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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002

 

Laura Díaz e Artemio Cruz ''biografias'' da história do México

 

 

Maria da Conceição dos Santos Lima

Universidade Federal Fluminense - Niterói

 

 

Los años con Laura Díaz, romance de Carlos Fuentes, foi publicado em 1999. Através da narrativa da vida de Laura, o autor faz correlação com fatos históricos do México e do mundo ocorridos no período de 1910 a 2000. A Revolução Mexicana de 1910 é o marco dos fatos históricos do século que Fuentes se propõe a revisar.

A obra está dividida em vinte e seis capítulos, nomeados por um local e data que correspondem a um episódio, quase sempre históricos, narrados de forma linear.

O primeiro capítulo é intitulado Detroit 1999 e o último Los Ángeles 2000. O romance inicia e termina a partir de Santiago, bisneto de Laura Díaz, fotógrafo profissional.

Santiago descobre o mural de Diego Rivera chamado Reparto de Armas, que pertence ao período da Revolução Proletária, quando o artista retrata amigos e camaradas do círculo à volta do comunista cubano Julio Antonio Mella, exilado no México. No centro da pintura, encontra-se Frida Kahlo com a estrela vermelha ao peito, como os outros membros do partido, distribuindo espingardas e baionetas aos trabalhadores. Na margem esquerda da pintura, vê-se David Alfaro Siqueiros, colega e corregionário de Rivera, com o uniforme de capitão, cargo que tinha ocupado nos anos da Revolução de 1915. Na margem direita, Julio Mella distribui cartucheiras aos camaradas. Ao seu lado está sua companheira Tina Modotti, de nacionalidade americana, mas de origem italiana, que se torna conhecida como fotógrafa e ativista comunista no México, na União Soviética e durante a Guerra Civil de Espanha.

Tina é identificada por Santiago como sendo sua bisavó Laura Díaz, e sendo assim Carlos Fuentes, a partir da personagem real Tina, cria a personagem de ficção Laura Díaz, que se tornará também fotógrafa.

A trajetória de Laura inicia em Catemaco, na fazenda de seu avô Felipe Kelsen, quando, então, o leitor recebe as primeiras informações sobre a genealogia da protagonista: sua avó Cósima e as duas tias solteiras, Maria de la O, filha do avô fora do casamento, e sua mãe Letícia.

A fase da adolescência de Laura se passa na cidade de Vera Cruz, onde ocorre a morte de seu meio irmão, o primeiro Santiago de uma série de quatro. Por ele, Laura conhece a militância dos trabalhadores e o seu envolvimento nos movimentos grevistas dos mineiros de Cananea e Rio Blanco. O México, naquele, momento vive um período de revoltas e Santiago é fuziilado, entre muitos estudantes e operários acusados de conspiradores contra o governo de Porfirio Díaz. É um episódio sangrento da história do México e da vida de Laura.

Mais tarde, em decorrência de seu casamento com Juan Francisco, Laura participa indiretamente das lutas sindicalistas, já que o marido, pertence à Confederação Regional Operária Mexicana (CROM), organização que se define como socialista e contrária a uma colaboração direta com o Estado. Muitas reuniões ocorrem em sua casa, e, assim, Laura vai absorvendo o momento político nacional, com o qual se faliariza, e amplia seu universo, contribuindo para a formação da sua consciência político-social.

A organização sindicalista é uma fase de crescimento do México como nação, porém marcada por profundas divergências entre governo e as reivindicações trabalhistas.

Também no romance, ocorre o desencanto de Laura com o casamento, provocado por questões pessoais e motivo político: a prisão da monja Gloria Soriano, envolvida na morte do possível candidato à reeleição Álvaro Obregón, protegida de Laura e entregue às autoridades por Juan Francisco.

Em decorrência, ela abandona sua casa, e tem o seu primeiro relacionamento amoroso extraconjugal, com Orlando Ximenez que a leva a conhecer a vida social mexicana. É um momento de grande desenvolvimento tecnológico no México, marcado pelo aparecimento do telégrafo, do telefone, dos primeiros vôos comerciais etc.

A personalidade de Laura vai-se configurando com as aquisições recebidas. Ela volta a viver com Juan Francisco, mas seu casamento havia perdido todo encanto. É neste cenário que conhece Jorge Maura, de nacionalidade espanhola, que vem ao México em busca de ajuda do presidente Lázaro Cárdenas contra o regime franquista.

Ele enriquece a formação político-social de Laura com fatos históricos internacionais que abalaram o mundo, como a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra Mundial, o Nazismo, universalizando-lhe, assim, os conhecimentos políticos.

Se observarmos a história do México, no momento compreendido por esse período, observar-se-á que o País se auto-afirma como nação interagindo com outros países do continente e da Europa, na tentativa de ajudá-los a superar as dificuldades políticas que estão enfrentando.

O outro relacionamento de Laura, agora viúva, é com Harry Jafe, jornalista americano, perseguido pelo senador americano Joe McCarthy durante a chamada Guerra Fria. O maior legado que Harry deixa para Laura é despertar-lhe o interesse pela fotografia, ao emprestar-lhe sua Leica para fotografar Frida Kahlo, na ocasião de sua morte. A partir desse momento, a fotografia, além de uma profissão, torna-se um instrumento de registro, para a personagem.

Ela fotografa os protestos estudantis na Plaza de las Tres Culturas em Tlatelolco, em 1968, quando o presidente Gustavo Díaz Ordaz ordena o fuzilamento dos manifestantes. Dentre eles está seu neto, o terceiro Santiago da família. Este dia 2 de outubro de 1968 assinala o início da nova crise do México, um país que perdeu a confiança em seu presente, que deixou de celebrar e consolidar as conquistas e milagres, para confrontar-se durante mais de uma década com suas insuficiências silenciadas, seus fracassos e suas misérias.

Laura, agora com setenta anos, tendo vivido intensamente, identifica-se com a fotografia, naquele momento, como já dissemos, como vocação e profissão. Ela se realiza com várias exposições fotográficas.

O México, naquele momento, governado por Luis Echeverria, apresenta uma transição entre a queda do período denominado ''o milagre mexicano'' a crise da economia e o endividamento.

Laura, bastante enferma, pois contraíra um câncer, volta a Catemaco, cidade onde nascera, na fazenda de seu avô Felipe Kelsen.

O último capítulo, datado de 2000 apresenta o bisneto de Laura , Santiago, fotógrafo em Los Ángeles, cidade-sonho dos mexicanos.

Em La Muerte de Artemio Cruz , Carlos Fuentes desenvolveu o projeto de construir tempos históricos ao introduzi-los na história pessoal do personagem-título. Um narrador onisciente constrói uma trama com 12 capítulos, nomeados com ano, mês e dia em que transcorrem, dos anos de 1959 a 1889. É a primeira contribuição do autor para o Boom, inovando na forma de narrar, mediante a utilização de técnicas diversas. Os fatos históricos do México não aparecem em ordem e alguns capítulos são narrados em primeira pessoa outros em segunda e terceira pessoa. O personagem Artemio Cruz divide-se em três, o que constitui uma forma mais elaborada de apresentar a subversão da identidade.

A idéia central do romance é a morte de Artemio, que, numa retrospectiva agônica, relembra como foi sua vida, as várias decisões que tomara em sua trajetória e as conseqüências daí advindas.

O autor introduz fatos históricos, predominantemente mexicanos, do período de 1959 a 1889, em correspondência com a vida de Artemio Cruz, partindo da morte para o nascimento deste.

Assim, em 1959, data do primeiro capítulo, temos como referência política o governo de Lázaro Cárdenas. O romance privilegia os momentos das crises revolucionárias, mesmo quando são narrados apenas fatos pessoais do personagem, sem, contudo, mencionar nenhum fato histórico. Ocorre, dessa forma, no capítulo datado de 1919, quando está sempre subtendida toda a campanha revolucionária e as lutas que ele empreendera durante a Revolução Mexicana.

Os capítulos não acompanham o fluir natural do tempo: estão relacionados aos momentos de lucidez pós-coma de Artemio, quando ele, em suas recordações, expressa as dúvidas e incertezas enfrentadas em sua vida pessoal e seus vários relacionamentos: Catalina, Regina, Laura.

No capítulo 1927 : Noviembre 23, Carlos Fuentes narra o atentado ao candidato à Presidência da República e a morte dos supostos implicados, não se detendo em detalhes nem em explicações. Em Los años con Laura Díaz, o autor retoma esse episódio histórico e desenvolve um capítulo envolvendo a protagonista e uma outra personagem do romance, Gloria Soriano, suspeita de ser ajudante do assassinato de Álvaro Obregón, futuro candidato a presidente do México.

Dentre os assuntos abordados a Revolução Mexicana de 1910 é o que predomina, principalmente no capítulo intitulado de 1913: Octubre 22, no qual o autor volta no tempo e, nesse retorno, enfoca a Revolução, o marco da história do México, constituindo o seu aspecto político mais importante e, talvez, de todo o romance: a todo momento o autor o retoma, como uma fixação da mente de Artemio. As lutas empreendidas pelo personagem tornam-se fantasmas que o atormentarão e, em decorrência, ele apresenta dramas de consciência, que deixa transparecer sempre que volta à lucidez. Essa situação reflete um México agonizante diante de tantas lutas político-partidárias.

Aqui, Carlos Fuentes não apresenta fatos políticos internacionais, como desenvolveu em Los años con Laura Díaz. Apenas enfoca a Guerra Civil Espanhola, enfatizando, no capítulo 1939: Febrero, 3, a intervenção de Benito Mussolini para ajudar ao general Franco.

Os episódios sucedem sem ordem cronológica, mas apresentam assuntos de importância marcante para o País; como o capítulo em que o autor narra e restaura a Independência do México.

Carlos Fuentes encerra o ciclo de vida de Artemio Cruz narrando a ocorrência de sua morte no último capítulo, que se intitula, curiosamente, com a data do nascimento do personagem: 1889:Abril 9 , valendo-se, assim, de um tempo cíclico.

Podemos, por fim, observar e desenvolver a reflexão sobre o personagem Laura Díaz como propagadora de vida; é o México acontecendo como nação, em seu crescimento político-sócio-cultural, e Artemio Cruz, que é agonia, morte, é o México agonizante diante de tantas revoluções.

 

BIBLIOGRÁFICAS:

CAMÍN, H. M. L. À Sombra da Revolução Mexicana. São Paulo: EDUSP, 2000.

FUENTES, C. La Muerte de Artemio Cruz. México: Fondo de Cultura Económica,1985.

FUENTES, C. Los años con Laura Díaz. Madrid: Alfaguara, 1999.