2, v.2A questão da memória individual em RetahílasDesastres do pós-guerra author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

Palavra cantada e poder na Espanha do franquismo

 

 

Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento

Universidade Federal Fluminense

 

 

Para Maria Dolors Costa Mari

Olvidamos, en cambio,
Los cadáveres
Los campos de batalla,
El hambre de los campos,
Las razones del hambre
(Angel González: Penúltima nostalgia)

Esta visita à canção popular no franquismo não se direciona à experiência crítica concreta, nem poderia ser assim, mas ao poema canção como produtor de sentido. Quero pensá-lo como o lugar do encontro onde se reúnem e se somam a língua, o mito e a sociedade para ver, em que medida elas podem informar sobre a Espanha do silêncio dos anos de pós-guerra e a ideologia que emanava do poder central. Ao debruçar-me sobre esse tema, vão aflorando elementos que nos oferecem dados importantes para uma leitura complementar e essencial da Espanha no período que coincide com a pulsação das canções que conformam o Cancionero general del franquismo, de Manuel Vázquez Montalbán (Barcelona, 2000).

Não tenho a pretensão de mergulhar nas questões teóricas do estudo da palavra poética cantada, objeto de minuciosa investigação de pesquisadores como Claudia Neiva de Matos que afirma, em ensaio publicado no livro Fronteiras do literário:

Discurso verbal, música, performance vocal: a análise tem dificuldade em apreender essa totalidade/unidade. A transdisciplinariedade é, por um lado, condição potencialmente libertária e enriquecedora. Por outro lado, a carência de abordagens teóricas integrativas encorpa o risco de não conseguirmos ultrapassar uma percepção demasiado informal, quase jornalística, do objeto de nosso interesse. A contribuição da ótica e discursos jornalísticos guarda toda a sua relevância [...] mas não dá conta das nossas questões analíticas, nossa curiosidade acadêmica e demandas estéticas (2002, p.139)

Neste ensaio, ancorarei meu olhar estrangeiro na canção de consumo do período franquista, vertente que desejo investigar como fonte de enriquecimento de minha pesquisa mais ampla sobre a sociedade espanhola no franquismo. As fontes disponíveis são esparsas e, em livro, pude valer-me, para estabelecer meu corpus, da já mencionada obra de Manuel Vázquez Montalbán além de outra, também de sua autoria, a Crônica Sentimental da Espanha 1 (1998). Se bem é certa a afirmação de Neiva de Mattos de que é necessário mais que isso para dar conta das questões analíticas, penso que são de grande utilidade para o investigador e não podem deixar de ser reunidos e oferecidos, ainda que escassos, a futuros pesquisadores.

Algumas informações de que me valho aqui, pude reuni-las em conversas informais com espanhóis que, mais ou menos jovens, viveram aquele momento histórico recente e podem, hoje, informar de maneira privilegiada sobre um tema que não pensavam ter relevância2. Também me vali de ''sites'' da Internet voltados para cantores e autores dessa época, como Concha Piquer e Manolo Escobar. Ouso dar a conhecer, agora, o resultado primeiro dessa minha investigação fragmentada: não é fácil (nunca é fácil) encontrar e reunir fontes e/ou informantes essenciais a tais projetos. Espero contagiar, com minha curiosa inquietação, outros pesquisadores de maneira a destecer e reordenar outros fios desse múltiplo tecido de uma História ainda não muito bem contada.

Afirma a crítica Carol Gubernilsoff, do Jornal do Brasil, na contracapa de O som e o sentido, de José Miguel Wisnik, (2002) que o autor, ao escrever essa obra, tinha a ambição de fazer uma ''nova interpretação da História a partir das músicas. Para ele, as músicas são uma forma de decifrar o mundo''. Tal pensamento se casa com muita propriedade a minha proposta primeira, nascida de um longo período dedicado a levantar elementos que me permitissem conhecer melhor um momento crucial da história recente da Espanha, ainda hoje não suficientemente estudado. Para a literatura espanhola de pós-guerra e o franquismo direcionei minha pesquisa nos últimos anos. Não me desvio dela ao voltar meu olhar para a poesia cantada, forma de expressão cujos documentos mais antigos estão lá nas jarchas mozárabes, resgatadas em 1949 por Stern, reveladoras, elas também da face lírica dos cantadores de então. No dito e no entredito, as jarchas [como as canções, em geral] ''escrevem''/cantam boa parte da arqueologia da Hispania daquele momento histórico.

A História oficial narrada pelos modos retóricos dos historiadores partidários de Franco, coincide com o país e a sociedade sorridente que se reflete nos poemas-canção difundidos pela Espanha e pelo mundo nas ondas do rádio, um novíssimo instrumento de comunicação muito bem explorado pela propaganda franquista. A outra História, a calada pelo alegre ritmo do canto alardeador das seduções de uma Espanha ''feliz'' é a que nos interessa ler, na contramão do que dizem os versos da canção de consumo. Valho-me da criteriosa e ampla seleção de Vázquez Montalbán na obra referida. Tal como o Romancero Espanhol, reunido por Ramón Menéndez Pidal, esse Cancionero se oferece sedutoramente à leitura, nunca ingênua, já que os elementos de provocação estão ali, ordenados de maneira sensível e crítica pelo seu autor3. Nesses poemas-canção, o pesquisador encontra dados eloqüentes sobre as décadas de 40 e seguintes expostos pelo silêncio e, até mesmo, pela maneira de reorganizar um mundo oferecido a uma sociedade fraturada, dilacerada, esquartejada na guernica de uma guerra fratricida que buscava, agora, sobreviver e esquecer. À estreiteza de consciência e de horizontes das classes mais humildes se juntava o cansaço e desalento de uma classe média que, se ainda guardava lembranças de algumas ambições, estava, nesse momento traumático, pobre de utopias. O Cancionero general del franquismo 4 expõe, em sua seleção, não só os valores de uma época, mas também a aceitação inconsciente do povo, a força do coletivo, a manipulação política do gosto musical pelo controle rígido exercido pela censura

É possível que minha curiosidade de pesquisadora tenha-se detido na canção popular espanhola pelo que representou em meu universo de cidadã brasileira uma certa fração da música popular no Brasil silenciado pelo golpe de 1964. Refiro-me ao discurso poético de Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Paulinho da Viola entre outros, do qual multiplicavam-se sentidos proibidos que se disseminavam na relação censura/resistência simbolizada na emblemática Cálice.

Na década de 40 e seguintes, no período a que Terenci Moix se refere como ''esa posguerra blandengue y asexuada'', ecoa o repertório pasional de Concha Piquer, ''una artista inseparable de un repertorio, a su vez inseparable de una época''. La Piquer contribui, em sua interpretação das ''coplas'' mais emblemáticas de Rafael de León, para a construção do que Terenci Moix chama de ''una mitología cuyo poder catártico marcó todo um período de la vida española'' (Internet)

O compositor e escritor francês Yves Simon, membro da geração de 68, em recente viagem ao Brasil, revelou em entrevista ao jornal O Globo (Rio, 30/04/02, Segundo Caderno) que se sente um arqueólogo, alguém que desvela seu tempo em suas canções, músicas que falam do mundo de hoje, retratam como um jornal, o dia-a-dia da sociedade, a maneira de pensar das pessoas, seus movimentos, suas vidas. Nessa referência encontro nela o dado fundamental de que a fusão de palavras e som, tal como o ''motz el son'' provençal, do século XII, tem expressão própria em uma sociedade oprimida pelas ''regras emanadas do poder''. Minha pergunta é como isso se dá, por que se dá, para quê, na Espanha franquista.

Na cultura musical popular está registrada uma época: ela revela a necessidade das massas e segundo Manuel Vázquez Montalbán no prólogo de 1972 ao Cancionero (2002, p. XII) ''es un comunicado rítmico interpretado por um personaje susceptible de convertirse en imagen-símbolo''. Vázquez Montalbán afirma, que a canção, como todo fato cultural, está carregada de História por estar prostrada ante ela ou achatada por ela. As significações históricas referenciais, o fato subcultural as adquire por uma série de interrelações, como o dado de ser quase que o único meio de participação das massas e também um excelente meio de persuasão, pois a porção de verdade estabelecida sofre a manipulação da propaganda (p. xv). Aí se lê o desenho da idiossincrasia espanhola da época, sentimentalidade, moralidade, religiosidade, tudo aquilo enfim que flui da alma do povo, inoculada pelas ''verdades'' estabelecidas pela propaganda do regime franquista. Naquela Espanha que ''se extenuaba en el difícil ejercicio de la superviviencia dos anos de pós-guerra, como disse Haro Tecglen (El País Semanal, 1994) , florescia uma canção popular que nos dá algumas chaves para o conhecimento daquele momento histórico. Disso dá conta a pesquisa, seleção e classificação de Vázquez Montalbán no já referido prólogo de 72 ao Cancionero. O autor justifica a separação em duas épocas, a primeira, de 1939 a 1954, condicionada pela etapa autárquica da organização político-econômico-social da Espanha, auge da canção nacional recheada da peculiaridade espanhola que importava sublinhar. Prevalecia Andaluzia no imaginário alimentado pela propaganda, na melodia e na própria pronúncia; a canção estava vinculada a uma Espanha agrícola e provinciana, mantinha conexões freqüentes com a lírica tradicional espanhola e forte influência dos poetas da geração de 27 nas letras de seus mais inspirados poetas: Rafael de León e Antonio Quintero.

No segundo momento, quando se inicia a normalização capitalista, a canção se afasta da realidade espanhola, já contaminada pela influência estrangeira a partir dos anos 50, embora ainda persistam muitos dos traços caracterizadores da primeira etapa. O que fica à margem dessa classificação geral, também é comentado por Vázquez Montalbán; desse amplo quadro vale ressaltar aqui a presença da ''nueva canción'' que atendia ao gosto de uma pequena burguesia ilustrada, farta de comunicados habituais da canção de consumo e ''en progresiva rebeldia con la estética oficial'' (Cancionero, 2000, p.XXI). Bom exemplo seriam as canções em inglês de tantos conjuntos, consumidas principalmente em seus ingredientes rítmicos ou melódicos. Não importa o fato de que a maioria da juventude desconhecesse o significado daquelas palavras estrangeiras: importa que essa música pop juvenil foi, inicialmente, a expressão de uma rebeldia diante do autoritarismo ''regido por normas irreplanteadas en lo fundamental desde el positivismo burgués del XIX (Cancionero, p.XXII)

A construção de mitos, a questão da propaganda, a ação de uma força repressora no redesenho dos modelos definitivos que interessavam ao poder é um dos aspectos fascinantes no amplo painel da música popular no franquismo, Um proletariado empobrecido, que buscava na canção a evasão para seus problemas e desesperanças era levado a extremos de euforia e/ou orgulho nacional pelo alegre ritmo de poemas-canção que o transportava da realidade à evasão. O mundo cinza, silencioso, faminto, vazio, medroso, de ''silencio y muerte'' (Mario Gaviria, El País, 5/6/94, p.84) recuperado, já no próprio título pelo romance de Carmen Laforet: Nada (Barcelona, 1997) era substituído na voz de Concha Piquer e Celia Gómez pelo colorido, abundante, ruidoso, confiante, alegre mundo da canção popular; não lhe faltava, muitas vezes, nem mesmo um toque de melancolia, uma certa idéia de perda que se esvaía em um sem fim de possibilidades sugeridoras. Paradoxalmente, a canção de uma Espanha isolada politicamente, encerrada sobre si mesma como se de uma ilha geográfica e cultural se tratasse ganhou mundo nas ondas do rádio esse ''protagonista con poder, con inmenso poder sobre la conciencia pública'', como registra Vázquez Montalbán, em sua Crónica Sentimental de España (1998, p.137). Os cantores da moda, pelo rádio, nas salas de cinema, em viagens internacionais divulgavam para o mundo não apenas um ritmo, mas a mitologia ibérica, carregada de espanholismo, madrilenhismo, gitanismo e alegria. Esse fato cultural confirma e serve de exemplo para um fragmento do ensaio de Augusto de Campo, ''Boa palavra sobre música popular brasileira'':

A expansão dos movimentos internacionais se processa usualmente dos países menos desenvolvido, o que significa que estes, o mais das vezes, são receptores de uma cultura de importação. Mas o processo pode ser revertido, na medida mesma em que os países menos desenvolvidos consigam, antropofagicamente – como diria Oswald de Andrade – deglutir a superior tecnologia dos supradesenvolvidos e devolver-lhes novos produtos acabados, condimentados por sua própria e diferente cultura. (Balanço da bossa, 1968, p.60)

Aqueles duros anos de pós-guerra, que viram florescer o mercado negro, encherem-se as prisões de presos políticos, esvaziar-se a Espanha de boa parte do que lhe restava de seus intelectuais e artistas, os silenciosos e cinzentos momentos recuperados no conto ''Cabeza rapada'', de Jesús Fernandez Santos, (Seix Barral, 1998) tinham na canção popular uma outra imagem. Dessa maneira, o olhar pesquisador detém uma estranha convivência de realidade e evasão, de morte e vida num cenário devastado, parado que aos poucos ia sendo reconstruído por atos e palavras engrandecedoras da propaganda política e dos discursos do ''caudillo de España por la gracia de Dios''. Os primeiros anos do franquismo foram dedicados à despolitização da consciência social; ainda no começo dos anos 60, preferia-se não recordar, mas celebrar os anos de ''paz''. Os ''pobretes pero alegretes'' da expressão de Vázquez Montalbán (Crónica, p. 59) continuavam cantando, como noa canção de S. Guerrero y Castellanos: ''Cosas de España/ que no encuentro quien iguale/ aunque cruce todos los mares del universo/ Cosas de España / y que la hicieron famosa/como una mujer hermosa/de amor y verso'' (Cancionero, p. ). Havia como que um acordo tácito entre as pessoas: ''tú no me cuentes lo tuyo que yo no te cuento lo mío''. O silêncio, porém, dialogava pelos desvãos da informação, alternativa para ''dizer'' o que estava proibido: são as formas do silêncio a produzir sentido. Os recados eram passados algumas vezes em canções nada comprometidas que ganhavam, na voz do povo, uma outra função. Bom exemplo é o estribilho de conhecida canção sentimental de Quintero, Leon e Quiroga, interpretada por Concha Piquer: ''Que no me quiero enterar/- no me lo cuentes vecina/ prefiero vivir soñando/que conocer la verdad'' (Crónica, p.38), expressão segundo Vázquez Montalbán, do direito de ''no comprender del todo las cosas y hacer de esa profesión del absurdo una extrema declaración de lucidez''.(Crónica, p.5).

A mulher era privilegiada, como a própria Espanha, em canções que diziam: ''Levanta los ojos, mujer española/ y mira qué tienes delante de ti,/ tienes a tu España que es decirlo todo,/ tienes lo más grande que puede existir [...]. Por algo tú tienes en el mundo fama/ y a nada ni a nadie tienes que envidiar,/ al Dios poderoso, que te lo dio todo/ a El solamente, a El solamente/la grasia has de dar[...]'' (Crónica, p.56). Nesses versos de Godoy e J. Lito se reconhece o modelo da mulher preparada dentro dos princípios da Sección Femenina de la Falange, de Pilar Primo de Rivera para ser a ''defensora dos valores espanhóis'' tal como interessava ao dogmatismo católico-franquista e Carmen Martín-Gaite documenta em Usos amorosos de la posguerra

O orgulho espanhol está também na sedutora mulher que beija como nenhuma outra no mundo, como repete Célia Gámez na velha canção que o rádio toca com insistência: ''La española cuando besa,/ besa siempre de verdad/ y a ninguna le interesa besar por frivolidad'' (Crónica, p.110), na Carmen que protesta contra su afrancesamento: ''Carmen de España/ manola,/Carmen de España valiente,/Carmen com bata de cola/ pero cristiana y decente./ [...]/Yo soy la Carmen de España/ y no la de Mérimée''(Cancionero, p.65-6).

Na recuperação espiritual da Espanha, os letrista distribuíam sentimentalismo, histórias exemplares, fragmentos de glórias passadas para ir construindo uma Espanha grandiosa, exemplo para o mundo como ecoava nos discursos e mensagens do poder central: ''Si lo que pasa en el mundo nos afecta, hemos de procurar intervenirlo e influenciarlo con nuestra acción. Es mucho lo que España puede aportar a la nueva era que se está alumbrando (F. Franco. 1968, p.124). A Espanha ''diferente'' propagava-se pelos meios de comunicação da época: ''La verdad de España, venían a decir los diarios hablados de Radio Nacional, acabará por imponerse en todo el mundo, pese a Eleonora Roosevelt. Todo era cuestión de tiempo'' (Crónica, p.43-4). Nessa reengenharia do franquismo, a cidade de Madrid foi privilegiada, no intento de construir-lhe uma nova imagem. A cidade da resistência republicana a que Dámaso Alonso dedica o poema Insomnio, dos contundentes versos: ''Madrid es uma ciudad de un millón de/cadáveres (según las últimas estadísticas)'' (Hijos de la Ira, Castalia;1980), a Madrid cujos tiros fatais das tropas franquistas ecoam no conto Muy lejos de Madrid, de Jesús Fernández Santos, é cuidadosamente substituída no imaginário popular pela trêfega e fútil Madrid das verbenas, do chotis, do piropo, das festas. Apagavam-se os movimentos e sons da sangrenta resistência republicana para substituí-los pelos de uma cidade sem compromissos outros senão com a alegria, a beleza, o casticismo como se canta na canção de Sanz y Gordillo: ''Un corazón noble y bueno/ es la villa de Madrid,/ verbena, celos, amores,/ mujeres guapas sin fin./ [...] /Viva Madrid porque tiene/ lo mejor del mundo entero,/ sus manolas, sus chisperos,/ sus madroños, sus toreros,/ sus mujeres dan la vida/ cuando brillan sus quereres./ Así es mi Madrid castizo,/ lo mejor que España tiene'' (Cancionero, p.415)

Penso que a canção de consumo da Espanha do franquismo se vale, diferentemente da canção popular brasileira dos anos de chumbo, daquela língua que Eni Orlandi, em As formas do silêncio chama de língua-de-espuma (Unicamp, 1995, p.102). Orlandi relaciona-a diretamente à falada, por exemplo, pelos militares naquele período que se inaugura no Brasil em 1964, mas observa, que por suas ''características, podemos alargar essa noção abrangendo toda expressão autoritária nas sociedades ditas democráticas. A língua-de-espuma tem o poder de silenciar'' (p. 102). Na Espanha do franquismo a ''língua-de-espuma'' silencia, os sentidos se calam, não repercutem. Nas malhas desse silêncio, no período franquista não ecoam versos como os do discurso de resistência da Música Popular Brasileira, como os do poema-canção Cálice, de Chico Buarque de Hollanda a que me referi inicialmente. Tais versos provocam associações não só no jogo de significantes mas também na habilidade do jogo com fonemas utilizados para evidenciar o ''cale-se'' denunciador do silenciamento emanado da voz autoritária da ditadura brasileira, na evocação do Calvário bíblico (Orlandi, 124-5). Entretanto, ecoa a denúncia também na língua-de-espuma, como procurei evidenciar em meu texto: uma outra história vai-se explicitando no intenso silêncio imposto e no eufórico e ritmado ''país ideal'' articulado pela voz autoritária do poder Na Espanha do franquismo, a canção de consumo, em sua alegria policromada, polifacética, na língua-de-espuma utilizada para fazer esquecer ''los cadáveres/los campos de batalla,/ el hambre de los campos,/las razones del hambre'' (A.González, p.138), da epígrafe desta comunicação, denuncia, também, de maneira eloqüente, um truculento e opressor cállate

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS, Augusto de. Boa palavra sobre a música popular. In Balanço da bossa. São Paulo: Perspectiva, 1968, p.59-65.

EL PAÍS DIGITAL. Madrid, Jueves, 26 de octubre de 2000. No.1637

FERNANDEZ SANTOS, Jesús. Barcelona: Seix-Barral, 1998 (Biblioteca de bolsillo), 192p.

FRANCO, Francisco. Discursos y mensajes del Jefe Del Estado. Madrid: Publicaciones españolas, 1968, 387p.

GAVIRIA, Marcos. El País semanal, Madrid, ,5/6/1994

GONZÁLEZ, Angel. Grado Elemental.Lecciones de cosas. In Palabra sobre palabra. Barcelona: Seix-Barral, 1998, 434p.

LAFORET, Carmen. Nada. Barcelona: Destino, 1997, 268 p.

MARTIN GAITE, Carmen. Usos amorosos de la posguerra. Barcelona: Anagrama, 1987

NASCIMENTO, Magnólia Brasil Barbosa do. O diálogo impossível. A ficção de Miguel Delibes e a sociedade espanhola no Franquismo. Niterói: EdUFF, 2001, 203p.

NEIVA DE MATTOS, Cláudia. Anotações para um estudo da palavra poética cantada. In Fronteiras do literárioII. Org. REIS, Lívia e PARAQUETT, Márcia. Niterói: EdUFF, 2002, p 133-140.

O GLOBO. Rio, 30/04/02, Segundo Caderno

ORLANDI, Eni Pulcineli. As formas do silêncio. Campinas: Unicamp, 1995,189 p.

TAMAMES, Ramón. La República. La era de Franco. 7ed. In Historia de España Alfaguara. Madrid: Alfaguara, t.7, 1979

VÁZQUEZ MONTALBÁN, Manuel. Cancionero General del Franquismo. Barcelona: Crítica, 2000, 465p.

_____. Crônica Sentimental da Espanha. Barcelona: Grijalbo, 1998, 222 p.

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. Rio: Companhia das Letras, 2002, 283p.

Documentos eletrônicos

CASADEJÚS, Marcelo: Tatuaje (homenaje de los fondos a Concha Piquer). Fondos. Madrid, 6/4/01. Artigo disponível na Internet: http://www.Tatuaje (homenaje de los fondos a Concha Piquer) .htm [06/04/01]

HARO TECGLEN, Eduardo. El País Semanal, Madrid, 5 / 6 / 1994. Artigo disponível na Internet: http://cfm.telepolis.com/monograficos/frame.cfm?link=http%3A//www.vespito.net/historia/franco/40ft.html

LA COPLA llegó a las casas con la radio y el pop creció con el videoclip: El Periódico. El siglo de la cultura. Cataluña: Primera Plana, 1999. Artigo disponível na Internet: http://www.elperiodico.es/online/sigloxx/cas/edicion/tex051.htm

LA RADIO de la posguerra. Artigo disponível na internet: http://www.EAJ-23 Emisora asociada a la cadena SER.htm

MOIX Terenci. Artigo disponível na Internet: http://www.geocities.com/Broadway/Alley/2169/introca.htm).

NOCHE Andaluza: La Copla. Diputación de Huelva Foro iberoamericano, 2001. Artigo disponível na Internet: http://www.diphuelva.es/monograficos/foro2001/pub/foro1.htm

 

 

1 A partir de agora referir-me-ei a essa obra como Crónica
2 Agradeço a valiosa contribuição que me foi dada pelo advogado catalão, Dr. Francisco Javier Marcos, interlocutor sempre atento e interessado, que muito me ajudou com o seu conhecimento de fatos e canções da época em tela.
3 Para outro momento ficará a leitura da canção da resistência
4 A partir de agora referir-me-ei a essa obra como Cancionero