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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

LÍNGUA ESPANHOLA

 

A conjugação1 dos modelos de análise contrastiva e de análise de erros no tratamento dos matizes do verbo português ficar em espanhol

 

 

Otávio Goes de Andrade

UEL (Londrina)

 

 

"... el profesor puede ayudar a crear un ambiente favorable en el que se desarrolle la lengua en la mente de los aprendices, fomentándola a través del empleo adecuado del Análisis Contrastivo y del Análisis de Errores."
Durão (1999, p. 277)

 

Introdução

Nas duas últimas décadas, o ensino de espanhol como língua estrangeira no Brasil tomou corpo e hoje goza de prestígio tendo vários cursos em academias voltados para aquele fim, assim como cursos de graduação para formação de professores e materiais didáticos específicos sendo concebidos voltados para o alunado brasileiro.

Neste contexto, a Lingüística Aplicada (LA) encontrou um nicho rico e com múltiplas possibilidades de exploração que é o âmbito dos problemas específicos de brasileiros estudantes de espanhol. Esta área vem ganhando paulatinamente significativas contribuições de pesquisadores brasileiros e estrangeiros interessados em desvendar o "modus operandi" deste processo peculiar de aprendizagem daquele que possui o português como língua materna (LM ou L1) e estuda o espanhol como língua estrangeira (LE / L2 ou língua meta).

Tendo em vista este panorama, é notória a necessidade de estudos contrastivos que possibilitem a visualização das convergências e divergências lingüísticas existentes entre o português e o espanhol para uma otimização do processo de ensino / aprendizagem de brasileiros estudantes de espanhol, através da preparação de materiais para esta finalidade.

Para tanto, a Lingüística Contrastiva (LC), um dos ramos da Lingüística Aplicada, oferece os elementos teóricos para tal fim, visto que a LC em sua versão prática busca verificar tanto as diferenças como as semelhanças entre pares de línguas com o propósito de aplicar seus resultados no processo de ensino / aprendizagem de L2/LE.

O destaque do fenômeno da interferência lingüística da língua materna na aprendizagem da língua estrangeira é um fato comum no ensino de espanhol como língua estrangeira para estudantes brasileiros. Com vistas a estas constatações, este trabalho pretende discorrer sobre os problemas causados pela interferência de estruturas em que se usam o verbo ficar no português na aprendizagem dos mesmos matizes destas estruturas em espanhol, partindo da Lingüística Aplicada, especificamente da conjugação dos modelos de Análise Contrastiva (AC) e de Análise de Erros (AE), ambos modelos oriundos da Lingüística Contrastiva, como suporte teórico para as reflexões sobre o tema proposto.

 

Por quê os alunos erram? As noções dos Modelos de Análise Contrastiva e de Análise de Erros

O processo de ensino / aprendizagem de qualquer aluno está permeado por "erros". Ao longo dos últimos anos, muitos teóricos se debruçaram sobre tal tema para tentar entender sua natureza. Foram formuladas algumas teorias no âmbito da Lingüística Contrastiva através de seus modelos de análise, propiciando reflexões que nortearam a ação docente, assim como a preparação de materiais para o ensino de línguas estrangeiras.

Um dos primeiros modelos a serem desenvolvidos no âmbito da LC foi o Modelo de Análise Contrastiva, que nasce a partir de idéias Comportamentalistas, concebendo o processo de aprendizagem de uma LE como a aquisição de uma série de hábitos, baseados no binômio estímulo-resposta. Um dos principais conceitos deste modelo é o da "interferência lingüística", que seria a transposição de elementos da LM para a LE, sejam eles fonéticos, morfológicos ou sintáticos. Com esta perspectiva, o erro era visto de uma forma negativa, como algo que deveria ser evitado através do uso de materiais oriundos do contraste sistemático da língua materna do estudante com a língua estrangeira que se pretende aprender, com uma previsão daquilo que potencialmente poderia resultar em erro na LE em virtude da divergência com a LM do aluno. Os trabalhos desenvolvidos com vistas a estas idéias foram demonstrando que os erros que muitas vezes eram previstos não aconteciam e, em muitos casos, apareciam outros, que não estavam estritamente relacionados com distância ou proximidade entre a LM e a LE, suscitando muitas críticas ao modelo.

Uma mudança significativa ocorre com o advento da Teoria Transformacional de Noam Chomsky, levando os estudos sobre a aprendizagem de línguas estrangeiras a abordarem questões relativas aos processos cognitivos pelos quais se dá a aprendizagem. Nesta nova perspectiva, outro modelo de análise surge, o Modelo de Análise Erros, que tem a partir das reflexões de Corder uma visão positiva dos erros, entendendo-os como parte natural do processo de aprendizagem e como indicadores do estágio em que se encontram os alunos. É criado também o conceito de "Interlíngua" por Selinker, definindo o idioma falado pelo aprendiz como algo que em princípio está entre a LM e a LE e que paulatinamente vai sendo aperfeiçoado pelo estudante.

No quadro abaixo podemos vislumbrar como ambos modelos se resumem:

 

 

Tendo em vista os desdobramentos dos modelos aqui citados, nos parece interessante ressaltar que ambos não são excludentes e sim complementares, pois a Análise Contrastiva iniciou reflexões posteriormente perfiladas pelo modelo de Análise de Erros. Desta forma, parece ser bastante coerente propor que ambos sejam utilizados em conjunto para que professores e teóricos possam tecer considerações e propor alternativas para otimizar o processo de ensino / aprendizagem de brasileiros que estudam espanhol.

 

Matizes do verbo português ficar em espanhol

Quando o aluno brasileiro aprende língua espanhola não começa do nada (Durão, 1999, p. 243/244), pois já possui um sistema lingüístico internalizado e de muitas formas este sistema pode favorecer o processo de ensino / aprendizagem da língua espanhola, visto que a familiaridade lingüística acelera a aprendizagem nas primeiras etapas. Porém, no momento em que as convergências entre o português e o espanhol começam a rarear e as divergências se acentuam, surge a necessidade do estudo sistemático de estruturas específicas do espanhol. Neste sentido, o aluno que sabe que pode utilizar o verbo português ficar em sua língua em vários contextos seguramente terá problemas se as estruturas que se referem aos matizes deste verbo não forem as mesmas em espanhol. Tal constatação nos levou a pesquisar os matizes do verbo português ficar em espanhol, partindo da hipótese de que o aluno traça um paralelo entre ficar e quedar, utilizando quedar para todos os sentidos em que utiliza ficar em português, gerando erros ao expressar-se em espanhol visto que nem tudo que se diz com ficar em português se diz com quedar em espanhol. Como embasamento teórico utilizamos a proposta da conjugação dos modelos de AC e de AE, visto que sistematizar convergências e divergências do português e do espanhol e coletar os erros dos alunos a partir da sistematização, configura-se como uma forma muito produtiva de se trabalhar com línguas irmanadas.

Para organizarmos um corpus para a AC, foram selecionados nove contos de Machado de Assis (O segredo de Augusta, O espelho, A chinela turca, Noite de Almirante, Cantiga de Esponsais, Singular ocorrência, O diplomático, A cartomante e Missa do Galo) traduzidos para o espanhol, assim como a obra "A luz no túnel", de Jorge Amado, e a obra traduzida para o português "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez. Foram selecionadas 333 frases em que apareciam o verbo ficar em português e foram colhidas suas respectivas traduções para o espanhol. Após a delimitação das ocorrências, fixamos uma nomenclatura baseada na classificação do verbo ficar feita por Luft (1996, p. 302), para em seguida dividir o corpus descartando ocorrências que não correspondiam à nomenclatura fixada, assim como as ocorrências que apareciam apenas uma vez, buscando respaldo nas ocorrências sistemáticas, constituindo assim um corpus final de 204 ocorrências que foram colocadas em espelho, gerando os seguintes matizes:

• Passar a ser ou estar (mudança de estado ou condição); tornar-se;
• Estacionar (em certo lugar): permanecer;
• Subsistir; (per) durar; permanecer; persistir;
• Exprime aspecto progressivo, continuativo;
• Manter sob sua posse, guarda ou tutela;
• Estar situado; situar-se;
• Provir resultar;
• Comprometer-se; encarregar-se.

A partir da organização destes oito matizes, elaboramos um exercício aplicado a um grupo de 40 alunos oriundos do curso de Secretariado Executivo e Letras da Universidade Estadual de Londrina, que já haviam estudado espanhol por pelo menos dois anos, para verificar se os mesmos diferenciavam os matizes de ficar que não correspondiam a quedar. Com a análise dos exercícios preenchidos pelos sujeitos, verificamos que a grande maioria uniformizou as respostas com o uso de quedar, inclusive naqueles matizes que não comportavam tal resposta, confirmando a hipótese inicial do trabalho.

Sendo assim, no caso do matiz passar a ser ou estar (mudança de estado ou condição); tornar-se, com suas equivalências correspondendo aos verbos de cambio, que são estruturas específicas do espanhol, os alunos encontrarão maiores dificuldades, de acordo com a hipótese testada e comprovada com o auxílio do exercício aplicado ao utilizarmos os Modelo de Análise de Erros. Podemos afirmar que a gama de verbos utilizada em espanhol para configurar este mesmo matiz deve ser sistematizada contrastivamente, visto que o aluno deve preparar-se para ir de um único padrão (ficar) para muitos outros padrões com os verbos de cambio, cada um deles indicando diferentes nuances da participação do sujeito, nuances estas uniformizadas pelo uso de ficar em português.

 

Conclusão

Neste breve trabalho, quisemos demonstrar que o uso dos modelos de Análise Contrastiva e de Análise de Erros de forma conjugada pode ser uma forma de tratar de questões de ensino / aprendizagem de espanhol como língua estrangeira tendo em vista o contexto brasileiro, demonstrando tal proposta com o estudo realizado com os matizes do verbo português ficar e suas equivalências em espanhol.

 

Bibliografia

ANDRADE, O. G. Matizes do verbo português ficar e seus equivalentes em espanhol. Londrina: Editora UEL, 2002. 358p.

DURÃO, A. B. de A. B. Análisis de errores e interlengua de brasileños aprendices de español y de españoles aprendices de portugués. Londrina: Editora UEL, 1999. 361p.

GARGALLO, I. S. Análisis Contrastivo, Análisis de Errores e Interlengua en el marco de la Lingüística Contrastiva. Madrid: Síntesis, 1993. 175p.

_______________. Lingüística Aplicada a la enseñanza-aprendizaje del español como lengua extranjera. Madrid: Arco Libros, 1999. 95p.

LADO, R. Introdução à Lingüística Aplicada. Petrópolis: Vozes, 1971.

LUFT, C. P. Dicionário de regência verbal. São Paulo: Ática, 1996.

 

 

1 Proposta metodológica utilizada para desenvolvimento do projeto de pesquisa "Matizes equivalentes do verbo português ficar no espanhol", cadastrado na CPG/UEL sob o número 16864/01.