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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

Mito e sombra. Luz e forma: Rosalía de Castro

 

 

Susana Álvarez Martínez

Universidade Federal Fluminense

UNIPLI

 

 

Quem foi Rosalía? O que fez de tão importante? Quantas obras publicou? São perguntas que venho escutando desde que anuncio a minha pesquisa. Marina Mayoral já lembrava em seu livro La poesia de Rosalía de Castro (1974), o silencio da crítica que durante muitos anos esqueceu a obra de Rosalía e a tornou ausente em grandes antologias como a de Valera e Menéndez y Pelayo, mas essa ausência não foi total. Azorín se lembrou e se lamentou em Clássicos y Modernos dizendo:

Rosalía vivió retirada em Galicia. Compuso poesías gallegas y poesías castellanas; escribió también dos novelas. En 1884 – una año antes de morir – apareció impreso en Madrid un libro En Orillas del Sar; no se ha publicado en lengua castellana, durante nuestro siglo XIX un volumen de más delicados y soñadores versos. Nadie habló de este libro. ¿Cómo puede producirse este fenómeno en la vida de un pueblo? - ¿De qué manera un acontecimiento capital de honda trascendencia, en el pensamiento, en la estética de un país, produce pasar inadvertido? (MARTÍNEZ RUIZ, 1959, P.104 )

Concordando com Azorín, afirmo, que este esquecimento, esta sistemática postergação, faz rotundamente simpática a Rosalía e por isso me dedico a estuda-la e ajudar aos que algum dia a trouxeram à memória, na tentativa de complementar os estudos e mostrar a grande importância da poetisa para as literaturas que a sucederam.

Tudo começou em 1986 quando o destino me trouxe para um mundo totalmente diferente, onde a língua, os costumes, e as pessoas eram desconhecidas e deveria me adequar por mais difícil que isso parecesse. O por que? Só Deus sabe. Hoje continuo aqui feliz e compreendendo que o mundo não era só aquilo, mas foi aquilo que me deu ao mundo e deixou saudade. Saudade que tal vez possa ser suprimida, ainda que seja um pouquinho, através do estudo das origens, do por que este destino inexplicável nos levou a fazer tal mudança de vida. A leitura da poesia de Rosalía de Castro me ajudou a ver que não era a única a sentir saudade e que tudo poderia ter uma resposta se olhasse para as raízes. Apesar de eu ter nascido dentro delas, passaram desapercebidas. Não lhes dei importância, como ocorre com tudo que nos é dado de graça, mas a partir do momento da despedida e da dor da distância tomaram um lugar privilegiado, um lugar de indagação.

Foi num dia como os outros que me encontrei com a poesia de uma das mais ilustres poetisas da literatura espanhola, e pude perceber que só ela respondia aos questionamentos feitos por mim desde aquele ano 1986.

Adiós, ríos; adiós fontes:
adiós regatos pequenos;
adiós, vista dos meus ollos,
non sei cándo nos veremos.
Miña terra, miña terra,
terra donde m´eu criey,
hortiña que quero tanto,
figueiriñas que prantey.
Prados, ríos, arboredas,
pinares que move ó vento,
paxariños piadores,
casiña de meu contento.
Muhiño d´os castañares,
noites craras de luar,
campaniñas timbradoras
dá igresiña dó lugar.
Amoriñas d´ as silveiras
qu´eu lle dab´ ó meu amor,
caminiños antr´ ó millo,
¡adiós para sempr´ adiós!
¡Adiós, groria! ¡adiós contento''
¡Deixo á casa onde nacín,
deixo a aldea que conoço,
por um mundo que non vin!
Deixo amigos por extraños,
deixo á Veiga pó-lo mar,
deixo em fin, canto bem quero...
¡Qué pudera non deixar!...
.......................................................................
(CASTRO, 1960, p.308)

Com esses versos ela transmitiu o seu mais amplo sentimento e a busca de mais palavras-resposta me levou à leitura de sua obra que já tinha em mãos fazia muito tempo. Só agora encontrava o lugar que lhe corresponde. O contato com ela deixou clara a sua riqueza na tentativa de recuperação de sua cultura.

Rosalía nasce em Camino Novo, Santiago de Compostela e foi batizada o 24 de fevereiro de 1837, figura no registro do Hospital Real de Santiago de Compostela como filha de pais desconhecidos. Filha do sacerdote Jose Martínez Viojo e de mãe solteira Maria Teresa de la Cruz de Castro, de família fidalga. Passa seus primeiros anos ao cuidado de umas tias paternas e posteriormente, se muda a Padrón para viver com sua mãe. Aprende a língua galega com sua ''babá''. Vai para Madrid em 1856 onde conhece Manuel Murguía, crítico e historiador, com o que se casa e quem a coloca em contato com Bécquer e seu círculo. Em 1857 publica seu primeiro livro poético, La Flor, ao que lhe seguem Cantares Gallegos, de 1863, e Follas Novas, de 1880, ambos escritos em galego. Sua principal obra, En las orillas del Sar, foi publicada en castellano en 1884. Con Cantares Gallegos se situó como precursora, junto a Curros Enríquez y Pondal, do Rexurdimento cultural de Galicia. Juan Ramón Jiménez a situa entre os predecessores da revolução poética iniciada por Rubén Darío. A crítica atual assinala seu feminismo pioneiro. Também foi autora das novelas La Hija del Mar (1859), Flavio (1861) e Ruinas (1866). Publicou as tituladas El Caballero de las Botas Azules, em 1867, e El Primer Loco, em 1881. Mãe de sete filhos: Alejandra (1859), Áurea (1868), os gêmeos Gala e Ovídio (1871), Amara (1873), Adriano (1875), morto aos dois anos e Valentina, nascida morta. Rosalía sempre foi uma mulher de saúde delicada e temperamento depressivo, morreu aos quarenta e oito anos no dia 15 de julho de 1885 em A Matanza (Padrón).

Rosalía expressa naturalmente todo o sentimento de seu povo e chega a ser definida por muitos como a encarnação da alma popular da Galicia, povo inclinado as crenças ultraterrenas e preocupado pelo ''más allá''.

Para Rosalía, à margem de um Céu ou de um Inferno cristãos se movem multidões de seres com os quais é possível estabelecer comunicação e que, de uma forma ou de outra, seguem intervindo ou participando da existência terrenal, esses seres são designados freqüentemente por ela como apelativo de ''sombras''. Estas não podem ser confundidas com as sombras simbólicas que segundo Mayoral (1974) são ''algo'', como a ''negra sombra'', uma realidade a que se alude de forma vaga mediante um símbolo e que funcionam na sua poesia como elementos decorativos ou retóricos, herança do Romanticismo. Diferente do ''alguém'' das sombras pessoais com quem se dialoga e que tiveram vida terrenal, e continuam participando com ela.

Que anque din que os mortos nóien,
Cando os meus lle vou falar,
Penso que anque estén calados
Bem oien o meu penar
(CASTRO 1960, p. 240)
Negra sombra
Cando penso que te fuches,
Negra sombra que me asombras,
ó pe dos meus cabezales
tornas facéndome mofa.
Cando Maximo que es ida,
No mesmo sol te me amostras,
i eres a estrela que brila,
i eres o vento que zoa.
Si cantam, es ti que cantas;
Si choran, es ti que choras;
i es o marmurio do rio,
i es a noite, i es a aurora.
Em todo estás e ti es todo,
Pra min i em min mesmam moras,
nin me abandonarás nunca,
sombra me abandonarás nunca,
sombra que sempre me asombras.
(CASTRO, 1960, p.187)

As sombras em Rosalía estão além de sua dúvida individual, pertencem ao acervo cultural de um povo que se nega a abandonar a terra quando morre e por isso, não se esquece dela transformando-a em mito presente na lembrança dos que vivem essa cultura, que também tem sol, festa e alegria dada à luz por Rosalía em seus Cantares Gallegos.

Com eles tomou o nome de ''precursora'' e ''adelantada'' devido a sua contribuição ao renascimento da literatura em língua galega esquecida nesse aspecto praticamente desde a Idade Media. Em Cantares Gallegos, Rosalía passa a ser um instrumento de reabilitação social do seu povo. Desde seu prólogo explica a conseqüência com que se propõe a tarefa de cantar seu país depreciado e relegado, em sua própria e harmoniosa língua: ''...naquele dialecto soave e mimoso que querem fazer bárbaro os que non saben que aventaxa as demais línguas em doçura e armonia'' (CASTRO, 1960 p. 263). Rosalía reconhece que não a usa com perfeição. Ela a transcreve do seu uso oral com contágios castelhanos, e com isso acaba sendo uma precursora no emprego literário do galego moderno.

Mas é no seu livro En las Orillas del Sar (1884) escrito em castelhano, quando ela alcança sua maturidade poética. Nele abre novos horizontes que vislumbram o Modernismo através das suas inovações.

Considerado o livro mais maduro, nele Rosalía mostra a sua originalidade: por uma parte naturalidade na linguagem lírica, próxima à fala comum, e ideal de Campoamor, e por outra, o vôo lírico de um Bécquer. Naturalidade de linguagem e profundidade de sentimento são qualidades próprias do Intimismo, mas, além disso, e ao mesmo tempo, sua versificação fácil, variada e nova faz de Rosalía a mãe que da à luz uma forma cheia de combinações métricas. Durante uma época quando ditas inovações eram raras, Rosalía usava versos de quatorze silabas, de dezesseis e de dezenove, deixando a poesia espanhola da segunda metade do século XIX pra trás. Esquecendo as inovações métricas dos românticos, encontramos nesta poetisa um procedente para as novidades que, em dito aspecto, semearam transformações na poesia de língua espanhola e das quais colheu o nome de precursora do modernismo. A poesia do século XX teve como essência a poesia de muitos do XIX, porém foi a de Rosalía que, segundo Feal Deibe (1971) e Lapesa (1954), serviu como fonte a Lorca e A. Machado. Em que medida esta poesia quase esquecida e muitas vezes criticada serviu de exemplo para estes grandes nomes? Foi só a inovação métrica ou também o novo mundo poético de Rosalía que se metamorfoseou na poesia daqueles poetas?

Perguntas surgem e tentam ser respondidas, o espaço não me deixa, mas preciso dizer que acredito e sigo as palavras de Luis Cernuda dizendo que ela serviu de exemplo para estes grandes nomes através da inovação métrica e também do seu novo mundo poético, o qual se metamorfoseou na poesia daqueles que hoje vangloriamos.

Pesquiso e pretendo responder para clarear esses fragmentos até então pouco iluminados e mais uma vez ajudar a defender a voz dessa mulher que, usando a sombra, se tornou um mito na escuridão da Crítica, que pouco fala dela, mas hoje lhe é dada a luz necessária e com ela podemos ver a forma e encontrar novamente a esta que ao lutar pelo direito de ser como é, perpetua os seus costumes, e mostra e seu verdadeiro e enorme vislumbre.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Rosalía de. Obras completas. Edición de V. García Marti. Madrid: Aguilar, 1960.

_____. En las Orillas del Sar. 3. ed., Edición de Xesús Alonso Montero. Madrid: Catedra, 1994.

_____. Poemas juveniles ''La flor'' y ''A mi madre''. Estudio y prólogo de José Maria Viña Liste. La Coruña: Biblioteca Gallega, 1985.

_____. Rosalía de Castro: Poesia. Seleção e Versão do Galego e Espanhol de Ecléa Bosi. 2. ed. São Paulo: Brasiliense 1987.

_____. Follas Novas. Edición de María Mayoral e Blanca Roig. Santiago de Compostela: Edicións Xerais de Galicia, 1990.

_____. Cantares Gallegos. Edición de María Mayoral e Blanca Roig. Santiago de Compostela: Edicións Xerais de Galicia, 1990.

CERNUDA, Luis. Rosalía de Castro hoy. In: RICO, Francisco. (organizador) Historia y crítica de la Literatura Española. Vol V. Romanticismo y Realismo. Coordinado por Elvira Peñeda. Barcelona: Ed. Crítica, 1982

IRIS M., Zavala. La poesía Romántica, Bécquer y Rosalía. In: RICO, Francisco. (organizador) Historia y crítica de la Literatura Española. Vol V/I. Romanticismo y Realismo Primer suplemento. Coordinado por Elvira Peñeda. Barcelona: Ed. Crítica, 1994

LAPESA, Rafael. Bécquer, Rosalía y Machado, Insula, Madrid nº 100 e 101, mayo 1954.

_____. Introducción a los Estudios Literarios. Salamanca: Anaya, 1965.

MARTÍNEZ RUIZ, José, Azorín. Clásicos y modernos. Buenos Aires: Losada, 1959.

MAYORAL, Marina. La poesía de Rosalía de Castro. Madrid: Gredos, 1974.

MAYORAL, Marina y MONTERO, Jesús Alonso. Símbolo y Realidad en Rosalía. In: RICO, Francisco. (organizador) Historia y crítica de la Literatura Española. Vol V. Romanticismo y Realismo. Coordinado por Elvira Peñeda. Barcelona: Ed. Crítica, 1982