);
4- A diferença entre um e outro depende muitas vezes de hábitos regionais e inclusive de atitudes individuais (p. 178);
5- Um outro aspecto que define a utilização é o emocional: o composto expressa mais comprometimento emocional do falante (p. 178).

É interessante encontrar em meio a tantos manuais vendidos no Brasil um que se comprometa a mostrar essas pequenas e importantes especificidades em relação ao uso de um tempo verbal.

Não quero com isto afirmar que este ou aquele é o melhor livro didático, até por que os dois livros apresentam aspectos negativos. Quero sim mostrar que há manuais cujos autores estão interessados em mostrar algo diferente de quadros com um punhado de expressões a serem decoradas.

Com base no que acabo de expor e nas dificuldades que tenho podido observar em vários alunos ao usarem os pretéritos perfeitos simples e composto do espanhol, creio que é preciso mostrar-lhes que não se deve ficar a mercê de expressões temporais para conseguir perceber as diferenças e usar adequadamente os dois. A utilização de materiais de qualidade, que mostrem ao aprendiz como os verbos são realmente usados, é importante para alcançar bons resultados, embora não seja garantia de sucesso.

Entendo que nós, professores, com o papel que temos de facilitadores, podemos promover o acesso do aluno a textos autênticos – e não me refiro somente a textos escritos -, onde se possa observar como a língua é realmente usada. Aproveitaríamos, inclusive, a capacidade de dedução dos alunos, permitindo que eles mesmos talvez pudessem chegar a algumas regras. Deste modo, a Leitura mostraria mais uma vez seu papel fundamental no processo de aprendizagem.

Finalmente, com este breve panorama que acabo de traçar, pudemos observar alguns dos muitos fatores que influenciam e também dificultam a aprendizagem desses que, como disse anteriormente, são os tempos verbais que mais causam problemas aos estudantes de espanhol. Precisamos estar empenhados em pesquisar e criar novos métodos, fazer de nossas salas de aula um lugar de descoberta. Retomando o jogo de palavras que fiz no título deste trabalho, acredito que os problemas com os dois pretéritos é uma "questão de tempos". Com isso, me refiro ao tempo verbal, logicamente, e ao meu desejo de que possamos encontrar sempre novos caminhos.

 

REFERÊNCIAS.

ALMEIDA FILHO, J. C. P. et alii. A representação do processo de aprender no livro didático nacional de língua estrangeira moderna no 1o grau. In: ALMEIDA FILHO, J. C. P. (org.). Trabalhos em Lingüística Aplicada. Campinas: Unicamp, 1991, p. 67-97.

BRUNO, F. C., MENDOZA, M. A. Hacia el Español: Nivel Básico. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

ALARCOS LLORACH, E. Estudios de Gramática Funcional del Español. 2ª ed. Madrid: Gredos, 1978, p.13-49.

SECO, Manuel. Gramática esencial del Español. Madrid: Espasa, 1994.

VIUDEZ, F. C. et alii. VEN, Nivel Básico. Madrid: Edelsa, 1998.