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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002
Os periódicos dos imigrantes espanhóis
Antón Corbacho Quintela
Universidade Federal de Goiás
Se for ignorada a polêmica que gira em torno da presença no Brasil – concretamente no Ceará – de Vicente Pinzón com anterioridade à arribada da armada cabralina, poder-se-ia afirmar que o primeiro espanhol que desembarcou nas costas brasileiras foi o galego Mestre João Faras, um bacharel em artes e medicina, cirurgião e astrólogo, que ao serviço do Rei de Portugal, D. Manuel I, redigiu, aos 26 de abril de 1500, uma das três cartas que comunicam o descobrimento da ilha de Santa Cruz. É esse o documento em que se registram e se descrevem por primeira vez as estrelas da constelação do Cruzeiro do Sul. Embora tenha sido afirmado (PEREIRA, 1999, p. 71) que a Carta do Mestre João é uma missiva redigida em português castelhanizado, a análise filológica da mesma revela que sua redação foi feita em espanhol renascentista com poucas interferências do português. Assim se tratando, pode-se afirmar que desde a época em que Cabral desembarcou no Porto Seguro constata-se a presença de espanhóis no Brasil escrevendo sobre o Brasil e, às vezes, em espanhol.
Por outro lado, ainda que a primeira época áurea de estreitamento nas relações culturais entre os territórios hispânicos e lusitanos tenha sido o período da União Ibérica (1580-1640), a grande emigração em massa da Espanha ao Brasil aconteceu entre 1880 e 1930. O fluxo imigratório massivo ao Brasil iniciou-se devido à necessidade de contratação de mão de obra assalariada e livre como a única alternativa que se apresentava viável aos latifundiários brasileiros perante a cada vez mais difícil utilização da força de trabalho escrava. A promulgação da Lei Áurea, aos 13 de maio de 1888, fizera com que a importação de imigrantes se tornasse o meio mais prático para suprir de forma acelerada o trabalho escravo. Com vistas a incentivar essa imigração de famílias européias, sobre tudo para a lavoura do café, um grupo de potentados fazendeiros paulistas criou, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigração, a qual se converteu na primeira instituição que visava coordenar política e ações para atrair grandes levas de imigrantes. A Sociedade Promotora de Imigração contratou e subvencionou a vinda de famílias de imigrantes espanhóis ao Brasil, facilitando as passagens de navio e o transporte ferroviário até as fazendas do café1. Nesse sentido, apesar de que a pressão demográfica e a instabilidade econômica da Espanha tenham sido fatores coadjuvantes, a principal força desencadeante do processo migratório foi, de fato, a procura de trabalhadores para as fazendas do café organizada na Europa pelos ganchos ao serviço do Brasil.
Da existência de uma emigração subsidiada ao Brasil podem ser tiradas duas conclusões. Por um lado, pode-se interpretar que aqueles emigrantes com menos recursos econômicos – aqueles que não dispunham de dinheiro suficiente para custear os gastos da viagem – eram os principais candidatos a optar pelo Brasil e, por outro, que o sistema de recrutamento subsidiado de trabalhadores espanhóis estava claramente voltado para a contratação dos camponeses indigentes, aqueles que, ao não possuírem terras, aceitariam mais facilmente serem explorados como braçais nas grandes fazendas. Ademais, o modelo de imigração subsidiada ao Brasil orientava-se a facilitar a chegada de famílias, as quais podiam realizar melhor os diferentes labores que exigiam os cuidados do café. Esta especificidade da demanda, devido ao oneroso da viagem e aos gastos iniciais que os imigrantes tinham até conseguir emprego e acomodação, não poderia ter sido cumprida sem esse auxílio estatal. Consequentemente, pode-se deduzir que o Brasil foi a principal escolha americana dos trabalhadores rurais com menos recursos da Espanha, embora o Brasil possa não ter sido a primeira escolha feita ao pensar na construção de um novo destino através da emigração. Todavia, conforme destaca GONZÁLEZ (2000, p. 250) a inserção no recrutamento de mão-de-obra agrária através do sistema de prerrogativas para a imigração subsidiada ao Brasil não se produziu no caso dos galegos. Segundo essa autora, os migrantes da Galiza se dirigiram ao Brasil por conta própria, pagando eles mesmos as passagens e evitando o trabalho nas plantações paulistas do café.
Não se pode deixar de considerar que, para as autoridades brasileiras poderem desenvolver seu labor de captação de candidatos espanhóis à emigração, teve que haver na Espanha conivência ou, quando menos, silêncio a respeito da expulsão de rescursos humanos em direção ao Brasil. Há que salientar que a maior parte da imprensa diária espanhola evitou fornecer informações tanto em relação às dificuldades pelas que passavam os países de destino da emigração quanto sobre as conseqüências negativas que esta reportava a muitas regiões espanholas que perdiam uma desproporcionada percentagem de sua população. Destarte, a imprensa foi um dos veículos dos que se serviram armadores, consignatários e prestamistas para divulgar sua hiperbólica propaganda acerca das vantagens da expatriação, pretendendo com isso evitar o surgimento nos periódicos de qualquer linha editorial crítica e da conformação de uma opinião contrária à sangria humana para além-mar. Através dos jornais informava-se das melhoras nos portos de embarque, da venda de passagens de navio e das condições da viagem. Paralelamente, projetava-se sobre o imaginário popular a construção de um horizonte de expectativas ao redor da boa fortuna que aguardava na América a quem decidisse emigrar.
Em seu estudo sobre a relação entre a imprensa galega e a grande emigração americana, LUCA DE TENA (1993, p. 11-18) focalizou a participação de representantes e agentes do transporte de emigrantes à América nos Conselhos de Administração das sociedades editoras de periódicos. Esse fenômeno aconteceu com La Voz de Galicia, El Eco de Galicia e El Correo Gallego. No caso do Faro de Vigo deu-se, inclusive, a situação de ser um consignatário o fundador do periódico. O sistema de dependência econômica criado para a imprensa por parte dos órgãos monopolizadores da expulsão de mão-de-obra redundará na aceitação da emigração como o meio idôneo que tinham os camponeses para superar a miséria, evitando-se assim a geração de problemas no universo em crise em que estava sumida a sociedade espanhola. Pode-se afirmar que, ao longo de todo o período da grande emigração, a maior parte da imprensa da Galiza desenvolveu um modelo sem precedentes destinado à auto-censura, à apologia do despovoamento e do exílio. Neste contexto, contra as ilusórias promessas do sucesso assegurado na América Meridional só se ergueram as publicações El Periódico e El Imparcial, de Madri, e A Gaceta de Galicia, diário clerical de Santiago de Compostela. Este último recolheu aos 11 de abril de 1890 a denúncia lançada por El Periódico da atividade exercida pelos agentes brasileiros para a contratação de 40.000 galegos destinados aos assentamentos coloniais do Brasil. Assim, publicava A Gaceta de Galicia (LUCA DE TENA, 1993, p. 40),
''El Periódico de Madrid dirige una patriótica excitación al Gobierno y a las personas de rectitud de conciencia y sanos principios, para que por todos los medios imaginables combatan, estorben y hagan imposible la infame trata de blancos que hoy explotan agentes y subagentes diseminados por los pueblos para reclutar gente con objeto de embarcarla para los distintos puntos de América del Sur. Y a propósito de la contrata que la República del Brasil dicen ha hecho para emigrar en aquel país 40.000 gallegos, aconseja a la prensa de Galicia que reproduzca sus quejas, denunciando a los infames especuladores de la trata de blancos.''
Todavía, além de serem escassas esse tipo de críticas ao modus operandi dos agentes da emigração ao Brasil, nem as autoridades governamentais nem a imprensa hegemônica fizeram-se eco do conteúdo das denúncias sobre as condições da viagem nos navios e sobre os problemas que esperavam aos imigrantes nos países de destino.
Os imigrantes
Embora os cômputos publicados (SANTOS, 1996, p. 13) a respeito do número de imigrantes espanhóis entrados no Brasil entre 1882 e 1939 não coincidam com exatidão, pode-se estabelecer que a cifra rondou os 570.000. Assim, entre as duas últimas décadas do séc. XIX e as três primeiras do séc. XX milhares de espanhóis aportaram principalmente nos cais de Belém, Salvador, Rio de Janeiro e Santos. Os primeiros contingentes desses imigrantes foram destinados pelas autoridades brasileiras à formação de colônias agrícolas no Pará e no Amazonas. Posteriormente, a maior parte das levas de imigrantes espanhóis, perante o total fracasso do projeto de criação das colônias agrícolas, situou-se nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Santos ocupando predominantemente ofícios relacionados com o setor dos serviços, tendo-se dedicado tão só um reduzido número dos imigrantes espanhóis aos trabalhos da cafeicultura. Conforme os dados apresentados por GONZÁLEZ (2000, p. 250-51) cabe assinalar que a partir de 1890, frente à tendência a ocuparem ofícios do setor primário que caracterizou os imigrantes da Andaluzia, os imigrantes da Galiza distinguiram-se pela sua preferência a se estabelecerem nos grandes núcleos urbanos onde, junto aos portugueses, monopolizaram o comércio de mercearias, padarias e restaurantes.
Um dos meios que criaram os imigrantes espanhóis nas cidades brasileiras, desde finais do séc. XIX, para se reunirem e prestarem socorros mútuos, estabelecendo e mantendo vínculos com a pátria que os expulsara e, ao mesmo tempo, legitimando-se como cidadãos residentes no Brasil, foi a fundação e desenvolvimento de entidades mutualistas. O estudo das atividades empreendidas por esses Centros Espanhóis, nos diferentes campos, é um fator de suma importância para conhecer o grau da assimilação2 dos imigrantes espanhóis no Brasil e o grau de conservação, promoção e transculturação da identidade espanhola.
Deve-se sublinhar que a fundação e conservação das sociedades mutualistas, beneficentes e recreativas foi um meio de, por um lado, delimitar e estruturar um espaço simbólico específico destinado a marcar, mediante a fixação de formas de sociabilidade próprias dos lugares de origem, a diferenciação da imigração espanhola em relação aos brasileiros e aos imigrantes de outras nacionalidades e, além disso, de estabelecer fronteiras no interior da própria colônia através de uma auto-representação baseada na canonização de padrões de comportamento e de hábitos corporativos nos que se reconheciam os membros dessas sociedades.
Os periódicos
Nos seus Centros, um dos veículos acionados pelos imigrantes espanhóis tanto para a proteção de sua identidade e seus interesses, quanto para a divulgação de suas atividades e dos acontecimentos ocorridos na Espanha, foi a publicação de periódicos. A análise atual dos mesmos enfrenta-se ao sério empecilho que supõe a dificuldade de sua localização, pois não se conhece nehuma instituição que conserve a coleção completa de algum desses periódicos. O primeiro periódico brasileiro que contava com matérias redigidas em língua espanhola foi a Revue du Brésil, de 1896, com sede em Paris, sob a direção do jornalista italiano Alexandre D'Atri. Segundo MARTINS (2001, p. 82),
''Redigida em três línguas – francês, italiano e espanhol –, bimensal, confirmava significativo público leitor estrangeiro, interessado em informações sobre o País. Segundo seu editor, a revista era também muito lida pelos brasileiros residentes na Europa, assim como pelos brasileiros em villegiatura por aqueles países, encontrada nos hotéis de suas preferências.''
Pelo seu valor paradigmático, comentam-se a continuação as características inerentes a três publicações: a Lembranza de Galicia, o Diario Español e La Nación. Lembranza de Galicia é o número único de uma publicação carioca de Março de 1909, dirigida por C. de la Peña e dedicada à colônia galega no Brasil. Compõe-se de 32 páginas e no artigo editorial de sua capa dedicado ao leitor declara-se3,
'' Cumpliendo lo que oportunamente anunciáramos por medio de un prospecto, damos hoy á luz nuestra obra, elaborada al calor del inextinguible cariño que sentimos por todo cuanto se relaciona con Galicia y con nuestros conterráneos.
Azares de la suerte, contrariedades de la vida ó voluntarias expatriaciones, hicieron que en el Brasil, tierra pródiga y hospitalaria, se estableciera considerable número de hijos de nuestra region, muchos de los cuales – tal vez todos – se alejaron de la patria con el corazon entristecido al abandonar aquel hermoso rincón de España, antesala del cielo, que les sirvió de cuna, y en donde su alma formóse de la sensibilidad exquisita que transmite un bello panorama y de la rudeza, cándidamente noble, que produce el constante trabajo en aquella tierra.
[...] Presentamos, pues, este modesto trabajo como símbolo del acendrado amor y fervoroso culto que sentimos por nuestra amada tierra gallega y por nuestros laboriosos paisanos residentes en el Brasil, á quienes enviamos un afectuoso saludo, a la vez que ponemos bajo su protección y juicio esta mal pergeñada obra. [...]
A la distinguida prensa brasileña, que tan gentil y bondadosa se ha mostrado con la colonia española y con sus instituciones nacionales y regionales aquí establecidas, significámosle nuestro profundo respeto y nuestra mejor simpatía.
Y á todos los españoles, salud y prosperidad les desea el más humilde de sus compatriotas,C. DE LA PEÑA''
As matérias desta publicação revelam, por um lado, seu caráter regionalista e surpreenden, por outro, pela total ausência de notícias relativas ao modo de vida dos imigrantes galegos no Rio de Janeiro. As composições jornalísticas predominantes são louvamentos à terra galega, poemas líricos sentimentais e saudosos, panegíricos de personalidades da Galiza – como é o caso dos artigos dedicados a Concepción Arenal e a Manuel Curros Enríquez – e exaltações da identidade que brota da galeguidade. Curiosamente, embora não haja nenhuma matéria dedicada exclusivamente ao Brasil, foi incluido um soneto encomiasta à República Argentina.
Deve-se destacar que o galego e o espanhol foram as línguas empregadas na redação dos artigos de Lembranza de Galicia. Porém, percebe-se que o uso maioritário é o do espanhol, ficando relegado o galego às composições de caráter literário ou às confissões intimistas.
Ao longo das páginas da publicação aparecem fotos de personalidades que destacavam na vida da colônia. Nelas, tanto pelos trajes luzidos quanto pelo semblante do prócer fotografado, observa-se a vontade de demonstrar o sucesso obtido por alguns dos imigrantes no Brasil. Nesse sentido, a publacação também é ocupada pela propaganda – quase toda ela composta em língua espanhola – dos prósperos negócios que eram propriedade dos imigrantes galegos no Rio de Janeiro. Através dela, pode-se apreciar que eram as confeitarias, padarias, hotéis, restaurantes, cafés, fábricas de cerveja, importadoras e armazéns de alimentos os âmbitos econômicos em que se destacava o predomínio da iniciativa empresarial galega.
O Diario Español começou a circular em 1898. Tendo-se editado até a década de 1920, junto a La Nación e à Gaceta Hispana formou a tríade dos periódicos espanhóis que circularam pela capital do Estado de São Paulo na primeira metade do séc. XX. O Diario Español apresentava-se como o continuador da publicação La Voz de España. A sua redação e administração estava situada na Rua Brigadeiro Tobias, n. 85, e o o responsável da correspondência era Eiras García. Para os fins desta comunicação será analisado o número lançado aos 8 de janeiro de 1912.
O conteúdo do número indicado abrange tanto notícias dedicadas aos contecimentos no Brasil quanto matérias que se referem à situação que se vivia na Espanha. Abre-se o mesmo com uma resenha acerca dos intercâmbios que se estavam a produzir no momento entre a Espanha e o Brasil no terreno cultural. Por outro lado, um artigo editorial intitulado La burguesia y el proletariado oferecia uma linha político-social conciliadora que evitava que o periódico pudesse ser acusado de tendencioso. O Diario Español possuia uma seção rotulada ''Progeso del Brasil'' na qual se apresentavam notícias variadas em torno ao desenvolvimento das comunicações em São Paulo – através do avanço da estrada de ferro, aos experimentos que se estavam a produzir no âmbito agrícola, à política governamental de colonização e ao movimento da Hospedaria de Imigrantes. Nessa seção foi incorporada uma notícia a respeito da decisão que tinha sido tomada na Espanha em 1911 dirigida a frear o fluxo emigratório ao Brasil com base nos escândalos denunciados pelos inspectores enviados desde a Espanha. Comenta o Diario Español (1912, p.2)
''Podemos asegurar, sin temor á equivocarnos, que el Gobierno español suspenderá en breve la prohibición impuesta á los españoles de emigrar al Brasil. Fundamentamos nuestra afirmación en noticias particulares recibidas de Madrid de personas que ocupan brillantísima posición social y se hallan en contacto con todas las cuestiones que afectan a las relaciones hispano-americanas.''
Em um espaço publicitário dedicado à livraria do próprio periódico informa-se dos livros que, destinados aos imigrantes espanhóis, eran importados da Espanha e postos à venda em São Paulo. Os títulos destes eram Compendio de la Historia de España, Amigo de los niños, Gramática de la Real Academia de la Lengua Española, Geografía, Album de la Guerra de Melilla e uma completa coleção das obras de Camilo Flacmarión. O periódico completava-se com uma seção dedicada ao resumo telegráfico recebido da Espanha e com umas Notas Cómicas.
O número 341 do terceiro periódico objeto de análise, La Nación, reflete radicalmente a convulsão que afetava ao mundo na segunda metade da década de 1930. Assim, a proclamação da II República Espanhola, a instauração do Estado Novo no Brasil e o começo da Guerra Civil espanhola marcaram uma etapa cheia de tensões que desembocará, primeiro, em uma intensa repressão das atividades organizadas pelos agremiações espanholas e, finalmente, na ordem de feche e dissolução das mesmas e de vigilância das ações subversivas promovidas por aqueles que foram seus membros. Há que ter em conta que, na década de 1930, várias das associações de imigrantes espanhóis deixaram de ser exclusivamente de socorros mútuos e beneficência sendo fundados coletivos de base liberal e republicana e, inclusive, comunista, que, por sua vez, criaram seus próprios periódicos4.
A Guerra Civil espanhola, ao igual do que aconteceu na península, dividiu os espanhóis imigrantes em nacionais e republicanos. Ademais, os ritos de passagem que marcaram o processo de instauração do Estado Novo encontraram na cruzada fascista representada pela Guerra Civil espanhola um modelo análogo que, com o seu poder simbólico, legitimava o modo de estabelecimento do regime autoritário brasileiro. Consequentemente, embora o Brasil tivesse declarado sua neutralidade perante o conflito espanhol, o aparelho propagandista e repressor estado-novista sentiu a obriga diplomática e a conveniência de se posicionar, estrategicamente, do lado franquista e de contribuir, por meio da sufocação dos elementos republicanos da imigração espanhola, ao triunfo da revolução nacional-sindicalista e da reação na Espanha. É claro que a II República Espanhola representava o modelo que condensava os indesejáveis e perniciosos traços do Estado social, democrático e de direito contra o qual o Estado Novo se erguia e que muitos dos associados dos centros republicanos espanhóis faziam parte da Aliança Nacional Libertadora e eram membros ou chefes dos sindicatos operários.
A divisão da colônia espanhola, a latente simpatia do Estado Novo pelo bando fascista e tradicionalista durante a Guerra Civil, as ações empreendidas em favor da sua propaganda e as cordiais relações diplomáticas estabelecidas com o regime franquista após a sua vitória são fatores que marcaram profundamente o processo de inserção dos imigrantes espanhóis no Brasil e, em conseqüência, as atividades relacionadas com os mecanismos de transculturação dos mesmos ao longo da década de 1930. De fato, os espanhóis representaram o 45,78% dos estrangeiros expulsos pelas autoridades brasileiras entre novembro de 1935 e outubro de 1937.
O periódico La Nación (1938, p. 6) recolheu este estado de coisas, tomando partido pelo bando nacional. Assim, declara em seu editorial do 18 de julho de 1938:
''Son dictadas con el corazón las palabras que brindamos a la nación que nos abriga, con la hermandad que nos une en la defensa de un mismo Dios y de un mismo sentido de civilización. Dictadas con el corazón, y remozadas de gratitud por los millones de brasileños que ven en los enemigos de España a sus propios enemigos. Ojalá que la dolorosa experiencia de España alumbre con su ejemplo a la nación amiga, al gobierno y al pueblo hermanos. Para nosotros, que estamos unidos al tronco hospitalario de esta patria adoptiva, el decir Arriba España! es sinónimo de un Viva el Brasil! Que, sin estridencias insinceras, expresamos en nombre de la auténtica colonia española a la patria grande, culta y amiga en donde vivimos.''
O extremo enfrentamento que fragmentou a colônia espanhola manifestou-se en La Nación (p. 42) através da expressão do ódio acumulado e da rivalidade enconada que começava a imperar no seio politizado da colônia espanhola em São Paulo:
''Por España – UNA – GRANDE – LIBRE. El día 24 de Mayo del corriente año, hacen 14 años que dimos comienzo a la publicación de este semanario anti 14 de abril [...] Nuestro recto y españolísimo proceder, nos trae las iras de las borreguiles mesnadas rojas, que entre denuestos y amenazas, forman el ''boicot'' a nuestro periódico y somos considerados antiespañoles y traidores a la patria, siendo excluidos por indeseables de algunas entidades hispanas de San Pablo. Pero lo que esos energúmenos y engañados rojillos consideraban como estigma y padrón de ignominia, es para nosotros el mayor y más honroso timbre de gloria que podemos ostentar en nuestro ya largo y modestísimo proceder de periodistas.''
Conclui-se que, se por um lado, as transformações ocorridas no Brasil durante as décadas de 1930 e 1940 e a Guerra Civil sofrida pela Espanha – com sua longa pós-guerra – provocaram a paralisação da imigração no Brasil e uma conseqüente ruptura na continuidade de geração entre os imigrantes espanhóis, por outro, a imprensa livre deixou de existir, entrando em um processo de profundo letargo. Haverá que aguardar até a década de 1960 para que surjam novos títulos sob renovadas orientações. Esse foi o caso de Tribuna Hispánica, Gaceta Hispánica del Brasil, España – Las Provincias, Nuevas de España e Alborada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Diario Español. São Paulo, 8 de Enero de 1912.
GALLEGO, A. M. Espanhóis. São Paulo: Centro de Estudos Migratórios, 1995. 62 p.
GONZÁLEZ M., E. E. O Brasil como país de destino para os imigrantes espanhóis. In: FAUSTO, B. (org.). Fazer a América. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000, p. 239-71.
KLEIN, H. A imigração espanhola no Brasil. São Paulo: Sumaré/ Fapesp, 1994. 110 p.
La Nación. São Paulo, n. 341, 18 de julio de 1938.
Lembranza de Galicia. Rio de Janeiro, número único, 1909.
LUCA DE TENA, G. Noticias de América. Vigo: Nigra, 1993. 125 p.
MARTINS, A. L. Revistas em Revista: Imprensa e práticas culturais em Tempos da República. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp: imprensa Oficial do Estado, 2001. 573 p.
PEREIRA, J. F (org.). Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 1999. 107 p.
SANTOS, R. E. Política migratoria española a Iberoamérica: aporte Brasil, 1890-1950. Sada: Ediciós do Castro, 1996. 320 p.
1 A respeito dos 102.800 imigrantes espanhóis que passaram pela Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo, a caminho dos cafezais, KLEIN (1994: 36) assinala que apenas o 15 por cento tinha pago suas passagens. Este dado aponta à premissa da falta de recursos econômicos como uma das pricipais motivações dos imigrantes espanhóis para a eleição do Brasil como país de destino.
2 Em sua análise sobre os efeitos da transculturação dos espanhóis no Brasil, GALLEGO (1995: 6) afirma que ''[...] a influência da cultura espanhola na cultura brasileira no que diz respeito a marcas culturais, não são tão facilmente identificáveis como é a italiana, por exemplo, na culinária, na música, em certas expressões idiomáticas ou nas famosas festas religiosas como as de N. Sra. Acchiropita e de S. Genaro. Os espanhóis, pela facilidade de se fazerem entender, pela proximidade do idioma castelhano e, mais ainda, do idioma galego com o português, conservavam mesmo depois de muitos anos de Brasil, muito de seu idioma. Entretanto, não se percebe na fala popular do paulista em geral, ou do paulistano em particular, nenhuma influência do imigrante espanhol. Ainda na questão da religiosidade, que é uma característica muito forte da cultura espanhola, não se tem informações de nenhuma festa religiosa da coletividade espanhola em São Paulo.''
3 Respeita-se a ortografia usada nas edições dos periódicos.
4 É o caso do jornal O Socialista – órgão do Centro Socialista de São Paulo –, que veio à luz em 1896 e era redigido em português, italiano, espanhol e alemão ou do semanário socialista revolucionário O grito do povo, lançado em 1900 e administrado pelo intelectual Antonio Lago. Vinha em edição trilíngüe e, confirmando o público alvo de imigrantes em sua maioria, era redigido em português, italiano e espanhol.