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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Luz no campo ou o anti-ótimo de pareto

 

 

Guerra, S. M. G.; Marta, J. M. C.

Planejamento de Sistemas Energéticos, Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP

 

 


RESUMO

O artigo analisa o Programa Luz no Campo, no qual se procura mostrar a preocupação do governo com planejamento, classes sociais e direitos dos cidadãos no contexto da reforma do sistema elétrico no meio rural. Tal instrumento de intervenção, pretendendo dar conforto e renda ao trabalhador rural acredita na energia como a panacéia dessas males daquelas populações. Concluindo tratar-se de mais um dos bons negócios da atual fase de política econômica cedido às empresas internacionais.

Palavras-chave: Política Energética, Teoria Econômica. Eletrificação Rural, Estratégia de Negócios.


ABSTRACT

This article analyzes the "light in the country program", intending to show the government concerns with planning, social classes and citizens rights, in the context of rural electric system reform.
This intervention of instrument, intend to give comfort and income to the rural worker, believes on energy as a panacea for the bads of those populations.


 

 

INTRODUÇÃO

O plano objetivo e a realidade nacional, regional ou local são dispares. Não seu diagnóstico, em tudo evidente, mas na suas ações. Essa articulação esperada entre objetivos e metas e a realidade deve considerar os diferentes extratos de renda, caso contrário se constitui num plano de expansão comum de consumo e não em um programa de eficiência energética como pretende o PROCEL. Estando longe de melhorar renda, como pretende a propaganda do governo. Não acontece articulação específica entre reforma agrária e os assentamentos recentes, permitindo uma eficiência social mais evidente. Percebe-se um manual de projetos para potenciais fontes de energia sem financiamento definido. Assim é tênue a relação social, desprezível a hierarquização espacial, economicista a viabilidade.

Uma avaliação relativa a propriedade futura das linhas a serem estendidas é importante ao ficar evidente o papel de investidores como "doadores" à concessionária de "pedaços de mercado". Em tempos de regulação, o suprimento definitivo pela concessionária exigiria uma participação financeiramente no processo, pois a viabilização do lucro será garantida no longo prazo.

 

DÉBÂCLE OU FALTA DE COMPREENSÃO SOBRE TEORIA ECONÔMICA ?

A Teoria Econômica apresenta aos seus cultores, especialistas e conhecedores, um princípio chamado Ótimo de Pareto [1]. Segundo esse princípio, as partes envolvidas procuram estabelecer um equilíbrio no qual todos objetivam perder o mínimo possível, ao mesmo tempo em que maximizam seus ganhos [2].

O governo brasileiro parece ter encontrado uma forma de negar tal princípio descobrindo o anti-Otimo de Pareto no qual todos ganham e ninguém perde.

Criado pelo decreto de 02 de dezembro de 1999, aquele Programa menciona as vantagens que todos teriam, o que permite o olhar crítico sobre as desvantagens. Vejam-se tais vantagens:

• para a atividade rural, tratando-se dos aspectos sociais como educação e saúde.

• para os governos estaduais cumprirem suas promessas em regiões recém ocupadas, mediante a aplicação de recursos a fundo perdido.

• para as concessionárias que dizem cumprir sua "missão social", determinada nos contratos de concessão, aumentando o número de consumidores e ficando com grande extensão de redes prontas para o uso de seus consumidores cativos, induzindo ao crescimento do consumo

A realidade entretanto parece não ser bem essa.

Ao se reestruturar o setor energético, não se estabeleceu o setor ou órgão que ficaria responsável pelo planejamento indicativo ou que nome tenha[3]. Com isso, planos, programas e projetos do Ministério das Minas e Energia ficaram ao sabor de um certo ente abstrato chamado mercado.

- "A Consultora se esqueceu de alocar o setor no organograma", garantiu aquela autoridade.

Dessa maneira, o Luz no Campo, a exemplo de outros programas, não pode ser assim considerado. Isso porque recomenda a técnica de elaboração de planos, programas e projetos que haja uma concatenação, uma interligação, uma articulação entre os vários elos que os fundiriam. Só assim, os resultados dariam robustez à política econômica adotada.

Trata-se, isto sim, de uma estratégia política do ponto de vista do governo, sem substrato quantitativo, especialmente em um ano sabidamente crítico em relação ao crescimento da demanda devido, também, a condicionante climática. Mas altamente positivo em relação as eleições municipais, tão carentes de energia no meio rural.

Assim, foram alocados, pela Eletrobrás, através do RGR R$1,77 bilhões para todo o país. Esse recurso esta sendo repassado às concessionárias a taxa de 5% a. a. mais 1%, portanto abaixo da cotação de juros de mercado para outros investimentos. Sabe-se que a energia por si só não altera renda e padrão de vida de investidores e trabalhadores. É necessário que as taxas de juros para investimento e aquisição de bens também possam ser equalizadas para viabilizar o consumo de energia, caso contrário não se completa a pretendida concatenação, interligação, articulação do programa.

A realidade estabelecida regionalmente permite que algumas regiões passem a viabilizar os "linhões" lançados sem grandes cuidados econômicos [4]. As festas regionais têm mostrado alegria de curto prazo! O amanhã de tais festas, realizadas com base na expectativa da formação e expansão da renda regional e na geração e absorção de empregos, acaba por mostrar a frustração advinda de planos, programas e projetos sem compromissos consistentes e duradouros.

 

PROGRAMAS DE REFORMA AGRÁRIA, ASSENTAMENTOS RURAIS E CONSUMIDORES DE BAIXA RENDA

Programas dessa natureza demandam total e forte articulação. Esta deve ser entendida como uma determinação social e não como a resultante da universalização a que a lei obriga. No entanto, o que a história política brasileira mostra à sociedade não se apresenta nem como determinação e muito menos como a aplicação da lei.

No tocante a energia, os assentamentos rurais têm apresentado projetos visando a viabilizar o Programa, uma vez que suprem sua demanda de eletricidade por meio do uso de motores Diesel. Dessa forma, substituem a obrigação investimentos das novas empresas. Além disso, tais assentamentos criam redes de transmissão diretamente pagas por seus usuários. Eximem-se, dessa maneira, as concessionárias de custos com esse grupo de consumidores.

Volta-se, aqui e agora, às anti-vantagens do ótimo de Pareto!

Isso é possível em regiões consolidadas[5]. Naquelas em implantação, como as de Reforma Agrária, a questão não se resolve, embora o governo do Estado cubra parte dos custos visando, aparentemente, viabilizá-las.

Essa viabilização, no caso de Mato Grosso, segundo a lei 7.289 de 30 de maio de 2000 no seu artigo terceiro, deve atender propriedades com área não superiores a 50 ha. e transformador monofásico de 5kVA. Em nome de pequenos agricultores, o governo do Estado subsidia parcialmente o empreendimento. No entanto, algumas questões não são facilmente esclarecidas: quantos serão? que perfil de consumidor será esse?

 

ENFIM UM NEGÓCIO

Em Mato Grosso aquele Programa foi estabelecido com loas e festas, pompa e circunstância, com presença do senhor ministro. O governo estadual exarou aquela lei concedendo R$20.000.000,00 ao Programa. O governo federal, através da Eletrobrás, agraciou a nova empresa local em R$128.000.000,00 pelo Programa RGR com taxas de 5% e mais 1% a.a. Para espanto de todos, essa própria empresa, conforme seus comunicados, investirá no Estado, segundo a legislação estadual R$8.000.000,00, a serem totalmente ressarcidos pelo consumidor. Finalmente, os usuários completarão o montante de R$170 milhões, aportando R$14 milhões.

Como se sabe, todo o sistema de distribuição construído pelo consumidor deverá ser cedido à empresa para uso e as decorrentes apropriação e incorporação ao seu patrimônio. Como reforço, o sistema financiado para ter consumidores cativos, na área rural, passa a ser da empresa concessionária. O que implica aumento de seu patrimônio. O patrimônio da empresa era em 1998 de R$480 milhões [6]. No entanto, apenas com o "Luz no Campo", até 2002 seu patrimônio terá crescido mais de 30%, com financiamento totalmente pago pelos consumidores cativos.

Novamente, vê-se que nem mesmo Pareto poderia fazer melhor equilíbrio!

A expressão popular de que o uso do cachimbo deixa a boca torta passa a ter sentido!

A certeza de que se trata de um bem público e por isso estabelecido em concessão deixou por muitos anos ao Estado a responsabilidade de por e dispor sobre energia. Apenas aqueles que necessitavam de energia para chácaras, fazendas e demais propriedades rurais recorriam à construção de linhas destinas a resolver problemas então prementes. Pouco ou nenhum financiamento e muito tráfico político era o costume.

O Estado, para uns, em eterna dificuldade, para outros, em completa obrigação, ia suprindo tanto a uns, quanto a outros, com mais ou menos parcimônia. Os custos ou eram incorporado ao patrimônio ou se transformavam em auxilio às campanhas políticas. Todos eles permitiam um crescimento do patrimônio das então empresas concessionárias. Afinal, eram meio nossas, como o petróleo.

As mudanças, chamadas reestruturação do setor energético, privatizaram as empresas públicas. O que era nosso, passou a ser deles. A partir dai a população não participa, a não ser como consumidora, não sendo mais sócia. Apenas dispende recursos, investe para cobrir o custo marginal e os impostos devidos. Os sócios agora são outros!

Dessa maneira, o Luz no Campo, é um programa estratégico de ação empresarial procurando alcançar regiões onde o consumo formal da empresa necessita se expandir face a concorrência. Por isso é também um programa político. Entretanto, é fundamentalmente um programa visando a expansão do crescimento do consumo.

Nesse caso, não se justificam as transferências de recursos daquela monta. A maneira mais adequada seria o financiamento de capital para que se implantasse tal Programa, sem o repasse ao consumidor. O RGR é um fundo e como tal seus quotistas ¾ o consumidor ¾ devem ser remunerados pelos ganhos da "cessão" a que acabam se obrigando.

 

AGRADECIMENTOS

São dirigidos agradecimentos tanto aos amigos que nos contemplaram com informações a respeito da condução do Programa no Estado de Mato Grosso, quanto aos que dele deveriam ser os beneficiários.

 

REFERÊNCIAS

[1] Pareto economista, matemático e deputado fascista italiano do inicio do século.

[2] PARETO, V. Elementos de Economia Política, Abril Cultural, 1986, S. Paulo

[3] Palestra proferida por representante do MME em Seminário sobre o setor elétrico em 1 e 2 de junho de 2000 em Cuiabá,/MT.

[4] Diário de Cuiabá, no. 9626 de 08.06.2000

[5] Referimo-nos aos casos de Nova Bandeirante, a Lucas do Rio Verde e Nova Mutum, todas no Estado de Mato Grosso, onde os assentamentos foram realizados na década de setenta e oitenta, ao longo da Cuiabá- Santarém e a Colonização do Aripuanã.

[6] BNDES, Cadernos de Infra-estrutura, Ranking do Setor Elétrico, RJ, agosto/1999.