3, v.1O processo de regularização de cooperativas de eletrificação rural no estado de São PauloMedidas de consumo em sistemas fotovoltaicos domiciliares author indexsubject indexsearch form
Home Pagealphabetic event listing  





An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

A eletrificação fotovoltaica e a necessidade de treinamento

 

 

M. Julita G. FerreiraI; Roberto ZillesII; Armando Shalders NetoI

ISecretaria de Estado de Energia, SEE, Rua Bela Cintra, 847, 11o andar, CEP-01410-000, São Paulo, SP, Fax: 11 2586700
IILaboratório de Sistemas Fotovoltaicos, Instituto de Eletrotécnica e Energia, USP, Av. Prof. Luciano Gualberto 1289, CEP 05508-900, São Paulo, SP, Fax: 11 38167828

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Estado de São Paulo vem se envolvendo com a questão das energias renováveis há mais de 20 anos. E a experiência obtida no âmbito da eletrificação rural fotovoltaica revela projetos bem sucedidos, mas também muitos outros que não o são [1,2], o que, além de resultar em um conseqüente desperdício de recursos, leva à confusão e à desmerecida perda de credibilidade na tecnologia fotovoltaica. A lista das causas concretas, que também são comuns a outros setores do desenvolvimento rural, mostra uma carência de treinamento específico que garanta a manutenção e sustentabilidade dos equipamentos instalados.
Considerando as lições do passado o Instituto de Eletrotécnica Energia, IEE, em parceria com a Secretaria de Estado de Energia, SEE, vem oferecendo apoio técnico às atividades de eletrificação rural fotovoltaica que estão sendo executadas no Estado, em particular às ações associados ao PRODEEM. Esta parceria visa difundir a tecnologia fotovoltaica através do treinamento de técnicos das prefeituras beneficiadas pelo programa. Para este fim foi construída uma escola piloto, energizada com sistema fotovoltaico, nas dependências do IEE. Que além de apoiar as ações concretas do PRODEEM, objetiva capacitar equipes de instalação, desenvolver capacitação local e reproduzir a experiência em três escolas técnicas agrícolas.

Palavras-chave: Energização Rural; Sistemas Fotovoltaicos; Energia Solar; Demanda Energética


ABSTRACT

The São Paulo State comes involving with the renewable energy subject for more than 20 years. And the field experience obtained with photovoltaic rural electrification reveals successful projects, but also many other that have failed. The list of the concrete causes, common to other sections of the rural development, shows a lack of specific education and training programmes.
Take into account the lessons from past the IEE jointly with SEE comes offering technical support in particular to the PRODEEM activities of photovoltaic rural electrification that are being executed in the State. This partnership seeks to diffuse the photovoltaic technology through the municipality technicians' training. For this goal a pilot school, electrified with photovoltaic system was built. That besides supporting the concrete actions of PRODEEM, it objectifies to qualify installation teams, to develop local training and to reproduce the experience in three agricultural technical schools.


 

 

INTRODUÇÃO

Atualmente a potência pico instalada no estado de São Paulo é da ordem 300 kWp o que representa aproximadamente 5 % da potência total instalada no país. Apesar dessa pequena quantidade de sistemas implantados, os problemas a serem solucionados para a real difusão da tecnologia são muitos. Para o caso específico do estado de São Paulo, a ausência de uma rede de assistência técnica e manutenção é um dos problemas mais graves, e como é de conhecimento de todos, nenhuma nova tecnologia se consolida sem uma rede de manutenção que responda aos inevitáveis problemas que os equipamentos apresentam. Também é de amplo conhecimento as dificuldades intrínsecas à implantação de uma rede estadual de assistência técnica para sistemas fotovoltaicos, que além de requerer o domínio da tecnologia, deverá contornar a dificuldade de acesso às localidades atendidas por estes sistemas, distribuídas por todo o estado, em muitos casos em locais de difícil acesso e com poucas possibilidades de reunir um número suficiente de sistemas que estimulem o estabelecimento espontâneo de um serviço de assistência técnica local. A figura 1 apresenta a potência pico instalada através dos principais programas institucionais no estado de São Paulo.

 

 

Outra questão que se apresenta em quase todas as instalações realizadas é a identificação da origem dos possíveis problemas apresentados. Na maioria das vezes, por desconhecimento total da tecnologia, o usuário é incapaz de dizer se o sistema não está funcionando por defeito de equipamento, qual equipamento está apresentando defeito, ou se existe um problema relativo à instalação e interligação dos diversos componentes. Para esse caso, e a exemplo do que se pratica dentro do setor elétrico com as demais fontes geradoras de energia, é necessário implantar-se um procedimento de avaliação periódica das condições de operação do sistema e um planejamento de expansão ou atualização do sistema instalado.

Para completar, identifica-se um sem número de problemas ligados ao desconhecimento da tecnologia por parte dos usuários, até mesmo questões de segurança. Embora na fase de implantação da maioria dos projetos tenha sido incluído em contrato o treinamento dos usuários, atendendo às reiteradas recomendações encontradas na literatura sobre sistemas fotovoltaicos [5,6], em raros casos essa exigência foi cumprida a contento. Uma das razões para essa falha é o despreparo das empresas responsáveis pela instalação dos sistemas, seja no que diz respeito às questões técnicas, seja no que diz respeito à forma pedagógica mais adequada ao público alvo. Nesse caso, é importante ressaltar como exemplo de abordagem para essa questão a boa experiência levada a cabo pela equipe da Light-Rio, em instalações fotovoltaicas destinadas a comunidades moradoras das ilhas de Martins e Jaguanum, na baía de Sepetiba [7].

Com o objetivo de preencher as lacunas existentes à difusão da tecnologia no Estado, a SEE, em parceria com Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo - IEE/USP, estabeleceu um plano de ação que consiste em:

- avaliar a situação das instalações fotovoltaicas realizadas no Estado com o objetivo de otimizar as instalações e estabelecer procedimentos adequados de manutenção, operação e gestão,

- treinar usuários e técnicos das prefeituras atendidas pelos projetos de implantação de sistemas fotovoltaicos, para que possam executar pequenos serviços de reparos e de manutenção preventiva,

- implantar centros de trenamento em 3 Escolas Técnicas Agrícolas da rede estadual para executar cursos de capacitação em energização rural fotovoltaica, dirigido aos técnicos agrícolas.

Este trabalho sintetiza as ações que a Secretaria de Estado de Energia de São Paulo está estabelecendo para garantir a qualidade das instalações realizadas e apoiar a implantação de projetos baseados na tecnologia fotovoltaica; em particular, os relacionados com o programa PRODEEM. De fato, a SEE tem como objetivo estabelecer diretrizes para a implantação de uma rede estadual de assistência técnica e de manutenção de sistemas fotovoltaicos, de fundamental importância considerando a meta de instalação de 50 MWp até o ano 2005, proposta na Declaração de Brasília, do Fórum Permanente das Energias Renováveis.

Essas atividades conjuntas expressam a necessidade de consolidação do centro regional de referência de energia solar, que desenvolva ações de divulgação, treinamento, assistência técnica, uniformização de procedimentos de manutenção e difusão do uso da energia solar, sem as quais será inevitável o sucateamento dos equipamentos instalados em campo.

 

CONTEXTO

As diversas iniciativas de implantação de projetos voltados à eletrificação rural com energia solar fotovoltaica dos últimos anos, quase como regra, se limitaram ao âmbito de projetos de demonstração promovidos pela Cooperação Internacional e pelo Governo Federal [8]. Hoje, muitas dessas aplicações já se incorporaram à economia de mercado, fato refletido no surgimento e composição de pequenas empresas dedicadas a comercialização, dimensionamento e instalação de sistemas.

No entanto, na maioria dos casos, esses projetos não se preocuparam com a questão da formação de pessoal especializado e em criar uma rede de assistência técnica e manutenção para a tecnologia fotovoltaica. Essa ausência de educação e treinamento tem conduzido a muitos insucessos que afetam a difusão e levam ao descrédito sobre a eficácia da tecnologia fotovoltaica, causando graves obstáculos à formação do mercado consumidor.

Esse modelo de implantação de projetos, além de depender inteiramente de recursos externos, advindos da cooperação internacional ou do Estado, apresenta graves lacunas que comprometem sua sustentabilidade, com destaque para as seguintes questões:

- os recursos necessários à implementação de projetos não contemplam as atividades de treinamento, operação e manutenção de equipamentos, itens básicos à sobrevivência de qualquer estrutura de geração de energia, o que pode gerar em um breve espaço de tempo o sucateamento de todo o investimento realizado;

- suporte operacional e técnico aos projetos permaneceu sob responsabilidade do Estado, parte em decorrência do citado no item anterior, com o agravante de não terem sido desenvolvidas estruturas que pudessem se responsabilizar pela sustentabilidade desses projetos, seja internamente (às empresas energéticas ou à própria SEE) ou por incentivo à criação de estruturas autônomas (centros de referência regional);

- com a reestruturação da área energética, a capacidade do Estado responder a essas responsabilidades tende a se reduzir cada vez mais.

A proposta de criação de um centro regional de referência em energia solar insere-se nesse contexto, para atender a essas necessidades e responder a essas lacunas estruturais, agregando a flexibilidade institucional para alavancar recursos de organismos internacionais, ou junto à iniciativa privada, e dessa forma dar continuidade às atividades já iniciadas pelo Estado, e abrir novas frentes no campo da energia solar. O fomento ao desenvolvimento das técnicas de utilização da energia solar deve ser inserido nas ações de política pública da área energética e de desenvolvimento de melhores tecnologias do ponto de vista ambiental.

 

CENTRO DE REFERÊNCIA E CENTROS REGIONAIS

O sucesso de implementação e difusão de uma nova tecnologia para a população rural, em nosso caso particular a tecnologia fotovoltaica, está relacionado invariavelmente com a satisfação de três condições básicas:

- estar disponível comercialmente,

- facilidade de obtenção de peças de reposição,

- existência de pessoal técnico local com capacidade para instalar e dar manutenção aos sistemas baseados na nova tecnologia.

Essas três condições, em geral, podem ser cumpridas sem muitas dificuldades. Entretanto, uma análise de campo dos projetos implantados nos revela a existência de instalações mal feitas e de equipamentos mal dimensionados ou mesmo impróprios, situação que tem colaborado para a difusão de um falso conceito, vigente em algumas regiões, de que os sistemas fotovoltaicos "não funcionam".

São problemas que ocorrem devido a falta de informação e principalmente devido a ausência de procedimentos de controle de qualidade e de treinamento. Tal situação ocorre com qualquer novo produto e tecnologia antes de atingir um volume de mercado que a faça mobilizar comitês técnicos nacionais e organismos de defesa ao consumidor. Acrescenta-se a este problema, a omissão de informação de experiências mal sucedidas, que de modo geral não são discutidas nos encontros técnicos internacionais. Perdendo-se assim a possibilidade de apreender com erros do passado.

Um dos problemas cruciais para a sustentação e continuidade dos projetos que utilizam fontes renováveis de energia, destacadamente os projetos fotovoltaicos, identificado pelos técnicos da área solar durante o encontro do GTES de Recife, outubro/98, é a inexistência de uma rede de assistência técnica próxima aos locais de projetos. As redes de assistência técnica funcionam como divulgadoras das tecnologias implantadas e sustentam os projetos com relação à oferta/substituição de equipamentos e identificação de problemas de implantação, que superam a questão meramente tecnológica No que se refere a implementação técnica de sistemas, detectamos a ausência de treinamento adequado por parte do quadro técnico envolvido, inclusive nas instalações realizadas por empresas do setor elétrico [9]. Nesse sentido consideramos importante oferecer facilidades de treinamento técnico ao pessoal envolvido nessas instalações.

O envolvimento das escolas técnicas agrícolas da rede estadual, como veículo de formação de pessoal em energias renováveis, em especial em tecnologia fotovoltaica, tem a vantagem de agregar duas condições especiais que são: a proximidade entre os técnicos agrícolas e as áreas de maior incidência de projetos fotovoltaicos, e a criação de novas possibilidades de geração de renda para esses técnicos, que poderão passar a trabalhar não apenas como técnicos em manutenção de sistemas, mas como representantes dos fabricantes de equipamentos junto ao público consumidor.

As figuras 2 e 3 ilustram momentos do treinamento técnico dado os usuários no âmbito das atividades conjuntas IEE e SEE.

 

 

 

As figuras 3 e 4 ilustram algumas etapas do treinamento oferecido aos usuários dos sistemas de bombeamento fotovoltaico, PRODEEM/SP, localizados no Pontal do Paranapanema.

 

 

A proposta de Centros Regionais foi concebida para atender a essa demanda, além de proporcionar a formação de técnicos de nível médio, capacitados para a intervenção no meio rural e à difusão de novas iniciativas produtivas com a tecnologia fotovoltaica. Os professores das escolas técnicas agrícolas serão treinados no Centro Regional de Referência em Energia Solar, recebendo ainda a orientação necessária para a montagem dos cursos de treinamento para técnicos agrícolas e demais técnicos de nível médio, com orientação e suporte permanente do Centro de Referência para o desenvolvimento dessa atividade. Cabe ressaltar que essa "atualização pedagógica" fornecida aos rofessores das escolas técnicas agrícolas é altamente motivadora, permitindo a esses profissionais a chance de reciclar seus conhecimentos técnicos. Para materializar todas estas ações o IEE, com apoio da FAPESP e colaboração do PRODEEM/SP, construiu uma casa experimental onde se pode efetuar os primeiros treinamentos, figura 5. Construções similares deverão ser reproduzidas em escolas agrícolas do estado.

 

 

A figura 6 representa a distribuição espacial da rede de centros regionais vinculados ao Centro Regional de Referência em Energia Solar.

 

CONCLUSÃO

A proposta dos centros regionais tem a finalidade de suprir a falta da rede de assistência técnica neste momento, e de ser o seu embrião para a futura e esperada abertura do mercado nacional à tecnologia fotovoltaica. Mas como proposta atrelada à rede de escolas técnicas, tem ainda a vantagem de agregar outro universo de informações aos técnicos de nível médio e de ser uma oportunidade de aperfeiçoamento aos professores dessas unidades.

Do ponto de vista da tecnologia fotovoltaica, a necessidade de treinamento dos usuários e aperfeiçoamento das instalações é um fato indiscutível, e pode ser a solução para o inevitável sucateamento em campo dos equipamentos fotovoltaicos, em sua grande maioria adquiridos pelo Estado.

A coordenação das atividades desses centros regionais, padronização de procedimento de instalação e manutenção e aperfeiçoamento de instalações, bem como o desenvolvimento de atividades de difusão tecnológica, são funções que deverão ser desempenhadas pelo Centro Regional de Referência em Energia Solar, como se propõe neste estudo. Essas atividades extrapolam o escopo local, e devem congregar entre seus participantes todos os atores envolvidos com projetos que exploram a energia solar, sejam eles fotovoltaicos, térmicos ou aplicações arquitetônicas voltadas ao conforto térmico.

Espera-se que a estrutura proposta segundo essa concepção, seja capaz de responder tanto a problemas locais, oriundos do dia-a-dia das comunidades, bem como a questões de planejamento energético regional dessa fonte de energia.

 

REFERÊNCIAS

[1] Daniek A. C., Prado Jr. F. A. A. & Guerra Ferreira M. J.; Sistemas Fotovoltaicos Alguns Usos Viabilizados pela CESP no Vale do Ribeira: Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento; Anais do VI Congresso Brasileiro de Energia e I Seminário Latino Americano de Energia, São Paulo, pp. 1125-1130, 1993.

[2] Sato E. M., Moreira J. G. & Zilles R.; Photovoltaic Systems Installed in Isolated Areas of the State of São Paulo (Brasil): Troubles and Possible Solutions; Proceeding 13th European Photovoltaic Solar Energy Conference Nice – France, pp. 1023-1025, 1995.

[3] Ferreira, M.J.G.; Geração Fotovoltaica: Uma opção emergente; revista Volts, v.1,1, pp 24-29, 1997.

[4] Ferreira, M.J.G. & Campos, U.S.; Instalações fotovoltaicas do PRODEEM – São Paulo e uma proposta de organização regional; VIII Congresso brasileiro de Energia, 1999.

[5] Fitzgerald M.C. & Mrohs M.; Training Accreditation and certification: A critical infrastructure component; Proceeding 14th European Photovoltaic Solar Energy Conference; pp 510-513, 1997.

[6] Mrohs M.; Training and photovoltaic rural electrification; Progress in Photovoltaics. Res. Appl., 6, 307-313, 1998.

[7] Benicá R.; Eletrificação fotovoltaica de residências na ilha de Martins; VII Congresso Brasileiro de Energia, 1996.

[8] Ribeiro C.M., Bezerra P. & Zilles R., Moszkowicz M.; Brazilian strategy on pv dissemination: 1998 update; 2nd. World Conference on Photovoltaic Solar Energy Conversion; Viena, Austria, pp 2869-2874, 1998.

[9] Zilles R. & Morante F.; ECOWATT program's technical evaluation and users' satisfaction; Proceeding 16th European Photovoltaic Solar Energy Conference. Glasgow; maio 2000.

 

 

Endereço para correspondência
M. Julita G. Ferreira
E-mail: julita@usp.br

Roberto Zilles
E-mail: zilles@iee.usp.br

Armando Shalders Neto
E-mail: ashalders@sp.gov.br