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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Energização Solar Fotovoltaica na Região do Alto Rio Solimões no estado do Amazonas

 

 

Carlos Alexandre dos Santos Nogueira

Núcleo de Eficiência Energética, NEFEN, Universidade do Amazonas, Av. Gal. Rodrigo Octávio J. Ramos, 3000, Aleixo, CEP: 69070-000, Manaus, AM, (0xx92)644-2194

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta resultados preliminares do projeto intitulado "Energização Solar Fotovoltaica de Quatro Comunidades Isoladas na Região do Alto Solimões", financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia/CNPq através do Programa Trópico Úmido. Destacam-se os seguintes aspectos do projeto em desenvolvimento: a estratégia de implantação de energização solar que permitiu conhecer os mecanismos sócio-culturais da comunidade evitando-se assim a rejeição da tecnologia e a não alteração dos processos tradicionais de trabalho; a contribuição das tecnologias no processo de organização da comunidade e também para o desenvolvimento desta; o processo de domínio do conhecimento tecnológico por parte da comunidade; a comparação econômica entre a eletrificação com sistemas fotovoltaicos e sistemas a gasolina em escolas e centros comunitários e os problemas verificados para o uso, gestão e difusão de sistemas fotovoltaicos.

Palavras-chave: fotovoltaico, planejamento regional, Amazonas.


ABSTRACT

This work presents preliminary results of the project entitled "Solar Photovoltaic Electrification of Four Isolated Communities in the Area of High Solimões", financed by the Ministry of Science and Tecnologia/CNPq through the Humid Tropical Program. The following aspects are highlighted in this work: the strategy of implementation of solar electrification that allowed to know the socio-cultural mechanisms of the community avoiding the rejection of the technology and the smallest alteration of the traditional processes of work; the contribution of the technologies in the process of the community's organization and also for the development of this; the process of domain of the technological knowledge from the part of the community; the economic comparison between the electrification with photovoltaic systems and gasoline electric generators in schools and community centers and the problems verified for the use, administration and diffusion of photovoltaic systems.

Keywords: photovoltaic systems, regional planning, Amazonas.


 

 

INTRODUÇÃO

As comunidades isoladas da Amazônia se caracterizam pela dificuldade de interligação e extensão dos sistemas elétricos convencionais devido as grandes distâncias entre elas. As fontes de energia convencionais (motores diesel ou gasolina, lâmpadas a querosene, etc.) não se ajustam a um modelo sustentável da melhoria da qualidade de vida na Amazônia. Assim, as soluções para a energização dessas comunidades são a utilização de fontes alternativas de energia que permitam utilizar seus recursos naturais com facilidade de manipulação e assimilação por parte de suas população, e baixo custo de manutenção.

Os sistemas solar fotovoltaicos foram indicados para um projeto de energização intitulado "Energização Solar Fotovoltaica em Quatro Comunidades Isoladas do Alto Rio Solimões", financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia através do Programa Trópico Úmido (PTU). As instituições: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Universidade do Amazonas (FUA), Diocese do Alto Solimões (DAS) e Movimento de Educação e Base de Benjamin Constant (MEB/BC) formam uma parceria para a realização do projeto. As comunidades abrangidas pelo projeto de pesquisa são Novo Paraíso, Nova Aliança, Guanabara II e Vera Cruz, localizadas no Município de Benjamin Constant, região do Alto Rio Solimões, no Estado do Amazonas.

O presente trabalho trata do atendimento às necessidades energéticas básicas das comunidades citadas, que carecem atualmente, e deverão carecer por um longo período, de fornecimento energético procedente da rede elétrica convencional, com o que seus habitantes se ressentem da falta de fontes energéticas adequadas para desenvolver suas atividades produtivas, usos coletivos e domésticos.

Apresenta-se ainda os energéticos utilizados atualmente pelas comunidades, assim como a caracterização do processo de implantação da energização solar fotovoltaica e sua apropriação tecnológica por parte dos comunitários.

Os sistemas de iluminação implantados foram manejados e passaram a integrar as diversas rotinas, dentre elas as ligadas às práticas religiosas, de educação formal e organização social das famílias moradoras nas comunidades. Foi observado, a grande importância do bombeamento fotovoltaico e tratamento da água para o consumo, haja visto a baixa qualidade das águas encontradas na região. A implantação da rádio-comunicação auxiliará na superação das barreiras naturais que envolvem a região compreendida pelas comunidades, destacando sua utilização para os processos de comercialização, saúde e intercâmbio comunitário.

 

O SISTEMA FOTOVOLTAICO AUTÔNOMO

Os elementos fundamentais que caracterizam todo sistema fotovoltaico são a própria carga e o módulo fotovoltaico. Em geral, um sistema tão simples somente permitiria consumos proporcionais à radiação solar, ou seja, durante as horas do dia e especialmente em dias claros. Em regra geral, é necessário dotar o conjunto de um sistema de armazenamento que permita liberar o consumo da geração. Tais sistemas podem adotar muitas e variadas formas, sendo a mais freqüente a acumulação eletroquímica em baterias secundárias (tipo baterias automotivas de chumbo-ácido).

Para conseguir uma boa adaptação entre as características da bateria e os módulos fotovoltaicos, incrementando o rendimento do conjunto e prolongando a vida da bateria, é conveniente intercalar entre esses elementos um sistema eletrônico de regulação que evite sobrecargas e descargas profundas no acumulador.

No caso da eletrificação rural em países em desenvolvimento, o esquema geral já descrito, representa bem uma instalação fotovoltaica autônoma para eletrificação de residências ou pequenos ambientes. Estes sistemas podem ser divididos basicamente em pequenos, de 10 a 20 Wp (Watt-pico); médios, de 50 Wp; e grandes, de 100 Wp. Um sistema de 20 Wp pode fornecer entre 70 a 80 Wh (Watt-hora), em condições de razoável insolação.

Os elementos fundamentais que constituem o sistema fotovoltaico autônomo são a própria carga elétrica, o gerador fotovoltaico e um subsistema de acumulação de energia (dependendo do uso do sistema).

• Um gerador fotovoltaico permite converter diretamente em energia elétrica a energia proveniente do sol que incide em sua superfície. Os "módulos fotovoltaicos" são um conjunto de células fotovoltaicas conectadas entre si, encapsuladas, formando uma unidade que as protege dos efeitos danosos que um longo tempo de exposição ao sol, chuvas, etc., pode causar. Da mesma forma, um gerador fotovoltaico é um conjunto de módulos, conectados em série ou paralelo, até alcançar a tensão e a potência de pico necessárias ao abastecimento da carga instalada.

• subsistema de acúmulo de energia é responsável pelo armazenamento da energia quando a geração é superior ao consumo e pelo abastecimento da carga quando há consumo e não há geração.

• Além dos componentes mencionados, devem ser considerados também como parte dos sistemas a fiação e a estrutura de suporte dos geradores fotovoltaicos.

Para conseguir uma boa adaptação entre as características da bateria e os módulos fotovoltaicos, incrementando o rendimento do conjunto e prolongando a vida da bateria, é conveniente intercalar entre esses elementos um sistema eletrônico de regulação que evite sobrecargas e descargas profundas no acumulador.

 

DIMENSIONAMENTO DO SISTEMA FOTOVOLTAICO

A metodologia empregada para o para o cálculo da irradiação solar global incidente no plano do coletor, e posteriormente o dimensionamento dos módulos fotovoltaicos e dos acumuladores, foram as adotadas a partir de Pinho, et. alli [1].

A metodologia utilizada parte do princípio que a irradiação global diária média mensal na superfície horizontal, H (0), para o local em questão, é conhecida.

1. Os valores médios mensais da irradiação global diária na horizontal, H(0), são os dados solarimétricos do local, obtidos através de série histórica medida no local do evento ou em localidades com características similares.

2. Os valores médios mensais da irradiação diária horizontal no topo da atmosfera, H0(0), são constantes de um ano a outro para os hemisférios sul e norte. Tais informações são obtidas através de consulta em tabelas.

3. O índice de claridade Kt é o parâmetro representativo da atenuação que sofre a radiação solar ao atravessar a atmosfera, sendo dado pela expressão (1).

4. A fração difusa da irradiação global no plano horizontal, Kd, é a quantidade de irradiação difusa contida na irradiação global, tendo em vista a evidência de sua relação com o índice de claridade. Para as correlações entre médias mensais utiliza-se a expressão empírica (2), que proporciona bons resultados e é de simples utilização.

5. A determinação dos ângulos apropriados da superfície do coletor, em relação ao azimute g e à inclinação b , dependem da distribuição da oferta em relação à demanda de energia ao longo do ano. Desta forma, objetiva-se maximizar a quantidade de energia em um determinado período, que apresenta maior demanda.

• Assim para sistemas localizados no Hemisfério Norte (região objeto desse trabalho), os coletores são orientados ao sul, ou seja, g=0º.

• Com relação ao valor ótimo do ângulo b , uma primeira aproximação para maximizar a irradiação global consiste em supor que o melhor ângulo é aquele que maximiza a irradiação direta captada, ou seja, o fator Rb. O valor deste fator é mais facilmente obtido por consulta em tabelas apropriadas, que se mostram em função da latitude (f) e do ângulo de inclinação (b) para cada mês do ano e ambos hemisférios terrestres.

5. Para calcular a irradiação global sobre uma superfície inclinada, H(g,b), é necessário decompô-las nas suas componentes de irradiação direta - B(g,b); irradiação difusa - D(g,b); e albedo - A(g,b), empregando as equações (3) e (4).

O coeficiente de refletividade, r , pode ser obtido em tabelas, para alguns tipos de cobertura do terreno.

Uma vez calculados todos os parâmetros mencionados, pode-se determinar a irradiação global diária média mensal no plano do coletor H(g,b), utilizando-se para tal a expressão (5).

6. Após a determinação da irradiação global sobre uma superfície inclinada é necessário o cálculo para as cargas elétricas (em Wh/dia) que serão supridas pelo sistema fotovoltaico.

7. De posse do cálculo das cargas elétricas, identifica-se o valor da capacidade do gerador, CA, nos painéis fotovoltaicos, utilizando-se a expressão (6).

O rendimento (h) direcionado às baterias automotivas é assumido como aproximadamente 0,83.

8. A capacidade de corrente da bateria, Ccb, indica quanto deve ser fornecido, em corrente, por hora ao sistema de cargas elétricas, sendo calculada pela expressão (7).

9. A capacidade de carga da bateria, Cb, é obtida em função da profundidade de descarga (Pd), em %, escolhida de acordo com a utilização do sistema e a capacidade de corrente da bateria, Ccb, sendo a mesma obtida através da expressão (8).

10. Finalmente, o cálculo do dimensionamento dos painéis fotovoltaicos (Pp) é obtido pela relação entre a capacidade do gerador (CA) e a irradiação global (H(g,b)), aplicando-se ainda um coeficiente de segurança. A expressão (9) é utilizada para esse fim.

Considerações

As comunidades apresentam suas construções comunitárias das escolas e dos centros comunitários com dimensões muito próximas entre si, além do mesmo estilo de construção. A diferenciação básica entre os dois tipos de configurações fotovoltaicas instaladas é a finalidade do uso. No caso das escolas, além da iluminação que sofre pequena variação do número das luminárias entre as comunidades, existe também a previsão para a instalação de telepostos (TV 20"+Vídeo K-7+parabólica e receptor). Os centros comunitários/igrejas desfrutam apenas de iluminação. Assim, os equipamentos utilizados para cada uma instalação nas escolas e centros comunitários/igrejas tem as mesmas características e modelos. A saber:

Escolas:

• 3 painéis fotovoltaicos de 70 Wp com estrutura metálica, tensão em 12 volts, fabricado pela Siemens e modelo SP70;

• 2 baterias de chumbo-ácido com capacidade de 180 Ah, não selada, tensão em 12 volts, modelo automotivo;

• 1 Regulador de carga e fios para conexão;

• Luminárias completas (1 lâmpada fluorescente de 20 W, reator 12/110 V e calha) – A quantidade de luminárias varia de acordo com as dimensões dos ambientes. Utilizou-se para o cálculo do número de luminárias e iluminação o método dos Lúmens.

Centros comunitários/Igrejas:

• 3 painéis fotovoltaicos de 36 Wp com estrutura metálica, tensão em 12 volts, fabricado pela Siemens e modelo SP36;

• 1 bateria de chumbo-ácido com capacidade de 180 Ah, não selada, tensão em 12 volts, modelo automotivo;

• 1 Regulador de carga e fios para conexão;

• Luminárias completas (1 lâmpada fluorescente de 20 W, reator 12/110 V e calha) – A quantidade de luminárias varia de acordo com as dimensões dos ambientes. Utilizou-se para o cálculo do número de luminárias e iluminação o método dos Lúmens.

No quadro 1, apresenta-se os locais de instalação dos sistemas fotovoltaicos com as respectivas características e custos iniciais de instalação.

 

COMPARAÇÃO ECONÔMICA: SISTEMA FOTOVOLTAICO x SISTEMA A GASOLINA

Fazendo-se uma comparação entre diferentes sistemas de suprimento de energia, mas mantendo-se a mesma carga prevista/instalada, podemos optar pela escolha do sistema de geração a combustão de gasolina.

Portanto, de acordo com o quadro 1 que apresenta o dimensionamento para o sistema fotovoltaico tomaremos o mesmo cenário mais direcionado ao uso do sistema de geração a gasolina.

Devido à escassez comercial de grupos geradores menores que 1.000 VA, escolheu-se como item de comparação o modelo Yamaha EF-1000, que apresenta o consumo de 3,8 litros de gasolina lubrificada (gasolina com mistura de óleo) para utilização contínua de 5 horas, em carga máxima.

Assim, apresenta-se no Quadro 2 os valores envolvidos para o suprimento da carga nas comunidades.

A primeira vista a implementação do sistema gerador a gasolina oferece muitas vantagens dentre as quais a própria capacidade de geração de energia (1 KVA) quase 5 vezes superior ao sistema fotovoltaico e o menor investimento inicial para os equipamentos. Mas, um fator de grande importância e que não pode ser esquecido é a complexidade da manutenção que um sistema a gasolina exige, sem contar com os custos de reposição de peças, troca de óleo e compra do próprio combustível para combustão.

Assim, com uma análise um pouco mais consciente, profunda e observação de itens já mencionados nesse texto, podemos ressaltar que a aplicabilidade de um sistema geração a gasolina para comunidades isoladas da Amazônia é desfavorável, tanto pela sustentabilidade quanto pela poluição e transferência da tecnologia de tal sistema de combustão.

A seguir são apresentados os custos anuais de manutenção do sistema fotovoltaico e do sistema a gasolina.

Quadro 3

O grupo gerador a gasolina escolhido tem uma média de consumo por hora de 0,76 litro de gasolina lubrificada, que atualmente tem o custo de R$ 1,60/litro. A cada 70 hs de uso é necessário realizar a substituição do óleo lubrificante, segundo orientações do manual do consumidor, que custa por litro R$ 1,80. A troca do filtro de óleo deve ser realizada a cada 6 substituições do óleo lubrificante do motor, e tem o custo de R$ 6,50/litro.

O custo da manutenção de um sistema solar é bem menor em comparação com outros sistemas de geração de energia a combustão, e também exige menos trabalho que os demais. Assim, é necessária a complementação da solução das baterias com água destilada, que mensalmente consome uma média de 300 ml por bateria, tendo cada litro de água destilada o custo de R$ 1,00. Outra manutenção necessária ao sistema fotovoltaico é a substituição da bateria a cada 4 anos em média, e cada bateria de 180 Ah tem o valor de R$ 200,00.

Destaca-se ainda, que a depreciação de um grupo gerador a gasolina é bem mais rápida que a de um sistema fotovoltaico. No tocante aos sistemas solares, os painéis fotovoltaicos, por exemplo, tem seu tempo de vida útil de pelo menos 20 anos, enquanto as baterias duram em torno de 4 anos. Já os pequenos sistemas de combustão a gasolina tem vida útil bem menor, de 7 a 10 anos.

Vale ressaltar que o levantamento dos custos e preços dos equipamentos do sistema a gasolina foi realizado na cidade de Manaus (mar/2000), e que tais valores sofrem acréscimos quando adquiridos na região de Benjamin Constant onde encontram-se as comunidades em estudo. Os Sistemas fotovoltaicos tiveram seus preços levantados em março de 1999, após a maxidesvalorização do Real.

 

CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICAS DAS COMUNIDADES

A população assentada nas localidades perfaz um total de 430 habitantes distribuídos em 82 famílias com 81 moradias. As populações das comunidades onde o projeto atua apresentam as características mostradas no Quadro 4.

 

 

A organização social, nas localidades pesquisadas, está fixada na composição das famílias, enquanto célula de vida política e produtiva na utilização dos recursos naturais. São as famílias que dão o contorno nas localidades ao ambiente e suas paisagens que é originário de relações culturais e étnicas correlatas a identidade com a cultura ribeirinha-cabocla e indígena-Ticuna.

A estrutura das famílias extensas, onde há grande autoridade paterna, considerável assimetria na relação entre os cônjuges, obediência e dependência dos filhos. O grupo familiar inclui a família nuclear, ascendentes, descendentes e colaterais. À família estruturada através do parentesco juntam-se os agregados; (genros, noras e afihados) e ampliam-se as relações familiares através dos laços religiosos numa forma de parentesco espiritual.

Os Sistemas de Produção

A totalidade dos moradores são nativos da região ou das proximidades. Assim, suas formas de produção apresentam as mesmas características daquelas utilizadas pelas populações tradicionais da Amazônia. Essas atividades são praticadas em ambientes pouco modificados tendo os sistemas de produção, basicamente, quatro componentes produtivos. A geração de produtos depende, fundamentalmente, da quantidade de força de trabalho familiar, onde os filhos, após completarem 8 anos, iniciam a sua participação.

Componente roçado

Nas quatro comunidades, o cultivo da mandioca e da banana foram os mais importante nas unidades de produção. Além desses, outras espécies são cultivadas na área destinada aos cultivos de ciclo anual ou bianual, destacando-se o abacaxi, o cupuaçú, e a pupunha (Quadro 5).

 

 

São cultivadas, nas proximidades e nos quintais das comunidade, as espécies frutíferas, hortaliças, espécies medicinais, ornamentais e, eventualmente, essências florestais. As principais espécies detectadas estão apresentadas no Quadro 6.

 

 

Componente extrativismo animal (caça e pesca)

A carne de caça é o alimento mais importante no fornecimento de proteína, depois do peixe. A caça é bastante praticada nas comunidades de Vera Cruz, Nova Aliança e Guanabara II, porém, pouco praticada pelos comunitários de Novo paraíso em função da escassez de animais nas proximidades e da região de várzea. Basicamente destina-se ao atendimento das necessidades das famílias e, eventualmente, à comercialização. A cutia e o macaco (várias espécies), são os animais caçados com mais freqüência (Quadro 7).

 

 

A pesca é realizada no conjunto da bacia hidrográfica, dando-se preferência, dependendo do período do ano, ao rio principal, igarapés ou lagos. O peixe é o principal alimento protéico dos ribeirinhos amazônicos e a atividade de pesca é o que consome maior tempo de trabalho do produtor, depois da agricultura. As espécies mais freqüentemente presentes são: curimatã, acarí-bodó, pacú, pirabotão, surubim, traíra, branquinha, aruanã, sardinha e tambaqui, (Quadro 8). As principais formas de processamento do pescado para conservação são, a salga e o moqueado.

 

 

Componente Extrativismo Vegetal

Essa atividade é realizada na floresta resultando nos seguintes produtos extraídos: alimentos, condimentos, remédios, aromáticos, madeiras e fibras (Quadro 9).

 

 

Os principais produtos extraídos da floresta para fins industriais e medicinais são: mel, copaíba (óleo) e andiroba (óleo). As principais espécies utilizadas para fins alimentares são: açaí e tucumã. Algumas espécies madeireiras são utilizadas para confecção de móveis, construção civil e como lenha. Os produtos são extraídos, principalmente, para consumo próprio. Apenas o açaí, a madeira, o cipó-titica (comercializado como vassoura), a copaíba e o mel apareceram como produtos comercializáveis.

Componente criação animal

Os sistemas de criação das comunidades contêm aves (galinhas e patos), suínos, ovinos (carneiros) e peixes. De maneira geral trata-se de planteis reduzidos tendo como finalidade principal a satisfação das necessidades das famílias. A comercialização, quando ocorre, é feita no próprio

local, ou nas cidades de Benjamin Constant e Tabatinga, principalmente.

A criação é extensiva, com pouco ou quase nenhum manejo reprodutivo, alimentar e sanitário. No caso das aves, suínos e ovinos os animais são criados soltos nas "comunidades" alimentando-se em sistema de pastejo direto e, complementarmente, de restos de comida, "crueira", castanha de macaco, milho, arroz, pupunha, banana, taioba, cupim, farinha, resto de comida, dentre outros. No caso dos peixes, a alimentação é composta por frutos em geral e raspa de macaxeira. As instalações, quando existem, (galinheiro, chiqueiro, açúde) são rústicas e construídas com o aproveitamento de material (palha, madeira, paxiúba, cipó, etc) da região.

O aproveitamento dos sub-produtos do sistema de criação, ocorre através do uso das penas das aves para o artesanato e do esterco para adubo. Por sua localização, a comunidade Novo Paraíso, só pratica a criação de aves (patos e galinhas), sendo o manejo, no período das cheias, feito em instalações chamadas "marombas". A criação de carneiros deslanados e de peixes em açúdes foi introduzida nas comunidades, respectivamente, pela extinta EMATER (atual IDAM) e pelo Movimento de Educação de Base - MEB/BC, em sistema comunitário.

Educação nas comunidades

O número de alunos matriculados nas escolas, em sistema seriado (1ª a 4ª séries) e alfabetização de adultos, estão representados no Quadro 10.

 

 

A comunidade indígena Ticuna de Novo Paraíso tem aulas em português e em Ticuna, ministradas por professores indígenas.

 

UTILIZAÇÃO DOS ENERGÉTICOS PRÉ-EXISTENTES

Segundo Zilles et. alli [2], com a intenção de realizar o levantamento dos energéticos mais utilizados nas comunidades realizou-se uma rápida entrevista com várias famílias, escolhidas aleatoriamente. As questões relevantes na entrevista enfocavam basicamente os seguintes itens: o querosene, gasolina, as velas e pilhas.

Querosene/Velas: Para a iluminação doméstica, os comunitários utilizam basicamente lamparinas de querosene. Ao contrário do que se esperava, a vela é pouco utilizada, somente em casos de falta de querosene e na escola de Guanabara II. O consumo de querosene varia muito em função do número de habitantes, e principalmente entre as famílias que apagam a lamparina para dormir e as que dormem com a lamparina acesa. Este consumo varia entre 4 e 9 litros por família por mês, perfazendo uma média de 6,5 litros por família.

Pilhas: Houveram grandes variações no consumo mensal familiar de 1 a 24 pares de pilhas por família/mês. No entanto, a média mensal encontrada foi cerca de 9 pilhas, perfazendo uma média de 108 pilhas por ano por família. Esse consumo familiar médio entre as 80 famílias dispostas nas 4 comunidades, resulta num total de 8.640 pilhas por ano.

Um possível impacto ambiental negativo é o destino das baterias usadas. Este impacto será minimizado pelo treinamento das comunidades sobre como reciclar as baterias de forma responsável.

Gasolina: Combustível de grande importância nas comunidades, é muito utilizada nos motores rabeta que equipam as canoas e pequenos barcos dos comunitários. Esse meio de transporte é praticamente o único possível para a interligação entre as diversas regiões e comunidades, de maneira mais econômica. Existem ainda as "voadeiras": lanchas pequenas com capacidade para 6 a 8 pessoas e equipadas com potentes motores de polpa (85 a 250 HP), que cobram uma taxa para o transporte; e, Barcos de Linha: Grandes barcos, construídos em madeira e/ou ferro - equipados com motores marítimos a Diesel (acima de 115 HP), que realizam o transporte de pessoas e carga entre cidades e regiões distantes.

 

CARACTERIZAÇÃO DO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA ENERGIZAÇÃO SOLAR FOTOVOLTAICA

Antes da implantação do sistema solar realizou-se uma verificação das necessidades mais importantes e imediatas, juntamente com as comunidades. O item de maior necessidade foi a água, mas esse também é o de maior complexidade e demora de implementação.

A educação para jovens e adultos foi tido como a segunda necessidade. As comunidades somente dispõe de educação para as crianças e jovens durante o dia. Desta forma, os jovens tornam-se prejudicados pois é imprescindível sua presença nos afazeres da comunidade (roçado, colheita, etc.), deixando de lado a educação. Com a implantação de iluminação nas escolas, haverá aulas a noite, o que resolve o problema dos jovens e cria perspectivas para a alfabetização de adultos.

O isolamento e dificuldade de comunicação com a cidade e outras comunidades foi outro item de necessidade. Com a implantação de um sistema de rádio para comunicação, será possível avisar de qualquer problema de saúde com comunitários, além do maior lucro na venda dos produtos cultivados nas comunidades devido a comunicação com uma "base" na cidade de Benjamin Constant que fornecerá informações de cotação dos produtos comercializáveis.

Uma outra necessidade identificada foi a atividade de lazer. Como as comunidades apresentam um perfil de influência religiosa muito presente e características étnicas diferentes, algumas são comunidades indígenas, outras mistas, sugeriu-se a implantação de um sistema de iluminação em uma construção comunitária, onde a escolha ficaria a cargo de cada população, ou na igreja, ou no centro comunitário, ou em outra alternativa indicada.

A atividade de instalação dos sistemas fotovoltaicos foi desenvolvida com a participação dos comunitários em todas as fases. Foram formadas, inicialmente, equipes para executar a preparação e colocação dos postes, montagem das placas, instalação dos reguladores, das baterias e das fiações.

Cada comunidade recebeu um caderno para anotações de carga da bateria, observações e registro de possíveis problemas e dúvidas existentes com relação ao equipamento. E, ainda, um kit contendo o ferramental básico (chaves de fenda, alicate, fita isolante, voltímetro) necessário para pequenos consertos, juntamente com uma luminária completa com reator e lâmpada, e duas garrafas (litro) de água destilada para manter o nível apropriado na bateria.

Para a reposição de componentes do sistema, a comunidade organizará um fundo de manutenção para a aquisição de elementos como regulador de carga, conectores, lâmpadas e interruptores.

 

APROPRIAÇÃO DA TECNOLOGIA FOTOVOLTAICA

A manutenção de uma instalação fotovoltaica não é das mais difíceis, além de ter baixo custo. Entre os principais elementos, o módulo fotovoltaico tem um tempo de vida útil superior a 20 anos, e a bateria, caso seja bem dimensionada, entre 4 e 5 anos. Desta forma, a fim de poder efetuar a reposição dos componentes, a comunidade organizará um fundo de manutenção que será composto por "mensalidades" (não necessariamente moeda). Este fundo permitirá repor certos elementos como reguladores, conectores, lâmpadas e interruptores.

A capacitação dos comunitários será realizada através de pequenos cursos ministrados durante a implementações dos equipamentos fotovoltaicos. Os cursos disponibilizarão conhecimentos e treinamentos para a formação técnica adequada à instalação de pequenos sistemas fotovoltaicos destinados ao atendimento de comunidades isoladas, apresentando os princípios básicos de funcionamento de sistemas fotovoltaicos aplicados a energização rural. Cada comunidade receberá ainda formação relativa aos aspectos básicos de manutenção e sensibilização (economia de energia).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A caracterização do processo de implantação de energização solar fotovoltaica na Região do Alto Rio Solimões permitiu conhecer os mecanismos sócio-culturais de aceitação e utilização da tecnologia fotovoltaica por parte dos comunitários. A principal característica foi a não modificação dos processos tradicionais de trabalho utilizados no cotidiano das populações humanas nas comunidades.

Os sistemas de iluminação implantados foram manejados e passaram a integrar as diversas rotinas, dentre elas as ligadas às práticas religiosas, de educação formal e organização social das famílias moradoras nas comunidades de Novo Paraíso, Nova Aliança, Guanabara II e Vera Cruz localizadas no Município de Benjamin Constant/AM.

A rádio-comunicação terá grande importância na superação das barreiras naturais que envolvem a região compreendida pelas comunidades, destacadamente direcionando sua utilização para os processos de comercialização, saúde e intercâmbio comunitário.

A água potável revelou-se a maior necessidade por parte de todas as comunidades, contrastando, dessa forma, com a imponência e imensidão do Rio Solimões, que não oferece água boa para o consumo humano permitindo sua escassez. Nesse contexto os sistemas de bombeamento suprirão as necessidades do uso da água para beber e cozinhar, auxiliando no processo de controle das doenças ligadas a baixa qualidade da água.

Todo este processo de implantação de uma nova tecnologia somente será bem sucedido com sua apropriação por parte dos comunitário. Este processo viabiliza o entendimento básico do sistema solar fotovoltaico: seus componentes, princípio de funcionamento, localização e reparo de pequenos defeitos e manutenção do sistema como todo.

A energização solar de comunidades isoladas na região amazônica é perfeitamente possível, sendo feito um acompanhamento técnico e a transferência de informações básicas para a manutenção dos sistemas fotovoltaicos aos comunitários.

As comunidades, a partir do uso da nova tecnologia, terão maior grau de auto-sustentabilidade energética e econômica (com o aumento da produtividade), de maneira compatível com o modelo de agricultura familiar defendido por seus habitantes, culminando em um desenvolvimento integral, econômico, cultural e social.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] PINHO, J.T.; ZILLES, R., "Planejamento e Dimensionamento de Sistemas Fotovoltaicos". UFPA. Belém, 1998.

[2] ZILLES, R.; FEDRIZZI, M. C., "Energização Solar Fotovoltaíca de 4 Comunidades Isoladas na Região do Alto Solimões". Relatório Interno da Segunda Viagem de Campo do Projeto trópico Úmido. São Paulo, 1998.

[3] RADY, H. M., "Renewable Energy in Rural Areas of Developing Countries: Some Recommendations for a Sustainable Strategy", Energy Policy, junho, 1992.

 

 

Endereço para correspondência
Carlos Alexandre dos Santos Nogueira
nefen_ua@objetivomao.br