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An. 2. Congr. Bras. Hispanistas Oct. 2002
A palavra arguediana como veículo revelador da dualidade cultural andina em Yawar Fiesta
Tereza C. Filippo
Centro Universitário Celso Lisboa
José María Arguedas foi criado, por determinação de sua madrasta, na cozinha, entre os índios quêchuas da serra peruana. Com eles aprendeu não só a língua como seus costumes. Entre eles, nutriu-se afetiva e culturamente. Jovem, foi aluno brilhante em Abancay, num colégio de padres e depois, na Universidade de Lima, especializou-se em Etnologia, e desta forma procurou resgatar, cientificamente, os valores que aprendeu na infância para legitimá-los perante a sociedade peruana. Este resgate identitário seria não só cultural como pessoal, porque sempre sentia-se, de algum modo, um estranho entre dois mundos.
Yawar Fiesta, (festa de sangue), de 1941, romance objeto deste estudo, é um elo progressivo no projeto literário de Arguedas, cujo amadurecimento crescente e profundo da visão da realidade identitária peruana se configura a cada obra, até eclodir em seu último romance El zorro de arriba y el zorro de abajo, publicado postumamente. Yawar, seu primeiro romance, tem fortes vínculos com o livro de contos Agua. O romance, como um todo, versa sobre diferentes culturas, a andina e a costeira, num jogo axial de oposições recorrentes, e revela como este contacto intercultural é difícil, incompreendido e onde o mais fraco dessa dualidade tenta adaptar-se para sobreviver e conviver melhor. Pode-se dizer que o romance é a metáfora da transculturação que ocorre nas regiões andinas peruanas. Yawar Fiesta trata desse atrito entre culturas, numa realidade que envolve opressão, dor, preconceito, humilhação, desrespeito e despojo. Mas, ao mesmo tempo, Arguedas mostra uma esperança, um caminho, configurado na característica ancestral mais forte da cultura nativa, a unidade na diversidade, a harmonia na união das forças contrárias. A trama realiza a leitura indígena da tourada, uma festa espanhola. Um touro bravio, fugido de algum rebanho, se torna selvagem nas montanhas e ninguém consegue capturá-lo, até que a força da união indígena, numa prática ancestral de trabalho coloetivo, laça-o e o traz para a festa. Enquanto, mistis (senhores das terras tomadas dos índios), autoridades e a maioria dos mestiços crêem que o costume indígena, pouco civilizado de enfrentar o touro, de frente, com dinamite e morte, dever ser superado pela vinda de um toureiro profissional da capital. Vence a bravura, meio suicida dos índios e o toureiro fracassa na sua lida com o touro selvagem, onde Arguedas configura outra metáfora entre as duas faces desta realidade cultural, quando a força e a coragem dos índios derrotam o touro, emblema espanhol, e consequentemente, o que este representa, mas não sem um preço: antes da morte do touro, este mata seus mais bravos índios. A trama é esta, cheia de complexidade, coincidências e contrastes, que expressam características identitárias diferentes.
Já na primeira página do primeiro capítulo Arguedas insere o leitor ocidental em um universo que lhe é totalmente desconhecido, principalmente para quem não está familiarizado com a identidade cultural peruana. Relata este universo, como quem tira e revela fotos, e insere, gradualmente, seu leitor em um universo cultural e lingüístico estranho ao seu. Para tal, Arguedas adotou a técnica de um outro escritor peruano, mestiço também, o inca Garcilaso de la Vega, que ao apresentar sua cultura nativa ao leitor europeu, alfabetizado no gosto dos clássicos greco-romanos, procura seduzi-lo, transformando as informações que possui de uma cultura heterogênea em objeto de desejo deste mesmo leitor, que não sabia até então que desejava conhecê-la. Dessa forma, o projeto literário arguediano se baseia na idéia afetiva de que, conhecendo esta cultura, seus leitores possam vir a apreciá-la e preservá-la dos novos ''inimigos'', o capitalismo do final dos anos sessenta e a globalização que ele não chegou a presenciar, mas a intuir. Daí a urgente necessidade de resgate e preservação desta cultura regional.
O alcance do poder arguediano de sedução e expressão insere o leitor cada vez mais para dentro de um multifacetado contexto convidando-o a ver e ouvir este mundo como ele o percebe. Ouvir Arguedas é perceber não só a narração como a magia de sua dicção e entrar na musicalidade do universo sonoro dos huaynos (cantos) nativos. Ver, quer dizer perceber o ambiente entorno com os mesmos olhos do amor-culto à natureza dos nativos, daí suas imagens apresentarem uma forte carga lírico-poética e serem precisas, como as de cinema. As longas descrições afetivas da natureza andina tecidas por Arguedas, em suas páginas iniciais, também tem por objetivo destruir a visão depreciativa que a costa, Lima, tem da serra. Pela emoção e sentimento com que a descreve, ele deixa seu leitor prisioneiro, refém deste encantamento, para fazê-lo, ao fim, maravilhar-se com esta região, seu povo e sua cultura.
Pero en el corazón de los puquios está llorando y riendo la quebrada, en sus ojos el cielo y el sol están viviendo; en su adentro está cantando la quebrada, con su voz de la mañana, del mediodía, de la tarde, del oscurecer. (ARGUEDAS, 1993, IV, p. 17).
Arguedas também usa a força da sua palavra como denúncia histórico-social, localizando a raiz dos males que ainda afetam a região andina desde a conquista. Com o aval da igreja, da lei e dos juízes o despojo dos índios começou. Tabeliães e juízes assinam papéis de toda espécie, legalizando uma apropriação indébita. Para as autoridades ''esto seria suficiente''(ARGUEDAS, 1993 IV, p. 14). De donos de terras, do dia para a noite, os índios passaram a servos destes mesmos senhores. Com isso, os índios aprenderam e copiaram, depois de tanto despojo, a malícia dos mistis, mas ainda assim, conseguiram manter a força de sua unidade, quando o ayllu (clã e bairro) inteiro se levanta para defender seus comuneros (índos).
À diferença de seu conto Agua, em Yawar Fiesta, os índios não soltaram a água: ''Pero el agua no soltaron los ayllus''. (ARGUEDAS, 1993 IV, p. 14), e os mistis imploram por ela: ''Por eso, al amanecer, los días de reparto, los mistis de Puquio entran a los ayllus a pedir para regar sus sementeras'' (ARGUEDAS, 1993 IV, p. 14). Mas estes mistis se irritavam com a posição de pedintes e:
¡Cuántas veces fueron los mistis al sitio de los repartos y llevaron, a fuete limpio, a los varayok's alcaldes, y los encerraron en la cárcel! Pero mientras el varayok' alcalde pujaba en la barra, los cuatro ayllus se revolvían: indios de K'ayau, de K'ollana, de Pichk'achuri, de Chaupi, andaban notificando a todas las casas. (…).
Reventaban su balita los mistis en todas las calles; en todas las calles se emborrachaban y amenazaban a los comuneros. Entraban a una casa, a otra; pateaban a las criaturas, sacaban sangre de la boca, de la nariz, de la frente de los indios.
—¡No empurta!
¿Acaso misti sabe regar? ¿Acaso misti sabe levantar cerco? ¿acaso misti sabe deshierbar los trigales? ¿Acaso misti arregla camino, hace tejas, adobes, degüella carnero? ¿Quién, pues, levantaría las tomas de agua, quién abriría las acequias, quién arreglaría las compuertas. (…)
—¡Jajayllas1!
Ni a bala, ni a zurriago, ni aun con los ruegos del taita (padre) Vicario, los comuneros salían de sus ayllus.
—¡Mi ojo premero sacará! ¡Como killincho (buitre) ladrón, mi ojo premero comerá! ¡Cumun yaku (agua) jajayllas!
Los puquios sabian eso.
Entonces los mistis se humillaban primero. Lloraban de rabia en su conciencia, pero sacaban cañazo de todas las tiendas y rogaban con eso a los varayok's, a los taitas. Iban a los ayllus, cada cual según su pertinencia, y entraban a las casas hablando en voz dulce, ofreciendo amistad. (ARGUEDAS, 1993 IV, p. 15-16)
A inclusão deste trecho serve para caracterizar pontos-chaves do universo andino: Primeiro: denuncia o despotismo dos ''gamonales'' (coronéis) serranos. Segundo: a sobrevivência da força na unidade, característica herdada dos incas, seus ancestrais. Terceiro: Arguedas não torna os índios rebeldes, não os faz revolucionários ou guerilheiros, mas prefere delinear o gérmen da sua força coletiva. Quarto: esta idéia da força da unidade índia contra a opressão dos mistis será retomada em Todas las Sangres, seu romance posterior a Ríos Profundos, quando sua visão da realidade peruana estará mais madura. Quinto: Arguedas torna clara a oposição mistis x comuneros no que diz respeito ao conhecimento maior dos autóctones com as tarefas comuns da região andina, evidenciando a necessidade dos mistis de fazê-los servos seus, já que não dominam a sabedoria milenar da região, o que os torna, paradoxalmente, dependentes destes mesmos índios, configurando e alimentando uma interdependência econômico-social difícil de explicar a quem não conheça o universo andino. Sexto: em vários momentos Arguedas aponta para a coesão da população indígena, em tarefas conjuntas e sem violência. Em Ríos Profundos, romance seguinte a este, ele narra a divisão pacífica do sal, num trabalho coordenado e, que é profundamente retaliado pelos mistis. Em Yawar Fiesta, mais à frente, este alcance do trabalho coletivo será caracterizado na construção da estrada que ligará Puquio a Lima e no laçamento do touro selvagem para a festa.
Arguedas apresenta os chalos (caboclos), caracterizando-os, metafórica e fisicamente, vivendo entre dois mundos, entre os mistis que vivem no cume e os índios que vivem no sopé da montanha, como numa pirâmide social: ''Entre ellos escogen los principales a sus mayordomos. A estos mestizos, que siguen como perros a los principales, los comuneros les llaman k'anras (mestiços), y quizás no hay en el hablar indio palabra más sucia'' (ARGUEDAS, 1993 IV, p. 16). Estes chalos, desprezados por mistis e comuneros, marginalizados, são divididos entre si pela ética:
Pero algunos mestizos son trabajadores; hacen negocio con los pueblos de la costa, llevando quesos, carneros, trigo, y trayendo cañazo de contrabando, velas, jabones.
Muchos de estos mestizos hacen amistades con los ayllus y hablan a favor de los comuneros. En los ayllus les llaman don Norberto, don Leandro, don Aniceto…
Les hablan con respeto. Pero en las fiestas bailan con ellos, de igual a igual; cuando hay apuro, el mestizo amigo aconseja bien, defiende a los ayllus. ( ARGUEDAS, 1993 IV,p. 16)
Esta nova visão dos chalos, será retomada em Todas las Sangres, até chegar a uma compreensão mais profunda da nova realidade peruana, mestiça e migrante, em El Zorro de Arriba y el Zorro de Abajo. Sua visão do mestiço amadurece, de menos fiel, tendencioso e interesseiro, para o único capaz de fazer sobreviver a cultura nativa. Por esse motivo, é considerado por Cornejo-Polar mais mesticista que indigenista.
A manutenção deste cosmo bipartido é alimentada por alguns pontos de contacto e união, porque brancos e índios comungam de alguns valores comuns que várias vezes, na narrativa, funcionam como uma ponte, um elo, que os interliga. Como conseqüência do universo viril ter tomado muito do espaço social, o universo feminino foi literalmente reduzido, nas duas culturas. Há também o forte sentido que a religião tem para ambas, levando a um sincretismo religioso, por parte do índio, uma vez que este não conseguiu abandonar totalmente suas fortes raízes religiosas e acabou por tecê-las por entre o culto e a arte católicas. As festas públicas religiosas, também são pontos de contato entre essas duas culturas, porque a religião é um ponto central nas duas culturas e toda festa é considerada pelo índio, coletiva. Por isso participam dos festejos públicos junto com os mistis.
É sob esta perspectiva de participação comum que Arguedas inscreve Yawar Fiesta, como leitura transculturada da tourada espanhola, ressaltando outros valores comuns como o derramamento de sangue e valores viris de coragem e forças. Se por um lado há valores coincidentes, por outro lado, a festa retrata diferentes traços culturais que convivem em constante atrito nas duas culturas, como o som das cornetas de chifres de boi que emitem um som agradável aos índios e um som que desagrada e incomoda aos mistis. A festa também traz de volta a união original entre os quatro ayllus que competem entre si, pela vitória do ayllu mais corajoso, ao contrário da espanhola, onde o indivíduo, ou o toureiro, mais corajoso que o touro, ganha sozinho a competição. A festa enfatiza a competição entre valores viris andinos e espanhóis. O orgulho ser o índio e levar a vitória a seu clan os une.
Coragem e organização índigenas são admiradas pelos brancos, mas esses traços podem ser explorados, como aconteceu no caso da construção da estrada que liga Puquio a Lima, que foi feita pelos índios, em vinte e oito dias, porque os ayllus foram desafiados entre si, pelo padre.
Esta construção inaugura uma série de outras construções similares que tiveram como conseqüência imediata a retirada da serra de seu isolamento feudal secular e atuaram como o veículo de transculturação, não só da serra como da nação peruana, pelos aportes mútuos que se movimentam através delas.
Organizados na forma de trabalho milenar dos incas, o varayok', alcaide de Pichk'achuri, o ayllu que aceitou o desafio do padre para a construção da estrada, lhe dá sua palavra, em quêchua:
—Taitakuna, werak'ochakuna: Ahistá, juntos, todo, endios rukanas. Vamos abrir carritera a Nazca para veintiucho jolio. Vamos reír de coracoras. Puquio es mando. Rucana es mando. Eso no más, taitakuna. (ARGUEDAS, 1993 IV, p. 70)
A fala do principal líder é breve, lacônica, conforme o traço cultural das sociedades ágrafas, onde a palavra usada é precisa, sagrada e mágica e, portanto, não deve ser desperdiçada. Este líder se dirige ao conjunto das autoridades presentes e faz sua promessa, empenhando sua palavra, que no universo oral quêchua-incaico é honrada. No dia marcado, tudo estaria pronto.
Esta fala índia característica leva a palavra arguediana a outros níveis: a criação de uma linguagem transculturada.
Taitakuna, vamos llevar Misitucha, para vintiuchu. Don Jolián manda. (…)
—Jatun auki molestará, taita alcalde. ¿Acaso? Misitu es su criatura, su animal (…)
—¡Nu taititu! Auki K'arawarasu mandado, ahistá layk'a de Chipau. Taita K'arawasu es mando. (…)De tortok'ocha va levantar otro sallk'a, más grande, más fiera, color humo, k'osñi, para su gente de K'oñani, en lugar del Misitu. (ARGUEDAS, 1993 IV, p. 113).
Nesta conversa entre os alcaides pode-se observar a sintaxe quêchua criada por Arguedas, dentro do espanhol. Esta é a linguagem transculturada inventada por ele, para dar notícia do falar característico dos nativos daquela região, sabendo que, na realidade, eles se expressam entre si, em quêchua. A solução literária da criaçã desta linguagem, que foi encontrada para este romance, que surgirá em suas futuras obras, é sua tour de force e atende ao requisito de Ángel Rama, em relação à língua, como uma criação literária artificial, característica da obra literária transculturada. Trabalhando com diferentes estruturas lingüísticas, o pulso arguediano realiza outra metáfora como as pedras da muralha de Cuzco. As pedras podem ter diferentes tamanhos, as palavras podem ser em espanhol ou quêchua, mas a harmonia do conjunto é obtida pelo ajuste, no todo da obra. Além disso, Arguedas consegue inserir a ótica diglóssica da realidade linguística andina, para dentro do universo cultural americano.
Outro item abordado por Ángel Rama, o da estruturação literária, é veiculado por Arguedas no resgate da expressão literária oral andina, através da tessitura de mitos, que por sua vez baseou-se em suas pesquisas como etnólogo. Neste romance a tessitura mítica andina se dá por sobre o emblema espanhol, o touro da festa nacional, o Misitu. Os índios k'oñanis teceram-lhe um mito e o difundiram largamente. Para eles, o Misitu era um auki, um semi-deus, que surgiu depois de uma noite de forte tempestade na montanha, de um redemoinho, ao amanhecer. Esta tessitura e sua atualização na memória oral coletiva vem de tempos remotos, pré-hispânicos, que o isolamento da serra ajudou a manter. O significado deste mito será constantemente reconfigurado na narrativa, refletindo a cosmovisão quêchua, a cada momento do desenrolar da ação.
Como o mito trabalha em dois planos, ele é dual e assenta-se como uma luva à realidade cultural bipartida que Arguedas viveu, pesquisou e retratou. Tanto o Misitu-auki, criado por ele em Yawar Fiesta, como o mito de Inkarrí, criado pelos índios, pesquisado e narrado por ele em O Sonho de Pongo e o mito de Huarochirí, recolhido por ele e focalizado em El Zorro de Arriba y el Zorro de Abajo são o troco, a resposta nativa à desculturação que lhes é imposta.
Na cosmovisão andina, o layk'a (bruxo), deliberadamente, dará sua vida pela vida do touro. A velha raiz incaica está presente. Uma vida por outra, espontaneamente, para restabelecimento da harmonia original. Quando o touro pisa o laço de lhama, está feito o feitiço. Sua explicação é dada não só pela rapidez com que outro índio, o Raura, laça o touro como pelo próprio laço, feito de lhama, o animal que os andinos, desde o incário até hoje, utililizam para sacrifícios, magias e oferendas. O laço de lhama pede uma leitura cultural do imaginário quêchua, que só pode ser entendida aqui, como em Los Ríos Profundos, por quem conheça profundamente o cosmo andino. Com a morte do layk'a, o feitiço realizado e o touro laçado, os k'ayaus observam o touro meio decepcionados. Sua força de auki desfez-se: ''Los k'ayaus lo miraban tristes. Era un animal de puna no más(…) Ya no había rabia; estaban todos en silencio'' (ARGUEDAS, 1993 IV, p. 118). Enquanto os K'oñani o transformaram num auki, os K'ayaus o reduziram a um touro selvagem, um sallk'a .A grande façanha dos k'ayaus será contada de geração em geração. Assim, a criação de mais um mito começa a ser tecida e sua manutenção oral é alimentada e atualizada na memória de seus comuneros.
O mito Misitu ainda tem duas missões a desempenhar. A primeira delas é destruir a imagem do toureiro espanhol. Este estremece diante do touro selvagem e atira ''el trapo sobre la cabeza del toro; de tres saltos llegó al burladero y se ocultó en las tablas. El toro revolvió el trapo con furia, lo pisó y lo rajó por todas las partes, como al cuerpo del layk'a'' (ARGUEDAS, 1993 IV, p. 155). Com o repúdio de toda assistência pela atuação do toureiro, o alcaide Antenor aproveita a brecha que o momento oferece e dá a ordem que todos queriam ouvir:''—Que entre el ''Honrao'', carajo!''(ARGUEDAS, 1993 IV, p. 155). Os outros mistis o imitam e assim, em conjunto, os índios vão realizar mais uma tarefa que um branco não pôde realizar. Dessa forma, a última tarefa do Misitu também é realizada, ser abatido pelas mãos de um índio, que dá a vitória a seu povo. É quando o alcaide Antenor pontifica:''—¿Ve usted, señor Subprefecto? Estas son nuestras corridas. ¡El yawar punchay verdadero! —le decía el alcalde al oído de la autoridad.'' ( ARGUEDAS, 1993 IV, p. 156).
Com o fim do episódio, Arguedas ratifica um início de Pachacutiy, na vitória dos feitos índios, que será melhor desenvolvido em Todas las Sangres. Vence a força do folklore e da cultura andinos. A serra resiste, de algum modo, à invasão dos costumes cosmopolitas, realizando sua própria leitura deles e fazendo de Puquio, outra vez, um povoado índio, fechando harmoniosamente o ciclo que inicia a trama e o romance.
Neste primeiro romance foram lançados os gérmens de suas futuras obras e emergiram as soluções literárias que Arguedas foi encontrando para dar conta de retratar uma realidade bipartida, em processo de transformação. Seu objetivo literário e científico é o resgate da cultura nativa andina para que ela possa ser preservada, não só para as próximas gerações mas, o mais importante, que finalmente fique constatado, que esta realidade cultural peruana, a indígena, é a outra face de uma mesma realidade nacional.
Yawar Fiesta é, sem dúvida, um romance que, através da palavra arguediana e seu pulso, cumpre seu papel de gérmen e de elo com toda sua produção futura.
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1 Interjeição de desprezo, asco.