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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

Tiempo de silencio, texto de outros textos

 

 

Maria da Glória Franco

Universidade Federal Fluminense

 

 

''As fronteiras de um livro nunca são bem definidas: por trás do título, das primeiras linhas e do último ponto final, por trás de sua configuração interna e de sua forma autônoma, ele fica preso num sistema de referências a outros livros, outros textos, outras frases: é como um nó dentro da rede.'' Esta citação de Michel Foucault encontrada no livro de Linda Hutcheon, Poética do Pós-Modernismo'', nos pareceu bem apropriada para iniciarmos esta comunicação porque Tiempo de Silencio, de Luis Martín-Santos, é um texto cujo significado literário depende, em grande parte, da percepção de seu vasto espaço referencial. É verdadeiramente um nó dentro de uma rede.

Esta dependência dos intertextos de T.S. se deve ao fato de que há uma íntima conexão entre as intenções de seu autor e as apropriações e transformações de outros textos de que ele se utiliza em sua obra.

O romance T. S., publicado em 1961, período em que a narrativa espanhola de então vivia o esgotamento da tradição do realismo social, aparece neste contexto como uma das obras que vem para marcar um ruptura definitiva com a narrativa objetiva, realista, de conotação social.

T. S., embora marcando aquela ruptura, ainda é um romance social que denuncia e critica, profunda e amargamente, as duras condições de vida da sociedade espanhola dos anos quarenta. Sua crítica e denúncia entretanto são trabalhadas com lentes históricas e psicológicas, não com o foco único em uma determinada camada da sociedade e sim enfocando todas as classes sociais; ele traz em si uma contribuição de renovação estrutural, tendo incorporado procedimentos técnicos, como o monólogo interior, que, aliados a uma linguagem inovadora, criativa, de inspiração barroca, lhe fornecem os meios para bem expressar as contradições, a instabilidade, o isolamento e a solidão do indivíduo na estratificada sociedade de classes da Espanha daqueles anos ditatoriais.

L. M. Santos, valendo-se de um procedimento metáforico, coloca seu protagonista Pedro, jovem médico pesquisador que está tentando descobrir se as cepas cancerígenas das cobaias de seu laboratório são transmitidas a outras cobaias através de um processo predominante genotípico, de hereditariedade genética, ou se a influência maior nessa transmissão se deve aos fatores predominantemente ambientais, fenotípicos portanto.

Estas cepas das cobaias, identificam-se com o próprio povo e seu próprio país: Espanha e o câncer que eles trazem, simbolicamente, se refere à doença social e moral que corrói a sociedade espanhola. O narrador de T. S., a partir da situação de primeiro plano estabelecida na trama do pesquisador e suas cobaias de laboratório, passa metaforicamente, num segundo plano, a investigar as causas da enfermidade do Estado espanhol e verificar se elas são de origem genética e portanto congênitas, herdadas do sangue e da raça dos antepassados, da sua história, da sua tradição ou se elas são de origem ambiental e portanto decorrentes de sua estrutura econômica, política e social.

Para conseguir atingir seu objetivo, o narrador vai fazendo uma cirurgia exploratória do organismo doente, mostrando os variados tecidos sociais, deteriorados e apodrecidos pela ação do câncer, presente neste corpo social. Nenhuma camada desta sociedade escapa ao bisturi afiado, preciso e crítico do autor que faz Pedro percorrer as diferentes esferas sociais, numa seqüência de situações encadeadas que vão, por um lado, abrir ao leitor todo um amplo painel de vida sórdida, promíscua, econômica e moralmente decadente da sociedade espanhola e, por outro lado, tentar, ambiciosamente, analisar todas as possíveis causas do mal percorrendo a história e a tradição literária e cultural da Espanha e dessa forma, compor um texto, na verdade um hipertexto, rico, denso, difícil, artisticamente construído com uma grande quantidade de alusões e referências a outros textos, com citações, transformações e adaptações de outros.

O literário é uma enunciação secundária onde o artista, no seu afã de produzir com originalidade, faz uso de sua tradição cultural, incorporando-a, modificando-a, transformando-a e, por vezes, rompendo radicalmente com ela e a literatura é uma retomada de enunciados.

L. M. Santos vai fazer exatamente esta retomada com muita lucidez, compreendendo a realidade de seu tempo, se apercebendo do espaço cultural saturado que o circunda, e reconhecendo nesta saturação, não unicamente o excesso capaz de atrapalhar ou tolher sua criação, mas sim, reconhecendo nela toda a riqueza do material disponível, da herança cultural de que pode dispor para, recuperar, reapropriar-se e recriar produzindo uma obra tão original quanto é T. S.

São algumas das intertextualidades de T. S. que vamos buscar apresentar utilizando este termo ''intertextualidade'' no sentido que lhe dá Gérard Genette em Palimpsests, Literature in the Second Degree que o define

as a relationship of the copresence between two texts or among several texts: that is to say, as the actual presence of one text within another. In its most explicit and literal form, it is the tradicional practice of ''quotation''. In another less explicit and canonical form, it is the practice of ''plagiarism'', which is an undeclared but still literal borrowing. Again in still less explicit and less literal guise, it is the practice of ''allusion''; that is an enunciation whose full meaning presupposes the perception of relantionship between it and another text, to which it necessarily refers by some inflections that otherwise remain unintelligible (GENETTE, 1997 ,p. 02)

Uma das tradições literárias mais antigas da cultura espanhola remonta à fatal atração física que uniu o rei visigodo Rodrigo e ''la Cava'' e que se constitui num verdadeiro mito de origem a fornecer a explicação da ''pérdida de España''. O que nos chama a atenção é que das várias versões do mito de D. Rodrigo aparece um fato comum: a derrocada de Espanha se prende a um delito de caráter sexual. Assim também, o desmoronamento dos ideais de Pedro se entrelaça com um delito de transgressão sexual, o de Muecas que violou a própria filha, Florinda, e depois de engravidá-la manda Amador buscar Pedro para ajudá-la, já estando esta quase moribunda, após o aborto mal sucedido. Pedro, que também acabara de sucumbir à tentação de caráter sexual por Dorita, neta da velha dona da pensão onde ele mora, devido a sua fraqueza, tibieza e cegueira, sugere a idéia de perda da inocência, de queda bíblica, ficando portanto também como o Rei Rodrigo na posição de réu que precisa pagar seu pecado e expiar sua culpa. A expiação do rei Rodrigo terá que ser feita com uma cobra de duas cabeças, com a qual ele terá que ficar até que ela cresça. No fim do terceiro dia a cobra se ergue e com uma cabeça lhe devora o pênis e com a outra o lado direito de seu coração. Processo expiatório semelhante L. M. Santos destina a Pedro que, ao retornar para o interior do país, abandonando seus planos de pesquisador em busca do reconhecimento da comunidade científica internacional tem que aceitar um destino medíocre, deixa-se castrar e se pergunta:

¿Por qué me estoy dejando capar? El hombre fálico de la gorra roja terminada en punta de cilindro rojo, con su fecundidad inagotable para la reproducción de movimientos rectilíneos, ahí se está paseando orgulloso de su gran prepucio rojo-cefálico, con su pito en la mano, con un palo enrollado, dotado de múltiples atributos que desencadenarán la marcha erecta del órgano gigante que se clavará en el vientre de las montañas mientras yo me estoy dejando capar''. (MARTÍN-SANTOS, 2001 , p. 282)

É a denúncia da visão de condenação da sexualidade e da salvação através do bárbaro sacrifício mas, em T. S., a castração de Pedro, se por um lado confirma a visão cristã do castigo, também representa o castigo imposto pela sociedade autoritária que o põe no exílio e o mantém capado, anulado e sem voz, (em silêncio), impedindo-o de mudar a realidade social que não deixa espaço aos indivíduos para sua livre e plena espressão. A alusão à Cava Florinda é feita textualmente no discurso final de Pedro.: '' El pecado de La Cava hubo tambiém de ser pagado'' (MARTÍN-SANTOS, 2001, p.277) e vem sintomaticamente precedido de uma citação bíblica, da parábola do devedor cruel, do Evangelho de São Mateus, cap. 18, v. 22. que é a resposta da pergunta de São Pedro a Jesus: quantas vezes devo perdoar o irmão que pecou contra mim, até sete vezes? : ''No siete sino setenta veces siete. (MARTÍN-SANTOS, 2001, p. 277).

Dentro da tradição literária espanhola, alguns personagens se tornaram verdadeiras representações de tipos sociais a ponto de serem chamados pelo nome destes personagens. Este é o caso de Celestina, que encarna o mito da alcoviteira e se apresenta como mestra em aproveitar circunstâncias para conseguir, através de sua astúcia, seus intentos. L. M. Santos, aproveitando-se da riqueza de tal personagem, escolhe um de seus personagens em T. S. para ser a encarnação da ''celestina'': é a velha dona da pensão onde mora Pedro que manipula este ''hombre tan inocente, tan bueno ''(MARTÍN-SANTOS, 2001, p. 94) diz ela que prossegue revelando-se como verdadeira celestina ao dizer:

''Me gusta este hombre pero no sé como ponerle en el disparadero de su hombría porque no estaría bien, digo yo, celestinear a la nieta en quien ha celestinear a la hija con tanto provecho como yo lo he sabido hacer. Por que esa tonta cuando el bailarín la dejó como la dejó, si no por mí y por mi celestineo que no me da vergüenza porque al fin y al cabo Dios ha hecho así el mundo…'' (MARTÍN-SANTOS, 2001, p. 95)

A sua caracterização celestinesca reaparece novamente no fragmento 22 em que o narrador apresenta os pensamentos dela reenfatizando sua imagem como celestina ao regozijar-se após ter visto Pedro cair na sua armadilha e sair, ''as escondidas'', do quarto de sua neta:

Los pliegues del corazón y del cerebro de una vieja. La trampa. La femeneidad vuelta astucia cuando la carne ha dejado de ser carne y es sólo una materia indescriptible. La celestina que es celestina para no morir de hambre o para no tener que quitar los visillos de sus ventanas. Para no tener que fregar el suelo siendo viuda de. La caza. Las ventajas de la caza sobre la venta o el alquiler. (MARTÍN-SANTOS, 2001, p.)

O que torna mais terrível a condição celestinesca deste personagem é perceber que sua velhacaria é ainda mais repugnante e abjeta por ter sido ela capaz de prostituir filha e neta. Outros possíveis pontos de semelhança do personagem original Celestina e o de T. S. é o fato de ambos terem uma dependência alcoólica (vinho e rum negrita), e de que se no texto original a Celestina morre, no de L. M. Santos, ao morrer Dorita é como se ela morresse em vida devido à impossibilidade de continuar celestineando a neta e à conseqüente perda da possibilidade de redenção de seu nome e da sua ascensão social.

Há referências e alusões também ao mito de D. Juan. Um exemplo bem explícito está no episódio 62, quando após a morte de Dorita, Pedro divaga sobre a injustiça da morte dela e parafraseia Catalinon, personagem de El Burlador de Sevilla: ''no, no, no, no es así. La vida no es así, en la vida no ocurre así. El que la hace no la paga''. (MARTÍN-SANTOS, 2001, p. 276), deixando implícito que a idéia de justiça divina num mundo como este é inexistente e equivocada, fazendo portanto L.M.S. uma inversão do sentido do texto original.

Também se pode observar com clareza a presença de Cervantes e D. Quixote em T. S. Além de um texto no fragmento 12 em que Pedro, caminhando à noite pelas ruas de Madrid faz seu pensamento saltar no tempo até a época em que viveu Cervantes para recordá-lo:

Por allí había vivido Cervantes – ¿o fue Lope? – o más bien los dos. Sí, por allí, por aquellas calles que habían conservado tan limpiamente su aspecto provinciano, como un quiste dentro de la gran ciudad. Cervantes, Cervantes. ¿Puede haber realmente existido en semejante pueblo, en tal ciudad como ésta, en tales calles insignificantes y vulgares un hombre que tuviera esa visión de lo humano, esa creencia en la libertad, esa melancolía desengañada tan lejana de todo heroísmo como de toda exageración, de todo fanatismo como de toda certeza? (MARTÍN-SANTOS, 2001, p. )

L. M. Santos prossegue apresentando este texto, de forma um pouco obscura como a maioria dos críticos tem notado, mas cujo objetivo, inegavelmente, se constitui numa forma de homenagem ao grande ícone da literatura espanhola. As intertextualidades com D. Quixote são sempre de natureza autoconsciente. Sua presença em T. S. se faz às claras, nas muitas semelhanças entre Pedro e Quixote. Enquanto Quixote tem a Sancho como escudeiro, Pedro tem a Amador. Tanto T. S. quanto D. Quixote são novelas itinerantes e as saídas de D. Pedro como as D. Quixote conduzem a ação de ambos os romances. Pedro, identificado a Quixote, busca, através de uma postura idealista, alcançar importantes resultados nos seus estudos sobre o câncer. Mas, a realidade da falta de recursos para prosseguir sua pesquisa, inclusive a falta de cobaias, leva-o às chabolas madrilenhas com seu escudeiro Amador, empregado do Instituto de Ciências. A saída dos dois é descrita como:

¡Oh qué felices se las prometían los dos compañeros de trabajo al iniciar su marcha hacia las legendarias chabolas y campos de cunicultura y ratología del Muecas! ¡Oh qué compenetrados y amigos se agitaban por entre hordas matritenses … (MARTÍN-SANTOS, 2001, p. 29)

Aqui, L. M. Santos imita e parafraseia o estilo de Cervantes. Além da alusão à ''compenetração'' e ''amizade'' entre cavaleiro e escudeiro, além da semelhança estilística e das alusões para dar continuidade à intertextualidade com Cervantes, L. M. Santos aproxima Pedro a Quixote colocando-o, como o que medita e, Amador a Sancho, como o que se ocupa mais das coisas dos sentidos, ao agregar:

Esto iba meditando Pedro sin comunicar tales pensamientos a Amador que quizá no hubiera podido elevarse a la consideración de tales leyes cromático-geográficas sino que hubiera sugerido más simplemente el consumo de adecuados líquidos reparadores de la fatiga en cualquiera de las numerosas tabernas que se abrían invitadoras a su paso a través del paisaje urbano. (MARTÍN-SANTOS, 2001, p. 29)

Podemos, certamente, antever o Sancho guloso nesta descrição de Amador, louco para parar e beber algo para refrescar-se do calor da Madri outonal ensolarada, enquanto D. Pedro como D. Quixote sonha, delira. Ao chegar às chabolas sua imaginação fantasiosa e quixotesca o faz ver, sob a ótica irônica do narrador, ''los soberbios alcázares de la miseria'', ''inverosímiles mansiones'' e ''omníricas construcciones'' (MARTÍN-SANTOS, 2001, p.49). Da mesma forma, o bordel de D. Luísa é imaginado ironicamente também como ''alcázar de las delicias'', nos lembrando de que D. Quixote, diante de uma simples taberna, via um palácio. Pedro compenetrado de sua quixotice se prepara para atender o pedido de Muecas de auxiliar sua filha doente ''y los preparativos que D. Pedro iniciaba eran clara muestra de que, dispuesto a todo, iba a seguir los pasos de Muecas hasta el mismo lecho del dolor presto a acabar con cuanto mal hay en el mundo'' (MARTÍN-SANTOS, 2001, p. 123). No monólogo da velha da pensão, fragmento 17, ela reforça a imagem de Pedro associada a do Cavaleiro da Triste Figura

''y ese muchacho andará por ahí hecho perdido, como si fuera un perdido (…) Él es así, un poco distraido (…) No acaba de ver nunca claro (…) Pero el día que se vea comprometido (…) ha de caer con todo el equipo y cumplir como un caballero, porque eso es lo que él es, precisamente, un caballero. (MARTÍN-SANTOS, 2001, p. 93)

Ao chegar Matias à pensão, no domingo de manhã, para levar Pedro a sua casa encontra-o dormindo e em lamentável estado. A velha da pensão, maternalmente, manda-lhe preparar um banho e chama a criada, a quem o narrador denomina de ''la maritornes ceñuda'' (MARTÍN-SANTOS, 2001, p.138) em una alusão direta ao texto cervantino. Uma das grandes ironias de T. S. em relação à quixotização de Pedro é mostrar, como diz Carlos Jerez- Farrán, que

el medio social que ubica a Pedro es tan contrario a sus proyectos vitales como el de Cervantes lo había sido a los de su héroe. Se infere, pues, que Pedro es el Quijote que la España moderna ha creado y suscitado. Es un Quijote, eso sí, pero carente de las cualidades que nos hace conmiserar con su bien intencionado precursor. (JEREZ-FARRÁN, 1988, p. 125)

Este tipo de intertextualidade não tem a pretensão de modernizar o herói lendário que foi Quixote. Isto provavelmente acarretaria a idéia de uma crítica antiquixotesca, o que está longe das intenções de M. Santos que, muito pelo contrário, deixa Pedro parecer mesmo o que é, um homem comum, um anti-herpoi, cuja epopéia ''es para esta España de la posguerra, para este país de bajamar políticas e económicas y de pequeñas y grandes injusticias, lo que la epopéa de D. quijote fue para la de los Felipe''. (JEREZ-Farrán, 1988, p. 125). Pedro é o herói possível para este momento histórico. É um Quixote decaído, aviltado. O desejo de L. M. S. por ''imitar '' ou parafrasear temas y atitudes dos personagens do Quixote, como analisa Manuel Sol em seu trabalho D. Quijote en Tiempo de Silencio: ''no tiene como objeto sublimar a sus personajes; todo lo contrario de la comparación, desde un punto de vista humano, o más que humano, moral, los personajes de L. M. Santos resultan degradados'' (SOL, 1986, p. 80).

Bastante importante é lembrar que o fracasso de Pedro se deve ao fato de não ter esperanças de melhorar o país ''donde la idea de lo que es futuro se ha perdido hace tres siglos y medio'' (MARTÍN-SANTOS, 199, p. 80) e são exatamente três séculos e meio, como aponta Jerez-Farrán, a separar a publicação do Quixote, 1605, da de T. S., 1961.

Tanto Cervantes quanto Martín-Santos, para evitar a censura, já que ambos viveram ''en um tiempo obligado de silencio en el que la crítica moral, social e institucional se hacía _ o por lo menos la hicieron ellos_ enmascarándose en la ingenuidad de sus protagonistas, en la estructura y en la reconditez barroca de su estilo'' (SOL, 1986, p. 82)

Tanto D. Pedro quanto D. Quixote, em romances de caráter itinerante, perambulam, um por Madri e seus arredores buscando glória e fama internacional e o outro, por La Mancha e outros lugares de Espanha, levando justiça sobre a Terra e alcançar também, glória e fama. Em ambas as narrativas o final aponta para o fracasso dos heróis. Pedro e Quixote vêem o meio ambiente triunfar e suplantá-los.

Importante ressaltar que a presença explícita do texto cervantino não é objeto de parodia. L. M. S. não vê o ideal do cavaleiro (nem D. Pedro nem D. Quixote) como falso. O que ele parece sugerir com esta transposição como aponta Jerez-Farrán

es que Espãna es un país reacio a todo tipo de mejora. El intertexto es pues, una revaloración de las aspiraciones y fracasos del país en el que D. Quijote fue concebido. (…) vemos sí un reconocimiento bien evidente de la validez del ideal quijotesco. (JEREZ-FARRÁN, 1988, p. )

É essa revalidação do ideal o que talvez aproxime o texto de L. M. S. ao dos escritores da geração de 98, com os quais T. S. estabelece diálogos intertextuais, que são apontados em dois trabalhos de Thomas Franz, da Universudade de Ohio. Os principais escritores e textos por ele identificados em T. S. são Pio Baroja de El Árbol de la Ciencia, Pérez de Ayala, de Troteras y Danzaderas, Valle-Inclán, de Luces de Bohemía e Camilo José Cela, de La Colmena.

Impossível não mencionar os intertextos super conscientes com o pintor Goya e o filósofo Ortega y Gasset alvo de uma ironia terrível, por parte de Martín-Santos, no que diz respeito ao comportamento e atitudes deste pensador espanhol.

Como L.M. Santos criticava a posição espanhola de deixa-se ficar de costas para a Europa e a tudo que representava a modernidade, ele deixa que seu livro, ao fazer o oposto, vire-se de frente e abrace as influências e novidades que advém deste mundo fora da Espanha. Não incluímos as grandes presenças intertextuais de Shakespeare, Joyce, Lawrence, Faulkner e Camus, para mostrar como apenas servindo-se do farto banquete cultural espanhol L. M. Santos ressalta o contraste desta riqueza literária com a miséria, a fome e a degradação da realidade social dos anos quarenta da pós-guerra espanhola.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÁRCAMO, Silvia Inés (Org.). Mitos Españoles, Imaginación y Cultura. Rio de Janeiro, APEERJ, 2000.

CERVANTES, Miguel de. D. Quijote de la Mancha. Madrid, Ed. Cátedra, 2000.

CURUTCHET, Juan Carlos. Cuatro ensayos sobre la nueva novela española. Montevideo, Editora Alfa, 1973.

GENETTE, Gérard. Palimpcets. Literature in Second Degree. Lincoln, University of Nebraska Press, 1997.

HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-Modernismo. Rio de Janeiro, Imago Ed. 1991.

JEREZ-FARRÁN, Carlos. Ansiedad de influencia versus intertextualidad autoconciente en Tiempo de Silencio, de Luis Martín-Santos. Symposium, Washington, n. 42, p. 119-132, 1988.

MARTÍN-SANTOS, Luis. Tiempo de Silencio. Barcelona, Seix-Barral, 1990.

SOL, Manuel. D. Quijote en Tiempo de Silencio. Cuadernos Hispanoamericanos, 430, Madrid, 1986.

THOMAS, Franz. From Baroja and Ayala to Martín-Santos. Crítica Hispánica, Pittsburg, n. 7, p.25-35,1985.

______________. Tiempo de Silencio and its Cela-like a resonances of the generation of 1988. Hispania, n. 79, p. 423-438, 1996.