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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Medidas de consumo em sistemas fotovoltaicos domiciliares

 

 

Morante F.; Zilles R.

Universidade de São Paulo, Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos, Instituto de Eletrotécnica e Energia, USP, Av. Prof. Luciano Gualberto 1289, CEP 05508-900, São Paulo, SP, Fax: 11 38167828

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo trata sobre os resultados obtidos através do estabelecimento de uma pesquisa de campo com a inclusão de 18 famílias distribuídas em quatro comunidades localizadas no Vale do Ribeira, litoral sul do Estado de São Paulo. O consumo energético destas famílias foi medido ao longo de mais de um ano utilizando uma metodologia de obtenção de dados que incluiu a participação direta dos usuários. A obtenção de dados, realizada manualmente, visava proporcionar um inter-relacionamento entre o sistema, o usuário e o pesquisador com a finalidade de, além dos dados puramente técnicos, obter informações sociais e culturais relacionadas com os usos energéticos. Através dos resultados constatou-se que o comportamento do consumo difere de uma família para outra e que estas diferenças, com maior ou menor grau, obedecem a alguns fatores que exercem influência de maneira ampla. Além disso, as medições de consumo permitiram identificar quatro grupos de consumidores.

Palavras-chave: Energização Rural, Demanda Energética, Sistemas Fotovoltaicos


ABSTRACT

This paper presents the results obtained through the establishment of a field research with the inclusion of 18 families distributed in four communities concentrates at the Lagoonar-Estuarine in Iguape, Cananéia and Ilha Comprida in the southern littoral area in São Paulo. The energy consumption of these families was measured along more than one year using a methodology that include the users' direct participation. The data collecting, accomplished manually, sought to provide an inter-relationship among the system, the user and the researcher with the purpose to obtain social and cultural information related with the energy uses. The results showed that the behavior of the consumption differs between the families and that these differences, with more or less degree, obey some factors that made influence in a wide way. On the other hand, the consumption registrated values allowed to identify four groups of consumers.


 

 

1. INTRODUÇÃO

O estudo da demanda energética nas moradias eletrificadas com sistemas fotovoltaicos, especialmente das comunidades rurais, ainda não foi pesquisado com profundidade. Dada a novidade no uso desta tecnologia, este estudo por si só é muito extenso e com um grau muito alto de dificuldade por envolver desde variáveis de índole técnica e econômica até as de origem social e cultural. Assim sendo, este tipo de pesquisa requer o desenvolvimento de instrumentos de medição com custo acessível, fáceis de transportar e capazes de fornecer a energia demandada com um certo grau de confiabilidade. Além disso, se deve pensar no estabelecimento de metodologias de obtenção de dados apropriadas, assim como no posterior tratamento e análise da informação obtida. Muitas destas comunidades rurais, por razões que guardam relação com suas peculiares características de sobrevivência, estão localizadas em regiões isoladas e de difícil acesso sendo que a maioria das moradias, de acordo com as atividades dos moradores, ocupam o espaço de maneira dispersa e sem seguir os padrões urbanos.

Assim sendo, a partir do mês de novembro de 1998 foi estabelecida uma pesquisa de campo com a finalidade de estudar o comportamento do consumo energético em comunidades rurais nunca antes eletrificadas [1]. Para possibilitar sua execução, foi necessário desenvolver um equipamento capaz de fornecer o consumo diário em unidades de Ampères-horas [2]. Este instrumento de medição foi acoplado aos sistemas fotovoltaicos existentes nas moradias de quatro comunidades rurais pertencentes aos municípios de Ilha Comprida e Cananéia no litoral sul do Estado de São Paulo. Estas comunidades mostram perfis sociais, econômicos e culturais diferentes e, por causa de seu total isolamento, carecem do serviço de eletricidade através da rede elétrica convencional.

A COMUNIDADE DE VARADOURO

Esta comunidade pertence ao município de Cananéia e está localizada na parte continental do complexo estuarino-lagunar de Iguape-Cananéia-Paranagua. Em abril de 1997 o Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do Instituto de Eletrotécnica e energia, LSF-IEE/USP, instalou 8 sistemas fotovoltaicos nessa comunidade, uma escola e 7 moradias. Nesta etapa se contou com a participação dos futuros usuários, seja através do transporte dos materiais, na colocação de postes e suportes, na montagem do sistema ou na construção dos abrigos para baterias. Para implantar a eletrificação, previamente se teve que organizar uma Associação de Moradores. Para efeitos da sustentabilidade do projeto, os moradores aportam mensalmente uma quantidade de R$ 5,00, valor equivalente ao gasto que tinham com a compra de velas e querosene. Este fundo, depositado em uma conta bancária aberta em Cananéia, é utilizado para compra de baterias, lâmpadas e acessórios. Além disso, todos os moradores foram capacitados para realização de tarefas simples de manutenção.

Os medidores de Ah foram instalados nas moradias de 7 famílias desta comunidade e seus sistemas fotovoltaicos estão constituídos por geradores de 35 Wp e baterias de 135 Ah. No caso da família 1, é a única que possui um gerador adicional tendo então 70 Wp de potência instalada. As cargas de cada uma dessas famílias, basicamente, são 2 lâmpadas fluorescentes de 20 W, 1 lâmpada incandescente de 2 W e 1 rádio de 10W.

A COMUNIDADE DE RETIRO

Esta comunidade pertence também ao município de Cananéia e está localizada na parte continental do complexo estuarino-lagunar. De forma parecida a Varadouro, para efeitos de implantação da tecnologia fotovoltaica, o LSF- IEE/USP, em setembro de 1995, instalou um sistema de iluminação na Escola Estadual de 1o Grau do bairro. Na atualidade, a escola conta também com um sistema de bombeamento solar. Posteriormente, a comunidade se organizou através de uma Associação de Moradores e, com o apoio da Cooperação Espanhola, foram instalados 6 sistemas nas moradias dos associados. Cada um dos sistemas estão constituídos por 1 gerador fotovoltaico de 48 Wp e 1 bateria de 135 Ah e, além disso, as cargas utilizadas são 1 lâmpada fluorescente de 20 W e 2 de 15 W, tendo também uma lâmpada incandescente de 2 W e algumas das famílias rádios de 10 W.

Na instalação contou-se também com a participação dos moradores nas diversas etapas da montagem e nas reuniões de capacitação para realizar a manutenção dos sistemas. De forma idêntica ao mecanismo adotado em Varadouro, cada família contribui com uma taxa mensal de R$ 5,00 para manter uma conta bancária para fins de reposição de baterias, lâmpadas e acessórios. Os medidores de Ah foram instalados em duas residências dessa comunidade (famílias 8 e 9).

A COMUNIDADE DE SÍTIO ARTUR

A comunidade de Sítio Artur se encontra localizada no município de Ilha Comprida. Em abril de 1998 a prefeitura desse município decidiu eletrificar esta comunidade com sistemas fotovoltaicos tendo, para isso, solicitado o apoio do LSF- IEE/USP. A prefeitura doou o sistema de geração e as lâmpadas. Os moradores participaram com a compra das baterias e colaboraram na montagem dos sistemas. A responsabilidade pela manutenção e reposição de equipamentos ficou a cargo dos moradores. Eles não constituíram nenhuma associação nem estão organizados para conformar um fundo rotatório, em conseqüência, a responsabilidade pela sustentabilidade ficou por conta de cada um.

Em Sítio Artur existem 5 moradias eletrificadas através de sistemas fotovoltaicos, cada um constituído por 1 gerador de 110 Wp e 1 bateria de 135 Ah. Para fins da nossa pesquisa foram monitoradas 5 famílias (famílias 10, 11, 12, 13 e 14). Os sistemas de iluminação destas moradias estão conformados por 2 lâmpadas fluorescentes de 20 W e 2 de 15 W. Além disso, no caso da família 10 é a única em possuir um inversor DC/AC de 75 W, podendo assim utilizar uma TV P&B de 15 W, 1 receptor parabólico de 15 W, 1 aparelho de som de 15 W e 1 ventilador de 20 W. No caso da família 11, além do sistema de iluminação, também possuem 1 rádio-transmisor de 20 W na transmissão e 8 W na recepção, 1 receptor parabólico de 18 W e uma TV P&B de 15 W.

A COMUNIDADE DE MARUJÁ

Esta comunidade é uma vila turística localizada na ilha do Cardoso que pertence ao município de Cananéia. Nesta comunidade foram monitoradas quatro moradias (famílias 15, 16, 17 e 18). Em 1997 a Ilha do Cardoso foi incluída no programa de eletrificação fotovoltaica da Companhia Energética do Estado de São Paulo-CESP, Programa ECOWATT, por meio da instalação de 75 sistemas [3]. Para fins de nosso estudo, dois medidores de Ah foram instalados em duas residências eletrificadas através desse programa (famílias 17 e 18). Outro medidor foi instalado em uma residência que não se acolheu a este programa. pois algumas optaram pela aquisição direta de seu sistema (família 15). Adicionalmente, em março de 1999 o LSF-IEE/USP instalou um sistema piloto para fins de pesquisa em uma das residências (família 16). Nessa moradia foram colocados três medidores.

A família 15 possui 1 gerador fotovoltaico de 70 Wp, uma bateria de 136 Ah, 1 rádio-transmissor de 20 W de potência na transmissão e 8 W na recepção e um sistema de iluminação constituído por 1 lâmpada fluorescente de 15 W, outra de 10 W e 1 de 9 W. Já a família 16 dispõe de 1 gerador de 96 Wp, 1 banco de baterias de 190 Ah, um sistema de iluminação com 2 lâmpadas fluorescentes de 20 W, 1 de 15 W e 1 de 9 W e, além disso, também dispõe de 2 lâmpadas incandescentes de 2 W. Esta família possui também 1 inversor DC/AC de 150 W, assim pode utilizar outros equipamentos em corrente alternada (ventilador, aparelho de som e TV). No caso das famílias 17 e 18, com instalações do Programa ECOWATT, cada um dos geradores fotovoltaicos são de 140 Wp e o banco de baterias é de 108 Ah. Apesar do programa permitir, na iluminação, somente 2 lâmpadas fluorescentes de 9 W, ambas famílias aumentaram suas cargas com 2 lâmpadas fluorescentes de 9 W e 1 rádio de 10 W, no caso da família 17. A família 18 instalou outra lâmpada fluorescente de 9 W e 1 de 10 W e, além disso, 1 lâmpada incandescente de 2W.

 

2. DINÂMICA SOCIAL E ENERGÉTICA DAS COMUNIDADES PESQUISADAS

As características destas quatro comunidades nos permitem distinguir uma certa mudança tanto do ponto de vista das moradias como da energia. De um lado, a maior parte das moradias da comunidade de Varadouro mantém uma estreita relação de aproveitamento do meio ambiente local, tanto nos materiais como na distribuição dos cômodos. Podemos observar que nesta comunidade o principal material utilizado é a madeira para as paredes e o assoalho. As bases e estruturas são feitas empregando troncos e paus das árvores locais e, na cozinha e nos ranchos, se utiliza palha de palmeiras para o teto. Já os móveis, utensílios e até algumas ferramentas são feitas também de madeira. A distribuição das casas é dispersa e localizada perto das roças e do rio de onde recolhem a água para beber1 e tomam banho. A comunicação entre as casas é feita através de trilhas e pontes feitas com troncos das árvores.

Uma consideração importante é que a dependência desta comunidade com relação aos centros urbanos não é tão grande devido existir a barreira da distância e do transporte até esses centros. Por tal motivo, os moradores tiveram que se adaptar a este ambiente para poderem sobreviver, assim, ainda praticam a caça e a pesca e são também coletores de plantas medicinais e de recursos florestais para sua alimentação. Além disso, plantam arroz, café, feijão, mandioca e bananas que podem ser trocadas por peixes. Todos os moradores criam galinhas das quais aproveitam os ovos e a carne. Na figura 1 pode-se observar as características de uma das moradias desta localidade.

 

 

Com relação aos combustíveis empregados, observamos que todas as famílias dependem da lenha. Os poucos moradores que tentaram mudar para o GLP enfrentaram a barreira do transporte e do custo e tiveram que voltar para as formas de sobrevivência ancestrais. Por outro lado, não obstante a possibilidade de sobreviverem com seus próprios recursos, o qual eles vêm fazendo desde muito tempo, com a implantação da sociedade industrial e de consumo aparecem novas necessidades, muitas delas impostas, sendo que para poderem se integrar ao sistema vigente e obterem desta forma sua cidadania, precisam contar com os meios que lhes permitam ter acesso à educação, à saúde etc. A decisão para que estas comunidades possam ter acesso a estes meios, no entanto, é externa e de caráter político.

A comunidade de Retiro representa um segundo momento na mudança destas comunidades, assim, a construção de suas moradias é um misto entre o modo tradicional caiçara e o modo urbano e, embora empreguem madeira nas paredes e paus das árvores locais nas estruturas, eles utilizam também o cimento e as telhas de barro. Muitos dos seus móveis, ferramentas e utensílios também são comprados na cidade e um dos motivos destas mudanças, contrariamente ao caso de Varadouro, reside na facilidade relativa de acesso até a cidade de Cananéia onde podem comprar estes materiais e objetos, no entanto, o acesso a esta cidade é feito por barco persistindo a dificuldade do transporte (e o peso) desde o desembarcadouro da comunidade até as moradias. Na figura 2 pode-se observar o aspecto de uma das moradias desta comunidade.

 

 

Os centros urbanos têm exercido em Retiro uma grande influência mas não chegou a ser tanta como para erradicar em forma definitiva o modo de vida caiçara, assim, a distribuição das casas também é dispersa e acompanham os lugares de sobrevivência, isto é, próximas às pequenas lavouras, fontes de água, acesso aos manguezais e aos embarcadouros. A comunicação entre estas casas é feita através de trilhas e a dificuldade apresentada pelos córregos é vencida com a ajuda de "pontes" feitas com troncos das árvores, igual ao caso de Varadouro. Com relação à alimentação, apesar de grande parte de seus produtos alimentícios serem comprados em Cananéia, esta é complementada por meio da pesca de subsistência, da caça, criação de galinhas e em alguns casos das lavouras de arroz, mandioca e bananas. Utilizam também plantas medicinais e recursos florestais da localidade. Já no relativo à energia, observa-se uma transição energética da lenha ao gás. A lenha é utilizada somente como combustível de apoio quando, por diversos motivos, não dispõem de gás.

Esta transição energética tem sido facilitada pela influência urbana na disposição da cozinha e a conseguinte inclusão do fogão a gás. Além das freqüentes viagens e o constante contato com a cidade de Cananéia para vender as ostras que eles colhem no manguezal, estas viagens também são aproveitadas para adquirirem seus elementos de subsistência. Outra observação importante a fazer é a influência da religião na organização destas comunidades tradicionais. Particularmente em Retiro, num primeiro momento, ainda no início da pesquisa, todos eram católicos mas posteriormente uma das famílias estudadas (família 9) passou a integrar uma igreja evangélica de Cananéia, o que levou a uma divisão e desorganização da incipiente associação de moradores. Por outro lado, dado que estas igrejas pregam a entrega do dízimo, a renda da família ficou abalada trazendo conseqüências em sua sobrevivência. A influência destas igrejas também tem sido observada por alguns pesquisadores [5]. Esta se manifesta na mudança cultural das comunidades tradicionais levando inclusive ao desaparecimento das formas de ajuda mútua como são os mutirões.

De outro lado, um dos maiores processos de transformação dos hábitos tradicionais tem acontecido na comunidade de Sítio Artur. Esta comunidade praticamente tem perdido quase todos seus hábitos de origem ancestral, tendo assimilado muito dos padrões de origem urbano, principalmente pela facilidade de acesso e proximidade tanto de Subaúma como de Iguape. Apesar de que nos anos anteriores praticavam a agricultura de subsistência, hoje em dia, para satisfazer suas necessidades alimentícias, dependem em quase tudo dos centros urbanos próximos, precisando para isto de dinheiro corrente que eles obtêm basicamente por meio da pesca. Assim, eles têm uma grande dependência econômica das pessoas de origem urbana, seja dos turistas que praticam a pesca esportiva ou dos comerciantes da região. Na figura 3 podemos observar as características das moradias de Sítio Artur.

 

 

Em Sítio Artur é possível observar uma mudança radical até na forma da construção das moradias. Para isto eles empregam os materiais de origem urbano (tijolos, cimento, telhas, azulejos e outros acabamentos) o mesmo acontecendo com os móveis e utensílios domésticos. Com relação a suas aspirações, alguns dos moradores desejam dispor de tudo o que uma moradia com padrão urbano possui. Também constatamos que a distribuição das casas segue um padrão urbano devido estarem dispostas ao lado de uma "rua", tomando o aspecto de uma vila em formação. Cabe observar que em Sítio Artur até o momento não existe nenhuma associação de moradores para efeitos de manter seus sistemas fotovoltaicos. Por decisão deles, cada morador é responsável de seu sistema.

O caso da comunidade de Marujá é diferente, pois ao longo do tempo muitos dos moradores foram se adaptando às condições impostas pela lei ambiental, conseguindo explorar o lado positivo dessa legislação. Isto se manifesta através do acondicionamento das casas como albergues para os turistas, do uso de barcos como meio de transporte, da organização de festas tentando resgatar suas antigas tradições (ex. festa da tainha) e assim por diante. Este freqüente contato com as pessoas de origem urbana e as oportunidades de aumentar sua renda tem forçado uma mudança em seu modo de vida, assim, as moradias tentam imitar o típico modelo urbano, tanto nos materiais, disposição dos cômodos, acabamentos, móveis e utensílios domésticos como na distribuição das casas que no "centro" da vila seguem o alinhamento de uma espécie de rua em formação. A localização das moradias de Marujá representa um misto entre o concentrado e o disperso. Na figura 4 se pode observar o aspecto de uma das moradias desta comunidade.

 

 

Com relação ao emprego da energia, de um lado, devido a legislação ambiental proibir o uso dos recursos florestais e por outro lado, pela necessidade de manter um padrão típico urbano, quase todos os moradores utilizam o gás como combustível tanto para a cocção como para a refrigeração. Atenção especial merece o fato que, embora muitos dos moradores tenham o desejo de dispor de todos os eletrodomésticos comuns nas moradias urbanas, enfrentam o empecilho da eletrificação fotovoltaica com dimensionamento e instalação equivocada, isto por erros no projeto original e na forma da introdução da tecnologia do programa ECOWATT [6],[7]. A correção destas falhas com certeza conduzirá a que o padrão do uso de eletrodomésticos de muitos dos moradores se iguale ou supere ao caso da comunidade de Sítio Artur.

 

3. RESULTADOS DAS MEDIÇÕES

Para efeitos de análise e de melhor comparação, a seguir serão mostrados e comentados os dados de consumo em kWh/mês obtidos através da pesquisa.

COMUNIDADE DE VARADOURO

Os consumos das famílias desta comunidade flutuaram entre um valor máximo de 2,96 kWh/mês, correspondente à família 1 no mês de abril de 1999, e um valor mínimo de 0,11 kWh/mês consumido pela família 7 no mês de fevereiro de 2000. Podemos ver que esses consumos não são constantes ao longo do tempo, tanto na mesma família como entre todas elas. Além disso, estes consumos são relativamente muito baixos, existindo diversas razões a serem tratadas mais adiante, que poderiam explicar este comportamento.

Por outro lado, o consumo energético das famílias não guarda somente relação com a composição familiar. Assim por exemplo o consumo da família 1, conformada por 9 pessoas, está relacionado principalmente com o uso produtivo da eletricidade (trabalhos de artesanato) e, por tal motivo, teve que aumentar o tamanho de seu gerador fotovoltaico. Já no caso da família 7, embora esteja conformada somente por uma pessoa, seu baixo consumo se deve à freqüente ausência do mesmo por causa de sua atividade econômica (extrativismo de palmito). A família 2, apesar de estar constituída por uma mulher adulta com 4 filhos jovens, seu consumo chega a ser menor que a família 5 conformada por um casal e duas crianças.

Na figura 5 estão indicados os consumos médios das famílias desta comunidade. O gráfico mostra claramente que o consumo energético das famílias é muito diferente, embora todos disponham, com exceção da família 1, do mesmo sistema fotovoltaico.

 

 

COMUNIDADE DE RETIRO

O máximo do consumo energético foi de 3,06 kWh/mês obtido pela família 9 no mês de julho de 1999. O valor mínimo foi de 0,42 kWh/mês alcançado pela mesma família no mês de dezembro de 1999. Novamente comprovamos que o consumo é variável de uma família para outra, apesar de ambas famílias possuírem o mesmo tipo de sistema.

Estes dois casos são muito representativos no sentido de como o comportamento pessoal e da família como um todo, influi no consumo. Por um lado temos a família 8 muito bem constituída e estável, relativamente numerosa e com filhos jovens. De outro lado temos a família 9 também numerosa e, por diversas causas, com sérios problemas na constituição familiar. Ambas famílias dispõem praticamente da mesma renda derivada da mesma atividade econômica (pesca e extrativismo de ostras). Adicionalmente, os chefes das famílias e os filhos jovens, estão capacitados para realizar a manutenção dos sistemas.

Em todos os anos da duração do projeto fotovoltaico, o sistema da família 8 nunca falhou, embora tenham trocado uma bateria por causa da sua morte no tempo normal de funcionamento. Esta família participa ativamente da Associação de Moradores e paga pontualmente suas obrigações econômicas para manter o fundo que assegura a compra das mesmas. No caso da família 9 seu sistema teve freqüentes problemas, o que se manifesta na irregularidade das medições de consumo. Sua participação na Associação também é muito irregular, assim, não podem sustentar seu sistema fotovoltaico. Estas constatações nos induzem a verificar a grande relação existente entre o consumo energético e os hábitos pessoais. A figura 6 mostra comparativamente o consumo médio em kWh/mês das duas famílias.

 

 

COMUNIDADE DE SÍTIO ARTUR

O maior consumo corresponde à família 10, a qual alcançou 8,38 kWh/mês no mês de março de 1999. O menor consumo foi de 0,13 kWh/mês obtido pela família 14 no mês de junho de 1999. De forma diferente aos casos anteriores, nesta comunidade os consumos são relativamente altos pois algumas moradias (principalmente das famílias 10 e 11) dispõem, além da iluminação, de televisão, ventiladores e sistemas de radiocomunicação. De novo comprovamos que o consumo é muito variável, apesar das famílias disporem do mesmo tipo de sistema fotovoltaico.

Como exemplo ilustrativo do comportamento da demanda energética no meio rural temos as famílias 10 e 11. A disposição de suas moradias e o uso de eletrodomésticos estão relacionados com a influência do contato destas famílias com as áreas eletrificadas convencionalmente. Foi possível observar como estas famílias aspiram a possuir eletrodomésticos que tendem a igualar-se aos encontrados nas zonas urbanas, apesar de suas moradias estarem localizadas em um local isolado e de difícil eletrificação por meio da rede elétrica. Para eles a eletrificação com tecnologia fotovoltaica significou um avanço muito grande em suas aspirações, o que os levou a desenvolver um nível muito alto de inter-relacionamento com seus sistemas fotovoltaicos. Cabe mencionar que nesta comunidade a única família que possui inversor DC/AC é a família 10 o que influiria também em seu consumo, dada a possibilidade de disporem de eletrodomésticos de corrente alternada. A demanda média destas famílias, em kWh/mês, esta indicado na figura 7.

 

 

COMUNIDADE DE MARUJÁ

O maior consumo alcançado nesta comunidade foi de 7,52 kWh/mês obtido pela família 16 no mês de janeiro de 2000. Em contrapartida, o menor consumo correspondeu à família 17 que no mês de junho de 1999 obteve 0,44 kWh/mês. Como foi constatado nas outras comunidades, a demanda energética verificada tem grandes diferenças ao longo do ano e entre as famílias. Para efeitos da nossa pesquisa, nesta comunidade foram contemplados três tipos de sistemas, sendo que as famílias 17 e 18 dispõem do maior gerador fotovoltaico (140 Wp) embora também tenham o menor sistema de acumulação de energia (108 Ah). O uso restringido de seus sistemas fotovoltaicos se reflete em seus consumos, os quais expressam as limitações do mesmo apesar que paulatinamente foram aumentando suas cargas.

No caso da família 16, a única em possuir inversor DC/AC, seu consumo foi crescendo de acordo com a temporada pois as atividades desta família estão relacionadas com a exploração do turismo. Foi constatado que nessa época ela emprega a eletricidade com fins produtivos pois no verão aumenta o número de visitantes à sua moradia e, portanto, utilizam mais à iluminação, o aparelho de som, o ventilador etc. O caso da família 15 é diferente pois, apesar de realizar atividades relacionadas também com o turismo (a casa funciona como albergue), a iluminação não é aproveitada diretamente para melhorar o conforto dos turistas como acontece com a família 16.

 

 

4. GRUPOS DE CONSUMIDORES

Os dados obtidos nos permitem identificar quatro grupos de consumidores os quais estão resumidos na tabela I.

 

 

Cada um desses grupos mostra um perfil de consumo particular, sendo que as famílias que fazem parte desses grupos possuem algumas características especiais que influem no padrão de sua demanda energética. O perfil desses grupos pode ser descrito da seguinte maneira:

GRUPO 1: Estes consumidores têm um relativo alto consumo que varia entre 3,00 e 6,00 kWh/mês e engloba a famílias com renda entre 400 e 950 reais. Alguns dos chefes dessas famílias recebem salários fixos e desempenham atividades que os mantêm em contato com pessoas de origem urbana. Moram em comunidades que têm sofrido grande influência desses centros e estão habituados ao uso de aparelhos elétricos, como ventilador, televisão P&B e rádio-transmissor VHF. Suas aspirações estão dirigidas a obter uma qualidade de vida igual à de qualquer morador de classe média das cidades. Não são numerosas mas estão constituídas em sua maioria por jovens ou de alguma forma são freqüentadas por pessoas também jovens. O grau de escolaridade dos chefes ou dos filhos é relativamente alto e são receptivos às inovações. Além disso, a distribuição de suas moradias tem grande influência urbana embora alguns tenham aproveitado e adaptado os materiais da região. Mostram um bom nível de participação e envolvimento em todos os níveis da implantação dos sistemas.

GRUPO 2: São famílias de médio consumo compreendido entre 2,00 e 3,00 kWh/mês. Seus ingressos econômicos estão dentro da faixa de 225 a 850 reais e dependem de situações externas, como por exemplo o comportamento das vendas da sua produção. Utilizam muito o rádio e alguns empregam a iluminação com fins produtivos. Neste grupo a quantidade e idade das pessoas não influi de maneira definitiva, mas sim os hábitos pessoais e o entorno familiar. Todos sofreram mediana influência urbana, tanto em seu comportamento pessoal como na forma de construir suas moradias. Não estão muito habituados ao uso de aparelhos elétricos e com relação ao uso da energia, suas aspirações não chegam a ser tão grandes como as do primeiro grupo. Por outro lado, alguns de seus integrantes possuem regular escolaridade e são receptivos às inovações. Seu nível de participação e envolvimento é razoável.

GRUPO 3: Estes consumidores têm baixo consumo compreendido na faixa de 1,00 a 2,00 kWh/mês. Sua renda varia entre 136 e 550 reais obtida através de aposentadorias ou atividades dependentes de condições externas. A maioria tem pouca influência do modo de vida das cidades, o que se reflete em seu dia-a-dia e no modo de construir suas moradias que se encontram localizadas em lugares mais isolados e dispersos. Igual aos grupos anteriores, neste grupo, o número e idade das pessoas não exercem muita influência no consumo energético, influi sim os hábitos pessoais. Por outro lado, o grau de escolaridade da maioria é baixo e não são muito receptivos às inovações predominando o comportamento conservador. Seu grau de envolvimento e participação é regular.

GRUPO 4: Este grupo está conformado por consumidores de baixíssimo consumo na faixa de até 1,00 kWh/mês. Estão caracterizados por terem renda mensal entre 136 e 275 reais obtidas por meio de aposentadorias ou trabalhos esporádicos. Neste grupo o número e idade das pessoas exercem forte influência no consumo energético, assim, a maior parte está conformada por famílias de 1 ou 2 pessoas adultas. Seu grau de escolaridade é razoável e aceitam bem as inovações. Sua participação e envolvimento também são razoáveis.

Dadas as características de nossa pesquisa, não poderíamos afirmar e concluir que estes quatro grupos corresponderiam também a quatro tipos de sistemas fotovoltaicos. No entanto, as constatações verificadas nos conduzem a acreditar que por meio da ampliação do universo da pesquisa e do aprofundamento da mesma, se poderiam propor cenários de consumo mais reais possibilitando o dimensionamento dos sistemas fotovoltaicos de maneira mais exata.

 

5. FATORES QUE INFLUEM NA DEMANDA ENERGÉTICA

A observação e análise dos dados de consumo fornecidos por nossa pesquisa, nos habilitam a identificar alguns fatores que exercem certo grau de influência no consumo, tal como mencionado também por outros pesquisadores [8],[9],[10]. De acordo as nossas observações, estas podem ser resumidas da seguinte maneira:

O NÍVEL DE RENDA E SUA INFLUÊNCIA NO CONSUMO

Quase todas as análises de consumo estão baseados em dados resultantes do estudo do comportamento da demanda energética no meio urbano, isto é, em consumidores ligados à rede elétrica. Segundo essas análises, conforme as pessoas disponham de maior renda, elas terão maior capacidade econômica para adquirirem eletrodomésticos e portanto aumentarão seu consumo energético. Com relação ao meio rural isolado, disperso e de baixa renda, pouco se tem feito a este respeito. Neste sentido, apesar da nossa análise ser muito geral precisando de um maior aprofundamento, as constatações verificadas nos levam a acreditar que o comportamento da demanda energética no meio rural deve guardar relação com outras variáveis, além do nível de renda, que influiriam de maneira ampla em seu consumo energético. Por outro lado, é necessário ainda observar que as relações entre o nível de renda e o consumo são muito complexas e, considerando os limites e os resultados da pesquisa, tudo leva a não podermos afirmar e concluir que somente o nível de renda é que determina o consumo energético das famílias rurais.

INFLUÊNCIA DOS CENTROS URBANOS

A pesquisa mostra que as famílias que por diversos motivos têm maior contato com os centros urbanos e culturalmente se encontram influenciados por esses centros, apesar de muitos deles viverem em locais de difícil acesso, isolados e dispersos, tendem a consumir mais (casos das famílias 1, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17 e 18). Estas famílias tendem a desenvolver atividades econômicas que, além de outras possibilidades, lhes permitem ter acesso aos eletrodomésticos usuais nos centros urbanos. Cabe ressaltar que não é necessário que toda a família esteja influenciada pelo modo de viver no meio urbano, basta que só um de seus integrantes tenha essa influência para tentar inovar o modo de vida da família como um todo. Por outro lado, o acesso das comunidades tradicionais aos meios de comunicação modernos, principalmente a televisão, ocasiona a assimilação de padrões culturais da sociedade de consumo em seu dia-a-dia e, aos poucos, vai criando necessidades e impondo modelos de viver alheios a esse meio. Esta influência ficará refletida no consumo energético e no aumento da demanda reprimida dessas famílias.

INFLUÊNCIA DO CLIMA

As variações climáticas exercem grande influência no consumo energético. Alguns dos consumos medidos tem certa tendência a acompanhar a curva de irradiação da região do Vale do Ribeira. Esta tendência guarda relação com a autonomia energética dos sistemas fotovoltaicos (bateria) e o consumo familiar. Assim por exemplo, a família 10 teve seu maior consumo nos meses de fevereiro e março de 1999, época na qual começou a utilizar a televisão, e que justamente corresponderam à época mais ensolarada desse ano. Nesses meses, o controlador de carga lhe indicava que o sistema estava a ponto de cortar o fornecimento de energia. Posteriormente, o chefe da família tomou consciência desse fato e começou a administrar melhor seu sistema e seu consumo caiu ostensivamente. Neste sentido, esta diminuição não se devem a suas intenções de poupar energia, senão às limitações de seu sistema fotovoltaico o qual, neste caso, estaria subdimensionado.

No caso da família 16, a partir do mês de agosto seu consumo acompanha o comportamento da irradiação. Isto porque o morador administra seu sistema de acordo aos níveis de irradiação da localidade. Desse modo, temos aqui dois exemplos muito ilustrativos das relações entre as variações climáticas, o consumo energético, o comportamento da bateria e, de forma geral, com o dimensionamento dos sistemas fotovoltaicos.

VARIÁVEIS ARQUITETÔNICAS

Estas variáveis estão relacionadas principalmente com o tamanho da moradia, sua orientação e os materiais utilizados em sua construção. Estas variáveis, por sua vez, dependem do nível do ingresso econômico dos moradores, do número de pessoas e das atividades que realizam. Obviamente, as moradias com maior quantidade de compartimentos precisam de um número maior de luminárias e portanto tendem a consumir mais (casos das famílias 1, 8, 10, 11, 12, 15, 16 e 18). Também podemos constatar que as moradias mal orientadas ou com pouca iluminação natural, embora não disponham de muitos cômodos e não morem muitas pessoas, tendem a um maior consumo devido a precisarem manter a iluminação acesa especialmente em épocas de clima nublado (caso das famílias 6 e 12).

A ESTRUTURA FAMILIAR

As famílias grandes (caso das famílias 1, 8, 9, 10, 11 e 18) tendem a consumir mais que as famílias pequenas (caso das famílias 4, 7, 13 e 14); não obstante, por si mesma esta variável nem sempre determina um alto consumo, assim, as famílias 2 e 6 apesar de serem relativamente numerosas, têm menor consumo que as famílias 12, 15 e 16 constituídas somente por 2 pessoas mas com maior nível de renda e hábitos muito diferentes. Com relação à idade das pessoas do meio rural pesquisado, verificamos que algumas das famílias com filhos jovens ou em idade escolar (famílias 8, 9, 10, 11 e 18) tendem a consumir mais em comparação com as famílias compostas por adultos ou anciãos (famílias 3, 4, 7, 12, 13, 14 e 17). Os jovens geralmente ouvem muito o rádio e utilizam aparelhos de som, além de alguns empregarem a iluminação para fazer os trabalhos da escola. Assim por exemplo, os jovens das famílias 10 e 11 assistem muito aos programas televisivos, aumentando com isso seu consumo energético.

Por outro lado, a influência do número de pessoas no consumo depende também do tamanho da moradia e da possibilidade de utilizar um ou mais serviços elétricos, por sua vez ambos aspectos estão relacionados com o nível de renda da família. Em termos gerais, a possibilidade de dispor de corrente alternada por meio de inversores DC/AC facilita o emprego de eletrodomésticos e outros aparelhos elétricos usuais no meio urbano. A conseqüência disso, o consumo energético também aumenta (casos das famílias 10 e 16).

ATIVIDADE ECONÔMICA

As famílias onde todos ou alguns de seus integrantes exercem alguma atividade econômica na própria moradia tendem a um maior consumo, como é o caso das famílias 1 e 17, os quais se dedicam a fabricar artesanatos aproveitando a iluminação com fins produtivos. É o caso também da família 15, cuja moradia funciona como albergue turístico, e da família 16 que, ao lado de sua moradia, mantêm um restaurante para turistas e, ocasionalmente, aproveita a energia proporcionada por seu sistema fotovoltaico para iluminá-lo. Dependendo do tipo de atividade econômica realizada, o uso produtivo da eletricidade faz com que as pessoas exijam mais do sistema, pois algumas são obrigadas a utilizar outros serviços elétricos além da iluminação. Portanto, antes de proceder ao dimensionamento dos sistemas fotovoltaicos, se deveria identificar estas famílias e analisar os casos de maneira individual. Desse modo, como conseqüência desta prévia identificação, seus sistemas teriam que estar capacitados para suprir satisfatoriamente suas necessidades energéticas.

GRAU DE ESCOLARIDADE E APTIDÃO TÉCNICA

As famílias onde o chefe da casa ou algum(s) de seus integrantes possuem maior grau de escolaridade, tendem a administrar melhor seu sistema e assimilam com maior facilidade a tecnologia (casos das famílias 10, 11, 15 e 16). Adicionalmente, nesta categoria de consumidores entram também as pessoas que têm ou tiveram algum contato com trabalhos técnicos, seja através do artesanato (famílias 1, 4 e 17) ou que em algum momento exerceram atividades com manipulação de ferramentas (famílias 7) ou aqueles moradores que possuem motores a Diesel ou a gasolina utilizados em seus barcos e, portanto, estão habituados a desmontá-los e a utilizar ferramentas (famílias 8, 9, 10, 11, 13, 16, 17, e 18). Todas essas características se refletirão no consumo energético porque estas pessoas estão em condições mais favoráveis de resolver alguns problemas técnicos e percebem com maior facilidade o momento de, por exemplo, trocar reatores eletrônicos, controlar o nível de água das baterias e verificar seu estado de carga através dos reguladores eletrônicos, ou de posicionar os módulos fotovoltaicos de acordo à estação do ano.

HÁBITOS, CONDUTA E FORMA DE USO DOS EQUIPAMENTOS

Os hábitos das pessoas ou das famílias exercem grande influência no consumo energético. Assim por exemplo, na comunidade de Varadouro observamos que os moradores gostam muito da lâmpada incandescente de 2W de baixíssimo consumo. O nível de iluminação desta lâmpada se iguala ao de uma vela, no entanto, brinda uma atmosfera de segurança às pessoas. Isto porque a comunidade está localizada numa região onde proliferam grandes quantidades de répteis e insetos. Estes hábitos se refletem no baixo consumo da maioria das famílias desta comunidade.

Já no caso da comunidade de Sítio Artur, as famílias 10 e 11 têm o hábito de assistir televisão, é o caso também da família 14. Entretanto, a família 11 tem hábitos mais disciplinados e seu consumo mostrou certa uniformidade ao longo da pesquisa, embora deixem uma lâmpada ligada cada vez que viajam. Nesta comunidade temos outros dois casos muito ilustrativos, assim, a família 12 está conformada por um casal de anciãos e seu consumo está influenciado pela doença da mulher que fica acamada. Nos dias nublados seu quarto fica iluminado permanentemente tendo portanto maior consumo. Em adição a este fato, o marido bebe muito e seu estado não lhe permite desligar as luzes ficando acesas mesmo durante os dias ensolarados. A mesma situação acontece com o único integrante da família 13.

O aprofundamento no estudo da influência dos hábitos pessoais, familiares e comunitários no consumo energético, com certeza levará a tomar maior cuidado nas decisões relacionadas com a implantação dos sistemas fotovoltaicos. De acordo à bagagem cultural que muitas das comunidades tradicionais trazem, sua conduta perante os usos energéticos às vezes resultam em preferências diametralmente opostas, muitas vezes devidas a motivos simbólicos ou sociais [11].

 

6. COMENTÁRIOS FINAIS

Com relação ao dimensionamento dos sistemas fotovoltaicos e sua relação com o consumo energético, os resultados das medições efetuadas mostram que o mesmo tipo de sistema tem diferente desempenho em cada uma das famílias devido, sobretudo, às grandes diferenças no consumo energético. Como foi explicado, as famílias têm diferentes consumos por diversas razões que exercem grande influência no mesmo. Esta constatação nos conduz a afirmar que ao momento de tomar a decisão por determinados sistemas, não seria conveniente generalizar um mesmo sistema para todas as famílias de uma comunidade.

Embora a padronização dos sistemas ofereça grandes vantagens principalmente de índole técnico e econômico, se deveriam considerar os problemas que tanto o sobredimensionamento como o subdimensionamento poderiam causar no desempenho, principalmente, da bateria e do sistema como um todo. Tanto um como o outro finalmente ficarão refletidos nos custos gerados no momento da implantação e os derivados ao longo do tempo, especialmente relacionados com a troca das baterias. É conhecido que nos atuais níveis de desenvolvimento da tecnologia fotovoltaica, o custo inicial representa uma de suas principais barreiras, portanto, o correto dimensionamento visando um alto grau de satisfação por parte do usuário, com certeza levaria à redução desses custos e à difusão eficiente da tecnologia.

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi possível graças ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

REFERÊNCIAS

[1] MORANTE F. Demanda energética em Solar Home Systems; Dissertação de Mestrado, Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, abril de 2000.

[2] MORANTE F. & ZILLES R.; Medidas de consumo energético dos pequenos sistemas fotovoltaicos através de contadores de Ampère-horas; Anais do VIII Congresso Brasileiro de Energia, Rio de Janeiro, 1999, Vol. 3, pp. 1539-1548.

[3] ALMEIDA PRADO F. A. DE & PEREIRA O. S.; Programa ECOWATT: Uma Alternativa Comercial para Energia Solar Fotovoltaica; Anais do III Congresso Brasileiro de Planejamento Energético, São Paulo, 1998, pp. 216-218.

[4] FEDRIZZI M.C. & SERPA P.; Sistemas fotovoltaicos para o abastecimento de água: uma experiência de adoção da tecnologia em comunidades tradicionais;. Anais do VIII Congresso Brasileiro de Energia. Rio de Janeiro 1999, Vol. 3, pp. 1227-1231.

[5] DIEGUES A.C. & NOGARA P.; O nosso lugar virou parque: estudo sócio-ambiental do Saco de Mamanguá-Parati-Rio de Janeiro; NUPAUB - CEMAR. 2da. Edição, São Paulo, 1999, pp.29.

[6] ZILLES R. & MORANTE F.; ECOWATT program's technical evaluation and users' satisfaction; Proceding of 16th European Photovoltaic Solar Energy Conference, Glasgow – UK, maio 2000.

[7] ZILLES R., MORANTE F. & FEDRIZZI M.C.; Avaliação dos sistemas fotovoltaicos instalados nas residências dos moradores da Ilha do Cardoso; Anais do 3o Encontro de Energia no Meio Rural AGRENER 2000. Campinas, setembro 2000.

[8] WODON Q. T.; Micro determinants of consumption, poverty, growth, and inequality in Bangladesh;. World Bank, Policy Research Working Paper Series Number 2076, march, 1999.

[9] RAMOS NIEMBRO G., FISCAL ESCALANTE R., MAQUEDA ZAMORA M., SADA GÁMIS J. & BUITRÓN SÁNCHE H.; Variables que influyen en el consumo de energia eléctrica; Instituto de Investigaciones Eléctricas (IIE), Boletín de enero-febrero 1999, México.

[10] POMPERMAYER M.L. & CHARNET R.; Determinantes da demanda residencial de energia elétrica; Anais do VII Congresso Brasileiro de Energia e II Seminário Latino Americano de Energia, Rio de Janeiro, 1996, pp. 102𤩣.

[11] WILHITE H., NAKAGAMI H., MASUDA T., YAMAGA Y. & HANEDA H.; A cross-cultural analysis of household energy use behaviour in Japan and Norway; Energy Policy. Vol. 24, No. 9, 1996, pp. 795-803.

 

 

Endereço para correspondência
Morante F.
E-mail: fmorante@iee.usp.br

 

 

1 Em setembro de 1998 através de um projeto financiado pela Cooperação Espanhola através do Ayuntamiento de Logroño e ERA-AEDENAT (Associação Española de Defensa de la Naturaleza) com contrapartidas do IEE/USP e do CEPAM (Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal), foram instaladas duas lavandarias que utilizam bombeamento solar. Atualmente os moradores lavam suas roupas e se abastecem da água obtida por estes meios [4].