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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002
LÍNGUA ESPANHOLA
Distribuição de clíticos no Espanhol e no PB e a repercussão no ensino de Espanhol L2
Maria Mercedes R. Q. Sebold
UFRJ (Rio de Janeiro)
O objetivo deste trabalho é investigar, segundo a ótica da teoria lingüística de base gerativista, a aquisição dos clíticos por aprendizes de Espanhol L2 falantes de Português do Brasil (PB), bem como a repercussão do fenômeno apagamento de objeto no PB nas estruturas com clíticos do Espanhol. Vamos investigar dois fenômenos: a não realização dos clíticos objeto em espanhol e a sensibilidade desses clíticos à posição, que ora é realizada na posição de origem, ora na posição derivada.
A metodologia utilizada foi uma tarefa de Julgamento de Gramaticalidade aplicada a aprendizes de Espanhol falantes de PB do Curso de Letras (português- espanhol) e composições desses mesmos aprendizes. Estesaprendizes foram divididos em três diferentes níveis: básico, intermediário e avançado. O nível básico correspondeu aos aprendizes que já estudavam há seis meses o espanhol, o nível intermediário aos que já tinham um ano de estudos da língua e o avançado àqueles que já estudavam há três anos.
Foram selecionados quatro casos de apagamento de clítico de objeto direto, clítico de objeto indireto, clítico de objeto direto e indireto e clítico neutro. Foram selecionados para cada caso 10 sentenças gramaticais e 10 agramaticais. Entre as dez sentenças agramaticais, foram incluídas 2 sentenças agramaticais para testar a sensibilidade dos clíticos à posição. O total de sentenças do Julgamento de Gramaticalidade foi de 80.
Os pressupostos teóricos que subjazem a nossa investigação baseiam-se inicialmente em Kayne, que advoga que os pronomes são gerados na posição NP e cliticizados para o verbo por uma regra obrigatória de movimento.
Outro pressuposto teórico reside na questão que trata do lugar onde os clíticos pronominais se situam e para onde são movidos. Em nosso trabalho seguimos a Uriagereka que postula como lugar de pouso dos clíticos a categoria F. F codifica o ponto de vista do falante ou algum outro sujeito. Uriagereka defende que o elemento enfatizado se move para o especificador (spec) da categoria F, que é interpretado pelos componentes perfomativos que expressam o ponto de vista que o sujeito preferir como relevante.
Uriagereka (1992) propõe que o verbo se move para F pelas mesmas razões que se move para I em línguas com I forte. O autor sugere que o verbo no Romance arcaico tinha traços F fortes em sua morfologia, que foram checados com a posição de F forte. Spec F hospeda sintagmas de ênfase, tópicos não contrastivos, expletivos explícitos, material deslocado. E o núcleo F é explicitamente realizado com pleonasmos focalizados, recomplementação, e hospeda o clítico e o movimento de V. Línguas com um F morfologicamente ativo exibem tais propriedades; línguas sem ele não exibem nenhuma delas, e línguas com um F residual não morfológico exibem somente algumas.
Dessa maneira, em determinada língua os clíticos sobem para F pela Forma Fonética (depois de que o verbo se move para F por razões morfológicas) e, portanto, F é certamente ativo, como é o caso do Espanhol.
O Espanhol se caracteriza por apresentar complementos clíticos abundantes, que, às vezes, duplicam ou são duplicados por uma forma tônica. A ordem mais comum no Espanhol, assim como, no PB é a do clítico em posição pré-verbal.
Com relação às condições de colocação dos clíticos podemos afirmar que são bastante simples e rígidas e que a posição dos clíticos na oração vem determinada por dois fatores:
1- por outra (s) forma(s) pronominal (ais) átona(s) que possa(m) coexistir com eles na oração, e
2- pela forma verbal de que são complementos.
Nos tempos finitos predomina a próclise, e nos infinitos predomina a ênclise, e o clítico tem mais um caráter de flexão de concordância. Quando há perífrases que reúnem um elemento com flexão e outro sem flexão, o clítico pode se prender a um ou a outro.
No que diz respeito às diferenças entre o PB e o Espanhol, o fenômeno de apagamento de objeto em Espanhol aparece em contextos restritos, predominando a cliticização. Já as pesquisas feitas sobre o português brasileiro apontam nele uma assimetria no preenchimento dos argumentos sujeito e objeto, bem como uma correlação entre esses dois fenômenos. Enquanto o argumento sujeito tende cada vez mais a ser preenchido por um pronome lexical, o objeto direto tende a ser cada vez mais ser representado por uma categoria vazia. Essa particularidade oferece alguns problemas no que diz respeito à aquisição de Espanhol L2 por falantes de PB.
Quanto ao resultado geral do teste, separado por níveis, concluimos que com relação às sentenças gramaticais, o índice de acerto foi superior ao de erro nos três niveis. Já nas sentenças agramaticais o nível de erro foi maior que o de acerto, o que nos fez concluir que todos os aprendizes apresentaram mais sensibilidade para identificar sentenças agramaticais
(1) resultados gerais do teste
Após uma análise mais detalhada de cada sub-fenômeno, foi possível constatar respectivamente em cada um deles.
(1) Apagamento de Objeto Direto
Exemplo 1: La cafetería la han cambiado mucho, pero vendían hamburguesas a la parrilla, como antes.
Exemplo 2: *La guía decía que la iglesia del pueblo era del siglo XII, estilo románico con elementos góticos. Luis quiso ver.
Quanto ao sub-fenômeno Apagamento de Objeto Direto, os resultados mostraram que a diferença em porcentagem entre o nível básico e o intermediário é praticamente a mesma, tanto nas sentenças gramaticais quanto nas agramaticais. Embora no nível avançado, a diferença percentual seja menor, o que nos levaria a concluir que somente neste nível (aqui estão os aprendizes que estudam o Espanhol há 3 anos) é que se poderia falar numa conscientização das diferenças paramétricas entre PB e Espanhol, com relação ao fenômeno de apagamento.
No nível avançado há uma diferenciação maior. Nas sentenças gramaticais a porcentagem de acerto é maior, já nas sentenças agramaticais, a porcentagem de erro é maior.
(2) Apagamento de Objeto Indireto
Exemplo 1: Cecilia quería pedirle perdón, pero no sabía de qué pedirle perdón. Es decir, sabía, pero no tenía palabras.
Exemplo 2:*Ha mirado a mí.
No sub-fenômeno apagamento de objeto indireto, observamos que os índices percentuais se mantiveram como os de apagamento de objeto direto, sendo que no nível avançado, nas sentenças gramaticais diminuiu o número de sentenças certas; já nas agramaticais aumentou a porcentagem de acerto, embora o percentual de erros tenha sido maior que o de acertos.
(3) Apagamento de Objeto Direto e Indireto
Exemplo 1: – Este plano no sirve.
– Y ahora me lo decís.
Exemplo 2: *– En qué torre estará el caballero, me pregunto.
- Los del pueblo van a decir, si preguntas con tu sonrisa irresistible.
No sub-fenômeno apagamento de objeto direto e indireto, o nível básico teve uma diferenciação em relação aos demais níveis. Nas sentenças gramaticais houve uma diminuição do índice de acertos e nas agramaticais houve uma diminuição de acertos e uma proporção bem maior de erros.
(2) Apagamento de Pronome Neutro
Exemplo 1: Luis no lo sabía.
Exemplo 2:* Es inteligente pero no parece.
No sub-fenômeno apagamento de pronome neutro, os níveis básico e intermediário uma vez mais se mantiveram equivalentes nos índices percentuais, o que nos levaria a levantar a hipótese de que somente no nível avançado haveria uma internalização das diferenças paramétricas entre PB e Espanhol. No nível avançado ocorreu uma pequena diminuição no índice de acertos.
Como já foi dito anteriormente, entre as 10 sentenças agramaticais duas delas foram incluídas com o objetivo de investigar a sensibilidade dos clíticos à posição. Os resultados gerais obtidos foram:
Inversão da ordem
Quando investigada a inversão de ordem, verificamos uma diferença entre o nível básico e os dois outros níveis. Ainda que nos três níveis o índice de acerto tenha sido maior que o de erro, no nível básico o índice de acerto foi bem menor que o dos demais níveis. Tal fato nos levaria a concluir que no período de seis meses, correspondente ao nível básico, a sensibilidade quanto à posição ainda não se deu.
No nível básico o maior índice de acerto foi encontrado nas sentenças futuro+clítico, pretérito indefinido+clítico, presente+clítico.
No nível intermediário houve 100% de acerto nas sentenças de futuro+clítico e pretérito indefinido+clítico . Já o nível avançado apresentou um pequeno aumento no percentual de acertos.
Também nos interessou investigar a sensibilidade de posição dos clíticos dentro de cada um dos sub-fênomenos. Os resultados obtidos foram:
(1) Apagamento de objeto direto
Exemplo 1: *Las calles hasta mi casa nunca han las arreglado.
(2) Apagamento de Objeto Indireto
Exemplo 1:* Hablé le mucho de mi tío.
(3) Apagamento de objeto direto e indireto
Exemplo 1: *Me ha lo dicho en serio.
(4) Apagamento de pronome neutro
Exemplo 1: *No me dejó comprar el regalo. Quiere lo hacer ella.
Ao analisarmos cada sub-fenômeno com relação à sensibilidade de posição dos clíticos, pudemos observar que no sub-fenômeno de Apagamento de objeto direto houve no nível básico um percentual de erros maior que o de acertos, enquanto que nos outros dois níveis foi maior o percentual de acertos.
No item apagamento de objeto indireto, os três níveis apresentaram um nível percentual maior de acertos, embora no nível básico o percentual tenha sido menor. Já no sub-fenômeno apagamento de objeto direto e indireto, repetiu-se o panorama visto quando do sub-fenômeno apagamento de objeto direto, ou seja, o nível básico teve um maior percentual de erros.
Finalmente, no item apagamento de pronome neutro, todos os três níveis apresentaram um maior percentual de acertos em relação ao de erros. Mas o nível básico uma vez mais apresentou um grande distanciamento com relação aos demais níveis. Tal fato, poderia fazer-nos concluir que na questão de sensibilidade dos clíticos à posição, há um corte entre o nível básico e os níveis intermediário e avançado.
Se comparamos os dados levantados a partir da análise das composições com os levantados a partir da análise dos Julgamentos de Gramaticalidade, observamos que nos JG os aprendizes apresentavam problemas com relação às estruturas com clíticos mas não com relação à ordem. Comparando agora com os dados de composição, os aprendizes demonstraram pouco uso dos clíticos, e especificamente uso do clítico objeto indireto, e só uma ocorrência de clítico objeto direto e clítico objeto indireto no nível intermediário. Mas por outro lado, houve um número mínimo de ocorrências agramaticais quanto à ordem o que confirmaria a hipótese inicial de que os aprendizes de espanhol falantes de PB aprendem mais facilmente a ordem do que o uso de clíticos. È preciso comentar também que o número de clíticos encontrados foi maior nos níveis iniciais (41 no básico e 60 no intermediário) e no nível avançado reduziu-se a 15.
Buscando uma interpretação dos resultados encontrados a partir da fundamentação teórica apresentada inicialmente, retomamos a idéia de que a sintaxe é dirigida pela morfologia (Chomsky, 1992). O apagamento de clítico em espanhol por aprendizes falantes de PB poderia ser justificado pelo apagamento de objeto no PB. Mas também é preciso considerar a questão do núcleo F. Ao considerar o fenômeno da cliticização em espanhol, é impossível não correlacioná-lo com o F ativo.
Línguas como o francês têm um F inativo na sintaxe; línguas como o espanhol e o galego têm um F ativo como núcleo sintático tomando IP (ou AgrsP) como complemento. Em línguas com F ativo, como é o caso do Espanhol, os clíticos se posicionam explicitamente nesse lugar, ao passo que nas línguas com F inativo o pro será licenciado de maneira diferente. Tal fato poderia explicar as diferenças paramétricas no posicionamento dos clíticos.
Cabe perguntar nesse momento quel é o status de F no PB. De um lado, observamos que, em geral, o pronome é realizado freqüentemente na posição em que é gerado, como em ‘Eu vi ele’, ‘Eu amo ela’. De outro lado, o CP – onde está F – parece possuir naturezas diferentes no PB e no Espanhol. Em português, o CP é o lugar do tópico zero, o que juntamente autoriza o aapagamento do objeto e conseqüentemente o extermínio dos clíticos.
Depois da análise dos testes de julgamento de gramaticalidade, verificamos que há uma ruptura no que diz respeito aos sub-fenômenos considerados no nível intermediário para o avançado, no caso dos apagamentos. Considere-se que no nível básico estavam os aprendizes com seis meses de curso, no intermediário os aprendizes com um ano de curso, e no avançado aqueles com três anos de curso. As estruturas de apagamento de objeto necessitariam, pois, de um período maior para que efetivamente ocorra a aprendizagem sem interferências do PB e para que se reconheçam as diferenças paramétricas entre uma e outra língua. Já 'na questão da sensibilidade dos clíticos à posição verificamos que a ruptura se deu entre o nível básico e os outros dois níveis.
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