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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Torrefação de Biomassa: Características, Aplicações e Perspectivas

 

 

Félix E. Fonseca FelfliI; Carlos A. LuengoI; Pedro Beaton SolerII

IGrupo Combustíveis Alternativos (GCA), Instituto de Física/DFA. CxP 6165 CEP 13083-970, Universidade Estadual de Campinas, Campinas SP, Brasil
IICentro de Estudios de Eficiencia Energética, Facultad de Ingenieria Mécanica. Av. de Las Américas y Casero, S/N. CP 90900 Universidad de Oriente, Santiago de Cuba, Cuba

 

 


RESUMO

Neste artigo é realizada uma análise das potencialidades da biomassa torrada como combustível alternativo ao carvão vegetal. São analisadas as características do processo de torrefação e da biomassa torrada, assim como também são expostas considerações em torno das aplicações mais freqüentes na indústria e no mercado doméstico.

Palavras-chave: Torrefação, Biomassa, Pirólise, Carbonização, Briquetes.


ABSTRACT

In this article was carried out an analysis of the torrefied biomass's potentialities as alternative fuel to charcoal. The torrefaction method and torrfied biomass characteristics are analyzed, as well as the energy applications and the most frequent uses on industries and domestic market.


 

 

INTRODUÇÃO

A biomassa pode ser um recurso alternativo aos combustíveis fósseis, porém, o fato da biomassa ser um combustível sólido e em muitos casos polidisperso e de baixa densidade dificulta o uso eficiente. Requerendo-se tratamentos prévios, assim como equipamentos apropriados para a conversão energética final. A procura de tecnologias e métodos de conversão que tornem a biomassa um competitivo combustível sólido, líquido ou gasoso, é essencial para poder introduzi-la de forma competitiva nos mercados energéticos. Dentre os métodos mais conhecidos de conversão encontra-se a carbonização, porém é praticada em fornos de alvenaria e em muito casos de forma ineficiente. Como alternativa a este procedimento tem sido propostos vários métodos, entre os que se destacam as retortas de carbonização contínua e a pirólise a altas pressões, todos com objetivo de melhorar o rendimento e a produtividade do processo. Por exemplo, enquanto na carbonização tradicional os rendimentos estão em torno de 25 %, com a pirólise a altas pressões é possível atingir até 40%[1]. Contudo, a introdução deste tipo de tecnologia não tem sido generalizada ou adotada pela maioria dos produtores de carvão, pois impera o fator econômico. Neste contexto, é conveniente pensar em tecnologias de baixos custos que possam competir em termo econômico e técnicos com os métodos tradicionais de carbonização. A torrefação pode ser uma alternativa para este fim.

 

TORREFAÇÃO DE BIOMASSA

O processo: A torrefação pode ser definida como um processo de pré-carbonização, o qual se desenvolve justamente na fase endotérmica da pirólise, entre 250 e 300 0C. Nestas condições é degradada a hemicellulose, sendo removida a umidade, o ácido acético, frações de fenol e outros compostos de baixo poder calorífico. Deste processo, resulta um material intermediário entre a biomassa e o carvão, com altos rendimentos energéticos. O objetivo fundamental da torrefação é concentrar a energia da biomassa em um produto formado em curto tempo, baixas taxas de aquecimento e temperaturas moderadas, permitindo reter os voláteis de maior poder calorífico no próprio produto [2].

Características da biomassa torrada: As propriedades físicas e químicas da biomassa variam com o incremento da temperatura, por exemplo, ao aumentar a temperatura do processo a biomassa se torna mais friável e menos higroscópica [3].

Para cada combinação de temperatura e tempo de processamento, pode-se obter produtos de diferentes propriedades que podem ser reproduzidos com alta precisão. A densidade energética e os teores de carbono fixo aumentam quando são incrementados os parâmetros de temperatura e tempo. O rendimento decresce com o aumento da temperatura e o poder calorífico aumenta .

Resultados da torrefação de várias espécies de madeira mostraram que o poder calorífico da madeira torrada depende do teor final de voláteis e cinzas, variando entre 23 e 24 MJ/kg. Nesses experimentos foram atingidos altos rendimentos de conversão os quais variaram entre 74 e 77% com teores baixos de umidade e carbono fixo em torno de 28 a 31% [3]. Em outros testes, foi demostrado que para a madeira processada a 280 0C o poder calorífico teve um comportamento assintótico com relação ao tempo, portanto prolongar o tempo de residência indiscriminadamente com objetivo de melhorar as características do produto final não oferece resultados favoráveis. Para obter resultados aceitáveis a 280 0C basta processar a madeira em torno de duas horas [4].

A torrefação também pode ser aplicada a briquetes de resíduos de madeira ou agroindustriais como casca de arroz, café, bagaço e outros. Experimentos de torrefação realizados com briquetes de resíduos de madeira, no Grupo Combustíveis Alternativos (GCA), demostraram a fatibilidade de este procedimento para melhorar as características dos briquetes de biomassa [5]. Os briquetes torrados foram analisados em termos de poder calorífico, análise imediata e elementar. Nas tabelas 1 e 2 são resumidos alguns resultados dos testes antes mencionados.

 

 

 

Analisando os resultados dos testes pode-se concluir que o teor de voláteis e carbono fixo dependem do tempo e da temperatura de torrefação. A temperatura apresentou maior influência no processo que o tempo de residência. A temperaturas superiores a 250 0C observou-se que o poder calorífico apresentou um comportamento assintótico, porque a emissão de voláteis é mais intensa na faixa de 250 a 300 0C provocando que o voláteis de maior poder calorífico deixem o sólido. O rendimento do processo variou na faixa de 45 a 95 %, decrescendo com o aumento da temperatura e o tempo de residência.

Como pode observar-se na tabela 2, durante a torrefação, os briquetes sofreram mudanças na composição química. O teor de carbono elementar incrementou-se em função da diminuição dos teores de oxigênio e hidrogênio, provocando diminuição da relação H/C e O/C. O que indica que os briquetes se tornaram menos aromáticos e menos oxigenados, fato importante que melhora e eficiência durante a combustão da biomassa. Também foram realizados testes para comprovar a resistência à umidade dos briquetes torrados, podendo-se observar que os briquetes torrados permaneceram inalterados quando foram imersos em água durante uma hora, porém os briquetes sem tratamento se desintegraram em apenas 10 minutos. Isto demonstra o caráter hidrófobo da biomassa torrada. Resultados similares foram obtidos por outros pesquisadores [6].

Entre outras características dos briquetes torrados pode-se mencionar a baixa umidade de equilíbrio (de 2% a 6%) e pouca diminuição da resistência mecânica [5]. Fatores importantes na conservação dos briquetes durante a armazenagem.

Em geral para todos os tipos de biomassa, mas em especial para os resíduos, a torrefação confere características muito padronizadas além da alta densidade energética. Esse fato indica que a torrefação pode ser um veículo para viabilizar o uso principalmente dos resíduos de biomassa. Pois, o manuseio, armazenagem, e transporte são o grande obstáculo para a viabilidade destes materiais.

Se comparada a torrefação à carbonização em termos de rendimento energético, a torrefação possui vantagens, pois a biomassa torrada possui em torno de 80% da energia inicial enquanto que o carvão possui apenas 50%.

 

TECNOLOGIAS DE TORREFAÇÃO

O processo de torrefação é realizado a pressão atmosférica, portanto os equipamentos empregados geralmente não são muito complexos. As tecnologias para a torrefação podem ser classificadas segundo o método de transferência de calor (direto ou indireto) e o tipo de processo (continuo ou em bateladas). Assim, na França foram desenvolvidos três plantas. A maior de elas é um processo continuo de produção de madeira torrada em nível industrial que está situada em LAVAL DE CERE. Esta planta foi desenvolvida pela companhia electrometalúrgica PECHINEY, e a torrefação é realizada num forno rotatório com uma produção anual de 12 000 t. A transferência de calor se efetua através do contato das paredes quentes do forno com a biomassa que é alimentada. As paredes do forno são aquecidas pelos gases de combustão produzidos em uma caldeira. Para obter bons resultados nesta unidade a madeira deve ser primeiramente secada e picada em pedaços de 10 mm antes de entrar no forno de torrefação [7].

As outras duas plantas desenvolvidas na frança são em processamento por bateladas. A primeira planta Foi desenvolvida por FAGES HABERMANN e opera em pequena escala com uma produção de 500 t de madeira por ano. O reator consiste num cilindro dentro do qual é colocada a biomassa num cesto, forçando a passagem dos gases quentes através desta. A secagem e a torrefação ocorrem no mesmo forno. A segunda unidade por bateladas foi desenvolvida por PILLAR, produzindo 2000 toneladas por ano. A unidade consiste num forno dentro do qual o material é transportado através de duas câmaras nas quais ocorre a secagem e a torrefação respectivamente [7].

Outro método para produzir biomassa torrada foi proposto e testado em escala de bancada no GCA [8]. A unidade consiste em duas câmaras separadas, na primeira é queimada uma parte da biomassa e os gases da combustão trocam calor com a biomassa na segunda câmara produzindo-se a secagem e torrefação desta. Os vapores produto da torrefação são reciclados e queimados na câmara de combustão. Esta unidade de bancada foi avaliada e os resultados mostraram que por esse método o processo pode atingir até 78 % de eficiência energética. No momento, no GCA, desenvolve-se uma unidade de maior porte com uma capacidade aproximada de 100 kg por dia. A futura instalação se baseará no intercâmbio direto de calor entre os gases e a biomassa e será construída de alvenaria para diminuir custos da instalação. Esta unidade será destinada principalmente à produção de madeira torrada a média escala para atender os mercados domésticos e industriais de baixa demanda.

Recentemente pesquisadores dos Estados Unidos e do Reino Unido da TRANSNATIONAL TECHNOLOGY propuseram uma nova tecnologia para a produção de biomassa torrada, este método é chamado de "airless drying" o qual dispensa o calor perdido no ar nos secadores convencionais pois utiliza como meio de aquecimento vapor superaquecido [9]. O vapor superaquecido a pressão atmosférica é recirculado entre um aquecedor e a biomassa até que esta é secada e logo convertida em biomassa torrada. Por dentro do aquecedor circulam gases quentes da combustão os quais proporcionam o calor necessário para o processo. O vapor gerado pela própria umidade da biomassa é extraído do forno e o conteúdo energético deste é recuperado. A TRANSNATIONAL TECHNOLOGY considera que com esta tecnologia possa gerar 1kJ de madeira torrada a partir de 1,08 kJ de madeira, utilizando 1,08 kJ de energia com uma eficiência global de 86% [9].

 

APLICAÇÕES DA TORREFAÇÃO

Como já foi apontado anteriormente, o processo de torrefação permite uma alta gama de produtos com grande padronização, justamente o que permite que a partir do mesmo processo possa-se fabricar combustíveis para diferentes propósitos. Este fato é evidentemente corroborado pelas inúmera aplicações práticas que serão descritas sucintamente a seguir.

Combustível industrial e doméstico: Pelas características da biomassa torrada esta apresenta-se como um ótimo combustível, tanto em nível industrial como doméstico. O fato de possuir baixas emissões de fumaças durante a combustão, além de poder ser estocada por longos períodos, facilita o uso em churrasqueiras e fornos a lenha. Em nível industrial a biomassa torrada, pode ser utilizada em grande escala para a produção de eletricidade na queima em caldeiras para a produção de vapor. Também outra alternativa é o uso na co-combustão com carvão mineral, o que proporcionaria benefícios ambientais pela redução de emissões de dioxido de enxofre.

Redução: O alto teor de carbono fixo da madeira torrada apresenta potencialidade para ser aplicada como redutor na indústria eletrometalúrgica. Ensaios realizados num forno para a produção de silício, processo que requer de redutores de alta resistência mecânica, indicaram que a madeira torrada comportou-se mais eficiente que a tradicionalmente usada mistura de carvão e madeira [7].

Gaseificação: Devido ao alto grau de padronização da madeira torrada, o uso desta nos gaseificadores facilita a regulação e otimização destes. Apesar da madeira torrada possuir menor valor energético específico que o carvão , seu uso é mais conveniente pois a madeira torrada é menos friável o que evita a formação de pó e portanto o gás obtido é mais limpo. Apesar que os níveis de ácido acético nos gases são similares aos obtidos com madeira sem tratar.

Retificação: O processo de torrefação é um meio para a retificação ou melhoramento das características energéticas dos briquetes de resíduos agrícolas e vegetais, pois não somente melhora significativamente a densidade energética destes, assim como também confere características hidrófobas sem perder a resistência mecânica. Os briquetes torrados (ou retificados) podem ser aplicadas nos processos acima descritos. Entre tanto a madeira torrada também pode ser usada como excelente material de construção, pois esta combina três qualidades difíceis de encontrar em madeiras comuns: hidrofobia, resistência mecânica e resistência às pragas [10].

 

PERSPECTIVAS

Analisando as características do processo de torrefação, as propriedades e aplicações da biomassa torrada, pode concluir-se que a torrefação apresenta boas perspectivas como processo alternativo à carbonização. A modo de ilustração pode mencionar-se a planta industrial de LAVAL DE CERE, construída pela PECHINEY ELECTROMETALLURGIE com suporte financeiro da Comunidade Econômica Européia, a qual está em operação desde 1987 e fornece em torno de 12 000 t/ano de madeira torrada para a redução do silício na indústria eletrometalúrgica. O custo desta planta na época foi de 19 milhões de Francos, com um payback de 4 anos. Esta planta é um exemplo bem sucedido da aplicação da torrefação.

Em termos gerais a torrefação é um processo que não requer tecnologias muito complexas, pois é desenvolvido a temperaturas relativamente baixas e à pressão atmosférica. Portanto os custos dos equipamentos geralmente não são muito elevados, e inclusive as técnicas utilizadas são bem conhecidas como no caso da planta de LAVAL DE CARE que usa como torrefator um forno rotatório. Este fato contribui a tornar a torrefação atrativa em termos econômicos a diferença de outras tecnologias de conversão que são mais complexas, custosas e pouco exploradas. O GCA considera que a torrefação de madeira, em pequena e média escala, no Brasil tem perspectivas de competir com os métodos tradicionais de carbonização, por duas razões fundamentais: Primeiro, a biomassa torrada têm capacidade e flexibilidade suficiente de adaptar-se aos requerimentos técnicos dos diferentes mercados, podendo atender a demanda de carvão nos mercados domésticos e comercial (Pizzarias, churrascarias, padarias), assim como também em alguns setores industriais que fazem uso intensivo da madeira como é o caso das indústrias de cerâmicas. Segundo, se a tecnologia empregada é eficiente e de baixo custo está pode competir com os fornos de alvenaria fazendo que os custos de produção da biomassa torrada sejam competitivos com os custos de produção do carvão. Atualmente no GCA está em desenvolvimento uma unidade piloto com capacidade para 100 kg/dia que pretende atender estas premissas (FAPESP Process. No 99/01064-3).

Entretanto, a torrefação de briquetes de resíduos de biomassa pode viabilizar estes combustíveis criando perspectivas de mercados, vale ressaltar que no Brasil são geradas grandes quantidades de resíduos agrícolas e vegetais.

Considerando que no meio rural é utilizada intensivamente a lenha e o carvão vegetal, a torrefação pode ser uma alternativa energética viável no meio rural brasileiro, se analisadas as razões antes expostas.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo apoio financeiro ao projeto . No 99/01064-3.

 

REFERÊNCIAS

[1] ANTAL, M.J. and WILLIAN S.L. MOK. Review of methods for improving the yield of charcoal from biomass. Energy&Fuel, vol 4, No. 3, p221-226, May/June 1990.

[2] DOAT J. CTFT Research into wood pyrolysis. Symposium Forest Products Research International Archivement and the Future., p 12-24. April 1985

[3] BOURGOIS, JP. Torrefied Wood from temperate and tropical species, advantages and prospects. BIOENERGY 84, p153-159, 1985

[4] GUYONNET R. and BOURGOIS J. Le bois torréfié recherche sur les mécanismes rátionnels. STB ARMINES. (Internal Report)

[5] F. FONSECA FELFLI, C.A. LUENGO, P. BEATON and A. SUAREZ . Efficiency test for bench unit torrefaction and characterization of torrefied biomass. 4th Biomas Conference of Americas. Vol 1, p 589-592 Aug/Sept 1999.

[6] BHATTACHARYA, SC. Carbonized and Uncarbonized briquettes from residues. Workshop on Biomass Thermal Processing. V1, p. 1-9

[7] P GIRARD & N SHAH. Developments on Torrefied wood an alternative to charcoal for reducing deforestation. REUR Technical Series, N 20, p. 101-114, 1991.

[8] F. FONSECA FELFLI, C.A. LUENGO and P. BEATON. Bench unit for biomass torrefaction. Bimass for Energy and Industry , 10th Conference and technology Exhibition, p.1593-1595, june/1998

[9] JIM ARCATE. New Process for torrefied wood manufacturing. Bioenergy Update. Vol. 2 No 4, april 2000.

[10] D. GUYONNET R. The improvement of wood durability by retification process. Etude du CTBA, Paris, France, n° IRG/WP avril 1993, 5 pages.