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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Mecanismos de incentivo ao uso de fontes renováveis alternativas em sistemas descentralizados à luz da experiência norteamericana

 

 

Carla Kazue Nakao Cavaliero; Ennio Peres da Silva

Planejamento de Sistemas Energéticos, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP, Campinas, SP, Tel: 0055 19 2891860/7883262/7883245

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Aproveitando a larga experiência do setor elétrico americano com mecanismos de regulação, especialmente do Estado da Califórnia, este trabalho pretende analisar que mecanismos poderiam ser implantados no setor elétrico brasileiro, objetivando a continuidade do fornecimento de energia elétrica aos sistemas descentralizados e o incentivo ao uso de fontes renováveis alternativas de energia. Para tanto, serão analisados a atuação da ANEEL diante de tais preocupações e os programas mais debatidos atualmente para o fomento de fontes renováveis alternativas nos Estados Unidos. Por fim, será avaliado o aproveitamento da experiência norteamericana para o caso brasileiro.

Palavras-chave: Mecanismos Regulatórios; Regulação nos Estados Unidos; Fontes Renováveis Alternativas; Sistema Descentralizado.


ABSTRACT

The large experience of the United States electricity industry with regulatory mechanisms, specially on California State, will allow the analysis of what mechanism would be used in the brazilian electricity industry, looking for continuous electricity supplier in decentralized systems and for incentives to provide renewable energy use. The action of ANEEL beyond this issue and the policies that actually have been considerable debated in United State will be analysed too.


 

 

INTRODUÇÃO

A privatização das empresas públicas de energia vem trazendo dúvidas e receios quanto à manutenção de alguns serviços de eletricidade definidos como bens públicos, antes garantidos pela forte atuação do Estado em todas as atividades do setor. Entre estes bens, destaca-se o fornecimento de energia elétrica a consumidores rurais, consumidores de baixa renda e incentivo ao uso de fontes renováveis de energia.

Boa parte destes consumidores estão localizados em regiões muito distantes, de difícil acesso e de baixa demanda energética, justificando-se a geração descentralizada de energia elétrica a partir de sistemas térmicos e as altas tarifas cobradas por este serviço. Essas regiões isoladas, localizadas principalmente na Região Amazônica, vêm sendo supridas de energia elétrica, até o momento, graças aos subsídios fornecidos pela sociedade através da Conta de Consumo de Combustíveis – CCC, que tem data definida para acabar: maio de 2013.

Assim, para reduzir a dependência energética é necessário estimular o uso de fontes locais de energia, principalmente as fontes renováveis alternativas como solar, eólica e biomassa. Aproveitando a larga experiência do setor elétrico americano com mecanismos de regulação, especialmente do Estado da Califórnia, este trabalho pretende analisar que mecanismos poderiam ser implantados no setor elétrico brasileiro, objetivando a continuidade do fornecimento de energia elétrica aos sistemas descentralizados e o incentivo ao uso de fontes renováveis alternativas de energia. Para tanto, serão analisados a atuação da ANEEL diante de tais preocupações e os programas mais debatidos atualmente para o fomento de fontes renováveis alternativas nos Estados Unidos. Por fim, será avaliado o aproveitamento da experiência norteamericana para o caso brasileiro.

 

MECANISMOS DE REGULAÇÃO E INCENTIVO À PROMOÇÃO DE FONTES RENVOVÁVEIS APLICADOS NOS ESTADOS UNIDOS

Um dos principais mecanismos de fomento às fontes renováveis alternativas e à cogeração foi implantado nos Estados Unidos em 1978. A partir da Public Utility Regulatory Policies Act, denominada de PURPA, as empresas concessionárias foram obrigadas a comprar energia elétrica de produtores independentes (cuja geração proviesse de fontes renováveis alternativas) e excedentes de autoprodutores quando seus preços fossem menores que os custos evitados das empresas concessionárias.

A reação inicial das empresas foi bastante negativa, dificultando o andamento do programa durante os três primeiros anos. Essas empresas impuseram uma série de dificuldades aos produtores independentes e autoprodutores, negociando o atendimento emergencial a valores abusivos ou cobrando taxas extras sob o pretexto de existirem custos adicionais de engenharia e administração (Bajay, 1998).

Em locais onde a capacidade de reserva era reduzida; havia a previsão de um forte crescimento da demanda; o parque gerador era extremamente dependente de derivados de petróleo; o valor das tarifas era elevado; ou onde não havia muitas alternativas economicamente interessantes para a expansão do parque gerador, a geração descentralizada encontrou condições ideais de disseminação (Bajay, 1998). Vários megawatts de capacidade instalada de energia produzida a partir de fontes renováveis alternativas foram adicionados ao parque gerador americano, especialmente em estados como a Califórnia e Maine.

O processo de reestruturação do setor elétrico americano introduziu duas novas características ao setor: a desregulamentação das atividades pelo governo e a desverticalização das atividades de geração e parte da distribuição. Com isso são eliminadas total ou parcialmente as restrições do governo, permitindo a mais ampla competição entre as diferentes unidades da indústria de energia elétrica. Foi justamente neste novo mercado competitivo que iniciou-se a discussão sobre quais mecanismos deveriam ser criados para apoiar os produtores de eletricidade a partir de fontes renováveis alternativas.

MECANISMOS EXISTENTES NO NOVO SETOR ELÉTRICO AMERICANO

Desde o início da reestruturação, houve a preocupação em se definir quais seriam os "bens públicos" que deveriam ser garantidos, no novo contexto de menor regulação pública e maior competição entre as empresas; e quais seriam os mecanismos adotados para preservar estes bens públicos durante o período de transição e posteriormente, quando a indústria se encontraria totalmente desregulada.

De acordo com o documento apresentado pela California Public Utilities Commission – CPUC – em 1994 (CPUC, 1997), os bens públicos que deveriam ser mantidos no setor elétrico seriam: eficiência energética; fontes renováveis; proteção ambiental; pesquisa, desenvolvimento e demonstração em áreas de interesse público; e a manutenção de programas para populações de baixa renda.

Com relação às fontes renováveis alternativas, a meta do governo americano é aumentar significativamente a capacidade instalada de geração existente para 2010. Suas justificativas estão centradas na necessidade de assegurar o suprimento energético, reduzir os impactos ambientais e garantir a posição de liderança em ciência e tecnologia. Em 1996, a capacidade instalada total do setor elétrico americano era de 725 GW, os quais cerca de 12% eram provenientes de fontes renováveis (IEA, 1998). Se forem contabilizadas apenas as fontes renováveis alternativas, ou seja, excluindo a geração hidráulica, a participação cai para 2%. A capacidade instalada a partir de fontes renováveis alternativas em 1996 e as projeções para os anos de 2000 e 2010 estão apresentadas na Tabela 1.

 

 

Para atingir estas metas foram desenvolvidos vários mecanismos fiscais e regulatórios, tanto no âmbito federal quanto estadual. Atualmente os maiores debates quanto ao incentivo às fontes renováveis alternativas estão centrados em três pontos: o Renewable Portfolio Standard – RPS, os programas a partir de fundos arrecadados na venda de eletricidade e os programas de compra voluntária através do green marketing.

O RPS é um programa, proposto pelo Governo Federal, que permite reguladores e/ou legisladores requerer que certa porcentagem do uso de energia elétrica, em uma dada jurisdição, seja proveniente de fontes renováveis alternativas. A legislação permite que, ao invés de gerar ou comprar energia elétrica gerada a partir de fontes renováveis alternativas, uma dada empresa possa atender suas metas comprando "créditos" no mercado. Estes créditos (renewable energy credit – REC) são certificados negociáveis que atestam a garantia da geração a partir de fontes renováveis alternativas em determinado local e quantidade (Wiser & Pickle, 1997).

Alguns pesquisadores acreditam que os REC's permitiriam uma maior participação da fontes renováveis alternativas no mercado a um menor custo global, em função da melhor localização das instalações e dos ganhos de escala para os empreendedores. O Governo Federal propôs em 1997 que as metas seriam de 3% em 2005 e 4% em 2010. Entretanto, em meados de 1999, a meta proposta para o ano 2010 passou para 7,5%.

Em 1998, oito estados já haviam incluído o RPS nas diretivas de seus planos de reestruturação do setor elétrico. De acordo com Bernow et al (1997) em um estudo de avaliação dos impactos do RPS no país, se a meta para 2010 fosse de 56 TWh adicionais a partir de fontes renováveis alternativas, os custos para os consumidores seriam de apenas 0,03 cents/kWh. Consideradas as fontes energéticas, o estudo também concluiu que a energia eólica (56%) e a geotérmica (36%) seriam as principais contribuidoras para o cumprimento das metas.

Na Califórnia, a filosofia do RPS foi adequada através do Mandate Renewable Purchase Requirements – MRPR. Depois de amplos debates e negociações, o poder legislativo da Califórnia resolveu rejeitar a inclusão do MRPR como política de fomento às fontes renováveis alternativas. Dentre os vários motivos da rejeição, talvez o mais forte tenha sido as possíveis vantagens que seriam conferidas à algumas empresas concessionárias. Esta vantagem estaria associada à existência de uma grande capacidade já instalada em fontes renováveis alternativas na Califórnia pertencentes à algumas concessionárias que, quando da adoção do MRPR, já teriam suas metas atingidas. Além disso, argumentou-se que, face à esta capacidade já instalada, existiria menor possibilidade de investimento em novas tecnologias.

A política adotada pelo Legislativo da Califórnia foi determinada pela Assembly Bill 1890 – AB1890 – em 1996. Esta lei estabeleceu a criação de um fundo arrecadado, junto aos consumidores, por uma sobretaxa na tarifa de distribuição das três maiores Investor Owned Utilities - IOU1. Este fundo está sendo aplicado desde janeiro de 1998, com duração prevista para 2001, e financiará projetos já existentes com fontes renováveis alternativas, projetos com novas tecnologias, projetos a partir de tecnologias emergentes e vendas diretas de energia gerada por fontes renováveis à consumidores finais (CEC, 1997).

Em princípio, a administração do fundo fica sob responsabilidade da California Energy Comission – CEC - e seus recursos deverão ser distribuídos através de concorrência, a partir de leilões, entre projetos para o desenvolvimento de novos empreendimentos com fontes renováveis alternativas. Estimativas indicam a arrecadação de cerca de US$ 540 milhões durante os quatro anos.

A maior parte dos argumentos contra o fundo de financiamento vem dos defensores do MRPR. Eles consideram que, pelo fato do fundo determinar o limite de investimento e não uma meta de geração a partir de fontes renováveis alternativas, será impossível definir o real tamanho do mercado de renováveis a ser criado por este mecanismo (Wiser, Pickle & Goldman, 1997).

Além deste mecanismo de natureza fiscal, não se pode deixar de mencionar os estabelecidos pelo Energy Policy Act em 1992:

• concessão, sem data limite, de créditos de investimento de 10% para a maioria das aplicações geotémicas e solares;

• concessão de isenções fiscais para instalações eólicas e com biomassa, desde que correspondessem à uma utilização sustentável do recurso;

• para instalações eólicas, solares, geotérmicas e com biomassa (excluindo o uso de resíduos urbanos) que não pudessem ser beneficiadas pelas isenções anteriores, seria concedido um bônus sobre a produção (production payment).

Somados aos mecanismos fiscais e regulatórios adotados nos Estados Unidos, existem ainda os programas green marketing, de compra voluntária. Este programa baseia-se no pressuposto de que uma determinada parcela da população estaria disposta a comprar energia elétrica gerada a partir de fontes renováveis alternativas, mesmo que fosse embutido um acréscimo na tarifa por este serviço. Atualmente, existe no país cerca de 40 concessionárias oferecendo programas deste gênero, mas a capacidade total comercializada e o número de consumidores envolvidos ainda é muito pequeno em relação às dimensões do mercado americano. Até maio de 1998, aproximadamente 45 mil consumidores residenciais estavam participando destes programas (Wiser, 1998).

Alguns autores como Glaser (1999) demostram uma incerteza quanto ao crescimento expressivo do green marketing no médio e longo prazos. As empresas elétricas, principalmente da Califórnia e Pennsylvania, têm sido agressivas em sua estratégia de marketing para atrair consumidores potenciais que comprariam a chamada "eletricidade verde", até mesmo porque essa talvez seja a única real diferenciação de outras empresas. Entretanto, comenta-se agora que esse conceito de eletricidade verde tem sido distorcido pelas empresas, colocando em risco a credibilidade de seus programas.

 

ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA NORTE AMERICANA APLICADA AOS SISTEMAS ISOLADOS BRASILEIROS

Existem outros mecanismos de incentivo ao uso de fontes renováveis alternativas na geração elétrica sendo aplicados nos Estados Unidos. A relativa autonomia que os Estados possuem quanto a regulação nos respectivos setores elétricos, permitiu o desenvolvimento de mecanismos de atuação diversos no âmbito estadual, aumentando o número de programas de fomento às fontes renováveis alternativas por todo o país.

Entretanto, apesar da rica experiência, não se pode acreditar que estes mesmos mecanismos possam ser aplicados em outros países e, principalmente, que venham a atingir o mesmo desempenho. Assim, decide-se analisar até que ponto a experiência americana, com mecanismos de incentivo à geração elétrica a partir de fontes renováveis alternativas, pode ser executada nos sistemas isolados do setor elétrico brasileiro. Serão considerados apenas os três programas mencionados anteriormente e que são objeto de intenso debate: o RPS; os programas a partir de um fundo; e o green marketing.

O PROGRAMA RPS

O parque gerador americano é predominantemente termelétrico, representando 88% da capacidade instalada total em 1996. Nesse contexto, as preocupações ambientais, principalmente referentes às emissões atmosféricas e aos impactos à saúde, tornam-se muito maiores, incentivando a busca por tecnologias que resultem na menor degradação ambiental, como as fontes renováveis alternativas de energia.

Esse é o ambiente propício para programas como o RPS. Com a imposição de uma parcela do uso de energia elétrica a partir de fontes renováveis alternativas, os efeitos em um parque gerador carente dessa opção poderão ser muito mais expressivos. Entretanto, nos sistemas onde a participação de energia renovável for significativa, esse mecanismo não surtirá os mesmos resultados. Assim, o mecanismo RPS talvez não seja tão efetivo no setor elétrico brasileiro, onde há o predomínio da geração hidráulica, quanto pode vir a ser no dos Estados Unidos.

Entretanto, se forem levados em conta apenas os sistemas isolados brasileiros, a questão muda de figura. Como já foi mencionado, os sistemas isolados são atendidos predominantemente pela geração térmica e localizam-se principalmente na Região Amazônica, uma região ambientalmente complexa. Assim como no contexto do setor elétrico americano, a característica do parque gerador e a preocupação ambiental nos sistemas isolados, que na realidade está mais associada às atividades econômicas que às atividades do setor elétrico, indicam que este mecanismo poderia ser implantado nestes sistemas, desde que dadas as devidas considerações.

Além disso, os REC's, enquanto certificados transacionáveis no mercado, permitiriam a introdução de novos produtores e vendedores nos sistemas isolados, que teriam a obrigação de enquadrar-se aos padrões de produção e venda estipulados.

A grande desvantagem para a implantação de um mecanismo como o RPS é justamente a que impediu a sua inclusão na política do setor elétrico da Califórnia: a "neutralidade" na competição. Este, com certeza, poderia ser um grande empecilho à sua adoção não apenas nos sistemas isolados, como em todo setor elétrico brasileiro, no novo contexto de competição.

OS PROGRAMAS A PARTIR DA CRIAÇÃO DO FUNDO

Não existe ainda, dentro da nova legislação do setor elétrico brasileiro, nenhum mecanismo fiscal, como o fundo criado na Califórnia, aplicado apenas para incentivar o uso de fontes renováveis na geração de energia elétrica.

O que a ANEEL estabeleceu recentemente foi a obrigatoriedade da aplicação de recursos das concessionárias de energia elétrica em ações de combate ao desperdício de eletricidade e pesquisa e desenvolvimento tecnológico do setor elétrico brasileiro. A partir da Resolução 261, de 03/09/1999, as empresas de distribuição e geração de energia elétrica deverão investir um mínimo de 0,1% e 0,25%, respectivamente, da sua receita operacional anual em atividades de pesquisa e desenvolvimento – P&D. Estas atividades incluem projetos sobre eficiência energética, energia renovável alternativa, geração de energia elétrica, meio ambiente e pesquisa estratégica. Assim, ao contrário do mecanismo da Califórnia, o incentivo à geração a partir de fontes renováveis alternativas está inserido dentro de um pacote de linhas de pesquisa, o que reduz a sua oportunidade e enfraquece a sua atuação.

Além disso, no mecanismo brasileiro, a empresa concessionária elabora programas de P&D para serem aplicados nela mesma, diferentemente do da Califórnia que cria um fundo, recolhido junto aos consumidores de três grandes IOU's, para ser aplicado em projetos de qualquer empresa, escolhidos a partir de um leilão. Com isso, o fundo permite a participação de várias empresas e a introdução de novos produtores independentes investindo em localidades com maior potencial para geração elétrica a partir de renováveis alternativas, o que não acontece com o mecanismo brasileiro.

Outra diferença entre estes dois mecanismos está no gerenciamento dos recursos. No caso da Califórnia, é a CEC que administra o fundo, enquanto que no caso brasileiro, o recurso é gerenciado pela própria empresa depois da aprovação dos projetos pela ANEEL e Agências Estaduais de Serviços Públicos de Energia – AE, também responsáveis pela fiscalização destes projetos.

O único ponto em comum está na elaboração da meta a ser atingida. Em ambos os casos, estipula-se um montante de recursos a ser investido e não uma meta de geração de energia elétrica, até mesmo porque no caso brasileiro estão incluídos projetos de conservação de energia.

Analisando a situação dos sistemas isolados, aparentemente o mecanismo adotado pela Califórnia parece ser mais eficiente, quanto à possibilidade de incentivar o uso de fontes renováveis alternativas, que o mecanismo brasileiro. Entretanto, como ainda é recente a sua aplicação na Califórnia, é necessário um amadurecimento maior para avaliar melhor este mecanismo.

GREEN MARKETING

A filosofia deste mecanismo de ação voluntária está centrada na consciência ambiental dos consumidores. Esta consciência é, normalmente, consequência de dois fatores: o cultural e o grau de efeito sobre a própria população.

O fator cultural é histórico e demostra o desenvolvimento e percepção da sociedade à respeito, neste caso, das fontes renováveis alternativas. Quando os recursos, sejam econômicos, energético, etc., são poucos há uma tendência a valorizá-los. Como o meio ambiente sempre esteve "disponível", a percepção quanto à sua valorização tardou a acontecer. Ainda hoje, algumas atividades econômicas não consideram as externalidades ambientais que produzem, mesmo havendo um aparato legal que ampare o meio ambiente. Assim, existe um forte sentimento de direito sobre o meio mas pouco, ou nenhum, dever em preservá-lo.

Mas como exercer essa cidadania com o meio ambiente se, em alguns casos, o indivíduo não tem recebido a contrapartida do governo para questões básicas. É neste contexto que se encontra o Brasil. O governo brasileiro, que deveria garantir a manutenção dos direitos dos cidadãos e também cobrar os deveres de cada um, não tem conseguido atingir estes objetivos. Muitos bens públicos, de responsabilidade do governo, como saneamento básico, saúde, educação, etc., têm sido fornecidos de maneira insatisfatória, deixando muitos indivíduos à margem desse atendimento. Essa via de mão dupla tem seguido apenas num sentido, dissociando o governo do cidadão e, pior, distorcendo o sentido de cidadania. A insatisfação generalizada acaba propiciando o desenvolvimento equivocado da cultura da sociedade, que pode levar muito tempo para ser reparado.

Quanto ao grau de efeito sobre a população, este fator está associado à percepção de que o meio ambiente tem o poder de se adaptar às condições impostas à ele e de que não se sabe se esta adaptação pode interferir negativamente no indivíduo. Isto foi verificado nos Estados Unidos, e em outros países, a partir dos debates sobre a geração nuclear na década de 60. O risco eminente a que poderia ser exposta a sociedade civil americana gerou uma reação muito forte e mobilizou muitas pessoas. A partir de então, a sociedade passou a participar cada vez mais, organizando-se através de entidades ambientalistas, representantes de associações de classe, etc.; e influenciando o processo de reforma do setor no sentido de garantir a manutenção e promoção de bens públicos. Hoje, pode-se considerar como tradição a participação da sociedade civil americana nas decisões da área de energia.

Infelizmente, a sociedade brasileira ainda não conseguiu atingir o estágio de participação verificado nos Estados Unidos. Muitos são os fatores que dificultaram esta atitude, mas pode-se assegurar que um dos principais relaciona-se com os impactos ambientais pontuais verificados nos projetos elétricos brasileiros. O maior impacto da geração hidrelétrica está concentrado nas regiões dos arredores das construções, que serão alagadas com a barragem erguida, atingindo apenas a população e o meio ambiente local.

Mas, para a disseminação e o bom desempenho de um mecanismo de ação voluntária, é preciso também dispor de uma renda financeira que permita ao indivíduo optar por uma "eletricidade verde" a um custo maior. Talvez esse seja o maior empecilho que um mecanismo como o green marketing pode enfrentar num país como o Brasil. Diferentemente dos americanos, a grande maioria dos brasileiros apresenta um poder aquisitivo relativamente muito inferior, que atende apenas as suas necessidades básicas. E se a situação é ruim para o país como um todo, é ainda pior para as comunidades do sistema isolado, que em muitos casos não têm uma renda mínima, nem educação ou serviços de saúde?

 

CONCLUSÃO

O setor elétrico brasileiro está passando por uma reestruturação que, até o momento, tem se concentrado na privatização das empresas estatais de geração e distribuição para implementar um mercado competitivo no setor.

Desde o início do processo não houve uma preocupação em determinar que bens públicos deveriam ser mantidos no setor. As empresas privatizadas não terão interesse em manter certos bens públicos, como o fornecimento de energia elétrica a consumidores de baixa renda, incentivo ao uso de fontes renováveis alternativas e à pesquisa e desenvolvimento, já que estes não garantem o lucro no curto prazo.

Neste contexto, surgem algumas dúvidas e receios quanto à manutenção do fornecimento de energia elétrica aos sistemas isolados da Região Amazônica. As comunidades atendidas nestes sistemas possuem baixa renda, baixa demanda de energia elétrica e vivem em áreas ambientalmente complexas. Até o momento, a manutenção dos sistemas isolados tem sido garantida pela CCC. Entretanto, com o seu fim previsto para 2013, torna-se urgente o desenvolvimento de mecanismos que incentivem o uso dos recursos energéticos locais, reduzindo a dependência energética e proporcionando benefícios sociais, econômicos e ambientais. È justamente neste sentido que estão inseridas as fontes renováveis alternativas de energia.

Ao analisar a adoção destes três programas no sistema isolado do setor elétrico brasileiro, contata-se que a melhor opção seria a adoção de um fundo parecido com o aplicado na Califórnia, mas com as devidas considerações. Esta percepção já vem sendo contemplada por algumas instituições federais brasileiras, que têm realizado algumas discussões sobre o melhor funcionamento dos fundos. Entretanto, era de se esperar que pouco da experiência americana pudesse ser aplicada nos sistemas isolados brasileiros, já que se tratam de países distintos culturalmente, economicamente e energeticamente. Mesmo assim, deve-se levantar e analisar esta e outras experiências, em outros países, para que sirvam de referência e auxiliem no desenvolvimento de um mecanismo de incentivo à geração de energia elétrica em sistemas isolados do setor elétrico brasileiro.

 

AGRADECIMENTOS

À FAPESP pelo apoio financeiro sem o qual este estudo não poderia ter sido realizado.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Endereço para correspondência
Carla Kazue Nakao Cavaliero
cavaliero@hydra.com.br

Ennio Peres da Silva
lh2ennio@ifi.unicamp.br

 

 

1 Companhias de propriedade de acionistas que visam o lucro através de serviços de energia.