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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Out. 2002

 

LÍNGUA ESPANHOLA

 

Representações da língua espanhola em trabalhos sobre o E/LE

 

 

Claudia Pacheco

Fundação de Ensino Otávio Bastos (São Paulo); USP (São Paulo)

 

 

Este trabalho faz um resumo das preocupações que nos levaram a elaborar nosso projeto de mestrado em Língua Espanhola, que estamos cursando desde o início deste ano. O projeto trata da maneira como a língua espanhola é vista no Brasil e as conseqüências dessa abordagem no momento de seu ensino e aprendizagem.

A idéia central de nossa pesquisa surgiu da observação, durante nossa experiência como professora de língua espanhola para brasileiros, das visões que os alunos possuem sobre essa língua estrangeira, uma visão que posteriormente veio a ser corroborada e estimulada por alguns trabalhos lidos, nos quais vamos basear nossa reflexão, como os de KULIKOWSKI& GONZÁLEZ (1999) e GONZÁLEZ& CELADA (2000).

Todos os que somos professores de língua espanhola já ouvimos frases do tipo: "escolhi estudar espanhol porque é uma língua estrangeira mais fácil", ou ainda frases que costumam demonstrar uma crença dos alunos com relação aos níveis da língua, normalmente níveis gramaticais, em que estão situados os pontos de dificuldades. Quando se fala disso, a lista é enorme, e dentre os pontos mencionados podemos destacar: os pronomes, o imperativo, os falsos cognatos, ou os falsos amigos (faux amis), segundo uma terminologia de linha francesa. Estes, pela freqüência com que são citados, foram escolhidos para nosso objeto de pesquisa. É já um lugar comum considerar os falsos cognatos ou os falsos amigos como os "vilões" da aquisição dessa língua estrangeira; até mesmo os alunos que não conhecem nada da língua ou nunca tiveram nenhum tipo de estudo formal sobre ela já ouviram falar dos "falsos amigos" e consideram que eles são a razão para que alguém procure estudar a língua espanhola, para evitar as "armadilhas" que os significados diferentes na língua espanhola e na língua portuguesa possam causar. O restante dessa língua estrangeira seria muito parecido com a sua língua materna, o que não exigiria maiores estudos, pois a transparência, que até pode-se dizer que se dá relativamente em alguns casos, garantiria a compreensão de tudo o que é dito.

Entretanto, após algum tempo de estudo, este mesmo aluno que chegou com a visão de que a língua espanhola é muito fácil por ser muito semelhante, bastando para adquiri-la concentrar seus esforços de estudo nessas estruturas e/ou nesse vocabulário que são diferentes em relação à língua portuguesa, passa a uma outra percepção: a língua espanhola é difícil, às vezes até mesmo a vê como algo impossível de aprender, pois a dificuldade normalmente está em descobrir o limite entre uma língua e outra. Então ele passa a desconfiar das semelhanças e a construir hipóteses muitas vezes exóticas, em que estruturas da língua alvo que seriam semelhantes às de sua língua materna sofrem alterações, como observamos no caso da perífrase com gerúndio, em que uma estrutura como "Estoy cantando" passa a "Estoy a cantar", por exemplo.

Apesar de que tais representações dos brasileiros sobre a língua espanhola tenham realmente um fundo de verdade – o imperativo e os pronomes são, de fato, usados de maneira diferente com relação ao português, a língua espanhola é realmente uma língua próxima à língua portuguesa e os falsos amigos de fato possuem significados diferentes dos que são atribuídos aos mesmos vocábulos na língua portuguesa –, é importante notar que a língua não se reduz a esses fragmentos. O restante da língua, inclusive as estruturas semelhantes, podem ocultar usos e significados diferentes e o desconhecimento disso pode levar os falantes à ilusão de entendimento mútuo, já que não possuem conhecimentos suficientes sobre a L2 para perceber que não entenderam o que foi dito, que deram outra interpretação para o que o seu interlocutor quis dizer1.

Dentre os objetivos de nosso projeto de pesquisa, queremos chegar àquilo que teria originado essa representação e descobrir por que essa visão sobre os falsos cognatos se mantém até hoje no "senso comum". Claro que essas são perguntas para serem respondidas no decorrer de nosso mestrado, mas já podemos relatar algumas reflexões que podem nos levar a um maior entendimento dessa questão.

Como já dissemos, essa idéia de que os falsos cognatos/falsos amigos são o ponto de maior dificuldade da língua espanhola para um brasileiro estaria baseada na idéia de língua semelhante/fácil, cujos pontos de dificuldade seriam aqueles que fossem diferentes na língua materna do aprendiz. É possível notar grande semelhança entre essa hipótese e os pressupostos de uma teoria lingüística que explode na década de 50, a Análise Contrastiva tradicional, da qual Robert Lado é um dos principais representantes.

Tal teoria propunha mensurar a distância entre as línguas e, conseqüentemente, seu grau de dificuldade para a aquisição por meio da comparação da língua meta com a língua materna do aprendiz. Quanto maior a quantidade de estruturas diferentes encontradas nessa comparação, maior a dificuldade de aquisição para o aprendiz e vice-versa. Com isso seria possível também prever onde o aprendiz iria cometer erros, ou seja, nas estruturas da língua meta que fossem diferentes de sua língua materna.

Alguns materiais de ensino elaborados anteriormente ao período em que surgiu a Análise Contrastiva propriamente dita, mas que partiam das idéias que lhe deram origem, tiveram grande repercussão no ensino da língua espanhola a brasileiros, tais como a Gramática para uso dos brasileiros, de Antenor Nascentes, publicada na década de 30, e o Manual de Español, de Idel Becker, cuja primeira edição é de 19452. Esses livros já mencionavam a grande semelhança entre os dois idiomas, mas alertavam para a atenção que deveria ser dispensada às estruturas diferentes, principalmente os heterossemânticos. Podemos pensar, com GONZÁLEZ& CELADA (2000), que estas obras iniciaram o modo de interpretar a língua espanhola que persiste até hoje em nosso país, modo esse em perfeita conformidade com os estudos lingüísticos realizados na época em que foram publicados. O que não se justifica, apontam as autoras, é o "congelamento" dessas idéias ainda hoje em nosso país. Isso porque, como o próprio Robert Lado já advertia em seus trabalhos, as previsões das dificuldades deveriam ser comprovadas em situações reais de ensino, não bastando apenas o trabalho teórico do pesquisador. E de fato, nas situações reais nas salas de aula, pode-se observar que nem sempre são as estruturas diferentes em relação à língua materna do aprendiz ou apenas elas as causadoras de dificuldades de aprendizagem, mas justamente as estruturas semelhantes, as que se consideravam "inofensivas". O distanciamento da realidade observada na prática foi uma das principais razões que levou essa corrente lingüística a ser muito relativizada.

O segundo questionamento que nos fizemos foi: por que, então, a visão da maioria dos estudantes brasileiros sobre o que é a língua espanhola e sobre que caminhos seguir para aprendê-la continua "congelada" até os dias de hoje, se a teoria lingüística que se identifica com essas idéias já teve há muito sua validade relativizada?

Conseguimos levantar algumas razões que supomos contribuir para a manutenção desse modo de ver a língua espanhola em nosso país, que muitas vezes a reduz ao estereótipo. Uma delas seria, segundo GONZÁLEZ& CELADA (2000), o isolamento científico que nosso país viveu durante muitos anos, o que fez com que não acompanhássemos a evolução das teorias lingüísticas que ocorria em outros países, os quais seguiram testando-as e propondo alterações em seus pressupostos.

Outro ponto a se destacar, ainda segundo aquelas autoras, é o status que a língua espanhola ocupou durante muitos anos nas instituições que se dedicavam a estudá-la. Ela era vista e estudada como meio de acesso às literaturas, sem ser considerada objeto de estudo em si mesma, o que levou a uma certa falta de interesse por construir reflexões efetivamente novas.

Outro problema são professores com formação deficiente, que não possuem o hábito da reflexão crítica sobre sua prática e sobre seu objeto de trabalho, o que os leva a reproduzir modelos de ensino e representações sobre a língua que já estão defasados, ou pelo menos muito relativizados. Com o aumento da busca por cursos de espanhol em nosso país, principalmente após a criação do Mercosul, muitas instituições acabaram incorporando ao seu quadro de docentes esse tipo de profissional com formação precária, já que ainda havia (e ainda há hoje) escassez de profissionais com formação específica e com pesquisa para o ensino de espanhol como língua estrangeira.

Outro "colaborador" para a cristalização dessa imagem em nosso país são as propagandas de escolas de idiomas baseadas no que González classifica como a metonímia das dificuldades da língua espanhola: os falsos cognatos ou falsos amigos. São freqüentes os comerciais, principalmente na televisão, meio de comunicação que chega à grande maioria da população, que tratam apenas de situações em que ocorrem mal-entendidos entre os personagens por falta de conhecimento do significado diferente que certos vocábulos possuem nas duas línguas. Se por um lado essas situações causam riso, por outro, quem precisa utilizar espanhol em seu ambiente de trabalho ou por qualquer outra razão, se sente aterrorizado com a possibilidade de que fatos semelhantes lhe aconteçam, o que os leva a atender ao alerta e ir estudar espanhol, ou melhor, ir estudar os falsos cognatos.

Não queremos dizer aqui que essas situações não possam realmente acontecer, principalmente no caso de pessoas que já se sentem seguras para utilizar a língua espanhola sem nenhum conhecimento ou estudo prévio, considerando ser possível a comunicação bem sucedida em todas as situações. Há muitas estruturas que permitiriam isso na língua espanhola e a única maneira de preveni-las minimamente (sem ter a pretensão de que os estudos possam eliminar completamente os mal-entendidos, já eles são constitutivos da comunicação e acontecem até mesmo entre falantes de uma mesma língua materna) é levar os alunos a perceber a língua espanhola como uma língua estrangeira, que possui regularidades próprias e que é, como toda língua, marcada histórica, cultural e ideologicamente.

Além de todos esses elementos irradiadores e perpetuadores dessa representação dos falsos cognatos, podemos notar que até mesmo o mercado editorial de materiais didáticos, os meios de comunicação escrita e parte da produção científica de nosso país sobre a língua espanhola são perpassados por essa visão e também contribuem para que ela se mantenha.

Qualquer pessoa que se dedique ao ensino de língua espanhola ou até mesmo pessoas que costumam circular por livrarias sabem que a maioria dos livros publicados sobre a língua espanhola, seja material didático, sejam livros que procuram trazer alguma "reflexão" sobre a língua tratam dos falsos amigos, justamente baseando-se nessa representação da língua que é nosso objeto neste trabalho. Isso porque o mercado consome muito bem esse tipo de publicação, já que todos que necessitam tratar com essa língua estrangeira estão ansiosos por conhecer rapidamente esse vocabulário e prevenir-se contra os mal-entendidos e as situações constrangedoras.

Na mídia escrita, até mesmo em veículos de informação de prestígio, é freqüente encontrar reportagens que tratam da língua espanhola e de seus falantes através de textos imbuídos desses estereótipos que reduzem a língua a um conjunto de "pegadinhas", muitas vezes desconsiderando as diversas variantes desse idioma, com tudo o que possuem de especificidade cultural, lingüística (tais como a diversidade léxica e fonológica) e deixam transparecer a conseqüente visão de que há uma variante de maior prestígio (a de Castela).

Do mesmo modo, ainda hoje há muitos trabalhos científicos que tratam o tema sob essa perspectiva, em geral almejando a posterior elaboração de um dicionário que consiga resolver definitivamente essa questão, eliminando, assim, a maioria dos problemas de quem ensina e de quem aprende espanhol. São poucos os trabalhos que se dedicam a esse tema, embora existam, que conseguem sair desse "já dito", que conseguem deixar de reproduzir as imagens que circulam no "senso comum" para contribuir com reflexões verdadeiramente novas.

E a pergunta final que não poderia faltar: o que fazer para modificar idéias que resistem há tanto tempo? Nós, que lecionamos língua espanhola no Brasil, podemos começar conscientizando nossos alunos de que a distância objetivamente existente entre as línguas não é tão importante, mas o que é decisivo na relação do aluno com seu objeto de conhecimento é a percepção que ele tem sobre a dificuldade de aprendizagem e a distância entre sua língua materna e a língua estrangeira. Também podemos mostrar-lhes que adquirir uma língua estrangeira não significa conhecer somente seu vocabulário, o que deixa transparecer a visão de língua como lista de palavras, pois desconsidera que o referencial de mundo é diferente em todas línguas e que os idiomas são constituídos por uma riqueza de elementos lingüísticos e extralingüísticos e não apenas pelo léxico. E mesmo quando o foco é o léxico, é importante mostrar-lhes que as palavras não funcionam fora do discurso e, portanto, fora da história, o que faz com que nem a semelhança nem a diferença se constituam necessariamente em "amigas". Se vemos as coisas dessa forma, nosso projeto será, na verdade, não o de estudar os falsos amigos, mas estará movido pela pergunta: há amigos nas línguas, e no nosso caso, mais precisamente na aprendizagem de uma língua estrangeira como o espanhol para os brasileiros? Adquirir uma língua estrangeira é uma descoberta que se dá pelo desejo contínuo de entendê-la, buscá-la e nunca considerar o processo acabado.

 

Referências bibliográficas

CELADA, M. T. e GONZÁLEZ, N. M. Los estudios de Lengua Española en Brasil. Anuario Brasileño de Estudios Hispánicos, Suplemento El hispanismo en Brasil. Brasilia: ABEH, 2000, p. 35-58.

KULIZOWSKI, M. Z. M e GONZÁLEZ, N. M. Español para brasileños. Sobre por dónde determinar la justa medida de una cercanía. Anuario Brasileño de Estudios Hispánicos, Brasília: Consejería de Educación y Ciencia de la Embajada de España en Brasil, n. 9, p. 11-19, 1999.

REVUZ, C. A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio. In: SIGNORINI, I., (org.). Lingua(gem) e identidade. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 213-230.

SERRANI–INFANTE, S. Resonancias Discursivas y Cortesía en prácticas de lecto-escritura. D.E.L.T.A., 17:1, 2001, p. 31 – 58.

 

 

1 Veja-se a esse respeito REVUZ (1998, p. 229-230).
2  Para mais detalhes, cf. GONZÁLEZ& CELADA (2000, pp. 13 e ss).