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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

A (im) possibilidade da tradução cultural

 

 

Ana Isabel Borges; Marildo José Nercolini

UFRJ

 

 

Tradução cultural e tradução literária. A tradução cultural é possível? Nesse ensaio queremos responder a essa pergunta e levantar outros questionamentos sobre o tema. A proposta de pensar sobre tradução cultural nasceu de certas perguntas levantadas a partir do atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, em Nova York. O fato nos pareceu paralelo a outros, ocorridos em diferentes momentos históricos, especialmente o que ficou conhecido como a matança de Alvarado, no México, em 1521.

Traduzir é abordar o Outro. Essa abordagem começa com uma leitura, movimento só aparentemente passivo, no qual o Um já transforma o Outro radicalmente ao aplicar a ele seus parâmetros na tentativa de entendê-lo. Logo a abordagem passa a uma fase mais francamente ativa e começa também a se desdobrar.

Como nos lembra muito bem Carlos Rincón (1999), tradução cultural tem dupla ascendência teórica. Por um lado a Antropologia Social Britânica, começando com Godfrey Lienhardt até Ernest Gellner, que a coloca como prática de significação central para a Antropologia; por outro, a reflexão anti-hermenêutica surgida com Walter Benjamin sobre a tarefa do tradutor. A partir de Benjamin, ocorre um reenquadramento conceitual da tradução na sua relação com língua, texto e cultura, assumida como metáfora que designa o problema central da condição pós-colonial. Nessa concepção a cultura passa a ser vista como um lugar ou um espaço instável de passagem entre as línguas, de travessia de identidades, de desestabilização das referências culturais, um espaço intersticial de negociação, não uma totalidade fechada. Os próprios sistemas culturais se constituiriam mediante processos contínuos de tradução entre culturas, sendo insustentável a defesa de uma pureza cultural.

Cultura é um processo comunitário de reprodução de uma dimensão meta-física da existência, que passa pelo natural, mas o transcende, sendo uma ocupação ''mediada ou indireta que cultiva a dimensão formal e dramática das ocupações próprias da vida cotidiana'' (ECHEVERRIA, 1998, p.132). Esse processo é político, num sentido amplo de polis, de agregados mais ou menos coesos de seres humanos, que criam formas e códigos próprios ao grupo e que serão percebidos como parte entranhável da sua existência.

Aproximar-se ao Outro é fascinante e perigoso, e as aproximações oscilam entre duas propostas radicalmente opostas. Quando Eros é acionado, esse Outro é percebido como o objeto do desejo do Um, desafio e promessa precisamente por ser diferente; quando é Tanatos que entra em jogo, o Outro é aquilo no qual o Um não se reconhece e que deve destruir porque ameaça sua existência transcendente a partir de um código cultural incompreensível, que pode ser percebido até mesmo como inumano. Perder o código cultural; ter que viver com o de outros, que foi imposto; ter que viver o próprio às escondidas; às vezes simplesmente abrir mão por escolha pessoal pode significar morrer.

Como fazer uma tradução cultural? Quanto de uma cultura pode se exprimir em palavras? Quanto de uma cultura pode ser comunicada através de palavras que nasceram em outra cultura? Em que sentido a teoria da tradução pode ser aplicada a manifestações culturais que incluem, além do verbo, expressões que são produto de outras linguagens? Como em A tarefa do tradutor, de Benjamin, o que é essencial de uma cultura não é o enunciado que se comunica, mas aquilo que excede a comunicação.

O que pode haver em comum entre duas culturas? Algumas têm importantes pontos de contato, mas outras podem ser tão diferentes que a procura de um equivalente tenha um efeito contrário ao que se busca e impeça a comunicação, ou a distorça de tal forma que o resultado seja comunicar o oposto do que se desejava. É preciso tentar o impossível: tomar duas culturas – nascidas dentro de especificidades históricas e geográficas – e transformá-las em abstrações para encontrar os pontos de contato, porque nas suas concretudes históricas elas não apenas se diferenciam, mas podem mesmo se opor, ou se afastar até chegar ao ponto do irreconciliável.

11 de setembro. Por quê a repercussão tão grande do atentado ao World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001? Por quê esse fato obriga a muitos intelectuais e analistas a repensar o arcabouço teórico que até então vinham usando? Muitas são as perguntas. Muitas são as tentativas de respostas. Grande é a perplexidade.

A nação contemporânea mais poderosa do mundo, em termos econômicos e militares, aquela que se achava imune a ataques dessa natureza, se vê no centro de um atentado terrorista de grandes proporções, e justamente é atacada naqueles que são dois dos seus maiores símbolos: as Torres Gêmeas, em Nova York – símbolo do poderio econômico; e o Pentágono, em Washington – símbolo do poderio bélico-militar.

O que faz com que a considerada capital do mundo contemporâneo, marcada pela diversidade, pelo multiculturalismo, pela presença dos muitos Outros advindos das mais diversas culturas existentes ao redor do planeta, seja o alvo de um atentado com essas proporções? Como entender as reações dos norte-americanos diante do fato?

''Como pode estar acontecendo isso conosco?'' Inimaginável para o norte-americano ver as Torres Gêmeas ruírem diante dos seus olhos. Se, com apoio ou ação direta do poderio norte-americano, na Faixa de Gaza centenas de construções e prédios ruíram, se em Nagazaki e Hiroshima as cidades inteiras ruíram..., isso tinha acontecido com ''eles'', os Outros, não com a nação mais poderosa do mundo. Era impossível até aquele momento traduzir para um americano a sensação de derrota, de fragilidade, de impotência. De agressor a agredido a mudança de papel é radical e de difícil assimilação.

Não deixa de ser inquietante também algumas reações ocorridas após os atentados. Uma semana depois de 11 de setembro, um dos maiores conglomerados de emissoras de rádio – Clear Channel Communications – lançou uma lista com 150 músicas consideradas impróprias para serem veiculadas na situação em que se vivia1. Entre elas, ''What a wonderful world'', ''Imagine'' e ''Sunday Bloody Sunday''. Como estabelecer o que seria próprio ou não para ser ouvido? Por que, por exemplo, ''Imagine'', uma canção pacifista, que prega a igualdade e a convivência entre os povos? Escolhas estranhas...

Outra reação, que tomou grandes proporções, foi o resgate dos pretensos valores norte-americanos, materializados em seus símbolos nacionais. Nos dias que se seguiram ao ataque, as rádios e televisões tocavam repetidamente o hino nacional; as bandeiras norte-americanas podiam e podem ser vista em todos os lugares. Para se ter uma idéia, somente a rede Wal-Mart vendeu 315 mil bandeiras nos dois dias posteriores aos atentados. No mesmo período do ano anterior, teriam vendido não mais que 6 mil. Os discursos dos líderes políticos incentivavam esse resgate do sentimento de nação. De acordo com um senador americano: ''Exibir a bandeira mostra que não estamos e nem seremos derrotados''. Um sentimento parecia se espalhar: ''Nós, norte-americanos, precisamos nos unir e mostrar ao mundo a nossa força. Derrotar o inimigo, custe o que custar''. Uma união interna que pode, e em muitos momentos tem se demonstrado, muito excludente, pois tende a delimitar mais claramente quem integra esse ''nós'' e a excluir todos os outros, mesmo que esses muitos outros já façam parte dessa cultura norte-americana. Daí a onda de agressões contra muçulmanos e cidadãos do sudeste asiático que vivem nos EUA, agressões físicas e verbais, além de prisões injustificadas de possíveis suspeitos, feitas frontalmente contra as leis, para dizer o mínimo (CRANE, 2001).

Os pronunciamentos oficiais de George W. Bush logo após os atentados se configuram como fonte de dados que podem esclarecer a nossa reflexão. Algumas de suas afirmações: ''Haverá resposta a este ataque covarde (...),demoníaco. (...) A liberdade será defendida. (...) Podem tocar as fundações dos prédios, mas não as da América. (...) Não há distinção entre terroristas e aqueles que os protegem. (...) Eles falharam''.2 Um ano após os atentados, ainda se percebe mais claramente no discurso de Bush3 uma distinção entre o ''Nós'', os norte-americanos - e em menor escala ''nossos aliados'' - e ''Eles'', os inimigos. A grandeza dos EUA e do seu povo é destacada repetidas vezes. ''Eles'' são covardes, inimigos, terroristas, tiranos, fanáticos, cruéis, homens malignos, a escuridão... ''Nós'' lutamos ''para ser tolerantes e justos'', ''lutamos não para impor nossa vontade, mas para nos defendermos e estender as saudações da liberdade'', ''nossa causa é a causa da dignidade humana''. ''Eles'' são ''um bando de fanáticos da história semeando a morte em seu caminho ao poder'', ''buscam controlar as mentes e almas de outros''. Esse caráter é também mostrado por Rudy Giuliani (2002) ao afirmar em artigo recente que:

O nosso caminho é o caminho do futuro. (...) Não é uma estrada perfeitamente reta e lisa. Mas é inegavelmente o caminho para onde o mundo está indo. E é bom que seja assim. Por uma razão muito simples (...). É que nós estamos certos e eles estão errados.

A civilização contra a barbárie, o bem contra o mal, discurso maniqueísta e autoritário, destacando o caráter onipotente norte-americano, adonando-se da prerrogativa de determinar o que é bom, certo e justo para o resto dos povos. Os EUA colocados como a nação que ''derrotou tiranos e libertou campos de extermínio'', erguendo ''a chama da liberdade''. Certamente não é o que pensam, por exemplo, boa parte dos chilenos que num mesmo 11 de setembro, somente que em 1973, tiveram seu presidente Allende assassinado e a sede de governo bombardeada por militares com apoio do governo dos EUA.

A intelectualidade norte-americana ficou perplexa. Grande parte entrou na onda governista e apoiou as ações de Bush, sem produzir uma reflexão mais crítica e conseqüente. Vozes dissonantes, como foi o caso de Susan Sontag, eram taxadas de antinacionalistas.4 Igualou-se o pedido de reflexão à dissensão, e a dissensão à falta de patriotismo. Em seu papel de intelectual combativa e polêmica, Sontag (2001) publicou dois dias após o ataque um artigo em que aponta a incapacidade do governo e do povo norte-americano de reconhecer a realidade. Ela afirma que o discurso das autoridades e figuras públicas, após os atentados, não passaram de uma ''unanimidade retórica cheia de santimônia e ocultadora da realidade". Afirma que o atentado não foi um ataque ''covarde'' contra a ''civilização'', mas sim um ataque contra os EUA em ''conseqüência de certos interesses e ações norte-americanos''. Lembra que o qualificativo ''covarde'' seria mais adequadamente usado contra os bombardeios norte-americanos ao Iraque, ''que matam fora do alcance de retaliação, das alturas do céu, do que aqueles que se dispõem a morrer eles mesmos para matar os outros (...). Vamos todos lamentar juntos, mas não sejamos idiotas juntos''(SONTAG, 2002, p.11). A mesma intelectual afirma, em artigo escrito em 2002, que a suspeita do pensamento, das palavras e a aversão ao debate faz parte da tradição antiintelectualista norte-americana. Destaca a dificuldade da cultura norte-americana de lidar com o Outro, pois o estrangeiro é tratado como obstáculo. Impossível entender e traduzir outras culturas se esse é o padrão vigente.

A matança de Alvarado. Em 1521, tendo já praticamente conquistado México-Tenochtitlan, Hernán Cortés teve que se ausentar da cidade para enfrentar Pánfilo de Narváez, enviado do governador de La Española. Consigo levou Malintzin, la lengua, a tradutora maia que era também sua amante. Em seu lugar, no comando da cidade, deixou Pedro de Alvarado.

Pouco tempo depois começaram em Tenochtitlan os preparativos para a festa de Tóxcatl, que Cortés já tinha permitido, permissão que foi logo ratificada por Alvarado. Era a celebração religiosa mais importante do ano, homenageava o belicoso Tezcatlipoca e dela participavam guerreiros nobres escolhidos. Durante o evento, Alvarado e seus homens atacaram repentinamente os mexicas que dançavam, matando quase todos5 .

As crônicas se dividem: Cervantes de Salazar assegura que Alvarado pensou que se preparava uma rebelião; os informantes indígenas afirmam que os espanhóis mataram para roubar as jóias dos nobres. A hipótese que sustentamos aqui, e que certamente em nada diminui a selvajaria do massacre, é que os espanhóis de fato pensavam que se armava uma revolta e que esta aconteceria, se não naquele exato instante, dali a muito pouco tempo; e que, no que foi uma ação ditada por um misto de cálculo e medo, atacaram para evitar serem atacados.

Os espanhóis basearam seu comportamento em razões e sem-razões. O descontentamento da nobreza de Tenochtitlan com o comportamento entreguista do imperador era evidente para Cortés e seus companheiros de armas, aquela nobreza era formada por guerreiros e era indubitável que começavam a brotar novas lideranças no solo que o comportamento covarde de Moctezuma II preparava a cada dia. Os espanhóis deviam estar também sobremaneira nervosos com a ausência do inteligente e audacioso Cortés, que exercia total domínio sobre o imperador e sabiam que o ascendente de Alvarado sobre Moctezuma não era tão grande. Até aí os fatos. Para além deles, o medo. Medo porque eram poucos no meio de muitos que não se apresentavam como amigos e que num segundo poderiam mostrar-se abertamente inimigos. E medo poderosíssimo porque esses quase-inimigos, filhos de uma outra relação com o universo, eram incompreensíveis e por tanto imprevisíveis. Na tentativa de entender o que enfrentavam – questão de vida ou morte –, fizeram o mais simples: reduziram o Outro aos próprios pontos de referência e a partir daí perderam o controle. Pois os europeus, com seu imaginário cristão, pensavam que se fossem capturados seriam mortos num sacrifício a deuses que só podiam perceber como demônios. Vejamos por exemplo a impressão dos peninsulares sobre a entrada ao templo de Quetzalcóatl:

La entrada para este templo era una puerta hecha como boca de sierpe, pintada diabólicamente; tenía los colmillos y dientes de bulto, relevados; era tan fea y tan al natural, que no había hombre, por animoso que fuese, a quien no pusiese pavor y espanto, especialmente a los cristianos, que les parescía verdadera boca del infierno; al entrar, por la escuridad y hedor de la sangre de los sacrificados que dentro había, era más espantable e insufribles (CERVANTES, s/d).

Em relação aos ídolos: ''Estaban todos bañados en sangre y negros de como los untaban y rociaban con ella cuando sacrificaban algún hombre, y aun las paredes tenían una costra de sangre de dos dedos en alto y el suelo un palmo; hedían pestilencialmente (...)''(Idem, ibid.).

Quando comparamos as crônicas dos dois grupos, transparece a desconfiança mútua. Recolhemos aqui as duas interpretações de um mesmo acontecimento, pouco antes da celebração, que foi provavelmente fundamental para que a matança acontecesse: religiosas reunidas no pátio do templo preparam a comida ritual para a festa. Os espanhóis se aproximam. Começamos com a fala indígena: ''Salieron los españoles(...) con sus armas de guerra. (...). Pasan entre ellas [entre as mulheres] (...), las rodean, (...) les ven la cara a las que están moliendo. (...) como se supo luego dizque ya en este tiempo tenían la intención de matar a la gente'' (PORTILLA, 1989).

Agora os espanhóis interpretam aquela reunião de cozinheiras: ''(...) que por la mañana el día del baile habían puesto las mujeres infinita cantidad de ollas con agua al fuego, para comer a los españoles cocidos en chile (...)''(CERVANTES, s/d).

Junte-se agora a tal clima de terror a ausência de Malinche, ou seja, a falta de um tradutor confiável, que soubesse que o canibalismo dos mexicas era ritual, e que, portanto – ainda que pudessem de fato ser comidos – os europeus não seriam cozidos, muito menos na pimenta. O desenlace deu-se à noite:

 Estando, pues, en este baile aquellos caballeros mexicanos, o porque avisaron a Pedro de Alvarado de lo que tractaban, o por ver baile tan solemne e de tan principales personas, o por otras causas que no se saben, fue allá, y lo que es más probable, por lengua de algunos españoles que entendieron la trama, sabiendo que se tractaba de la rebelión de los indios y muerte de los cristianos, tomó las puertas del patio con cada diez o doce españoles, y él con cincuenta entró dentro, haciendo en ellos gran carnicería (Idem, ibid.).

Novas questões, possíveis caminhos. Desde Culturas Híbridas, de Néstor García Canclini, tem-se refletido muito e produzido muito material sobre as culturas assim chamadas ''nacionais'' e suas tendências numa época de globalização. Algumas conclusões bastante sólidas foram alcançadas, e já formam parte do pensamento pós-década de 80. Entre elas, a de que uma ''cultura nacional'' é um mito criado com a formação dos estados nacionais, mito que ignora, ou que coloca sob a égide dos valores da cultura de um só grupo – o dominante na formação desses estados – outras culturas, menos ''interessantes'' para a criação do mito; ou a de que não existe nenhuma ''essência'' nacional, ou ''gênio'' imutável de um povo, mas que uma cultura é um fato em permanente construção, transformação e em contínuo processo de permeação. As culturas são porosas, e se constituem no contato com outras. Partiu-se disso tudo para concluir pelo processo de hibridização e pela permeação cultural global como tendência presente a aprofundar-se no futuro.

Vinte anos depois de Culturas Híbridas se dá um acontecimento que vemos como geminado: a explosão das Torres Gêmeas seguida pela reação brutal do governo e da maior parte da população norte-americana. A contundência desse evento põe em dúvida, ou pelo menos exige uma problematização intensa de tudo o que foi dito até agora sobre tolerância e permeação cultural, porque é um acontecimento cuja mensagem é, de qualquer um dos lados: nós não nos deixamos penetrar. Seria possível, então, a tradução cultural? Em que parâmetros?

Beatriz Sarlo (2002, p.50) afirma que as traduções ''operam criando uma espécie de língua artificial'' situada entre a língua traduzida e a língua que se traduz. Podemos ampliar tal reflexão para a tradução cultural, em que não somente se busca a tradução da língua, mas amplia-se o leque e busca-se traduzir a cultura do Outro nas suas distintas dimensões. A tarefa do tradutor cultural ao tentar fazer com que uma cultura não somente seja aceita, mas entendida por outra, acaba por criar um terceiro espaço, ou melhor, ocupar um espaço entre as duas culturas em questão, um entrelugar possibilitador do diálogo entre elas. Sarlo afirma que a tradução é um processo dialógico aberto e sujeito a mal-entendidos, a equívocos, que além de serem normais no processo, podem ser produtivos. Uma das razões, senão a principal, desses equívocos é a não existência de uma correspondência perfeita entre ''práticas e culturas diferentes''. As culturas são marcadas pelos conflitos internos e tais conflitos também se fazem presente na relação com outras culturas ou práticas culturais.

Sarlo lembra que ''a tradução é, simultaneamente, comunicação e obstáculo, uma vez que as línguas [culturas] nunca se refletem umas nas outras como em um espelho'' (Idem, p.50). A tensão que se estabelece nesse processo de tradução cultural entre aproximação/possibilidade e afastamento/conflito/impossibilidade é uma tensão que pode ser criativa e levar o tradutor a ficar sempre alerta e a ter claro que seu trabalho nunca está terminado ou perfeito. O conflito é sua marca indelével e fugir dele é também fugir da possibilidade de uma tradução cultural conseqüente e proveitosa.

A tradução cultural coloca uma questão fundamental para os dias de hoje: como entender/compreender uma cultura que não seja a minha? Como conviver com esse Outro, tendo presente o que nos aproxima e o que nos afasta, os conflitos e o diálogo. Não é uma interpretação para minha cultura do que seja o Outro, muito menos sua versão aceitável/palatável. A tradução cultural implica um contato cultural profundo entre duas ou mais culturas. Aproximar-se e deixar-se tocar pelo desconhecido, mesmo correndo-se o risco do enfrentamento, do conflito, parece ser uma maneira mais profícua e certamente mais trabalhosa de tradução cultural.

Possibilidade–impossibilidade: a tradução trabalha nesse limiar: entre a impossibilidade da tradução total e completa e as muitas possibilidades de diálogos, aproximações, tentativas melhores sucedidas, embates...

 

BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, W. A tarefa do tradutor. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, s/d.

CERVANTES DE SALAZAR, F. Crónica de la Nueva España. In: Portal El Colégio de México: http://www.cervantesvirtual.com/portal/ECM/fondo_biblioteca.shtml

CRANE, M. Uma onda de patriotismo e bandeiras invade os Estados Unidos. 13set.2001. In: http://www.uol.com.br/ajb/ult463u5991.shl

ECHEVERRÍA, Bolívar. La Modernidad de lo Barroco. México D.F.: ERA, 1998.

GIULIANI, Rudy. "Para que o mundo jamais esqueça o que aconteceu no Ponto Zero". Time, 2set.2002. In: http://www.uol.com.br/time/ult640u224.shl

PORTILLA, Miguel León (Org.) Visión de los vencidos: Relaciones indígenas de la Conquista. México: UNAM, 1989. Consultado em http://www.bibliodgsca.unam.mx/consulta.html

RINCÓN, Carlos. Antropofagia, reciclaje, hibridación, traducción o: cómo apropriarse la apropriación. In: Nuevo Texto Crítico, vol.XII, n. 23/24, janeiro a dezembro de 1999.

SARLO, Beatriz. ''A literatura na esfera pública''. In: MARQUES, R. e VILELA, L.H. (org.). Valores: arte, mercado, política. Belo Horizonte: Editora UFMG/Abralic, 2002. p.37-55.

SONTAG, S. Batalhas verdadeiras e metáforas vazias. New York Times, 10set.2002. In: http://www.uol.com.br/times/nytimes/ult574u1975.shl

____________. "O cálculo da dor", Folha de São Paulo, Caderno Mais, p. 11, 23set.2001 (artigo originalmente publicado em 13set2001, na revista New Yorker.).

 

 

1 Notícia veiculada pela Folha Online, em – http://www.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u17613.shl 18/09/2001.
2 Ver: http://www.uol.com.br/inter/reuters/ult27u13657.shl, http://www.uol.com.br/ajb/ult463u5624.shl, http://www.uol.com.br/ultnot/ult265u4817.shl
3 As citações são retiradas de dois discurso preferidos por George W. Bush em 11 de setembro de 2002, ver em http://www.uol.com.br/midiaglobal/ult689u23.shl e http://www.uol.com.br/times/nytimes/ult574u1982.shl
4 Para se ter uma idéia basta recortar uma frase da publicação ''New Republic'': ''O que Osama Bin Landen, Saddam Husseim e Susan Sontag têm em comum? Todos querem a destruição dos EUA''.
5 Entre 600 e 1000, de acordo com Cervantes de Salazar.