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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

A experiência de eletrificação rural em São Paulo (1997-1999)

 

 

Luiz Henrique Alves PazziniI; Marcelo Aparecido PelegriniI; Luiz Fernando KurahassiI; Fernando Selles RibeiroI; Paulo Ernesto StrazziII

IGEPEA-USP, Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Avenida Prof. Luciano Gualberto, travessa 3, 158; Sala A2, 35, CEP: 05508-900, São Paulo, SP, Brasil; Tel: (55)(11)3818-5279, Fax: (55)(11)210-3595
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Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No estado de São Paulo está sendo implantado, desde 1996, o programa de eletrificação rural "Luz da Terra", baseado no envolvimento de vários outros atores além da concessionária: a Secretaria de Energia, a Secretaria de Agricultura, a Nossa Caixa Nosso Banco, a Universidade de São Paulo e as prefeituras. Um problema operacional que surgiu e precisou ser resolvido durante a implantação deste programa foi a carência de pessoal de campo devidamente treinado. Em função dessa dificuldade, técnicos dos agentes envolvidos, com o apoio de pesquisadores da Escola Politécnica e de consultores do programa, introduziram uma nova filosofia de trabalho prevista para o âmbito de cada município do estado, centrada na Prefeitura e na Casa da Agricultura local. Assim, foram criados os Serviços Municipais de Eletrificação Rural (SMERs), implantados em cerca de 150 municípios, com o objetivo de identificar a demanda existente, habilitar os interessados no acesso à linha de financiamento e facilitar a execução das obras. Este trabalho descreve as funções específicas dos atores e analisa algumas experiências em diferentes regiões do estado, atendidas por diversas concessionárias. Conclui que o progresso alcançado, apesar das complexidades dos trabalhos, justifica a intensificação que se pretende que o governo do estado venha a dar a esse procedimento dentro de sua política de eletrificação rural.

Palavras-chave: Eletrificação rural, distribuição, extensão rural.


ABSTRACT

In the state of São Paulo it is being implanted, since 1996, the rural electrification program "Luz da Terra", based on the involvement of several other actors besides the Utilities: the Energy Secretary, the Agriculture Secretary, a State Bank, the University of São Paulo and the City Halls. An operational problem that appeared and it needed to be solved it were properly to field personnel's lack trained. In function of that difficulty, the program' actors were introduced a new philosophy foreseen for the ambit of each municipal district of the state, centered at the City hall and in the House of the local Agriculture. Thus, the Municipal Services of Rural Electrification were created (MSREs), implanted in about 150 municipal districts, with the objective of identifying the existent demand, to enable the interested ones in the access to the financing line and to facilitate the execution of the works. This paper describes the actors' specific functions and analyzes some experiences in different areas of the state, assisted for several concessionary. It conclusions that the progress, in spite of the complexity of the works, it justifies the intensification that is intended the government of the state to come to give inside to that procedure of its politics of rural electrification.


 

 

INTRODUÇÃO

As mudanças pelas quais o setor elétrico brasileiro vem passando gera incertezas à eletrificação rural, especialmente para os moradores mais pobres. Os procedimentos anteriormente adotados precisam sofrer revisão e novos caminhos devem ser trilhados no sentido de reduzir a escuridão no campo. Há muitos anos diversos trabalhos internacionais apontam o envolvimento de diferentes segmentos da sociedade como sendo um caminho viável, e a retomada deste tema é muito oportuna. As experiências bem sucedidas em vários estados brasileiros que implementaram projetos de eletrificação rural com participação de múltiplos atores serviram de referência para o estado de São Paulo, onde está sendo implantado um programa com essa característica, o programa "Luz da Terra", contando com uma linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e tendo por meta eletrificar toda propriedade rural paulista sem energia elétrica, sem exclusão.

Entretanto, a implementação deste programa passou por muitas dificuldades, entre elas a falta de pessoal habilitado a introduzir o novo modelo no campo, o que conduziu a um resultado aquém das expectativas. Visando aperfeiçoar os procedimentos, técnicos da Secretaria de Energia, da Secretaria de Agricultura, das concessionárias de energia elétrica, apoiados por pesquisadores da Universidade de São Paulo e consultores do programa, uniram suas experiências e elaboraram uma nova filosofia de trabalho, que passou a ser implementada no âmbito de cada município, centrada na Prefeitura e na Casa da Agricultura local, com o objetivo de identificar a demanda real existente, habilitar os interessados no acesso à linha de financiamento e facilitar a implantação das obras.

Este trabalho descreve as funções específicas dos atores envolvidos na nova filosofia e analisa algumas experiências em diferentes regiões do interior, em diferentes áreas de concessão. Conclui que o progresso alcançado, apesar da complexidade dos trabalhos, justifica a intensificação que o governo estadual pretende dar a esse procedimento dentro de sua política de eletrificação rural.

 

A QUESTÃO DA ELETRIFICAÇÃO RURAL

Tradicionalmente, a eletrificação rural é calcada em ações isoladas das concessionárias de energia elétrica. Tal prática resultou em programas que levaram luz para muitas localidades distantes dos grandes centros urbanos. No entanto, essas iniciativas não foram suficientes para resolver todo o problema de escuridão no campo. Grandes distâncias, baixa densidade de consumidores por quilômetro, escassez de recursos e a relutância dos engenheiros em adotar esquemas de redes simplificadas, colaboram para a continuidade da falta de eletricidade na zona rural.

Muitas vezes as concessionárias discutem as questões técnicas e se esquecem da melhoria da qualidade de vida que a eletricidade pode trazer. As questões se resumem a transformadores, kVAs, chaves, etc. Questões mais amplas, que trazem benefício para toda a sociedade, tais como as possibilidades de redução do êxodo rural e a criação de ensino noturno, são relegadas a um segundo plano.

Trabalhos de avaliação de programas de eletrificação rural elaborados nas décadas de 80 e 90, estimulados pelas agências de fomento internacionais que se interessam em propor e operar grandes projetos de infra-estrutura energética, vem ao encontro do aqui exposto. A principal conclusão desses trabalhos é que a questão institucional é a mais importante a ser pensada. Fica claro que a ação isolada da concessionária não se constitui no melhor meio para solucionar o problema. SAMANTA e SUNDARAM (1983) concluem que o problema da eletrificação rural na Índia é de aspecto institucional. FOLEY (1992) chama a atenção para o fato de que a eletrificação rural não entusiasma os engenheiros, que não estão dispostos a projetar longas linhas para atender clientes pobres e dispersos. ROSSI (1995) conclui que as concessionárias não investem na eletrificação rural em função dos altos investimentos requeridos e também por causa do subsídio existente para as tarifas da área rural, o que conduz a um aumento do período necessário para o retorno do investimento. PAZZINI et al (1997) ressaltam que a questão da eletrificação rural de clientes pobres tem sido costumeiramente matéria dirigida em comando único por quem não a aprecia e não vê grande importância no cidadão que a demanda.

Mas a chegada da energia à área rural traz sensível melhora na qualidade de vida dos cidadãos e um incentivo para novas atividades, conforme relatos de pesquisadores. MUNASINGHE (1987) prevê que a eletrificação rural é um requisito essencial ao processo de modernização que os países do Terceiro Mundo terão que fazer chegar à zona rural se quiserem tomar lugar na competição do mercado globalizado. PAZZINI et al (1997) mostram que o processo de levar eletricidade para a zona rural deve ser visto sob novo enfoque, no qual os critérios econômicos existentes deixam de ser exclusivos na tomada de decisões de se eletrificar áreas rurais, passando a ser complementados por considerações sobre o incremento da qualidade de vida obtido com o acesso à energia.

RIBEIRO (1997) aponta que permitir o acesso dos pequenos proprietários rurais à eletricidade interessa a muitos atores:

• ao grande produtor rural, pois o atendimento de grandes cargas rurais tem seu suprimento facilitado se a malha da concessionária se aproximar para atender toda a comunidade;

• ao mercado consumidor, criando uma nova demanda por eletrodomésticos;

• ao prefeito, abrindo a possibilidade dele sanar uma deficiência de infra-estrutura de seu município;

• à agricultura, permitindo um aumento na produção e na produtividade;

• ao setor público, porque, com a utilização da eletricidade, se reduz o consumo de derivados de petróleo e propicia um sensível aumento na arrecadação de impostos;

• ao planejamento macroeconômico, pois o custo marginal de se criar as condições de infra-estrutura que permitam a manutenção do pobre na zona rural é muito menor que o custo marginal da infra-estrutura necessária para a criação de uma unidade de emprego para recebê-lo na cidade grande;

• maior interessado: o cidadão rural, que passa a contar com um serviço essencial para a melhoria da sua qualidade de vida.

Como visto, a eletrificação rural interessa a todo o país. Então fica a questão: por que não se faz eletrificação rural? A resposta é que se faz, mas centrado nas concessionárias, levando a que os resultados obtidos fiquem abaixo do esperado.

As mudanças institucionais pelas quais passam os setores energéticos dos países em desenvolvimento conduzem para a busca de novas soluções para a energização das áreas rurais. O processo de privatização, que vem sendo implantado nesses países, gera às seguintes questões:

• como incentivar empresas privadas a participar da eletrificação rural?;

• onde buscar recursos para financiar essas obras?;

• como agregar a participação da sociedade na questão energética rural?

A Agenda 21, documento elaborado na Eco 92, aponta o caminho da união das forças vivas da sociedade para solucionar seus problemas. A eletrificação rural se enquadra nesse cenário, sendo um novo paradigma no processo de energização do campo.

 

POLÍTICA PÚBLICA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL

Em meados da década de 80, pesquisadores da Universidade de São Paulo, em conjunto com técnicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), passaram a estudar a questão da eletrificação rural. Como resultado destas pesquisas, foi proposto um novo modelo de eletrificação rural baseado em novos paradigmas: a luz elétrica e o conforto no lar, extensivos eqüanimente a todos os proprietários rurais, incluindo os de baixa renda, são as metas maiores desse modelo que foi, inicialmente, implementado no estado do Rio Grande do Sul no período de 1991 e 1992, alcançando um grande sucesso: cerca de 6.000 novas ligações a um custo médio de US$ 750,00, bastante inferior ao praticado pelas concessionárias no Brasil. ROSA et al (1993), analisando essa experiência, concluem que os baixos custos obtidos derivaram da grande participação da sociedade, em particular dos próprios interessados, e da utilização de sistemas simplificados, como o monofilar com retorno por terra (MRT), e de materiais alternativos, como postes de madeira e transformadores de pequeno porte.

ZIMMERMAMM e GOMES (1997) afirmam que o programa do Rio Grande do Sul possibilitou de forma quase imediata a melhoria no padrão de conforto das propriedades eletrificadas e trouxe benefícios para os municípios, conforme se constata nos dados a seguir:

• 53% dos beneficiários adquiriram refrigeradores;

• 38% dos beneficiários adquiriram freezer;

• 38% dos beneficiários adquiriram televisores;

• 29% dos beneficiários adquiriram bombas d'água;

• 100% dos beneficiários adquiriam material elétrico que redundou em recolhimento de ICMS;

• as prefeituras municipais informaram que 4% dos beneficiários deixaram de se deslocar para a zona urbana, o que propiciou aos municípios e governo estadual uma economia de recursos.

Estimulado pela experiência do Rio Grande e instigado pela Universidade de São Paulo, o estado de São Paulo instituiu, no final de 1996, o programa de eletrificação rural "Luz da Terra". Conforme o exemplo do estado sulista, o novo programa calcou-se na descentralização das atividades, através do envolvimento de diferentes instituições. A idéia central é criar uma linha de crédito pulverizada direta para os interessados finais, ou seja, os próprios beneficiários. Para obter esse crédito, essas pessoas contariam com assistência de diversos atores, cada um com diferentes responsabilidades: agências de extensão rural, agências bancárias, concessionárias de energia elétrica, prefeituras municipais e as chamadas forças vivas da sociedade (vereadores, associações de bairro, sindicatos, igrejas, etc). Além disso, foi consensado entre os planejadores a necessidade de constituir equipes para difundir, em todos municípios do estado, a filosofia do programa e obter engajamento dos atores locais, principalmente da Prefeitura.

No entanto o programa foi implantado sem a constituição dessas equipes de campo. Esse fato, aliado a uma série de outros fatores, como falta de divulgação adequada e o não equacionamento de algumas questões bancárias, fizeram com que os processos se desenvolvessem de forma extremamente lenta, desestimulando todos os atores e criando um clima de desconfiança sobre o programa.

Diante dessas dificuldades, pesquisadores da Universidade de São Paulo, consultores do programa e técnicos das Secretarias de Energia e da Agricultura, uniram suas experiências e criaram uma nova filosofia de trabalho, dividida em diferentes passos que, se seguidos corretamente, facilitam o desenvolvimento de todo o processo de eletrificação rural.

 

A NOVA FILOSOFIA

Uma das falhas observadas no programa "Luz da Terra" foi a falta de envolvimento das entidades municipais. Várias são as vantagens de se conseguir essa adesão: há repartição de responsabilidades entre as instituições, os problemas são resolvidos dentro do município, a democratização e o acesso às informações são maiores, há maiores possibilidades de envolvimento da sociedade e da comunidade.

O programa "Luz da Terra" previa que esse envolvimento se desse com a formação de uma Comissão Municipal de Apoio ao Programa. A formação dessa comissão deveria ser fruto da ação política do governo do estado, através de equipes de campo coordenadas pela Comissão Estadual de Eletrificação Rural (CERESP).

A Universidade de São Paulo, em agosto de 1995, propôs a criação da figura do Zé da Luz. Esta figura seria um agente em cada cidade, ou cada região, para coordenar principalmente as ações de: 1) Divulgação, 2) Identificação de possíveis interessados, 3) Indução, 4) Preenchimento de ficha cadastral, 5) Fomento do mutirão, 6) Fomento do uso da energia.

No entanto, as equipes de campo não foram formadas e a idéia da Universidade não foi discutida de maneira mais profunda nem implantada totalmente nos municípios. Isso gerou um vácuo no programa.

Diante dessa situação, surgiu uma nova filosofia de trabalho, através da ampliação do conceito da Comissão Municipal com a adoção dos chamados Serviços Municipais de Eletrificação Rural (SMER), calcada na experiência de consultores do Rio Grande do Sul (ROSA; MELLO, 1997).

O SMER é um órgão executivo, formado por funcionários da Prefeitura Municipal, Casa da Agricultura, Sindicato Rural e membros da sociedade local. Necessariamente é implantado sob a iniciativa do setor público, porém podendo contar com a participação da iniciativa privada.

A tarefa básica do SMER é promover a articulação de todos os atores envolvidos no processo de eletrificação rural do município, sob a sua liderança. Outras tarefas podem ser agregadas, dependendo da iniciativa do município e do seu envolvimento com o programa. A responsabilidade mínima é divulgar o programa, cadastrar todos os interessados, assessorar e acompanhar a comunidade na formalização dos processos de crédito e técnico. Tarefas como coordenação de compra de materiais, organização de mutirões e ações de extensão também podem ser atribuições do SMER. O seu tamanho dependerá do número e tipo de etapas em que ele queira se envolver, de acordo com as características de cada município.

Descrito desse modo, o SMER pouco difere da proposta da Comissão de Apoio, mas há alterações importantes, principalmente quanto à:

• filosofia: o SMER pressupõe uma inversão na prática observada. Todas as ações partiriam do município, que coordenaria o processo desde o início e acionaria as instituições envolvidas para a realização das tarefas que lhe cabem. Não mais seria a concessionária que ditaria o ritmo de implantação do programa;

• ação política: quem implanta o SMER? Quem aciona as entidades municipais? Necessariamente tem que ser o governo estadual, através da CERESP, que não pode delegar essa tarefa às concessionárias. A constituição de uma equipe independente com a responsabilidade de visitar os municípios, apresentar a política e implantar o programa é fundamental para que a proposta do SMER dê certo. O contato é feito diretamente com o poder municipal, que pode depois ser cobrado pelas responsabilidades eventualmente assumidas e não realizadas;

• execução: a implantação do SMER tem que ser feita de modo planejado e sistemático, por etapas. O processo envolve a apresentação do programa ao prefeito, buscando sua adesão e compromisso político. Em seguida, é necessária uma reunião com os agentes designados por ele, para um treinamento sobre os diversos aspectos do programa (técnicos, orçamentários, creditícios e filosóficos), pois há uma série de procedimentos que precisam ser realizados. Em seguida, é necessário um acompanhamento, no mínimo mensal, visando dirimir dúvidas, cobrar responsabilidades, resolver problemas locais e eventualmente capacitar o SMER para ações de administração de compra de materiais, de orientação de mutirões e de extensão rural. Para isso, a equipe de implantação do SMER deve ter autonomia para exercer sua função de implantar a política estadual traçada, a despeito da resistência das instituições.

A Figura 1 apresenta um esquema das etapas do SMER.

 

 

A etapa de articulação local vai depender muito das características de cada município e do público a ser atendido. O importante é que se explore ao máximo as possibilidades de participação, criando-se o SMER. Onde porventura a prefeitura não quiser assumir a coordenação, pode-se buscar em outros órgãos, ou até mesmo na oposição, o apoio necessário. O andamento do programa tem mostrado que experiências positivas impulsionam os municípios vizinhos. No litoral sul do estado, o exemplo do município de Mongaguá animou os vizinhos Itanhaém e Peruíbe a se empenhar no programa.

O SMER constituído deve propor uma ação conjunta dos órgãos envolvidos na propaganda e na divulgação do programa. O objetivo maior é identificar realmente todas as propriedades que não possuam energia elétrica. Se a articulação local não for bem feita, há risco de não se conseguir cadastrar todas as pessoas. Os dados iniciais que porventura estiverem disponíveis podem ajudar como estimativa, mas não podem ser vistos como definitivos. A identificação das propriedades rurais sem energia elétrica é uma ação de campo. É bom fazer uma divisão por áreas ou bairros para uma maior exatidão.

O processo de adesão inicia-se com a realização de uma reunião do SMER com a comunidade. Já nas explicações deve ficar patente que o andamento e a agilidade do processo de eletrificação vão depender, sobretudo, das ações da comunidade, assessorada pelo SMER.

O resultado final do processo de adesão da comunidade é a elaboração de um projeto de crédito, onde estará completamente definida a situação de cada beneficiário, a partir das informações do plano de crédito simplificado e da pesquisa cadastral junto aos serviços de proteção ao crédito: se ele vai pagar a rede com recursos próprios ou se ele vai pleitear o financiamento. A atuação do SMER nessa fase é importantíssima, coordenando o processo, assessorando a comunidade e cobrando responsabilidades.

A equipe de implantação do programa atuaria em dois pontos: treinando o SMER para que realizasse as tarefas de cadastro e suprindo eventuais deficiências de organização dos municípios.

Durante o processo de adesão da comunidade, definidos os beneficiários, tem início a confecção do projeto elétrico das ligações a serem realizadas. Após ele estar pronto, as comunidades devem proceder à obtenção de orçamentos para a construção daquele projeto. Esta é uma etapa onde foi identificado um grande gargalo no programa. As comunidades têm dificuldades na tarefa de contatar e negociar com as empreiteiras, ficando completamente dependentes do que elas apresentam. O Serviço Municipal de Eletrificação Rural pode assumir essa tarefa, recebendo os projetos diretamente da concessionária e contatando as empreiteiras, dando um prazo para a resposta. Na data marcada, com a presença da comunidade, escolhe-se a empreiteira e faz-se a negociação quanto aos valores apresentados.

Um item importante para redução dos custos é a compra direta dos fabricantes e distribuidores dos materiais mais significativos como postes, transformadores, pára-raios, condutores, isoladores e chaves-fusíveis. A compra deve ser feita em nome da comunidade. A equipe de implantação pode treinar o SMER nessa tarefa, e a coordenação do programa pode montar um serviço centralizado de pesquisa de preços junto a fabricantes de equipamentos e materiais elétricos. Essas informações são repassadas constantemente às comunidades e Serviços Municipais, num processo dinâmico e de fácil acesso, de modo a incentivar a concorrência.

Após ter o projeto de crédito e o projeto técnico prontos, o SMER envia o processo à concessionária, que o remete para a aprovação. Quando os contratos de financiamento são emitidos e precisam ser assinados pelos beneficiários, o SMER pode ajudar na comunicação e sua localização, facilitando o trabalho do banco. Após a liberação do financiamento, tem início a construção das redes.

Uma das alternativas mais interessantes para a diminuição de custos nas instalações de eletrificação rural é a utilização do trabalho comunitário em regime de mutirão nas tarefas onde não se exige trabalho técnico especializado, como fornecimento de alimentação e alojamento, limpeza da faixa de passagem da linha de distribuição, transporte dos materiais, instalação do poste de madeira (abertura de buracos, levantamento e socagem) e instalação dos condutores (transporte, içamento e tracionamento).

O efetivo sucesso de um programa de utilização de mão-de-obra voluntária só se dá com a participação da comunidade em todos os níveis de decisão, tanto no planejamento e projeto das linhas (pelo conhecimento geográfico da região), como na organização de grupos de trabalho para a sua construção, devidamente orientados por técnicos eletricistas e sob a responsabilidade de um engenheiro. Sem isso, a falta de lideranças pode comprometer os cuidados com a segurança e organização do trabalho. O SMER pode ter uma atuação importante no processo. Ele pode mostrar à comunidade que é viável realizar o mutirão e organizá-la para isso. Assim, seriam contratados apenas os serviços que exigem mão-de-obra especializada, como tracionamento, regulagem, transferência e amarração dos condutores, montagem de estruturas, instalação de postos de transformação e medição e a conexão à rede existente. Esses serviços podem ser contratados de empreiteiras ou serem fornecidos pelos próprios Serviços Municipais, se houver uma demanda de ligações considerável. Estes contratariam pessoal ou utilizariam os recursos humanos (engenheiros e eletricistas) porventura existentes na Prefeitura Municipal. A equipe de implantação do programa treinaria e capacitaria os Serviços Municipais para a realização dessas tarefas.

O processo de eletrificação rural não termina com a construção e ligação das redes. Há uma dívida a ser cobrada que não tem um valor desprezível para o pequeno proprietário rural. O trabalho de apoio ao produtor e a orientação quanto ao uso da energia elétrica para o aumento da produção podem propiciar um desenvolvimento econômico da propriedade eletrificada. Essa é uma tarefa que depende grandemente do extensionista, que pode aproveitar o processo de eletrificação e de organização da comunidade para introduzir novas técnicas de plantio, criação e pesca. Se a comunidade tiver efetiva participação, a elevação de sua auto-estima pode até facilitar a organização de cooperativas de produtores, se houver condições como financiamento e assistência técnica. Podem ser elaborados planos de curto e médio prazo para essas ações, a partir da chegada da eletricidade. A energia elétrica pode servir como vetor de desenvolvimento econômico, e o modelo proposto favorece e dá as condições para isso.

 

ANÁLISE DE CASO

Uma das cidades pioneiras na implantação do Serviço Municipal (SMER) foi Araçoiaba da Serra. Trata-se de um município com aproximadamente 18.000 (dezoito mil) habitantes situado a cerca de 140 (cento e quarenta) quilômetros da cidade de São Paulo. O atendimento de energia elétrica ao município é de responsabilidade da Empresa Bandeirante de Energia (EBE), empresa originada da privatização da Eletropaulo. Segundo a CESP (1997), o consumo de energia elétrica total no município é de 30.000.000 kWh.

A área rural do município é bastante diversificada, possuindo propriedades produtivas, chácaras de lazer e propriedades em que estão sendo instalados novos tipos de negócios, como pesque-pague e restaurantes. Segundo a CESP (1997), o consumo de energia elétrica na zona rural do município é de 5.459.000 kWh, cerca de um sexto do total do município.

A Prefeitura Municipal e a Casa da Agricultura local estimam em cerca de 1.000 o número de propriedades ainda sem energia elétrica na zona rural de Araçoiaba, um valor bastante significativo perante as dimensões do município.

Atendendo convite da Prefeitura, os técnicos iniciaram, em meados de 1998, a implantação do SMER no município, que passou a funcionar nas instalações da Casa da Agricultura. O processo de criação foi similar ao realizado em outros municípios: uma reunião de treinamento envolvendo todas as pessoas designadas para o trabalho. Nesta reunião foram explicadas as linhas gerais do programa, as condições de financiamento, o prazo de amortização da dívida, a forma de cobrança, as diferentes formas de contratação e execução das obras e o papel que cada ator deveria desempenhar. Foi acertado um calendário de reuniões de acompanhamento do processo no município, nas quais estariam presentes os responsáveis locais pelo programa, funcionários do banco e da Empresa Bandeirante de Energia e técnicos e pesquisadores da Secretaria de Energia e da Universidade de São Paulo.

As reuniões de acompanhamento, desde então, vem sendo realizadas mensalmente. É interessante notar que, no início, houve uma grande dificuldade nos trabalhos gerando desânimo dos participantes locais. Essa dificuldade foi fruto da falta de prática na aplicação da metodologia proposta e dos obstáculos inerentes aos trabalhos na zona rural. Com o passar dos meses, notou-se um aprimoramento nos trabalhos, ao ponto dos próprios funcionários envolvidos apresentarem alternativas à metodologia que trouxeram maior versatilidade e rapidez para o processo. Atualmente o município já realizou cerca de 350 ligações dentro desta filosofia. No entanto, ainda existem dificuldades que impedem uma velocidade maior do processo. Duas das principais, são:

• Reestruturação da Empresa Bandeirante de Energia, que leva à falta de pessoal e a uma maior lentidão na elaboração e análise dos projetos elétricos.

• Incertezas causadas pelas mudanças na economia do país, que conduziram, por um lado, a um aumento dos custos dos projetos e, por outro lado, um maior receio das pessoas assumirem novas dívidas.

Os custos alcançados estão na média de R$ 1.500,00 por consumidor, valores bastante reduzidos quando comparados aos anteriormente praticados pela Eletropaulo, na faixa de R$ 5.000,00.

 

CONCLUSÕES

A metodologia do SMER vem sendo implementada por todo o interior do estado de São Paulo. Atualmente mais de 100 municípios, atendidos por diferentes concessionárias, já contam com essa estrutura e outros estão solicitando a presença da equipe de campo para iniciar o trabalho.

Como conseqüência, os processos estão fluindo com maior agilidade, embora ainda existam dificuldades. Exemplo é o caso relatado de Araçoiaba da Serra, com cerca de 350 ligações efetuadas. Os custos também estão sendo mantidos, em sua maioria, dentro de valores aceitáveis, mas ainda existe um grande potencial para redução através da compra direta de materiais e emprego do mutirão.

Mas a principal conclusão é sobre a importância da vontade política. Nos municípios onde o prefeito aderiu à nova filosofia com maior empenho os trabalhos se desenvolvem de maneira muito mais fácil. Em outros, onde não há tanto incentivo, as dificuldades são maiores, embora o processo não seja inviabilizado.

Os trabalhos de implementação e acompanhamento do SMER continuam sendo desenvolvidos por técnicos da Secretarias de Energia e da Agricultura e por pesquisadores da Universidade de São Paulo. E, através da experiência colhida nos diferentes municípios, a metodologia vem sendo constantemente aperfeiçoada, gerando maior rapidez e menor custo para os interessados.

 

REFERENCIAS

[1]SAMANTA, B.B.; SUNDARAM, A.K. Socioeconomic impact of rural electrification in India. Discussion paper D-730 - Energy in Developing Countries Series, Resources for Future. Washington DC, janeiro de 1983.

[2]FOLEY, G. Alternative institucional approaches to rural electrification. In: Rural electrification guidebook for Asia and Pacific. Edited by G. Saunier, Bangkok, 1992.

[3]ROSSI, L.A. Modelo avançado para planejamento de sistemas energéticos integrados usando recursos renováveis. São Paulo, 1990. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo.

[4]PAZZINI, L.H.A.; PELEGRINI, M.A.; RIBEIRO, F.S.; GALVÃO, L.C.R. Energia e desenvolvimento: modelo participativo de eletrificação rural. In. XVI Conferência Latinoamericana de Electrificacion Rural - XVI CLER. Santiago do Chile, setembro de 1997.

[5]MUNASINGHE, M. Rural electrification for development: policy analysis and applications. Bouder, Colorado, Westview Press, 1987.

[6]RIBEIRO, F.S. A quem interessa um programa de eletrificação de propriedades rurais pobres, pouco produtivas ou mesmo improdutivas? In. XVI Conferência Latinoamericana de Electrificacion Rural - XVI CLER. Santiago do Chile, setembro de 1997.

[7]ROSA, F. L. DE O.; RIBEIRO, F.S; MELLO, R. De S. Programa de eletrificação rural simplificado para pequenas propriedades agrícolas do Rio Grande do Sul/PROLUZ - Brasil. Avaliação dos resultados. In: XIV Conferência Latino Americana de Electrificacion Rural (XIX CLER). Tomo VIII. Punta del Este, Uruguai, outubro de 1993.

[8]ZIMMERMANN, E. A. D.; GOMES, J. F. Experiência e Avaliação do Programa de Eletrificação Rural no Rio Grande do Sul - Proluz I e Perspectiva no Proluz II. Seminário Técnico do Programa "Luz da Terra", março de 1997.

[9]ROSA; F.LO.; MELLO, R.S. Eletrificação rural simplificada. Porto Alegre, 1997. Relatório apresentado à CERESP sobre o Serviço Municipal de Eletrificação Rural.

[10]CESP - COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO. Anuário estatístico de energia elétrica e gás canalizado - consumo por município do Estado de São Paulo. São Paulo, 1997. 213p.

 

 

Endereço para correspondência
Luiz Henrique Alves Pazzini
e-mail: pazzini@pea.usp.br

Paulo Ernesto Strazzi
e-mail: pstrazzi@sp.gov.br