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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Fomento à geração elétrica com fontes renováveis de energia no meio rural brasileiro: barreiras, ações e perspectivas

 

 

Arnaldo Walter

Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, DE/FEM/Unicamp, C.P. 6122, 13083-970 / Campinas, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Um fração expressiva da população brasileira – cerca de 15%, ou seja, 25 milhões de pessoas - vive privada do acesso à energia elétrica. Essas pessoas vivem em grande parte do meio rural. O meio rural é, por sua vez, um nicho de mercado para as fontes renováveis de energia, em função da disponibilidade de recursos, dos potenciais benefícios à atividade econômica local e dos altos custos de abastecimento via extensão da rede elétrica, ou mesmo com geração por óleo diesel. Neste artigo faz-se uma análise das barreiras mais comuns à difusão das fontes renováveis e das políticas de fomento recentemente adotadas no Brasil. Ao fim, são analisadas as perspectivas de curto e médio prazos para a produção de eletricidade com fontes renováveis, com especial atenção às perspectivas no meio rural brasileiro.

Palavras-chave: Fontes renováveis, geração de eletricidade, regulação, políticas energéticas.


ABSTRACT

An expressive share of Brazilian population – about 15 percent, or 25 million people – lives without access to electricity services. Most of these people lives in rural areas. Rural area is a niche market for renewable sources of energy, due to the availability of the resources, to their potential benefits to the local economic activity and to the high costs of electricity supply through net extension, or even with on site electricity generation with diesel oil. In this paper an analysis of most common constraints to the renewables is carried out and the recently proposed policies to deploy renewables in Brazil are analyzed as well. The short and medium term perspectives of electricity production from renewables are finally examined, with special emphasis on the Brazilian rural area.


 

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, cerca de 25 milhões de pessoas, ou seja, aproximadamente 15% da população, vivem sem acesso à energia elétrica. Essa população vive majoritariamente no meio rural e em áreas remotas do país. Estima-se que o número de propriedades rurais sem acesso à eletricidade seja da ordem de 100 mil. Em todo o Mundo, estima-se que 2 bilhões de pessoas vivam sob tal restrição. Para o atendimento dessa população, em contraposição à tradicional ação de extensão da rede elétrica à essas áreas, a partir da geração de eletricidade em grandes centrais, tem sido considerada a geração distribuída de energia elétrica, em pequena escala, nos próprios locais onde a eletricidade é consumida ou, ainda, o abastecimento através de uma rede elétrica local, de pequena extensão.

O meio rural e as áreas isoladas são um nicho de mercado para as fontes renováveis de energia visto que em relação aos custos de extensão da rede elétrica a geração local pode ser mais vantajosa, mesmo que custos externos (por exemplo, associados à geração local de empregos e aos menores impactos ambientais) não sejam considerados.

Algumas ações voltadas ao fomento das fontes renováveis de energia foram recentemente adotadas, ou estão por ser adotadas, no país. Neste trabalho são analisadas as principais barreiras relativas às fontes renováveis, as ações propostas e seus impactos do ponto de vista do desenvolvimento do sistemas de produção de eletricidade. Embora não exclusivamente, o trabalho trata com maior atenção o caso do meio rural.

 

OPORTUNIDADES PARA AS FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA

Em vários países, ao longo dos anos 90, a estrutura do setor elétrico, até então organizada em torno da geração centralizada e contando predominantemente com centrais de grande porte, começou gradualmente a ceder espaço para a geração distribuída. A liberalização do mercado de eletricidade e as inovações tecnológicas são fatores que favoreceram essas mudanças. Unidades de geração de pequeno porte são mais facilmente financiáveis, fato que potencialmente pode resultar em um maior número de agentes, e podem ser construídas mais próximas dos consumidores, reduzindo os investimentos, reduzindo as perdas no transporte e demandando menor controle centralizado [1]. A geração distribuída pode também proporcionar uma série de vantagens técnicas, tais como melhor estabilização da rede, melhor controle de tensão, de harmônicos, potência reativa, etc. Ademais, com pequenas unidades pode-se conseguir melhor ajuste do escalonamento da capacidade de geração à taxas variáveis de crescimento da demanda.

As fontes renováveis de energia, em função da baixa densidade energética, são melhor adaptadas para a geração distribuída do que para a geração centralizada. Dessa forma, uma clara oportunidade para as fontes renováveis de energia é identificada na tendência atual de maior dispersão espacial das unidades de geração elétrica.

Por outro lado, enquanto o foco de atenção dos agentes do setor elétrico está fundamentalmente voltado ao curto prazo, os benefícios das fontes renováveis, em função dos maiores custos iniciais e do seu menor estágio de desenvolvimento tecnológico, podem ser melhor identificados em um horizonte de médio a longo prazos. No curto a médio prazos uma maior participação das fontes renováveis na geração de eletricidade deve depender de fatores tais como a importância da geração distribuída e, consequentemente, das unidades de pequeno porte no parque gerador, e de como serão tomadas as decisões relativas à expansão do setor elétrico e, nesse contexto, quão importante serão os aspectos ambientais e sociais para os tomadores de decisão.

A geração de eletricidade a partir de fontes renováveis de energia pode, potencialmente, contribuir tanto do ponto de vista ambiental quanto social, em função de menores emissões atmosféricas, menor consumo d'água, geração de empregos e incentivo à atividade econômica a nível local. No entanto, apesar de reconhecidos esses benefícios são raramente internalizados, impondo grande desvantagem à viabilidade econômica das fontes renováveis. Além da não consideração de alguns benefícios, as restrições econômicas às fontes renováveis advém do alto investimento inicial, da natureza dispersa (que pode implicar altos custos ancilares) e da intermitência dos recursos (e.g., energia eólica e solar). Tais fatores resultam em maiores incertezas, maior percepção de risco por parte dos investidores, e dificuldades para se alcançar economias de escala.

Um aspecto essencial para as fontes renováveis é a identificação e o correto desenvolvimento de nichos de mercado, tais como as localidades remotas não conectadas à rede elétrica. Nessas localidades, dependendo da disponibilidade dos recursos energéticos, a geração de eletricidade com fontes renováveis pode ser competitiva em relação à alternativa tradicional de expansão da rede elétrica, em que pesem as restrições econômicas anteriormente mencionadas. Nesses nichos, um cenário ainda mais favorável pode ser definido quando o aproveitamento energético renovável estiver associado à atividades econômicas locais e/ou ao aproveitamento de resíduos (e.g., bagaço de cana), reduzindo custos de disposição e gerando receita adicional.

 

ESTADO DA ARTE DA GERAÇÃO DE ELETRICIDADE COM FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA

Para muitas fontes renováveis de energia as tecnologias de produção de eletricidade podem ser consideradas provadas, embora em alguns casos não sejam ainda comerciais. O domínio das tecnologias de conversão de alta eficiência, por outro lado, é bastante concentrado em poucos países. Faz-se a seguir uma breve análise do estado da arte da geração de eletricidade a partir das principais fontes renováveis de energia.

A produção de eletricidade a partir da energia eólica é a que teve os resultados mais significativos nos últimos 15-20 anos, tanto em termos de capacidade instalada quanto na redução dos custos da eletricidade gerada. Desde 1980 o custo médio de capital foi reduzido cerca de 80%, resultando custos de eletricidade gerada da ordem de 4-5 centavos de US$ por kWh (a faixa completa de custos, dependendo do potencial local, varia de 3 a 8,5 centavos US$/kWh). Na continuidade de expansão do mercado e do desenvolvimento tecnológico, a expectativa é que esses custos caiam para 2,5-3 centavos de US$ por kWh em 2010, tornando-a plenamente competitiva enquanto alternativa de expansão da capacidade de geração elétrica [2]. A capacidade eólica instalada em todo o Mundo no fim de 1999 era estimada em 10 GW, sendo cerca de 8,3 GW na Europa (só na Alemanha, 3,9 GW) [3].

No caso da energia solar fotovoltáica, as reduções de custo e o crescimento do mercado também foram significativos, embora os resultados sejam inferiores aos apresentados pela energia eólica. Nos últimos 20 anos a geração fotovoltáica atingiu um estágio comercial, sendo no momento tecnologia corrente na produção de eletricidade tanto em áreas isoladas quanto para a injeção de energia à rede. As taxas de crescimento do mercado têm sido altas, da ordem de 20-30% ao ano; só em 2000, estima-se que 200 MW de capacidade fotovoltáica adicional sejam instalados em todo o Mundo [4]. Os custos de capital por kW instalado, no presente, variam entre 5 e 15 vezes os custos unitários de um ciclo combinado para queima de gás natural (a tecnologia de referência para expansão do setor elétrico em quase todo o Mundo), mas a tendência de queda é acentuada [3].

A produção de eletricidade a partir da biomassa, em ciclos a vapor convencionais de pequena capacidade, é comercial em países como a Finlândia, a Suécia e em algumas regiões dos EUA. Já a produção de eletricidade em larga escala, em sistemas de alta eficiência (e.g., associados à gaseificação da biomassa e emprego do gás combustível resultante na alimentação de ciclos combinados de alto desempenho) envolve tecnologia ainda em desenvolvimento, que pode atingir estágio comercial em até 10 anos. Regra geral, em função da baixa eficiência operacional e dos custos iniciais relativamente altos, a produção de eletricidade em ciclos com turbinas a vapor ou máquinas a vapor só é competitiva (i) em sistemas isolados, (ii) quando do uso de biomassa residual e/ou (iii) quando da existência de incentivos regulatórios específicos.

Outras alternativas de pequena capacidade para a produção de eletricidade a partir da biomassa, tais como sua gaseificação e o uso do gás combustível em motores de combustão interna (substituindo total ou parcialmente a gasolina ou o diesel), ou ainda o uso de óleos vegetais, envolvem tecnologias conhecidas embora não ainda comercialmente competitivas e tampouco confiáveis (esses sistemas ainda apresentam baixa disponibilidade). Problemas relativos à limpeza do gás ainda persistem no caso dos sistemas gaseificação + motores, enquanto no caso dos óleos vegetais as restrições estão sobretudo na confiabilidade da operação contínua dos motores de combustão interna. Ainda estão em desenvolvimento tecnologias envolvendo a pirólise da biomassa e emprego do óleo resultante em motores de combustão interna, e a gaseificação de biomassa e emprego do gás em motores Stirling (de combustão externa); ambas, no entanto, ainda estão em estágio muito preliminar de desenvolvimento [5].

A tecnologia das micro e pequenas centrais hidrelétricas é plenamente dominada já há muitos anos, podendo ser considerada totalmente comercial e confiável. Em 1997 havia cerca de 340 PCHs em operação no Brasil, totalizando uma capacidade de cerca de 630 MW que foi basicamente construída 30-40 anos atrás. Uma capacidade adicional de 790 MW pode ser viabilizada nos próximos anos, tendo-se por base os quase oitenta projetos sob análise ou até mesmo já em construção [6]. Tendo em vista o porte das PCHs (na faixa de 1 a 30 MW) e o custo unitário de capital, que é da ordem de 1100 US$/kW instalado (custo médio de 28 empreendimentos em andamento), essa alternativa parece ser inviável para estabelecimentos rurais isolados, mas bastante factível, por exemplo, para cooperativas de eletrificação rural.

Em síntese, para o meio rural brasileiro, a produção de eletricidade com células fotovoltáicas não apresenta nenhuma barreira tecnológica, sendo o potencial bastante significativo, embora seja uma alternativa mais adequada para atendimento de pequenas cargas. Para a energia eólica, a tecnologia de geradores de alto desempenho não é disponível no país mas, de qualquer forma, unidades de grande porte (750 kW – 2 MW) e maior eficiência, tais como as que são no momento construídas em alguns países, são inviáveis para estabelecimentos isolados. O maior potencial eólico está em regiões litorâneas e a tecnologia disponível no país corresponde a sistemas de bombeamento e, eventualmente, unidades de geração de muito pequena capacidade. Já no caso da biomassa, consideradas as tecnologias provadas, os ciclos a vapor com turbinas só seriam viáveis em complexos agro-industriais de pelo menos médio porte. Por outro lado, ciclos a vapor com motores alternativos são plenamente adequados para o meio rural, mas o único fornecedor desses equipamentos encerrou suas atividades no país há alguns anos justamente pelas dificuldades do mercado. Finalmente, para as tecnologias de gaseificação de biomassa e motores de combustão interna, bem como para o emprego de óleos vegetais, ainda é preciso se avançar no desenvolvimento para que esses sistemas sejam confiáveis e competitivos.

 

BARREIRAS ÀS FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA

Além das barreiras econômicas (altos custos iniciais) e tecnológicas (estágio ainda preliminar de desenvolvimento e baixa confiabilidade) de algumas alternativas, outras barreiras dificultam a difusão das fontes renováveis de energia.

O nicho de mercado que se identifica em comunidades isoladas e no meio rural é constituído, em sua quase totalidade, por pessoas que têm restrições de acesso à informação técnica e dificuldade de compreender o funcionamento dos sistemas, bem operá-los e bem mante-los. Da mesma forma, essas comunidades têm dificuldade em acessar informações relativas à linhas de crédito e de se habilitarem ao pleito de subsídios e financiamentos. Evidentemente que essas barreiras só podem ser contornadas com a devida assistência, inclusive para que a noção de risco seja minimizada e as resistências superadas. No entanto, essas barreiras não existem apenas no âmbito das comunidades a serem atendidas mas, também, a nível mais geral, pois no que diz respeito a essa matéria o país carece de mão de obra qualificada em todos os seus extratos.

Na mesma linha das barreiras tecnológicas, algumas tecnologias de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis trazem inconvenientes ao usuário final, seja pela dificuldade de operação (e.g., procedimentos complicados e longo tempo de partida), seja pela intermitência do recurso, o que traz reflexos sobre os custos ao usuário final. Diante de dificuldades, a tendência é que os usuários menos motivados e/ou conscientizados simplesmente descartem a tecnologia.

Outra barreira comum a vários programas de fomento às fontes renováveis está no fato de que as comunidades normalmente não participam do processo de escolha e de inserção da tecnologia que, muitas vezes, está dissociada de seus hábitos de vida e de suas atividades econômicas. Uma experiência bem sucedida de participação da comunidade no processo de decisão foi desenvolvida na Índia, na região rural próxima à Bangalore. Conjuntos gaseificadores + motores de combustão interna e biodigestores foram introduzidos com o objetivo de viabilizar o bombeamento d'água tanto para irrigação quanto para o consumo humano; orientada por técnicos do Indian Institute of Science, a comunidade escolheu a tecnologia, definiu a sistemática de operação e participa ativamente da operação e da manutenção dos sistemas.

O alto custo inicial, o estágio pré comercial de grande parte das tecnologias e a percepção de risco por parte dos empreendedores inibe os investimentos em fontes renováveis. Como o mercado não se desenvolve em condições ideais, não há escala de produção e os custos de capital não caem como seria desejável. Esse ciclo vicioso precisa ser rompido com o estímulo ao desenvolvimento de um mercado inicial, "garantido", de dimensões mínimas. Como os custos incrementais precisam ser diretamente ou indiretamente cobertos, para a continuidade do programa a conscientização social sobre os benefícios das fontes renováveis é uma condição necessária. Uma clara barreira é que em um país como o Brasil, no qual a população não tem um nível adequado de educação ambiental, as decisões tendem a ser pragmáticas, orientadas ao atendimento de objetivos de curtíssimo prazo.

 

AÇÕES VOLTADAS AO FOMENTO DAS FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA

Vários projetos de implantação de sistemas de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis de energia já foram realizados no Brasil, tanto por iniciativa dos governos federal e estaduais, quanto por iniciativa de concessionárias de energia elétrica e ONGs. Esses projetos dizem respeito a sistemas fotovoltáicos, eólicos e PCHs; no atendimento de comunidades isoladas, por outro lado, pouco foi feito quanto a sistemas baseados em biomassa. Embora do ponto de vista do número de consumidores atendidos os resultados sejam bastante modestos, esses projetos pioneiros tiveram o mérito de permitir a identificação de barreiras e de terem viabilizado a demonstração das tecnologias.

O Ministério de Minas e Energia tem centrado seus esforços no Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios - Prodeem. A partir de um estudo realizado em 1998 pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, definiu-se um ambicioso programa de fomento às fontes renováveis ("Plano de Ação") visando o desenvolvimento de mercados sustentáveis de serviços de energia renovável para o atendimento de comunidades isoladas [7]. A filosofia do Programa é fomentar o desenvolvimento de atividades econômicas vinculadas a serviços de energia, tais como empresas de irrigação, fornecimento de água potável, postos de venda e de recarga de baterias, comércio de sistemas de energia renovável vinculados a comercialização de eletrodomésticos, etc., de sorte a fazer com que a implantação das fontes renováveis permita o desenvolvimento da atividade econômica local. As metas iniciais correspondem à implantação de 2.000 projetos por ano nos primeiros anos do programa, com posterior ampliação das metas para 10.000 projetos por ano.

O estudo feito pelo BID para o MME inclui uma análise detalhada das barreiras e propõe ações para que as mesmas possam ser superadas. Ainda não está definido se o modelo de concessão deve ser implantado para os serviços e a eletricidade, ou se o desenvolvimento dos projetos deve ser deixado para a livre ação dos agentes interessados. Da mesma forma, ainda não está totalmente claro o papel que se espera venha a ser desempenhado pelos diferentes atores (e.g., concessionárias, governos, investidores e ONGs) e se deve haver favorecimento a certas fontes de energia e tecnologias. No início de 2000 uma chamada de projetos piloto e de demonstração, de estudos de mercado, de propostas de realização de seminários, promoção de empresas, contratação de consultores, etc., foi anunciada, sendo que os recursos destinados a tal finalidade totalizam 5,8 milhões de US$ [8].

As ações da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL estão voltadas à realização de estudos de potencial, implantação de projetos de demonstração e definição de medidas regulatórias de fomento à comercialização da eletricidade produzida por fontes renováveis. Uma das mais importantes propostas corresponde ao uso dos recursos da Conta de Consumo de Combustíveis – CCC para que os mesmos sejam aplicados no subsídio da eletricidade gerada por fontes renováveis, em regiões isoladas, durante os primeiros seis anos de cada projeto, estando o benefício limitado a 90% das despesas evitadas com diesel ou 75% dos custos totais do empreendimento. Estima-se que os recursos disponíveis para tal finalidade possam chegar a 180 milhões de US$ por ano.

A ANEEL está financiando projetos de demonstração na região Amazônica com uma filosofia distinta daquela adotada pelo Prodeem/MME. O objetivo é desenvolver projetos de eletrificação integrados à atividade econômica já desenvolvida nas localidades, mas sem a vinculação com serviços de energia. Dois projetos estão sendo desenvolvidos em áreas extrativistas (borracha e castanha), correspondendo a sistemas fotovoltáicos (1,2 kW em uma vila de 700 pessoas) e ao emprego de óleos vegetais em um motor de combustão interna (115 kW em uma comunidade de 2.500 pessoas).

Talvez como reflexo da cultura hidrelétrica que ainda existe no país, entre todas as fontes renováveis a ANEEL priorizou até o momento o apoio aos investimentos em PCHs, concedendo aos empreendimentos construídos até 2003 a isenção das tarifas de transporte. Como tal incentivo pode fazer diferença substancial nas tarifas ao consumidor final, a ANEEL estima que apenas em 2000 tal medida possa proporcionar a viabilização de 500 MW de capacidade adicional. Existe a tendência de que este benefício venha a ser estendido às demais fontes renováveis de energia, medida que é essencialmente correta uma vez que não faz sentido favorecer uma fonte em detrimento das outras.

Outra ação regulatória por parte da ANEEL estabelece, na prática, preços teto para a compra da eletricidade produzida por fontes renováveis. Essas tarifas, chamadas preços normativos, são o máximo valor que as concessionárias podem pagar por unidade de energia gerada por determinadas tecnologias, podendo repassar ao consumidor final o sobrecusto. Os preços normativos definidos em Julho de 1999 são apresentados na Tabela 1, juntamente com valores de tarifas recentemente praticadas em alguns países Europeus. Embora sejam inegáveis os méritos dessa regulação, deve-se fazer uma ressalva quanto aos valores definidos, que são baixos inclusive para o nível tecnológico e para a escala de produção da indústria existente em vários países europeus. Com os valores fixados em 1999 certamente não haverá investimentos privados em larga escala.

Do ponto de vista legal e regulatório o fato mais marcante para o fomento das fontes renováveis de energia pode advir da futura aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei n° 2905, de 2000, de autoria do Deputado Federal José Carlos Aleluia e ora em tramitação no Congresso Federal. Uma das propostas estabelece que os recursos da CCC constituam um fundo para financiar projetos de fontes alternativas de energia, tornando lei aquilo que a ANEEL já havia regulado através de uma resolução. Também propõe-se que a ANEEL conceda pelo menos 50% de redução às tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição quando da comercialização de energia elétrica produzida por fontes renováveis.

Um dos pontos mais relevantes do substitutivo é a proposição de que os recursos da Reserva Global de Reversão – RGR possam ser empregados pela ELETROBRÁS exclusivamente na implantação do ONS, em projetos de eletrificação rural, programas de combate ao desperdício e financiamento de projetos de fontes alternativas. Estima-se que a quota anual da RGR a ser recolhida pela ELETROBRÁS em 2000 seja da ordem de 450 milhões de US$.

Outro ponto de enorme importância para o fomento das fontes renováveis é a obrigatoriedade de que as concessionárias de distribuição e os agentes comercializadores comprem, por prazo não inferior a dez anos, toda energia a ser produzida por empreendimentos a partir de fontes eólica, solar, biomassa e PCHs, até que essas fontes atendam, em um prazo de 20 anos, a 10% dos seus mercados de fornecimento. A contratação se fará mediante programação anual de compra para atender o mínimo de 20% do incremento anual da energia a ser fornecida ao consumidor final pela concessionária ou agente comercializador. Segundo o Substitutivo, a tarifa de compra deve ser fixada em proporção ao valor de referência – VR - de geração elétrica, entendendo este como o custo médio de geração de novos empreendimentos de geração hidráulica com potência superior a 30 MW e termelétricas a gás natural. Os fatores de proporcionalidade propostos são 1,25 VR para a eletricidade produzida em PCHs, 1,4 VR para instalações com biomassa, 1,75 VR para geração eólica, e 4,15 VR para solar fotovoltáica, resultando em tarifas essencialmente iguais ao preços normativos fixados pela ANNEL em 1999.

Propõe-se que os recursos para pagamento desse sobrecusto ao agente produtor sejam provenientes da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, que terá duração de vinte anos, e será regulamentada pela ANEEL e administrada pela ELETROBRÁS. Os recursos da CDE serão provenientes dos pagamentos anuais realizados pelos vencedores de licitação realizada para contratação de concessão de aproveitamento hidrelétrico e, a partir do ano de 2003, também das quotas anuais pagas por todos os agentes que comercializem energia com o consumidor final. Em um dado ano, nenhuma fonte renovável poderá receber individualmente mais do que 40% do total de recursos disponíveis na CDE.

Quanto à obrigatoriedade de compra, a proposta do Substitutivo do Deputado Aleluia se aproxima da política adotada na Alemanha, onde as concessionárias são obrigadas a comprar eletricidade gerada por fontes renováveis até que no conjunto essas fontes atendam um percentual do mercado. Na Alemanha a tarifa de compra é alta (em alguns casos igual à tarifa paga pelo consumidor final), estimulando os investimentos. Com efeito, com essa legislação houve um rápido desenvolvimento das fontes renováveis, particularmente da energia eólica, a ponto de ser no momento o país com maior capacidade instalada.

Desde que o Substitutivo seja aprovado, com a obrigatoriedade de compra da eletricidade gerada por fontes renováveis e com a sinalização de que essas fontes poderão atender em seu conjunto a 10% do mercado de energia elétrica do país, poderá estar resolvido um dos problemas ainda não equacionados no Brasil, relativo ao desenvolvimento inicial do mercado.

 

PERSPECTIVAS PARA AS FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA, NO MEIO RURAL BRASILEIRO

Com a restruturação do setor elétrico é natural que os novos agentes não tenham interesse por mercados pouco rentáveis, como o meio rural, e por empreendimentos de maior risco, como os que envolvem a produção de eletricidade a partir das fontes renováveis de energia. Assim, as perspectivas de fomento às fontes renováveis de energia no meio rural dependem fundamentalmente da regulação que venha a ser feita.

Entre as barreiras mais importantes, a questão da criação de um mercado garantido, que assegure uma escala mínima de produção e o desenvolvimento contínuo das tecnologias, está convenientemente tratada no Substitutivo recentemente submetido à apreciação do Congresso Nacional. A parcela de 10% do mercado, por volta de 2020, a ser atendida pelas fontes renováveis é bastante significativa, e a estratégia de atendimento desse mercado por meio da obrigatoriedade de compra por parte de distribuidoras e comercializadoras já foi adotada com sucesso em outro países. O problema está nas tarifas, que são baixas para atrair investimento privado em um mercado ainda muito incipiente.

A questão dos recursos financeiros necessários para financiar as várias ações de fomento também está prevista no Substitutivo ao Projeto de Lei n° 2905. Quanto ao uso dos recursos da CCC, a proposta apenas segue resolução anteriormente definida pela ANEEL. A novidade está na possibilidade de uso dos recursos da RGR e, principalmente, na condição de que o investimento em fontes renováveis seja uma das poucas alternativas de aplicação. Também a criação de um fundo – CDE - para pagar as tarifas "premium" à geração com fontes renováveis foi corretamente encaminhada, prevendo-se, a exemplo da experiência em outros países, que não possa haver excessiva concentração de recursos em uma só fonte.

Na mesma linha dos recursos financeiro, e tratando de uma questão até então pouco abordada em todas as iniciativas, está a questão dos investimentos em P&D, para que no futuro possa haver efetiva capacitação nacional nessa área. Parte dos recursos que as concessionárias de energia elétrica aplicam em P&D, por resolução da ANEEL, poderia ser aplicada compulsoriamente no desenvolvimento de tecnologias de fontes renováveis.

No que concerne ao desenvolvimento tecnológico, estima-se que muito ainda precisa ser feito quanto às alternativas de aproveitamento da biomassa, principalmente quanto à gaseificação, produção de óleos vegetais e emprego contínuo e de forma confiável desses combustíveis em motores de combustão interna. Com o potencial de biomassa que tem, um país como o Brasil também não pode ficar à margem das pesquisas que visam o uso energético dos óleos pirolenhosos, o desenvolvimento dos motores Stirling e das micro turbinas a gás, além do resgate da tecnologia de motores alternativos a vapor. A mesma preocupação deve existir quanto à produção de energia elétrica a partir de células fotovoltáicas e geradores eólicos, para que não se estabeleça desde o início do processo de desenvolvimento uma relação de dependência vis-à-vis outros países. Finalmente, quanto às PCHs e salvo melhor juízo, avalia-se que a capacitação tecnológica existente no Brasil é adequada, devendo apenas haver a preocupação de preserva-la.

Quanto à estratégia adotada pelo Prodeem, voltada ao desenvolvimento de um mercado de serviços de energia renovável, embora inovadora e conceitualmente interessante, é questionável que os resultados almejados sejam alcançados. Apesar da indiscutível carência dos serviços potenciais, existem dúvidas quanto ao poder de compra da população de localidades remotas, de sorte que os investimentos feitos por capital privado possam ser remunerados sem a necessidade de subsídios.

De qualquer forma, o Plano de Ação elaborado pelo Prodeem analisa adequadamente várias das barreiras existentes para as fontes renováveis, além de propor ações para várias dessas dificuldades. A proposta de ampliar o número de agentes e descentralizar as ações é da mesma forma elogiável. Nesse sentido, as dificuldades relativas à falta de informações e à não capacitação tecnológica para a instalação, operação e manutenção dos sistemas poderão ser bastante minimizadas.

Quanto à regulação fiscal e aos incentivos financeiros, matérias que não são de competência da ANEEL e do MME, avalia-se que muito ainda precisa ser feito, desde a concessão de incentivos específicos até a desburocratização dos procedimentos. Sem linhas de financiamento adequadas os investimentos esperados certamente não ocorrerão. Sem a desburocratização dos procedimentos os custos de transação e administrativos serão muito altos, desestimulando os pequenos empreendedores.

Finalmente, cabe a reflexão de que a inserção de tecnologias em um dado meio é mais adequada se houver um processo natural, no qual a comunidade reconhece sua importância e a incorpora a seu estilo de vida e/ou a suas atividades econômicas. Programas que visam a simples implantação de tecnologias em certas regiões e estão dissociados da realidade local estão fadados ao insucesso dentro de uma ótica de médio a longo prazo. Nesse sentido, os programas de implantação de fontes renováveis precisam ser organizados para que tenham muito fôlego, sejam abrangentes em sua concepção e para que tenham suas metas não no número de sistemas implantados, mas sim na satisfação e no bem estar das comunidades.

No meio rural, em função da natureza da atividade e da disponibilidade de recursos energéticos, uma perspectiva interessante é para que o processo de eletrificação possa estar associado ao beneficiamento do produto, agregando valor e aumentando a renda das comunidades. Em muitos casos o investimento será proibitivo para um produtor individual, mas suportável e recompensador para um conjunto de agricultores que poderiam estar organizados em cooperativas. Dessa forma, empreendimentos energéticos de maior capacidade poderiam ser viabilizados, reduzindo o custo unitário inicial e melhorando a viabilidade econômica.

Na mesma linha da agregação de valor ao produto e da diversificação das atividades, sempre que possível os sistemas energéticos devem ser concebidos como unidades de cogeração, viabilizando a produção de calor útil para secagem, para produção de vapor/água quente ou ainda na produção de frio (refrigeração e/ou condicionamento ambiental). Tal alternativa é factível quando do emprego de sistemas térmicos baseados em máquinas a vapor (turbinas e motores a pistão) e motores de combustão interna.

A título de conclusão deve-se dizer que do ponto de vista regulatório e legal as ações recentes, aí incluídas as propostas em andamento, sinalizam na direção correta. A aprovação dessas resoluções e leis, no entanto, é apenas o primeiro passo, embora essencial, para que haja efetivo fomento à produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis. Muito ainda precisa ser feito em P&D, na organização e gerenciamento dos programas, na capacitação de mão de obra qualificada, na difusão das informações e, sobretudo, na compreensão das reais necessidades dessa grande fração da população brasileira que ainda está à margem do serviço elétrico.

 

REFERÊNCIAS

[1] PATTERSON, W.; Transforming Electricity; Earthscan; Londres; 1999.

[2] TRULY, R.; The Clean Energy Century: The Path for Renewable Energy in the New Millennium; Proceedings of the World Renewable Energy Congress VI; Brighton; Julho, 2000; p.10-15.

[3] ELIASSON, B.; The Road to Renewables – Opportunities and Challenges; Proceedings of the World Renewable Energy Congress VI; Brighton; Julho, 2000; p.64-68.

[4] RANNELS, J.E.; Technology Development in the US Photovoltaic Program; Proceedings of the World Renewable Energy Congress VI; Brighton; Julho, 2000; p.33-36.

[5] WALTER, A., FAAIJ, A., BAUEN, A.; In: Walter, A. (ed.) – New Technologies for Modern Biomass Energy Carriers; In: Rosillo-Calle, F., Bajay, S. V. & Rothman, H. (Editors); Industrial Uses of Biomass Energy – The Example of Brazil; Taylor & Francis; Londres; p. 200-53; 2000.

[6] TIAGO FILHO, G.L. e ALENCAR, H.S.; Panorama Elétrico das PCHs; Disponível na home page do CERPCH (Centro Nacional de Referência em Pequenos Aproveitamentos Hidroenergéticos): http://www.efei.cerpch.br; 2000.

[7] MME; Brasil: Plano de Ação - Desenvolvimento de Mercados Sustentáveis de Serviços de Energia Renovável para Comunidades Isoladas; Ministério de Minas e Energia; Brasília; Julho, 1998

[8] FINANCIAL TIMES; Power in Latin America; 55; Janeiro, 2000.

[9] ANEEL; Home page da Agência Nacional de Energia Elétrica: http://aneel.gov.br; 2000.

[10] IEA; Renewable Energy Policy in IEA Countries – Country Reports; International Energy Agency; Paris; 1998

 

 

Endereço para correspondência
Arnaldo Walter
email: awalter@fem.unicamp.br