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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

Arturo Arias y la Guatemala de Rigoberta Menchú

 

 

Livia de Freitas Reis

UFF

 

 

Em 1989 tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o escritor e professor Arturo Arias, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, em uma conferência sobre o romance que acabara de publicar, Jaguar en Llamas. Na verdade, ao conhecer o escritor e sua obra me dei conta que aquele era o mesmo autor de outro romance que havia despertado minha atenção algum tempo antes, quando tinha caído em minhas mãos o interessante Iztzam Na.

Ambos romances me impressionaram bastante, por razões distintas e com o passar do tempo tive, com alguma dificuldade, acesso à obra crítica de Arturo Arias. É sobre ela que venho hoje tecer alguns comentários e levantar algumas reflexões que quero compartilhar com os colegas de mesa e com todos os demais.

Venho a esta mesa como, professora e pesquisadora em literatura hispano–americana e comparada, mas venho, sobretudo, como intelectual brasileira e este fato, aparentemente sem maior relevância, na verdade importa, como ficará comprovado, nas reflexões que se seguem.

O título e tema desta apresentação tentam amarrar três elementos que já se encontram profundamente ligados que são: Arias, Menchú e a Guatemala e a motivação que me guiou a pensar esse tema, foi a relevância que a polêmica em torno da obra de Menchú ganhou nos espaços da Academia, sobretudo, Norte Americana e na mídia internacional e o papel que Arias assumiu ao escrever artigos e organizar, em 2001, o livro em torno do tema: The Rigoberta Menchú controversy.

Ao deparar-me com o que havia me comprometido para essa tarde, ler alguns textos que ainda não conhecia e revisar outros que já tinha conhecimento, alguns aspectos também me assustaram. Em primeiro lugar como a controvérsia estava amplamente discutida e pensada nos EUA e na Guatemala o que me levou a concluir que tudo o que se poderia se falar a respeito do tema já foi pensado e dito por alguns dos mais importantes críticos da atualidade, sobretudo aqueles preocupados com os textos de literatura testemunhal, além da opinião, quase sempre solidária, de escritores de renome internacional. Junto a esse fato, indiscutível, alia-se outro não menos importante que é o engajamento de Arias, o intelectual guatemalteco, no centro destes debates e, em terceiro lugar, como que a academia e os intelectuais no Brasil estão distantes desta polêmica que, aparentemente invadiu os espaços acadêmicos mundo afora. Portanto, desta perspectiva triple, e, desta forma contribuir para os debates desta mesa.

Para começar o título de minha comunicação deveria ser a Guatemala de Arias e Menchú, esse título poderia dar conta da dimensão e do comprometimento do escritor e do crítico com o seu país, suas lutas e sua história recente e, desta forma, entender as motivações que o levaram a assumir a organização do livro, The Rigoberta Menchú Controversy, publicação fundamental para o entendimento da polêmica. O percurso de Arias como crítico nunca se distanciou de seu papel de intelectual original da Guatemala. Em inúmeros artigos esparsos, publicados em diversas revistas especializadas em diferentes países, já se percebe o profundo engajamento de Arias em exercer seu papel de crítico que não tenta escamotear ou apagar o seu olhar a partir de seu espaço, isto é, das margens. Assim, seu livro La identidad de la palabra: narrativa guatemalteca a luz del siglo XX, de 1998, abre com um capítulo intitulado ''Teoria literaria y narración del cambio social'', acerca da expansão do debate teórico sobre a pós –modernidade na América Latina além de discutir as implicações da teoria de Bakhtin na análise da literatura latino-americana além de repensar o conceito de identidade à luz das abordagens sobre o espaço da subjetividade, planteado pelas ciências sociais. Ao longo de todos os ensaios do livro o autor se enfrenta com textos de escritores que estão sempre, de uma forma ou outra, intrinsecamente ligados aos problemas de identidade, ideologia e política que são as marcas da Guatemala ao longo do século. A leitura dos textos literários exige uma postura comprometida que vai se fechar com um capítulo que costura toda a obra ao ''repensar o predicamento do intelectual neo-colonial''. Arias afirma ''desde los intelectuales que militaron en la lucha por la independencia a principios del siglo diecinueve hasta los comandantes guerrilleros de los años ochenta, la separación de las categorías de intelectual y político ha sido – lo menos que se puede decir – mínima. (ARIAS, 1998, p. 209). Assim os autores estudados e ele mesmo, como romancista, vão construir obras nas quais a temática e abordagem sempre irão privilegiar questões ligadas à história da Guatemala, denúncias, violência e falcatruas políticas. De acordo com Arias, essa estreita relação entre o intelectual e o político fez com que os intelectuais da Guatemala se transformassem em porta-vozes de seu povo, falando em nome de uma maioria silenciada.

Ao longo dos estudos presentes no livro, inúmeras reflexões poderiam ser objeto de um olhar mais detalhado. Porém, por ligar-se à outra das propostas que me coloquei neste momento, cito uma colocação da página 3: ''Sin lugar a dudas, donde más se ha abierto el debate y donde más eco ha tenido es el (seria ''el'' ou ''en''?) Brasil. Sin embargo, allá mismo queda confinado a un triángulo cerrado, de donde logra conecciones con Paris y con los EEUU, pero casi ninguna con la América hispánica'' (ARIAS, 1998, p.3). O debate que menciona Arias é sobre a difusão das questões sobre pós-modernidade nos estudos literários na América Latina e no Brasil. A afirmação é bastante pertinente e me ajuda no sentido de levantar outra questão que vem a ser o isolamento da crítica literária e do mundo acadêmico brasileiros em geral e seu posicionamento com relação aos seus pares na América Hispânica. Essa constatação, embora de conhecimento de muitos, na verdade tem proporções que não se imaginam. Ao perguntar a colegas, professores e investigadores de universidades brasileiras sobre o que sabiam a respeito de Rigoberta Menchú e da controvérsia gerada a partir do livro de Stoll, a maioria dos entrevistados nada sabia, nunca tinham ouvido falar e sobre Rigoberta, sabiam apenas que era uma indígena que fora contemplada com o prêmio Nobel da paz.

Essa pequena enquête é significativa do desconhecimento que o intelectual brasileiro tem das questões de identidade, subjetividade e engajamento pertinentes a outros países da América e também nos leva a pensar em outro tema, de igual importância, que propõe Arturo Arias quando trata da invisibilidade da literatura centro americana. Em Gestos Cerimoniales, publicado também em 1998, mas escrito depois de Identidad de la Palabra, o artigo que serve de introdução ao livro traça com tintas indeléveis um esboço da literatura e da história recente da América Central. Para repensar a textualidade e o papel da narrativa contemporânea centro americana, Arias nos conduz através da história compondo um vigoroso painel em que a literatura e o engajamento intelectual são percebidos como um todo indivisível. Assumindo ser a América Central a margem da margem, Arias fundamenta: ''En el contexto centroamericano, la textualidad surge desde la marginalidad de la marginalidad. El discurso de esa región particular del mundo no sólo es marginal con relación a los centros de poder mundial, sino incluso a los pequeños centros de poder marginal: México, Buenos Aires, São Paulo. (ARIAS,1998,p.11). A reflexão de Arias elabora um mosaico, lúcido e claro, onde a textualidade e a representação são entendidas a partir da condição de discurso marginal e que estratégias de representação se utiliza esse discurso para representar e dialogar com os discursos hegemônicos.

Em ambos textos citados, Arias menciona o pensamento gerado no Brasil e a situação do país como centro em relação a outras periferias do continente, no caso, a América Central. Podemos então relacionar tais posições com as perguntas que fiz a meus colegas intelectuais sobre o caso Menchú para confirmar a assertiva de Arturo Arias. No entanto, essa invisibilidade que reclama o autor para a textualidade centro-americana, também tem sido motivo de reivindicação por parte da crítica e da academia brasileira com relação aos nossos pares falantes do espanhol. Freqüentemente temos assistido em congressos e colóquios internacionais, ditos latino-americanos, à ausência de vozes que possam se expressar em português e o desconhecimento, quase que total, da cultura e da literatura brasileira. A participação de brasileiros em fóruns como este é desproporcional ao tamanho de sua população e à importância de suas pesquisa e seus cursos de pós-graduação e a sua produção cultural em geral. Então onde está a periferia?

Esse tema nos leva a aprofundar a discussão sobre margem X centro que, embora pareça o contrário, não nos afasta do principal objetivo desta reflexão, pois esse é um dos eixos conceituais que Arias vai utilizar em suas análises de escritores centro-americanos sem, no entanto, nunca abandonar o solo firme de sua leitura, que é o literário.

O epílogo de Gestos Cerimoniales, Identidad/literariedad. Marginalidad y postmodernidad em Centroamérica é um desafio à incorporação da narrativa centro-americana ao mapa cultural do continente. Em um tom entre o indignado e o analítico Arias percorre os principais momentos, gêneros e nomes da literatura de sua região e, em um inventário vivo e vigoroso exige a saída da invisibilidade, da marginalidade que, a pós-modernidade continua impondo aos espaços periféricos e, sobretudo, como os escritores centro-americanos vão elaborar seu discurso de maneira que possa inseri-lo nas correntes discursivas cosmopolitas e, desta forma garantir mecanismos que validem seu próprio discurso dentro e fora da região.

O movimento de incorporação da marginalidade e do silêncio na reconstrução das identidades periféricas na análise de Arias, encontra na figura de Rigoberta Menchú seu principal ícone, emblema carregado de gestos simbólicos. A textualidade e o papel político de Menchú foram pensados, discutidos e debatidos por toda a comunidade que trabalha com literatura e/ou estudos culturais latino-americanos. Que papel desempenha Arias neste panorama, por demais conhecido?

Em 1998 Arias afirmava:

El rol de Menchú como icono viviente y portavoz de su pueblo ha conseguido lo que no logró la insurrección de 1979-82: le ha dado una identidad a los heterogéneos grupos mayas que ahora empiezan a rearticularse dentro del horizonte simbólico guatemalteco con otros símbolos que encarnan valores ético-morales en su búsqueda de redención. El discurso testimonial de Menchú como estrategia de resistencia ha triunfado al constituirla como elemento unificador de la anterior disparidad, transitando del silencio periférico a la representación verbal y la autocontituición que re-territorializa su identidad desplazada, su espacio de subjetividad... Un nuevo sujeto hablante ha articulado una textualidad fundante que ha constituido un sistema de conocimiento alternativo.. Mesiánica figura de la reconstitución de la identidad, Menchú es la prueba viviente de que al re-pensarse la misma y reconfigurar la subjetividad de nuevos espacios de representación, se continúa estableciendo una relación poder/textualidad como corolario de la representación poder/conocimiento. (ARIAS, 1998, p.306/307).

Neste livro além de trabalhar com outros textos de testemunho, gênero incorporado à textualidade centro-americana na contemporaneidade, Arias toma Rigoberta como texto fundador na integração desta textualidade como prática política na Guatemala, na medida em que seu polêmico texto funcionou como veículo que colocou a autora na arena internacional além de contribuir, internamente, para a transformação de Rigoberta em porta-voz e representante dos grupos maias em seu país.

Em 2001, após a publicação do livro de David Stoll, Arturo Arias abraça definitivamente a causa que vinha se delineando em sua trajetória de crítico e ensaísta, ao coordenar o volume The Controversy, como ele explica no capítulo introdutório ao falar de sua relutância inicial em assumir a organização do volume e sua anuência em atender a pedidos que confirmavam o seu papel de intelectual guatemalteco com formação e intimidade com a história de seu país.

Não me parece necessário fazer uma resenha crítica sobre o livro, pois creio ser de largo conhecimento de todos. Parece que a publicação, por sua amplitude e abrangência dando voz a todos os envolvidos, desde Rigoberta a Stoll, passando por críticos importantes com Mary Louise Pratt, Doris Summer, John Beverly, Slodowska, apenas para citar alguns, além de diferentes escritores como Eduardo Galeano ou Rosa Montero, garante ao volume uma credibilidade e seriedade além de pretender dar um fim à polêmica.

O papel do organizador do volume só vem a confirmar a tênue linha que separa o intelectual do político em países como a Guatemala e o perfeito engajamento de Arturo Arias em seu papel de guerrilheiro da palavra. Com Rigoberta Menchú Controversy e os artigos que Arias publica em seguida, After the Controversy: lessons learned about the nature of subalternity and the specifics of the indigenous subject de 2002 e Autoring etnicized subjects: Rigoberta Menchú and the performative production of the subaltern self, de fins de 2001, Arias avança no entendimento da subjetividade e representação da obra de Rigoberta Menchú e reafirma o seu comprometimento com a crítica do sujeito subalterno e dos grupos indígenas de seu país.

Resgatando a assertiva de Miguel Angel Astúrias, ganhador do Prêmio Nobel e modelo inspirador de jovens centro-americanos, ''el poeta es una conducta moral'', Arturo Arias faz de sua obra crítica, assim como de sua ficção, o meio de resolver, dialeticamente, a dicotomia entre ser intelectual e ser político, ser poeta e ser guerrilheiro .

 

BIBLIOGRAFIA

ARIAS, Arturo. Gestos Cerimoniales. Guatemala: Ártemis-Edinter, 1998.

___________ . La Identidad de la palabra. Guatemala: Artemis – Edinter, 1998.

___________ . (Org.) The Rigoberta Menchú Controversy. Minneapolis: University of Minnesota Press. 2001.

___________ . Authoring Ethnicized Subjects: Rigoberta Menchú and the perfomative production of the subaltern self, Publication of the Mordern LanguaGE Association of America. vol.116, no. 1, January 2001.

____________ . After Rigoberta Menchú controversy: lessons learned about the nature of subalternity and the specifics of the indigenous subject, MLN Hispanic Issue. vol.117, no. 2, march 2002.

____________ . Travestimos, etnicidades,géneros: recodificación de símbolos en Miguel Ángel Asturias y Rigoberta Menchú. Fonteiras do Literario II. REIS, Lívia e PARAQUETT Márcia (Orgs.) Niterói: EdUFF, 2002.