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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

LÍNGUA ESPANHOLA

 

Características da interlíngua oral de estudantes de letras/espanhol nos dois últimos semestres de estudo

 

 

Profa. Glória Pacita Fraguas Vázquez Gomes

Universidade de Brasília

 

 

Quando adquirimos uma língua não aprendemos
unicamente como compor e compreender frases
corretas como unidades lingüísticas isoladas de
uso ocasional: aprendemos também como usar
apropriadamente as frases com a finalidade de
conseguir um efeito comunicativo.

(Widdowson, 1999)

 

Neste trabalho pretendemos analisar algumas características da interlíngua oral de estudantes de Letras /Espanhol, futuros professores, pesquisadas em sala de aula, numa universidade pública da região Centro-Oeste do Brasil. Para a coleta de dados foram gravadas e filmadas as apresentações orais dos alunos observados fazendo as transcrições das mesmas e foi entregue um questionário aos professores implicados no ensino dos alunos pesquisados. O que se pretende com este estudo é caracterizar a interlíngua destes futuros professores e tentar possíveis soluções para minimizar o problema da sua produção oral. Para esta pesquisa nos apoiamos em autores como Selinker (1992), Gargallo (1993), Fernández (1997), Nemser (1971), Corder (1981) entre outros.

O primeiro contato do Português com o Castelhano foi nas fronteiras da Península Ibérica e o segundo nas fronteiras da América. Duas línguas que surgiram naturalmente como evoluções locais de um latim vulgar peninsular, ou seja, duas línguas nacionais de origem comum, que se constituíram historicamente a partir de romances diferentes, muito próximas tanto nos aspectos formais e semânticos como desde o ponto de vista geográfico. Esta similitude é um elemento favorecedor que não poucas vezes tem se convertido num mero obstáculo. A semelhança e a proximidade ocultam, muitas vezes o diferencial e impedem freqüentemente o domínio das mesmas. As interferências que se produzem na aprendizagem do espanhol por luso-falantes representam o cavalo de batalha de profissionais e alunos e afetam ambos.

Numa pesquisa realizada por Abrahão (1992) com alunos de Prática de Ensino de uma universidade pública paulista a pesquisadora traz à tona resultados que mostram que as principais dificuldades do aluno-professor estão relacionadas à falta de fluência na língua-alvo e à insegurança e dificuldades com a abordagem comunicativa toda vez que esses sujeitos tiveram uma formação tradicional (de base estruturalista), portanto ensinam e ensinarão língua estrangeira através dos mesmos moldes, pois lhes são mais imediatos como fonte de experiência vivida.

Sem dúvida, uma das questões fundamentais no ensino/aprendizagem de língua estrangeira é a oralidade e a escrita. O processo natural de aquisição tem como primeiro elemento de contato a oralidade, o mais constante instrumento de uso lingüístico, portanto um dos primeiros pontos a se desenvolver nos aprendizes espera-se que seja a oralidade.

Um problema que aparece freqüentemente e é sempre mencionado como o principal pelos professores quando falam de sua competência profissional é a falta de proficiência oral na língua-alvo. As causas são constantemente atribuídas à formação acadêmica inadequada que as Faculdades de Letras têm oferecido, seja pela falta de recursos humanos e de condições físicas e/ou instrumentais, seja pelo número excessivo de alunos por sala, seja pela materialização da abordagem em métodos tradicionais (normativos) que não exigem habilidades comunicativas do professor (Brown, 1987). Assim, fica o uso da linguagem oral ou escrita para fins reais, relegado a um plano secundário.

A fala emerge no indivíduo através de interações sociais com os outros e em determinado ambiente, com funções primeiramente comunicativa e social. A seguir é internalizada, sem deixar de ser social para voltar, novamente, ao nível interpessoal em relações sociais. Assim, a aprendizagem de uma língua está determinada, entre outras coisas pela capacidade do aprendiz de compor frases corretas, de usa-las de acordo com um contexto específico onde elas são apropriadas o que lembra as posições de Saussure (1916) distinguindo langue de parole, a colocação de Widdowson (1991) entre forma e uso, a de Chomsky entre competência e desempenho, a de Krashen(1982) entre aquisição e aprendizagem e a de Hymes (1972) com relação à competência comunicativa.

Faerch e Kasper (1983) alegam que quanto mais o aluno se engaja em situações comunicativas, maior variedade e mais possibilidades ele tem não só para praticar sua interlíngua, más também para construir hipóteses sobre a L2 e testa-las.

Dubin& Olshtain (1977) acreditam que o papel do professor deve ser o de facilitar o aprendiz a desenvolver suas próprias capacidades e recursos interiores para realizar adequadamente as tarefas.

Para Canale& Swain (1988) proficiência lingüística significa não somente saber fonologia, sintaxe, vocabulário e semântica, mas também ser capaz de fazer uso desse conhecimento apropriadamente em comunicação real.

O presente trabalho se justifica mediante a premência em se obter um quadro de como se dá o ensino/aprendizagem de língua espanhola em um curso de Letras. mapeando e sinalizando os componentes das competências dos alunos, em se delinear um perfil sócio-lingüístico (Berns (1990) da sociedade que abrigará esses futuros profissionais, quanto aos objetivos, visões e usos que deverão fazer da língua espanhola: em se encontrar modelos alternativos de competências necessárias ao graduando de Letras e adequadas aos diferentes contextos).

• Buscar alternativas que minimizem a disparidade entre o que efetivamente o profissional de língua espanhola consegue obter durante sua permanência na universidade, ou seja, dos diversos níveis de competência (Almeida Filho, 1993) necessários ao desempenho da sua função.

• Analisar as forças extrínsecas e intrínsecas que incidem no trabalho da expressão oral em sala de aula;

• Como é o profissional de língua espanhola que os alunos almejam ser ao ingressarem no curso de Letras/Espanhol?

• Como se desenvolve o processo de interlíngua e fossilização nos alunos de semestres finais do curso de Letras/Espanhol, sendo que nessa altura acredita-se que o aluno tenha a competência lingüística e comunicativa necessárias para poder exercer com sucesso sua tarefa como professor.

O foco da pesquisa está voltado para um curso de Letras/Espanhol e visa:

• Analisar os objetivos que os professores têm ou propõem para o ensino de língua espanhola.

• Verificar se os alunos dos semestres finais da Licenciatura em Letras/Espanhol são fluentes e conseqüentemente proficientes na língua-alvo.

 

Cunho da pesquisa

Esta é uma pesquisa etnográfica de natureza qualitativa que focaliza uma prática de pesquisa-ação em uma sala de aula de espanhol. Este tipo de pesquisa é baseada num contexto participativo e autoavaliativo.

A pesquisa etnográfica possibilita ao pesquisador descrever e interpretar as ações das pessoas em um determinado contexto social e cultural. Ela centra-se no individuo vinculado a um grupo social. Assim, é possível estudar uma escola inteira; uma sala de aula observando a classe em todas as disciplinas; as aulas de uma só disciplina ou até estudar uma parte específica da aula de uma disciplina, como é nosso caso. Para descrever as categorias do grupo social objeto de estudo, as próprias palavras dos participantes são utilizadas.

Outra característica importante da pesquisa etnográfica é a ênfase no processo, naquilo que esta ocorrendo e não no produto ou nos resultados finais. O pesquisador aproxima-se de pessoas situações, locais, eventos, mantendo com eles um contato direto e prolongado. Os eventos, as pessoas, as situações são observadas em sua manifestação natural. O período de tempo em que o pesquisador mantém esse contato direto com a situação estudada pode variar muito, indo desde algumas semanas ate vários meses. Características importantes na pesquisa etnográfica são a descrição e a indução. O pesquisador faz uso de uma quantidade de dados descritivos: situações, pessoas, ambientes, etc, que são por ele reconstruídos em forma de palavras ou transcrições literais. O que esse tipo de pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos, novas formas de entendimento da realidade.

Bogdan& Biklen (1998) apontam que a pesquisa qualitativa é um termo guarda-chuva que abrange muitas abordagens que compartilham determinadas características. Incluem-se nesse paradigma o estudo de caso, a observação participante, a pesquisa-ação, alguns tipos de abordagens estatísticas e a etnografia. Para estes autores existem cinco características que definem a pesquisa qualitativa:

• O caráter naturalista: o contexto real se apresenta como a fonte direta dos dados. Para o pesquisador, instrumento chave da pesquisa, a ação só pode ser entendida se observada no contexto onde esta ocorrendo;
• O caráter descritivo: para facilitar a análise, os dados são ricamente detalhados nos registros e transcrições;
• O caráter processual: a pesquisa qualitativa se preocupa mais com o processo do que com o produto. O foco da pesquisa, no caso a sala de aula, se centra nas atividades diárias, nos procedimentos e interações;
• O caráter indutivo: os dados são analisados de forma indutiva. As teorias estão calcadas nos dados e não em hipóteses pré-estabelecidas;
• O caráter significativo: a pesquisa qualitativa se preocupa com as perspectivas dos participantes. Importa saber o significado que os participantes dão as suas ações.

Watson-Gegeo (1995) propõe alguns princípios da pesquisa etnográfica, dentre eles:

• A etnografia enfoca o comportamento das pessoas em grupos e os padrões culturais daquele comportamento;
• A etnografia é holística; qualquer aspecto da cultura ou do comportamento deve ser descrito e explicado em relação com o sistema do qual faz parte;
• A coleta de dados se faz a partir de um arcabouço teórico que direciona a atenção do pesquisador para certos aspectos das situações e certos tipos de perguntas de pesquisa.

O estudo é feito através da observação. Freqüentemente, o pesquisador participa do campo que está sendo estudado. Esse tipo de observação é chamado de "observação participante". O professor pode observar a sua própria sala de aula. Ele é participante enquanto professor da classe e observador enquanto pesquisador das práticas da sala de aula por meio de anotações de campo: gravações em áudio e/ou vídeo; entrevistas etnográficas e coletando documentos.

Os instrumentos de coleta tornam possível a triangulação dos dados durante a interpretação, dando-lhes maior confiabilidade. Segundo Cavalcanti& Moita Lopes (1991) a assim chamada subjetividade inerente a estes tipos de dados, adquire uma natureza intersubjetiva ao se levar em conta varias subjetividades –as varias maneiras de olhar para o mesmo objeto de investigação.

Nunan (1992) lembra que as criticas feitas à pesquisa etnográfica pelos proponentes da pesquisa quantitativa se referem à descrição e análise de apenas um contexto de situação. Cavalcanti& Moita Lopes (p.139) argumentam, tomando como base outros autores, que é exatamente a preocupação com o particular que caracteriza a pesquisa de base antropológica. Investigar outras e muitas salas de aula é, portanto crucial, pois possibilita examinar como alunos e professores se comportam, de modo a que a elaboração de teorias seja concretizada. Assim, nossa pesquisa é de cunho etnográfico de observação-participante.

Foram levantados registros em situação autêntica de sala de aula. Tais registros foram coletados com propriedade através de procedimentos de base etnográfica quais sejam:

• Gravações de aulas
• Filmagem das aulas
• Questionários

Para que a coleta de dados fosse efetuada, várias atividades foram realizadas, a saber:

• Gravações das aulas em vídeo.- as aulas com alunos do oitavo e nono semestre de língua espanhola foram gravadas em vídeo e áudio durante um semestre e serviram de base para a análise e a discussão dos resultados obtidos
• Os alunos foram filmados em vídeo e áudio nas aulas de Espanhol Peninsular e Espanhol da América (metodologia de ensino de línguas), disciplina formativo-profissional.
• Foram elaborados dois questionários um para os professores implicados no ensino dos alunos pesquisados e o outro para os alunos sujeitos da pesquisa.

A análise e discussão dos dados coletados foram feitas com base na triangulação, considerando-se como dados primários as interações em sala de aula e trabalhando com a seguinte hipótese:

Hipótese - Os alunos de Letras/Espanhol não têm a competência comunicativa e lingüística suficiente para ser fluentes e proficientes na língua-alvo. Eles apresentam altos níveis de fossilização.

Através da experiência adquirida em nossa vivência como professora de língua espanhola em diferentes cursos e instituições de ensino superior, temos percebido a necessidade de se analisar e propor mudanças em vários níveis para o curso de Letras que levem a um trabalho mais coerente entre o que se quer do futuro profissional de língua espanhola e o que se faz durante a graduação, buscando repensar caminhos para o ensino de língua espanhola em conjunto professores, alunos e sociedade. Escolheu-se este tipo de aluno, pois percebemos que eles estão praticamente se formando, mas ainda apresentam muitos aspectos fossilizados tanto na escrita quanto na expressão oral que é o aspecto abordado na nossa pesquisa. Além disso, é preciso salientar que esses alunos deveriam ter as competências necessárias para exercer sua futura função, mas, infelizmente, tem um domínio bem precário da língua e se sentem muito inseguros.

No intuito de investigar os fatores que incidem na preparação profissional dos futuros professores de língua espanhola em formação, esquematizamos nossa pesquisa a partir das seguintes perguntas de pesquisa/

1. Como se caracteriza a interlíngua oral dos aprendizes do espanhol falantes de português em fase final de estudo em contexto universitário?
2. É possível especificar uma hierarquia de gravidade das limitações detectadas?
3. As limitações detectadas podem ser agrupadas em feixes comuns?

Segundo Halliday e Hasan (1989) a linguagem do adulto constitui um conjunto de recursos de comportamento social contextualizados, um meaning potencial (potencial de significado) ligado a situações de uso. Assim, ela constitui uma habilidade que o homem possui de dar significados nos diferentes tipos de situação ou contextos sociais gerados pela cultura.

Se a linguagem transforma em fronteiras nítidas aquilo que na experiência são apenas esboços e contornos, a fala é um lugar onde isso se evidencia de forma privilegiada. Enquanto objeto da experiência, a fala é fluida, evanescente, e apenas insinua os contornos que lhe empresta a linguagem. Falamos daquilo vemos, sentimos, lembramos ou imaginamos e, em geral, só somos entendidos por alguém que veja, sinta, lembre ou imagine aproximadamente como nós.

A língua, nos seus dois modos de uso (oralidade e escrita) e uma prática social que contribui para constituir, transmitir e preservar a própria memória dos feitos humanos. E necessário, no entanto, no tratamento da língua em sala de aula prestar mais atenção para a língua falada como ponto de partida e tomar a língua escrita como ponto de chegada (Marcuschi, 1998), principalmente quando se trata de formação de professores, pois a fala vai influenciar na escrita. Ela deverá ser uma fala padrão que deverá ser entendida nas mais diversas circunstâncias.

Existem alguns aspectos (dificuldades) que afetam o ensino de espanhol no Brasil, dentre eles:

• A falsa imagem da proximidade como sinônimo de facilidade provocada pela semelhança entre o espanhol e o português.
• A escassez de material didático adequado ao ensino de espanhol para lusofalantes e dificuldade econômica de importa-lo de outros países.
• O insuficiente número de professores de espanhol/ habilitado.
• A falta de unidade de trabalho, planificação e solidariedade entre alguns professores e algumas entidades que desenvolvem o espanhol.
• A falta de preparação de alguns professores seja de caráter lingüístico e/ou metodológico.

Com a mudança do paradigma, então, passou-se a considerar não mais somente o mundo do ensino, mas também o do aprendizado, não mais importa somente o que fazem o professor, seus métodos e seus materiais, e assim o foco deslocou-se para o que ocorre com o aprendiz.

Analisando os fatores que poderiam influenciar a produção oral de aprendizes de espanhol como língua estrangeira é valido observar a importância do fenômeno da transferência, especialmente no caso de línguas próximas, toda vez que este processo pode ocorrer com ou sem ciência do aluno. Em alguns casos pode levar à situações de transferência positiva, que facilitaria a aprendizagem ou, em outros, como conseqüência de dados diferentes levaria a uma transferência negativa (interferência) com os padrões da língua-alvo causando erros com origem na LM (Krzeszowski, 1990).

Para a definição de interlíngua e foram considerados autores como: Selinker& Lakshaman (1992), Gargallo (1993) Fernandez (1997), Nemser (1971), Corder (1981) Brabo (2001) que a continuação passamos a analisar.

 

Interlíngua

Um dos conceitos chave nos estudos de aquisição é o de interlíngua (Selinker 1972, 1978)cuja definição exigiu que os estudiosos assumissem um ponto de vista que ate a década de 60 não era muito comum, dada a grande influência exercida pela Análise Contrastiva comasua inclinação para o ensino (Brown, 1980, Corder, 1981). Selinker apoiou-se nos estudos de Weinreich (1953) para introduzir o termo interlíngua, como um sistema lingüístico próprio baseado na produção observável do aprendiz, resultado da tentativa que faz de produzir a norma da língua-alvo.

Segundo Corder (1973 apud Brown 1987) a interlíngua pode ser dividida em quatro fases:

• Pré-sistema (o aluno tem uma vaga idéia de estrutura da língua).
• Emergente (o aluno está melhorando a sua produção lingüística e começa a internalizar alguns comandos que nem sempre são corretos. Ele avança um pouco, mas volta a cometer erros do estagio anterior e não consegue corrigi-los).
• Sistemática (embora as regras não estejam bem definidas, os alunos corrigem seus erros quando apontados pelos outros).
• Estabilização ou pós-sistemática (o aprendiz se auto-corrige)

James (1987) acredita que a interlíngua é um dialeto funcionalmente reduzido da língua-alvo. O ponto de partida para estes estudos é as duas línguas envolvidas, a LM e a LE, estando o foco de atenção no espaço intermediário entre as duas.

Autores como Corder, Selinker, Nemser nos anos 70 trabalharam as teorias de IL. Nos anos 80 além desses autores houve a produção de trabalhos nesta linha com pesquisadores como Tarone, Sharwood Smith e Liceras que continuaram nos anos 90 com uma visão mais abrangente. Surgem autores como Santos Gargallo (1993), Fernandez (1997) Liceras (1992, 1996), na Espanha. No Brasil temos Gonzalez (1994) e Osório (2000) sobre alunos brasileiros aprendendo espanhol, Ferreira (1996), Lanzoni (1998).

Segundo Selinker (1994):

A interlíngua daqui por diante IL nada mais é que a língua do aprendiz, ou seja, o sistema de regras lingüísticas que possui o aprendiz de uma segunda língua. Ela constitui-se de regras que podem ter muito ou pouco a ver com as regras da LM ou mesmo com as regras da L2 que ele esta adquirindo. (Selinker, 1972,1978) Brown, (1980). Diferentemente do que poderia sugerir o nome, a interlíngua não é um mosaico das regras da LM e L2, mas sim um universo de transição para L2 que é construído a partir da exposição a esta L2 no contexto natural de aquisição quanto no formal.

Isto ocorre por um processo de tentativa e erro. Segundo Corder (1967, 1974,1981), este aprendiz estaria sempre avaliando aspectos em que sua LM difere da L2 e em que grau se manifestam tais diferenças e também o conhecimento de outras línguas.

Adjemian (1982 apud Gargallo 1993) acredita que a interlíngua pode ser caracterizada pelos seguintes fatores:

• Fossilização (fenômeno lingüístico que mantém traços da gramática da LM na interlíngua do aprendiz de forma inconsciente ou consistente).
• Regressão voluntária: fenômeno lingüístico que se caracteriza pelo aparecimento de regras ou vocábulos que diferem dos da língua-alvo, desvios estes que pareciam ter sido superados em fases anteriores.
• Permeabilidade. Fenômeno lingüístico que permite que as regras da LM sejam introduzidas no sistema lingüístico.

O conceito de interlíngua sempre é estudado em paralelo aos conceitos de interferência e fossilização. A seguir faremos referência a este último por considerarmos ser um dos problemas fundamentais que apresentam nossos sujeitos pesquisados.

 

Fossilização

Um dos processos pelos quais a interlíngua (doravante IL) do aprendiz pode passar é a fossilização (Selinker, 1978, Brown, 1980), ou seja, a permanência de uma regra ou conjunto de regras não existentes na L2. Ela afeta qualquer dos subsistemas que mencionamos e não depende da idade do aprendiz, da instrução que ele possa receber e, pelo menos, em relação ao subsistema fonológico poderia originar-se de fatores afetivos relacionados à empatia com a cultura(e os falantes nativos) da L2 e à tentativa do aprendiz de manter sua própria identidade cultural (Tarone, 1978). Na verdade, pouco se sabe sobre o que de fato ocasiona esta petrificação de uma regra da IL, mas pensa-se que tal processo seja irreversível.

Segundo Nakuma (1998) a fossilização seria a recorrência de uma forma não só incorreta, mas também que se acredita impossível de ser mudada durante a produção da língua alvo, não importando o grau de exposição a que o aprendiz seja submetido na mesma. O que difere a fossilização da estabilização é, justamente, o fato da primeira não poder ser corrigida e a segunda sim. Selinker e Lakshaman (1992) explicaram a fossilização como sendo constituída por quatro partes que deveriam ser pesquisadas: input restrito, dificuldade de erradicação de alguns problemas de interlíngua, realizar estudos longitudinais que observem o mesmo indivíduo por anos e a tendência a algumas estruturas se fossilizarem mesmo que o input oferecido não seja restrito.

Assim, a incorporação de modo relativamente permanente de formas lingüísticas incorretas na competência de uma pessoa em uma segunda língua é chamada de fossilização. Há um momento em que este processo tende a se estagnar e cessa. Pode ocorrer em grau muito avançado de domínio da língua, especialmente se esta é abordada com ênfase nos aspectos lexicais e sintéticos, atribuindo papel secundário à pronuncia e ao sotaque. Tal momento, que marca o início da fossilização, deriva da satisfação do falante com o nível alcançado para efeito de suas necessidades comunicativas à qual se combina um feedback positivo dos seus interlocutores nativos.

O processo de fossilização pode se dar em três campos de dificuldades, a saber:

• Dificuldades morfossintáticas no âmbito da frase, referindo-se, sobretudo, ao uso inadequado de preposições, troca de gênero e às questões que envolvem a utilização de verbos, seja em correlação, concordância ou nas relações de tempo e aspecto;
• Dificuldades semântico-lexicais quanto ao emprego de verbos específicos: ser e estar, ter e haver, chegar e vir, etc;
• Dificuldades fonético-fonológicas, sendo as mais comuns as que se referem a vogais abertas e fechadas e algumas consoantes simples e dobradas como r e rr.

 

Considerações finais

A interlíngua se caracteriza pela interferência da LM. Dependendo do modelo de performance a que o aluno estiver exposto, sua interlíngua apresentará maior ou menor grau de interferência. Se o modelo de performance da língua estrangeira não for autêntico, isto é, se o professor não tiver um nível de proficiência equivalente à de um nativo, o aluno já estará assimilando desvios que caracterizam a interlíngua, causando uma tendência maior à fossilização dos mesmos. As necessidades de comunicação na língua estrangeira enfrentadas pelo aluno podem exigir uma freqüente produção de linguagem imprecisa, que se não for contrabalançada e sobrepujada com input autêntico, acabará causando uma internalização prematura de formas de interlíngua, a fossilização dos desvios que a caracterizam.

A interferência ou transferência negativa se dá na medida que o falante de uma língua, ao aprender uma segunda, percebe que o elemento que quer transferir é comum. Trabalhos que remontam aos anos cinqüenta já apontavam que o aluno tende a transferir para a segunda língua formas e significado de sua língua e cultura original.

A análise contrastiva partiu das equações: diferença=dificuldade; semelhança=facilidade de aprendizagem. Hoje, sabe-se que esta predicação não é uma verdade absoluta. Estudos apresentam inúmeros casos em que estruturas gramaticais distintas não apresentam dificuldades, ao passo que estruturas próximas acarretam problemas de aprendizagem.

Interferência, então, será a ocorrência de forma de uma língua na outra, causando desvios perceptíveis no âmbito da pronuncia, do vocabulário, da estruturação de frases bem como nos planos idiomático e cultural.

A questão de interferência é encarada hoje como a transferência de padrões estruturais e vocabulário. Trata-se de um recurso estratégico, criativo, pelo qual o aluno resolve problemas a partir da LM e/ou de outra anteriormente conhecida.

Existe um consenso sobre a importância da competência estratégica no desenvolvimento da interlíngua com relação ao sucesso do aprendiz em sua comunicação na língua-alvo, mas essa competência tem se apresentado como um ponto bastante controvertido na literatura da área.

Tarone& Yule (1987) consideram a competência estratégica como componente fundamental da competência comunicativa por ser definida como a habilidade de transmitir ou compreender com sucesso uma mensagem. Segundo as autoras o domínio das habilidades estratégicas em uma língua esta relacionado à habilidade de transmitir informações para um ouvinte e, de forma correta, interpretar informações recebidas. Alem disso, inclui o domínio das estratégias de comunicação usadas para lidar com problemas que podem aparecer durante a transmissão dessas informações.

Assim, a competência estratégica estaria ligada diretamente às estratégias comunicativas, pois é essa competência que capacita os falantes de uma língua a organizarem seus enunciados de forma eficaz.

 

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