Services
An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002
Revistas culturais: a contribuição de Mundial Magazine
Elzimar Goettenauer
UEL
UFRJ
O objetivo desta comunicação é apresentar um breve estudo da Revista Mundial Magazine (Paris, 1911-1914), dirigida por Rubén Darío, buscando contextualizá-la no fin de siécle hispano-americano / europeu. A perspectiva adotada é a de focalizar a referida publicação de modo abrangente, ou seja, sem analisar detidamente alguma de suas seções, textos ou colaboradores específicos, mas assinalando as suas principais características. Além disso, pretende-se apontar como determinados textos recentes sobre o fin de siècle, a modernidade e o modernismo na América Hispânica podem ajudar a dimensionar a importância de Mundial Magazine e a avaliar em que medida ela cumpriu – ou deixou de cumprir – os propósitos que seus editores determinaram.
Embora seja este ainda um estudo inicial, vinculado à pesquisa realizada no doutorado em Língua Espanhola e Literaturas Hispânicas da UFRJ, cabe sublinhar a dificuldade de estabelecer os critérios de abordagem da revista por várias razões: primeiro, por tratar-se de um tipo de publicação obviamente bem distinto dos atuais, fator que pode induzir ao erro de considerá-la muito simples, apesar de ter sido produzida com aparatos técnicos considerados modernos para aquele momento; em segundo lugar, porque é preciso tentar olhá-la com as lentes da época em que foi publicada: o que representava no início do século XX um magazine cujo propósito era o de promover o intercâmbio cultural entre os países de língua espanhola? Se hoje, mesmo com os recursos eletrônicos disponíveis, uma publicação desse gênero não é tarefa fácil, pode-se imaginar o desafio que representou editar Mundial... Além disso, devem ser considerados pelo menos dois universos culturais – o de Paris e o da América Hispânica – e examinados alguns temas relacionados entre si e muito característicos do período em questão: a industrialização, o cosmopolitismo, o papel dos intelectuais, a nova ordem socio-econômica, a autonomia da arte, etc.
A análise de uma revista exige, portanto, um procedimento tanto ambivalente, pois se trata de um veículo de difusão de idéias, quanto objetivo, haja vista a necessidade de definir dentre os muitos textos aqueles que melhor traduzem o perfil da publicação e ao mesmo tempo se relacionam ao tema da pesquisa. O que significa, em outras palavras, privilegiar determinados textos ressaltando o vínculo que existe entre eles e o modo como se articulam para configurar Mundial Magazine.
O primeiro número de Mundial Magazine foi publicado em maio de 1911 e o último em agosto de 1914, totalizando 40 números. Seu diretor literário era Rubén Darío e os responsáveis pela publicação, o senhor Leo Merelo e os irmãos uruguaios Armando e Alfredo Guido.
Segundo pesquisa feita por Ana María Hernández (HERNÁNDEZ, 1988, p. 15-16) a idéia inicial da revista surgiu a partir de um projeto de Alejandro Sux, que pretendia lançar anualmente um ''Album Intelectual Hispanoamericano''. Ao falar de seus planos a Leo Merelo, este transformou o projeto em revista mensal. Como não tinham o capital necessário, Merelo apresentou a idéia aos Guido, exportadores uruguaios, que se entusiasmaram com a idéia e financiaram a publicação. Convidado por Merelo para dividir com ele a direção da revista, Alejandro Sux sugeriu o nome de Darío, que dirigiria também uma outra publicação do grupo, a revista Elegancias.. Sob a responsabilidade do poeta ficou toda a preparação dos dois magazines: escolher colaboradores destacados, selecionar temas apropriados e garantir o êxito das edições.
Mundial Magazine é uma revista de Arte, Ciências, História, Teatros, Atualidades e Modas como está indicado na capa de cada número, onde também se encontram os nomes dos países que a publicação pretende atingir: vinte nações hispano-americanas, além de Espanha, Filipinas, Brasil e Portugal. Observe-se que dentre as matérias não se menciona a palavra Literatura embora seja este, de fato, o assunto de maior enfoque em Mundial e apareça em destaque, logo abaixo do nome da revista: ''Diretor literário: Rubén Darío''.
Na edição inaugural, aparece na primeira página o editorial de apresentação da revista, do qual ressalto a seguir as principais observações.
Os editores buscavam atingir um público específico, o hispânico. Isto significa que apesar de editada em Paris, a referência são os leitores, de todos os tipos, preferentemente os situados do outro lado do Atlântico, cuja receptividade é fundamental para o sucesso de Mundial. Para esse público preparava-se um magazine que pretendia superar as demais publicações do gênero na forma (qualidade do material, fotografias, desenhos, etc.) e no conteúdo, visto contar não só com colaborações literárias variadas e expressivas mas também com matérias leves, agradáveis e úteis. De acordo com o editorial, o objetivo primordial parecia ser então o de ilustrar e distrair, por isso encontram-se nas páginas de Mundial tanto poemas, contos, romances em capítulos, biografias de pintores e intelectuais, reproduções de quadros, notícias como também humor, curiosidades, informações sobre moda, turismo, etc.
Em relação à literatura, declarava-se a intenção de não privilegiar nenhuma escola literária, os editores de Mundial queriam na verdade criar um veículo que atuasse mais a favor da religação cultural do continente do que da propagação de correntes estéticas específicas. A finalidade era fazer da publicação ''no solamente el magazine más importante de lengua castellana, sino también, en cierto modo, el órgano oficial del mundo americano, que sirva de vínculo a todas las repúblicas del nuevo continente. (nº 9, v. II, enero de 1912, p. 282)
Quanto aos colaboradores, a intenção era publicar somente matérias assinadas por autores de língua espanhola, e realmente houve poucas exceções a essa determinação.
Os editores revelam ainda na apresentação da revista a preocupação de estar em dia com as novidades do momento, inclusive as relacionadas ao comércio e à indústria, e em dar um certo matiz europeu ao magazine através das notas parisienses. Vários são os textos cujo tema é a cidade francesa, focalizando não só o teatro e a arte mas também o aspecto urbano, a beleza e as novidades.
O editorial destaca as linhas gerais da publicação e assim oferece as primeiras coordenadas do seu perfil: quer ser um veículo de informação e lazer, elaborado com bom-gosto, lançando mão de recursos material e humano de alto nível assegurados pelo investimento financeiro dos proprietários e pelo prestígio de Rubén Darío, sem comprometimento com nenhuma tendência literária, suficientemente abrangente para divulgar assuntos de variado interesse porém atraente para atingir uma parcela extensa e diversificada de leitores. Esta última diretriz está impressa inclusive no título da revista: Mundial Magazine.
Grosso modo, podemos sintetizar os tipos de textos publicados em Mundial da seguinte forma: sobre arte, escritores, teatro, atualidades, países atingidos pela revista, cidades e pontos turísticos; crônicas, contos, lendas e narrações, romances e peças teatrais publicados em partes; e ainda perfis de artistas parisienses, o mes hispano-americano, a arte de saber vestir, crónica mundial, humor – inclusive charges – e uma seção intitulada ''Cabeças'' apresentando uma pequena biografia de intelectuais assinada por Rubén Darío. Não houve nenhuma seção mantida do primeiro ao último número, apenas umas poucas que permaneceram durante períodos maiores. A ordem de publicação dos textos não é rígida, embora se perceba nas primeiras edições uma seqüência mais ou menos estável. A maior parte dos textos são contos e poemas.
A síntese das matérias publicadas corrobora algumas das coordenadas apontadas no primeiro editorial: o magazine veiculou de fato textos de diversas natureza e autoria, sobre temas distintos, e buscou estar em sintonia com a atualidade, seja através de notícias sobre fatos recentes, seja através de notas informativas sobre o cinematógrafo, a resistência do ar, a aviação, a indústria artística, etc.. Torna-se relevante então averiguar os nexos que se estabelecem entre esses textos, como eles articulam, ou não, os diferentes propósitos citados no editorial do primeiro número e as releituras possíveis à luz da bibliografia que fundamenta este estudo.
Mundial foi publicada dentro do período (1880-1920) nomeado como o fin de siglo latino-americano (MATALÍA, 1996, p. 15), época marcada por processos de modernização e por novas relações políticas, sociais e econômicas que determinam diversas mudanças: ascensão da burguesia, outros estilos de vida voltados para o consumo tanto de bens materiais como de bens simbólicos, incremento da imprensa com a proliferação de jornais e revistas, ampliação de um público leitor diversificado, surgimento de pólos urbanos, migração interna e externa. Diante da realidade emergente, surgem outras formas de interpretá-la motivadas por prementes inquietações: é um novo mundo que se configura, torna-se necessário explicá-lo e encontrar meios de adaptar-se a ele.
Nesse panorama de transformações, questiona-se igualmente o lugar e o papel da arte em geral, da literatura em particular e do intelectual, pois as produções artísticas devem se submeter às leis do mercado capitalista já que começam a se tornar bens de consumo tal qual artigos industrializados. É um período portanto de radicais alterações também no campo cultural: ocorre a privatização da prática literária e a profissionalização do escritor, indaga-se sobre o espaço reservado à literatura e a relação entre esta, a sociedade e o poder, pois os canais anteriores de divulgação das produções literárias e até mesmo o valor que se dava a essas produções vão perdendo lugar na nova organização social. É o momento então de não só precisar as fronteiras do literário como também de buscar novas estratégias para a sua legitimação (RAMOS, 1989, p. 9 e RAMA, 1985, p. 83).
Este processo foi certamente marcado por muitos conflitos e não se deu do mesmo modo nos diversos países da América Hispânica, inclusive porque havia desigualdades socio-econômicas e políticas entre as diversas regiões e porque a reação às estruturas recentes não se deu de maneira uniforme. Entretanto, a proliferação de revistas durante esse período e o perfil que elas adquiriram indicam a possibilidade de considerá-las como uma das estratégias experimentadas em diversos pontos do continente, e fora dele, para a redefinição do lugar que a literatura e o escritor passariam a ocupar a partir das profundas transformações finisseculares.
Sob este ângulo, as revistas tornam-se para o leitor atual vitrines das principais recomposições por que passa o fazer literário no período em questão.
A análise inicial de Mundial Magazine permite constatar alguns indícios dessa reordenação, os quais serão apontados a seguir e devem ser aprofundados futuramente: em primeiro lugar, a revista em si, seu título, sua estruturação, os propósitos citados no editorial do primeiro número revelam o caráter universal / cosmopolita que se pretendia dar à publicação, configurando-a como um veículo aberto a diferentes tendências e formas de expressão. Por outro lado, o fato de estar voltada ao publico hispano-americano sem perder de vista o intercâmbio com a Espanha demonstra a importância que se dava então para a reaproximação da ''mãe pátria'' (MATALÍA, 1996, p. 26).
Um outro fator a considerar-se é o de que Mundial foi publicada em Paris. Levando-se em conta que se tratava de iniciativa direcionada ao público hispânico, que seus editores e colaboradores procediam todos de países de língua espanhola, que os recursos financeiros poderiam ser aplicados igualmente em um empreendimento realizado na América pois procediam de banqueiros uruguaios, a opção por editar a revista na França parece ser uma estratégia para obter maior visibilidade cultural (MONTALDO, 1999, p. 86.). Além disso, era um modo de estabelecer um elo entre a efervescência da capital francesa e o espírito de progresso e modernidade que começava a se engendrar nas cidades hispânicas. Sendo assim, os países da América (na verdade os centros urbanos) merecem realce nos textos assinados por Rubén Darío.
A literatura é sem dúvida o leit motiv do magazine, mas não aparece expressa na capa. A ênfase no diretor literário, não por acaso um poeta de renome, talvez fosse naquele momento mais aconselhável, já que se tratava de um empreendimento comercial. Sob este prisma, Rubén Darío – cronista do jornal argentino La Nación desde os últimos anos do século XIX – na direção de Mundial ilustra o novo perfil do intelectual: sua responsabilidade não é apenas ocupar-se do material literário a ser publicado, mas também selecionar as demais matérias, os colaboradores, além de produzir textos diversos. Foi divulgador da revista, viajando por vários países para agradecer a acolhida do magazine, fazer contatos, conseguir novos colaboradores: com este fim, encontrou-se por exemplo com Pío Baroja, Pérez Galdós, Rafael Obligado dentre outros. Atuou na verdade mais como jornalista ou relações públicas do que como literato, situação pela qual passaram também outros escritores da época. Mais do que conciliar literatura e jornalismo, Darío reúnia também as qualidades do intelectual ''supranacional'' a que se refere Graciela Montaldo (MONTALDO, 1999, p. 90), como testemunha Pompeyo Gener em palavras dirigidas ao poeta em um banquete oferecido em Barcelona:
Como dijo muy bien mi amigo el señor Rahola ayer en el Ateneo, Rubén Darío es superior a todos los adjetivos; y a todas las razas, es supernacional, es mundial, es una gloria de la especie humana. Y además es inactual; algunos lo llamaron modernista; ¡raquítica calificación!. Él se extiende a todas las edades, es eternista, como todo gran genio. (nº 14, v. III, junio de 1912, p. 156)
Deve-se destacar ainda que a pretensa neutralidade em relação a correntes literárias indica que os editores pretendiam fazer da revista, pelo menos em princípio, um espaço livre para a divulgação de diferentes idéias. Acima de qualquer escola ou tendência, o interesse principal concentrava-se no propósito de ser um veículo polifônico cujo fim último talvez fosse o de experimentar novos discursos e mostrar um pensamento latino-americano consonante com os novos tempos: moderno, multifacetado. Com este fim, os editores lançam no número 18, de agosto de 1912, um concurso de romances, comédias em um ato, contos e poesias inéditos, para os escritores hispano-americanos.
A revista aglutina elementos próprios e alheios. Embora os colaboradores sejam preferentemente originários de países hispânicos, no conteúdo busca-se dar a mesma ênfase ao teatro de Paris e ao teatro hispano-americano, às notas parisienses e ao mês hispano-americano; etc. É uma tentativa de, se não igualar, pelo menos aproximar as duas realidades: a América podia inscrever-se no ''grande texto da cultura universal'' (MONTALDO, 1994, p. 56). São significativos, a título de exemplo, os artigos intitulados: ''Los artistas hispanoamericanos en el Salón de Bellas Artes en París'', ''La América Latina en Francia'', ''Un homenaje de la poesía francesa a Rubén Darío'', ''Los pintores argentinos en París'', etc..
Os textos literários, por sua vez, aparecem ao lado de textos sobre moda, turismo, etc. Afinal, trata-se de um magazine, uma revista cultural, e em tese o espaço reservado à literatura, apesar de ser mais extenso, tem a mesma importância que o reservado a outras matérias. As produções literárias estendem-se desse modo a um público mais amplo e variado e pode-se falar então em certa democratização da cultura, fator que influenciou naturalmente a seleção do material, a linguagem usada, as ilustrações, etc.
O conteúdo dos textos, principalmente o das crônicas, permite visualizar um pouco da fascinação que Paris exercia sobre os artistas em geral, não só por ser a capital da cultura naquela época e portanto um pólo irradiador de conhecimentos vital para os intelectuais de então, mas também pela movimentação da vida urbana, pelo contraste entre formas e estilos de vida emergentes, modernos, e resquícios de estilos já ultrapassados.
Nas páginas de Mundial encontram-se ainda referências ao crescimento do jornalismo e à mudança de perfil dos diários que se tornam mais acordes às exigências dos novos tempos; por outro lado, observa-se que assim como são realçados os avanços resultantes do progresso, o alerta sobre o reduzido espaço reservado à arte e a crítica aos novos valores do mundo modernizado também têm seu lugar:
Las artes de desenvuelven dentro del límite reducido de los selectos, de los líricos, de los elegidos de todos los tiempos, sin que una mayoría se deje impresionar por el culto supremo de la belleza.
Hay sí, un intenso afán por el aprovechamiento del tiempo, y el más apropiado empleo de la actividad del hombre, y de las energías y productos de la naturaleza.
Las industrias han adquirido un desarrollo extraordinario, y muchas ciudades del mundo están la mayor parte del día envueltas en el humo de sus múltiples chimeneas, aturdidas por el ruido ensordecedor de las fraguas. Este el siglo económico. (nº 13, v. III, mayo de 1912, p. 68)
Estas são algumas das discussões que a leitura de Mundial Magazine e de alguns textos sobre o fin de siècle e o modernismo sucitam, devendo ser ampliadas e aprofundadas posteriormente. Além disso, os textos literários publicados merecem atenção especial, pois sua análise permitirá verificar a possibilidade de distinguir os princípios estéticos que, embora não declarados explicitamente, provavelmente perpassam a revista.
BIBLIOGRAFIA
LOPEZ, A. M. H. El Mundial Magazine de Rubén Darío. Madrid: Ediciones Beramar, 1988. 347 p.
MATALÍA, S. Modernidad y fin de siglo en Hispanoamérica. Alicante: Generalitat Valenciana / Instituto de Cultura Juan Gil-Albert, 1996. 315 p.
MONTALDO, G. Ficciones culturales y fábulas de identidad en América Latina. Rosario: Beatriz Viterbo, 1999. 198 p.
_____. La sensibilidad amenazada. Fin de siglo y modernismo. Rosario: Beatriz Viterbo Editora, 1994. 155 p.
RAMA, Á. La modernización literaria latinoamericana. In: La crítica de la cultura en América Latina. Venezuela: Biblioteca Ayacucho, 1985, v. 119. p. 82-96.
RAMOS, J. Desencuentros de la modernidad en América Latina. México: Fondo de Cultura Económica, 1989. 245 p.