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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

LÍNGUA ESPANHOLA

 

Reflexões sobre leitura em língua estrangeira na escola pública

 

 

Cristiane Nogueira Ferreira

UFF (Niterói)

 

 

A escola pública passa por uma crise onde se percebe que todos os envolvidos nessa realidade estão perdidos e sem rumo. Na sala de aula as diferentes visões de mundo se chocam de forma gritante e as expectativas do professor em relação a seus alunos (e vice-versa) nunca são correspondidas, gerando muita frustração. A impressão é de que não se fala a mesma língua, de que todos são estrangeiros uns para os outros nesta grande arena cultural que é a escola.

Diante de classes tão heterogêneas, o trabalho do professor é árduo. A resposta nunca é a mesma nas diferentes turmas e nos diferentes alunos. Isso implica num constante pensar e repensar a prática pedagógica e também as próprias crenças, valores e idéias deste professor. A diferença não pode inviabilizar o trabalho e sim torná-lo mais desafiador e enriquecedor. Sendo assim, essa prática exige compromisso pessoal, profissional e político por parte deste educador.

As mudanças por que passam o planeta são muitas. As crianças têm acesso a um mundo mais sedutor fora da escola , onde a mídia oferece a ilusão de um mundo mais colorido, moderno e fácil. Se por um lado, a vida as chama para fora, por outro a escola acaba por não proporcionar atrativo algum – e os educadores não sabem como lidar com essa contradição.

Vale apontar ainda uma outra questão presente na maioria das reuniões pedagógicas da Rede Municipal do Rio de Janeiro – o aluno chega na 5a série apresentando muitas dificuldades e deficiências que comprometem o trabalho em todas as disciplinas do currículo escolar. A aprovação automática parece estar sendo mal interpretada por todos e assim gerando mais problemas que soluções. E os professores que foram formados para trabalhar com grupos ideais de classe média, não sabem como dar conta deste novo contexto. Isto acaba por gerar muita frustração, pois o realizável está muito distante do esperado e do idealizado. Nesta frustração generalizada, alunos e professores buscam entender qual seria a função da escola nos dias de hoje. E essa busca exige uma mudança de paradigma, uma vez que é quase certo que as respostas não serão encontradas exclusivamente nos antigos métodos e fórmulas de ensinar e aprender. É preciso, então, ampliar, redimensionar e reinterpretar o que se entende por ensino/aprendizagem e por conhecimentos e conteúdos relevantes para agir e interagir no mundo hoje. Entretanto, se a função da escola é ensinar e formar um cidadão capaz de participar social e politicamente nesse mundo marcado por desigualdades, constantes avanços tecnológicos e excessiva competitividade, ela tem que cumprir esse papel.

Para o professor de LE até poderia ser mais fácil esse trabalho, mas não o é na prática. Ensinar e aprender uma língua estrangeira é voltar o olhar para o outro, conhecer e entender uma outra cultura. Essa flexibilidade deveria existir também para entender esse outro, às vezes tão estrangeiro, que é o seu aluno. Por sua vez, este professor pode representar um mundo muito estranho, pois é aquele que fala uma língua diferente, conhece lugares tão distantes e gosta de coisas tão bizarras (filmes, pinturas, obras literárias, etc.). É preciso desmistificar essa estranheza dando um pouco desse mundo para que lhe seja mais familiar e que assim, entendendo uma outra cultura, o aluno possa também entender a sua própria de maneira mais crítica. Somente numa busca de entendimento e aprendizado mútuos é que o trabalho poderá fluir cada vez melhor.

Se ao invés de turmas regulares fossem montadas oficinas, onde o aluno pudesse escolher a língua a ser estudada e o número de participantes fosse reduzido, a qualidade do trabalho seria outra. No entanto, iniciativas deste tipo estão limitadas a poucas escolas da rede oficial e o professor de LE tem de cumprir a sua função apesar das dificuldades encontradas ao longo do percurso, dentre elas turmas superlotadas e heterogêneas, ausência de materiais atualizados e de sala ambiente e carga horária reduzida.

A Multieducação e os PCNs apontam a leitura como a melhor alternativa para a realidade brasileira. Em ambos documentos, a preocupação com a integração dos conhecimentos das diversas áreas está presente. A busca de um trabalho interdisciplinar que possibilite o intercâmbio é o que deve orientar a prática pedagógica. O tratamento dos conteúdos deve integrar conhecimentos de diferentes disciplinas, já que contribuem para a construção de instrumentos de compreensão e intervenção na realidade em que vivem os alunos. Assim como essas propostas, a abordagem comunicativa também tem uma visão integradora dos diversos conhecimentos, relativizando as muitas verdades e os muitos saberes existentes. É o que veremos a seguir.

Segundo Almeida Filho (1993), uma abordagem equivale a um conjunto de conhecimentos, crenças, princípios e imagens sobre o que é linguagem humana, língua estrangeira e o que é aprender e ensinar uma língua-alvo. Enfim, é a filosofia de ensinar do professor e que norteia a sua ação.

Maia e outros (2000) relatam que a Abordagem Comunicativa surge nos finais dos anos 60, na Inglaterra, atraindo os que buscavam uma linha mais humanista e que priorizavam um processo mais interativo para o ensino de línguas. Antes, do século XVIII até praticamente 1970, a abordagem predominante foi a gramatical, com maior ênfase na parte escrita. Na concepção comunicativa, a língua é usada através de sistemas de significados necessários para seu uso comunicativo ao invés de descrevê-la através de conceitos gramaticais e vocabulário.É mais um enfoque que um método. Nela, os procedimentos tradicionais não são excluídos, apenas reinterpretados e ampliados. Os objetivos gerais são amplos, abrangendo vários níveis e por isso podem ser aplicados a qualquer situação de ensino.

Richards e Rodgers (2000) citam Piepho que fala de cinco níveis: um de integração e outro de conteúdo, um instrumental e lingüístico, um afetivo de relações pessoais e de conduta, um de necessidades individuais de aprendizagem e finalmente um nível educativo geral com objetivos extralingüísticos. Todos eles podem ser trabalhados na escola pública, porém dois deles merecem destaque: o nível afetivo de relações pessoais e de conduta, onde a língua é um meio para expressar valores e opiniões sobre si mesmo e sobre os outros; e o nível educativo geral com objetivos extralingüísticos, que diz respeito ao aprendizado da língua dentro do currículo escolar. Através destes níveis, pode-se estabelecer um diálogo entre a nossa cultura e a estrangeira e entre a língua estrangeira e as demais disciplinas do currículo escolar.

Em tempos de globalização, as discussões sobre cultura tomam uma relevância e urgência antes inexistentes. Paraquett (1998) entende por cultura o conjunto de tradições, de estilo de vida, de formas de pensar, sentir e atuar de um povo. E a língua é uma das formas de manifestação da cultura de um povo. Sendo assim, o professor de Língua Estrangeira sempre teve necessidade de conhecer, e circular em outras culturas. No entanto, este parece ser o momento ideal para que ele promova reflexões sobre a importância da sua disciplina num contexto escolar bem como fora dele.

Mendes (2000) cita Ortiz para contrapor o termo globalização ao de mundialização - enquanto o primeiro diz respeito a processos econômicos e tecnológicos, o segundo a culturais. Neste sentido, vale à pena questionar como esses processos se dão, já que da forma como as grandes potências econômicas se distribuem no mundo, o que de fato acontece indica uma imposição sutil de suas tecnologias, produtos e cultura aos países sem força econômica no cenário mundial. Por isso, o professor de LE não pode perder a oportunidade de levantar estes valores e colocá-los em discussão, reforçando a nossa própria cultura e incitando o aluno a pensar o interculturalismo de uma forma crítica. A autora propõe então uma abordagem comunicativa culturalmente sensívelcomo forma alternativa de construção do processo ensino/aprendizagem de línguas, onde a cultura passa a ser o elemento fundador a partir do qual a experiência de ensinar e aprender se constrói.

Voltando a Almeida Filho (2000), pode-se dizer que com uma preocupação fundante com a forma/gramática da língua, os aspectos culturais aparecerão no máximo para ilustrar curiosidades culturais. Muitas vezes essas curiosidades apresentam traços de exotismo, que podem cair no estereótipo e depois no preconceito. O cultural precisa ultrapassar o limite da própria cultura (sentido transcultural) e instalar-se no intercultural, com livre trânsito entre a outra cultura e a nossa. O autor adverte ainda:

Se a disciplina escolar Língua Estrangeira não se desestrangeirizar gradualmente, a experiência cultural-educacional pode definhar até circunscrever-se a um mínimo de experiência lingüística. O fenômeno do gramaticalismo pode ser uma expressão generalizada de estrangeirizamento da LE-alvo. Nessa perspectiva alguns traços distintivos da experiência de ensino-aprendizagem podem ganhar proeminência. (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 121-122)

Tomando o conceito de abordagem de Almeida Filho como referência, pode-se dizer que para se promover um ambiente de ensino/aprendizagem de uma Língua Estrangeira bem sucedido e enriquecedor, as atividades propostas devem integrar todos esses diversos saberes e princípios de maneira que estimulem a interação professor/aluno/materiais. Dentro dessa perspectiva, o material utilizado é de fundamental relevância para se atingir os objetivos desejados, isto é, desenvolver entre os alunos competência lingüística-comunicativa na língua alvo. Mendes (2000, p. 112), partindo da concepção de material sugerida por este autor, aponta os materiais temáticos como ideais para esta linha de trabalho. Estes materiais devem tratar de áreas de uso (culturais/intelectuais), com foco prioritário no sentido, reunido em torno de projetos e tarefas que dão forte sentido à ação de aprender.

Os PCNs falam de temas transversais (Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo), focalizando claramente questões de interesse social. A Multieducação, por sua vez, fala de um núcleo curricular básico que articule princípios educativos (do Meio Ambiente, do Trabalho, da Cultura e das Linguagens) e núcleos conceituais (da Identidade, do Tempo, do Espaço e da Transformação). Ambas propostas privilegiam o trabalho com o texto escrito, promovendo a habilidade de leitura. E os cursos temáticos parecem assim ser perfeitamente aplicáveis dentro destas perspectivas, articulando sempre a cultura local com a cultura-alvo de uma maneira crítica, dinâmica e atual.

Paraquett (2001) também enfatiza a importância da formação de leitores em Língua Estrangeira:

[...] O encontro com o mundo cultural hispânico interessa para o auto-conhecimento e, nesse sentido, para o empreendimento de mudanças que possam possibilitar melhorias no contexto nacional. Conhecer o outro, para a partir dele, conhecer-se melhor.

Mas que procedimento metodológico pode garantir essa viagem? Estou segura de que esse caminho deve ser pautado na formação de leitores que vejam, nos novos códigos (lingüísticos, culturais e estéticos), respostas as suas perguntas de ordem ideológica, filosófica ou pragmática. Ensinar a ler deve ser, portanto, o caminho escolhido por professores de língua estrangeira para uma efetiva realização do processo ensino/aprendizagem. (PARAQUETT, 2001, p. 193)

A perspectiva de leitura tomada pela análise do discurso pode ampliar e enriquecer a prática de sala de aula pois ajuda a entender o jogo de forças travado neste processo, onde o ideológico, o histórico e o social se articulam. Segundo Coracini (1995, p. 19), raramente a concepção discursiva se vê contemplada, já que não são permitidas, em aula, outras leituras que não sejam a do professor ou a do livro didático que o professor respeita como o portador da verdade.

Orlandi (2000) entende que a leitura é uma questão lingüística, pedagógica e social ao mesmo tempo. Portanto parte dos seguintes pressupostos: a leitura não deve se restringir ao seu caráter mais técnico, instrumental; deve-se procurar uma forma de leitura que permita ao aluno trabalhar sua própria história de leituras, assim como a história das leituras dos textos e a história da sua relação com a escola e o conhecimento legítimo; e por último deve-se considerar que o leitor atribui sentidos ao texto e não apenas apreende meramente um sentido que está lá (decodificação).

A escola, em geral, supervaloriza a linguagem verbal e dentro desta a escrita tem um peso maior que a oralidade. Nesta visão, acaba-se por excluir a relação do aluno com outras linguagens e a sua prática de leitura não-escolar. Ignora um processo de aprendizagem já estabelecido no aluno, como se ele nada soubesse e o professor, ao contrário, fosse o dono do saber e assim de toda a verdade contida no texto.

Acreditando que há muitos e variados modos de leitura e que todas as linguagens se articulam, a proposta de se explorar a música, o cinema, a pintura, a fotografia, anúncios publicitários, mapas, assim como textos escritos – autênticos ou não, literários ou não, parece ser uma maneira integrada de se entender o ensino da leitura na escola, já que desse modo há uma busca da articulação de todas essas linguagens. E o aluno precisa ter a possibilidade de experimentar o ensino de leitura dessa forma – sob um viés mais crítico, diverso e que aponte em muitas direções.

Ser comunicativo é estar aberto a uma complexidade de questões que envolvem o ensino/aprendizagem, como as diferenças culturais, institucionais, sócio-econômicas, de personalidade e de humor e sendo assim essa perspectiva parece viável na escola pública. Na grade curricular como disciplina obrigatória, ainda que não reprove, o ensino de E/LE pode começar apenas com alguns dos objetivos da abordagem comunicativa, com a sua ampliação gradual, até que alunos e professores estejam mais preparados e habituados a esta nova vertente.

Urge despertar a curiosidade, o gosto pela leitura e pela cultura dos povos hispânicos bem como o senso crítico dessas crianças. Este trabalho acabará por ser de grande auxílio às outras disciplinas, visto que a dificuldade na leitura é apontada pela grande maioria dos educadores como um dos maiores problemas do aluno de escola pública. Entretanto, mesmo aceitando-se a posição que privilegia a leitura, isso não significa o completo abandono das outras habilidades, dependendo das circunstâncias, do interesse e das necessidades dos alunos.

Outro ponto a ser destacado é que um trabalho isolado tanto dos outros professores de LE quanto dos de outras disciplinas afetará o processo e o produto, limitando o que poderia ser mais integrador para todos. Ser comunicativo num sentido mais amplo implica ainda em sê-lo com os alunos e com os colegas de trabalho também e assim deve-se procurar interagir o tempo todo, buscando elementos que possam esclarecer, enriquecer e guiar a prática pedagógica.

É um desafio trabalhar com E/LE na escola pública, onde os objetivos, as estratégias e os procedimentos têm de estar sendo sempre repensados. É preciso ampliar e reinterpretar o que já se fez antes, testar o que funciona continuamente. Além disso, é necessário convergir as expectativas e os desejos vindos de todas as direções – da escola, através do projeto pedagógico, dos colegas de trabalho, dos alunos e dos documentos oficiais que norteiam a prática pedagógica do ensino fundamental – em prol de uma ação educadora que seja também libertadora e transformadora.

 

Referências bibliográficas

ALMEIDA FILHO, J. C. P. O ensino de Línguas no Brasil de 1978. E agora? Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 1, n. 1, 2001.

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______. Dimensões Comunicativas no Ensino de Línguas. Campinas: Pontes, 1993.

CORACINI, M. J. R. F. O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. Campinas, SP: Pontes, 1995.

MAIA, A. M. B. et alii. Análise comparativa/contrastiva das abordagens gramatical e comunicativa. Brasília: UNB, 2000.

MENDES, E. Aprender língua, aprendendo cultura: uma proposta para o ensino de Português Língua Estrangeira(PLE). In: CUNHA, M.J. E SANTOS, P.(orgs). Textos Universitários. Tópicos em Português Língua Estrangeira. Brasília: EDUNB, 2000.

MULTIEDUCAÇÃO: Núcleo Curricular Básico. Rio de janeiro: SME/R.J., 1996.

ORLANDI, E. P. Discurso e Leitura. Campinas, SP: Cortez& Unicamp, 2000.

PARÂMETROS Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998.

PARAQUETT, M. Da abordagem estruturalista à comunicativa: um esboço histórico do ensino de Espanhol Língua Estrangeira no Brasil. In: TROUCHE, A. L. G.& REIS, L. de F. (orgs.). HISPANISMO 2000. Brasília: Ministerio de Educación, Cultura y Deporte / Associação Brasileira de Hispanistas, v. 1, 2001, p. 186-194.

______. Espanhol Língua Estrangeira: um objeto fundamental. Caligrama, Belo Horizonte: UFMG, v. 3, dez. de 1998.

RICHARDS, J. C.& RODGERS, T. S. Enfoques y métodos en la enseñanza de idiomas. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.