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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Out. 2002

 

Uma pesquisa sobre o imagináro da fronteira: mitos na região de Santo Antonio do sudoeste (Brasil) e San Antonio (Argentina)

 

 

Guilherme Blick

UFSC

 

 

INTRODUÇÃO

Em pesquisa realizada junto a jovens brasileiros e argentinos na região de fronteira constatou-se que eles coincidem quanto aos valores.

Quando perguntados o que era mais importante em sua vida, todos indicaram em primeiro lugar a família, em segundo a amizade e em terceiro a religião.

Coincidem também no interesse em ouvir histórias antigas de sua comunidade. Membros da família (pais, tios avós) são as pessoas que mais contam os fatos, que, em sua maioria, são de aventuras, fatos heróicos, mas o que mais agrada-lhes são as histórias de visagens (espíritos) e a lendas . Todos crêem que o seu país terá importância na história da humanidade, e que o que está faltando é honestidade, como diz Carlito Maia, '' Brasil: fraude explica.'' Quanto a educação sexual que é dada aos rapazes e moças, afirmam que é diferenciada, pois os pais acreditam que as moças são mais débeis, que a honra da moça deve ser protegida, mas na opinião da maioria, a orientação sexual deveria ser igual para os dois sexos, pois todos têm direitos iguais.

Quanto a lendas houve muitas coincidências: Saci -Pererê, Lobisomem, O velho do saco, Caipora, Boitatá e Bruxa no Brasil. Yasi Yatere, El pombero, El caapora, Lobison e a Bruja, na Argentina. E é a partir das lendas que vamos tentar abordar alguns tópicos do imaginário que existe na fronteira do Brasil com a Argentina região de Santo Antonio do Sudoeste-Brasil e San Antonio - Argentina.

 

MITOS INDÍGENAS

Há muitas definições de mito. Mircea Eliade diz que ''o mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos''(ELIADE, 1963, p. 12). Os índios explicavam os fatos do dia a dia de forma natural dentro da vida encantatória em que viviam. Pelo contato direto com a natureza toda a vivência tinha que ser explicada de forma natural, acessível a todos os membros da tribo, e como não tinham a escrita, as lendas, as tradições tribais tinham que ser contadas constantemente. Nessas narrativas, o sabor da história fantástica, vinda de geração em geração, como uma herança miraculosa, explicando um princípio. Os mitos indígenas são, em sua maioria, articulados num vago sistema religioso esboçado pelos cronistas do século XVI, numa inicial catalogação dos pavores gerais. Há um halo de respeito. Não há um ritual, mas uma veneração no ato de narrar o fato maravilhoso. Na lenda há um ambiente sobrenatural, heróico. É constante o traço religioso. Nelas há ação, um desenrolar,um plano lógico, uma utilidade tribal, pois não há , segundo Luis Câmara Cascudo: '' Não há lendas inúteis e desinteressadas. Todas doaram alguma cousa, material ou abstrata.''(CASCUDO, 1978, P.99). As lendas sempre tinham uma função, um ensinamento, é uma forma de explicar o mundo e as suas complexas relações.

 

El POMBERO

Este é um dos mitos mais populares na região. Não se sabe realmente sua verdadeira origem, mas é inquestionavelmente guaranítica. É provável que tenha sido um mito, representando talvez, o sol, já que se associa a ele constantemente. Representa-se de várias formas, conforme a região, às vezes como Pombero como Kuarají Yara- o dono do sol.

Ele é a melhor marca do processo de aculturação das lendas jesuíticas. São muito variadas as formas de representação. A forma de DUENDE é a que mais se destaca. A forma de anão (duende) ou como menino de poucos anos. É representado como anão com um enorme chapéu de palha,cabelos pretos, que anda caminhando quando as pessoas fazem ''la siesta'', atrás de garotos travessos.O chapéu de palha é uma marca da regionalidade. Gosta de receber como presente fumo para fazer a ''mascadita'', gosta também de receber MBAIPÎ (polenta de farinha de trigo, ou milho com mandioca e charque.) Leva um bastão muito brilhante por isso associado com o sol. Na região de Misiones, notadamente em San Antonio, EL POMBERO é citado para as crianças, como forma de fazer com que eles sosseguem na hora da tradicional ''siesta'', isso lembra o que ocorre no Brasil também, quando os adultos querem sossego apelam para o ''homem do saco'', o ''bicho papão'' e outros personagens que causam medo e portanto obediência.

 

EL YASI YATERE

O Yasi Yatere importante personagem da mitologia guaranítica, com forte vivência nas comunidades de Misiones. Tanto é que existia na cidade de Posadas (Misiones) um programa de rádio na hora da ''siesta'' que transmitia um ''chamané'' que se denominava a ''la hora del Yasi Yateré''. Apresenta-se com cabeleira loira, talvez originariamente tenha sido prateada (é o mito que encarna a lua: Yasi). Ele também sofreu com o processo de aculturação. É apresentado assim: anda nu, com um grande chapéu de palha. Vive na floresta, nos ocos de troncos de árvores, protege os pássaros, anda sem fazer ruído. Tem um assobio característico. O seu assobio é o mesmo de um pássaro que vive no interior da floresta. Não tem amizade com os homens. Persegue meninos travessos, rapta-os para castigá-los e abandona-os na floresta, namora donzelas. Felix Coluccio em seu dicionário diz:

''Yasi Yateré. Enano rubio y barbudo que recorre el campo desnudo, con un sombrero de paja en la cabeza , y en la mano un bastón de oro que jamás abandona, por ser el arma que le permite hacerse invisible y disponer de otros poderes sobrenaturales. Se dice que en la parte superior se halla el silbato que produce el estremecedor llamado que advierte a su presencia....'' (COLUCCIO, 1950, P.690)

Este ente mitológico é o que mais está vivo na mente das pessoas que vivem en San Antonio- Misiones. Inclusive professores contam experiências que tiveram com Yasi Yatere. O professor Samurio, que trabalha no ''Bachillerato Común nº 1'' San Antonio, Misiones, Argentina, conta que quando tinha 15 anos trabalhava num cinema na cidade de Oberá. Como as sessões terminavam tarde, e ele tinha que sair sozinho para chegar em casa, tinha que caminhar num trecho sem iluminação. Todas as noites ouvia um assobio característico do Yasi Yatere. No início não sabia o que era. Contou para sua mãe, que era descendente de índios guaranis, ela contou-lhe que era ele,o Yasi Yatere, e que não tivesse medo, pois ele estava protegendo-o. Narrou também que uma vez fizeram uma viagem ao Paraguai para visitar seus parentes, todos de origem guarani, Numa noite muito quente, como era costume da comunidade, colocaram as camas no pátio. Altas horas da noite, ouviu-se um assobio: o do yasi Yatere. Ninguém falou nada, mas todos carregaram as camas para a casa, pois não se podia contradizê-lo.

E ele estava irritado. Disse também que não se pode imitar o assobio dele,pois ele se irrita e castiga. Contou que certa havia chegado um professor novo na região de San Antonio mais precisamente na escola do Pesado . Os alunos contaram a lenda do Yasi Yatere e o que se devia fazer quando ele se manifestava. Ele riu e disse que não acreditava e que ia desafiá-lo. Depois de alguns dias o professor foi embora totalmente louco. As pessoas acreditam que foram artes do Yasi Yatere. É um personagem que tem um humor nem sempre bom,por isso não vale a pena desafiá-lo.

 

O CURUPIRA-EL CURUPÍ

É um mito difundido no noroeste argentino , no Paraguai, sul boliviano e e no Brasil. Desde tempos remotos aparecem nas crenças de viajantes, naturalista ou em informes com dos padres que chegaram com os primeiros portugueses. Eles diziam que o Curupira era um demônio menor dos guaranis. Pequeno de aparência semi- humana, de pele muito escamada, de orelhas pontudas e que tem os pés para atrás e os calcanhares para frente, ou seja quando caminhava parecia que retrocedia. Mas a particularidade principal que o põe esse mito ao lado dos faunos da velha Europa e do Efrit dos árabes, era seu membro viril desenvolvido de forma desproporcional com o seu tamanho, já que o mesmo tem um comprimento tal que o leva geralmente enrolado na cintura.''Juan B.Ambrosetti registrou : '' ...se caracteriza por poseer um desarollo exagerado em su órgano viril que lê permite enlazar com él a las personas que quiere llevar.''(AMBROSETTI, 1953, P. 85). Luiz Câmara Cascudo refere-se a ele da seguinte maneira: ''...o Curupira é um índio pequeno e ágil, de pés ao avesso,cabelo vermelho, ou de cabeça pelada, poderoso senhor da caça e dono das matas cujos segredos sabe e defende.''(CASCUDO, 1976, p.84)O que chama a atenção é a conotação de ser um mito sexual. A apesar da América Latina toda ter sido colonizada por europeus, e portanto, terem trazido a cultura do cristianismo, não conseguiram destruir esse personagem que ficou bem marcado nas lendas dos folclores brasileiro e argentino.

 

O LOBISOMEM – EL LOBISÓN

É um mito muito difundido na região. É comum ouvir-se na noite de lua cheia: ''hoje é noite te lobisomem.''Ë uma das expressões mais evidentes do longo processo de transculturação da cultura européia na região jesuítica. Crê-se que o sétimo filho homem será lobisomem. Transforma-se num animal peludo do tamanho de um terneiro, alimenta-se de carne em putrefação por isso vagueia nos cemitérios. Para balancear a sua dita come menino não batizado. Não ataca ao homem, mas se sentir atacado, o matará. Pode ser morto por bala benta. Se passar por entre as pernas de um homem , o incauto adquirirá o seu feitiço. Se for morto, se converterá no homem que era.

 

O VELHO DA BOLSA – EL CAMBA BOLSA

É comum ouvir-se a expressão cuidado que chamo o ''velho da bolsa'' ou o ''velho do saco'' quando os pais não consegue dominar os filhos pequenos. Seu trabalho é roubar crianças travessas que se movem fora da vista dos adultos. Se uma criança que foi levada pelo ''Homem da Bolsa'' e é encontrada, estará tonta, mas dificilmente esquecerá o seu encontro com o sobrenatural.É um mito que está presente nas falas das mães, que lhes foi sussurrado pelas avós.

 

A BRUXA - LA BRUJA

Este mito de característica universal e de remota origem é mais um dos muitos mitos que foram aculturados em nosso continente, tendo tomado características próprias segundo cada região. A bruxa é a sétima filha mulher. É apresentada como uma velha desdentada, queixo comprido, bochechas salientes, olhos brilhantes, cabelos desgrenhados. Transforma-se em pássaro negro para bisbilhotar as casas. Um antídoto é deixar uma cueca usada do homem da casa para atirar-lhe ante a qual a bruja cai imediatamente. Ela adormece as pessoas da casa para comer os doces, se descoberta se vinga deixando uma deformidade.

 

CONCLUSÕES

Com esse singelo trabalho monográfico fica-se conhecendo um pouco mais do que está na imaginação dos jovens estudantes que vivem nessa parte do continente americano.Os mitos citados são, em sua maioria, de origem indígena, e foram praticamente cristianizadas pelos religiosos e com isso,muito do imaginário das tribos perdeu-se. Nota-se também que a sexualidade está presente na vida do ser humano. Todas as suas atitudes são baseadas em direcionamentos sexuais. Muitos dos mitos que aparecem na fronteira estão impregnados de sexualidade, muitas vezes reprimida pelas idéias vitorianas que chegam até nossos dias. Como exemplo podemos citar o Curupira e seu longo pênis, tão longo que tinha que ser enrolando na cintura, e que perseguia donzelas desprevenidas para saciar os seus instintos sexuais. O pênis descomunal é usado para chamar a atenção das moças para o perigo que representa elemento masculino. A conotação sexual está explícita. A virgindade das moças deve ser cultuada, protegida. A pureza está em perigo para as donzelas que andam desgarradas ( que são muito liberais) A perda da honra deve ser evitada a qualquer custo. A idéia de pecado, da perda da virtude está bem presente. O Lobisomem é um bom exemplo de como muitos mitos são usados para, por meio do medo, pregarem o que geneticamente está comprovado, ou seja: que nunca se deve reproduzir animais com consangüinidade, pois os frutos dessa união poderão ter problemas físicos ou mentais. Para espantar bruxas usa-se uma cueca usada pelo homem da casa. O Yasi Yatere assustava os meninos e tentava namorar as moças, certamente as que andavam desgarradas dos pais.

Nesse mergulho nos mitos, ficou bem claro que eles não são gratuitos, ou seja , sempre levam em seu âmago segundas intenções, geralmente ensinamentos. O Yasi Yatere, demonstra isso claramente. Os filhos não deviam afastar-se de casa enquanto elos pais dormiam ''la siesta''. Qual a melhor maneira de conseguir isso ? Nada melhor que incutir na cabeça das crianças a existência de um ser que agarra os menores que anda sozinhos pelo mato na hora da ''siesta''. E isso está na mente de muitas pessoas que vivem na fronteira do Brasil e Argentina, região de Santo Antonio do Sudoeste e San Antonio.

 

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