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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Ferramentas e métodos de análise e previsão da demanda de eletricidade: algumas experiências vividas recentemente na França

 

 

Máximo Luiz PompermayerI; Christophe de GouvelloII

IPrograma de Planejamento de Sistemas Energéticos/Unicamp, CEP 13083-970 Tel.: (019) 788-3262 Fax.: (019) 289-3722
IICIRED/EHESS, França

 

 


RESUMO

Historicamente, as ações clássicas de gerenciamento da demanda de eletricidade (GLD) na França foram freadas pelo excedente temporário de capacidade instalada e pela tradicional neutralidade da EDF face às decisões do consumidor. Apesar da eficiência global do sistema elétrico e dos mecanismos tarifários da EDF, os quais têm sido considerados uma poderosa ferramenta de GLD, tem-se verificado situações que requerem instrumentos específicos de GLD. Trata-se do consumo global na França Metropolitana, da distribuição em áreas rurais e do suprimento dos territórios ultramarinos. Neste trabalho, apresenta-se três ferramentas computacionais de reconstituição, análise e previsão de demanda, as quais foram desenvolvidas para auxiliar o planejamento e a gestão desses sistemas. A finalidade maior é colher subsídios para o debate e a reflexão das ações de GLD no contexto do setor elétrico brasileiro.

Palavras-chave:Gerenciamento pelo Lado da Demanda; Modelos de Análise e Previsão de Demanda; Setor Elétrico Francês


ABSTRACT

Historically, Demand Side Management (DSM) in France has been restrained by the temporary excess of capacity and the traditional neutrality of EDF's facing the customer decisions. In spite of the global efficiency of sector and tariff system which have been considered a powerful tool of DSM, one verifies situations (market niches) which require specific instruments of DSM. It refers to France Metropolitan, rural sector, and departments over-sea. This paper presents three computational models for decomposition, analysis, and forecasting of energy demand which have been developed for helping the planing and management of these systems. The major goal is to get subsidy for debating and reflecting about DSM in the context of the Brazilian electric sector.


 

 

INTRODUÇÃO

Apesar da eficiência global do sistema elétrico francês e dos mecanismos tarifários da EDF, existem potenciais consideráveis de gerenciamento pelo lado da demanda (GLD). Uma avaliação desses potenciais requer ferramentas e métodos adequados ao contexto sócio-econômico e institucional no qual se inserem. Pelo menos três casos são bem identificados: a) consumo global na França Metropolitana; b) distribuição em áreas rurais; c) suprimento dos departamentos ultramarinos. Observa-se diversos aspectos comuns, mas cada caso apresenta uma forte singularidade e requer, portanto, mecanismos específicos.

Historicamente, as ações de GLD foram freadas pelo excedente temporário de capacidade instalada, graças à política nacional de apoio à energia nuclear e a tradicional neutralidade da EDF face às decisões do consumidor, cujo sistema tarifário têm sido considerado uma poderosa ferramenta de GLD. Contudo, ações conjuntas têm sido revistas e avaliadas, no âmbito de um acordo firmado entre a agência nacional de meio ambiente e eficiência energética (ADEME – Agence de l'Environnement et de la Maîtrise de l'Energie) e a companhia estatal de eletricidade, EDF – Electricité de France (ADEME & EDF, 1993).

Este convênio foi firmado em fevereiro de 1993 e tem como objetivos principais os seguintes: a) busca de uma reflexão comum, visando a definição e o acompanhamento de projetos piloto de GLD; b) implantação de programas experimentais decentralizados em coletividades territoriais; c) avaliação dessas experiências, visando a implantação em escala nacional.

Neste trabalho, apresenta-se três modelos de reconstituição, análise e previsão de demanda, os quais foram desenvolvidos de acordo com os referidos contextos sócio-econômicos.

 

O GLD NO CONTEXTO DO SETOR ELÉTRICO FRANCÊS

FRANÇA METROPOLITANA

Apesar dos mecanismos tarifários adotados pela EDF, os quais induzem o consumidor a gerenciar sua curva de carga e optar por tecnologias mais eficientes, existe ainda um potencial considerável de melhoria da eficiência energética do uso final de eletricidade na França Metropolitana, particularmente no setor residencial/terciário, onde predominam usos cativos, como a refrigeração e a iluminação.

Destaque a parte merece a calefação elétrica, cujo mercado se encontra em fase de expansão e se observa ainda uma parcela significativa de sistemas pouco eficientes. Em 1975, a eletricidade aquecia cerca de 6% dos domicílios franceses; em 1995, sua parcela de mercado subiu para 30%, o equivalente a sete milhões de residências, das quais 50% foram construídas antes da primeira regulamentação sobre calefação elétrica, 1975 (ANGIOLETTI & SIMON, 1997).

Uma política de eficiência energética destinada a esses usos finais requer uma desagregação fina da demanda, o que exige o conhecimento detalhado de parâmetros técnicos e operacionais que a condicionam, onde se destacam a tipologia dos equipamentos e os hábitos de uso e manutenção dos aparelhos. É necessário, contudo, uma abordagem "panorâmica" da demanda, de modo a capturar os efeitos interativos e globais de ações conjuntas e isoladas de GLD.

Procurando atender a essa dupla exigência, desenvolveu-se o modelo MURELEC, cuja apresentação e detalhamento são feitos abaixo.

SETOR RURAL

Em 1965, a eletrificação rural na França cobria a quase totalidade de consumidores e o consumo representava cerca de 4% do total nacional. Em 1983, embora o numero de consumidores não tenha se elevado muito, a participação relativa do consumo subiu para 14,3%. Isso foi devido à forte penetração de equipamentos elétricos, onde se destacam os de uso térmico (aquecimento de água, calefação elétrica e cocção), cujo consumo de eletricidade, em 1975, significava 10,6% da parcela residencial, subindo para 43,7%, em 1984 (GOUVELLO, 1996).

O que mais preocupa, no entanto, não é a elevada participação do consumo de eletricidade, mas a demanda requerida por esses (e outros) equipamentos, dado o estado de saturação de muitas linhas de baixa tensão, o que tem provocado queda de tensão e desligamento da rede. Devido à baixa densidade de consumidores, dentre outras singularidades do setor, as soluções convencionais, ou seja, o reforço de linhas e transformadores, têm apresentado custos elevados e crescentes e, assim, as opções de GLD são avaliadas de forma concorrencial.

Em janeiro de 1994, havia 7 milhões de consumidores rurais ligados à rede de baixa tensão (BT), alimentados por 550 mil antenas BT, denominadas départ. Dentre esses, cerca de 225 mil (31 mil départs) estavam mal alimentados (linha ou transformador saturado), apresentando problemas de queda de tensão ou desligamento temporário no fornecimento de energia (GOUVELLO et al., 1996). Ainda, segundo os autores, em 1994 foram investidos 4,4 bilhões de francos no setor elétrico rural francês, dos quais 85% foram destinados ao reforço de linhas.

Cada antena ou transformador apresenta sua própria evolução e particularidades, o que requer um tratamento específico e individualizado, de modo a identificar os principais responsáveis (consumidores/equipamentos) por esses inconvenientes, propor e avaliar soluções alternativas (reforço da rede ou medidas de GLD), tomar decisões e viabilizar as opções mais favoráveis. No intuito de atender a esses requisitos, desenvolveu-se o modelo EVE de reconstituição e análise de demanda, cuja metodologia e estrutura operacional são descritas abaixo.

TERRITÓRIOS ULTRAMARINOS

Nos territórios ultramarinos1, grande parte do potencial de GLD decorre da diferença entre o custo marginal e a tarifa praticada, devido ao sistema de equalização tarifaria adotado. Segundo CAURET & ADNOT (1996), em 1995, o custo médio do sistema era da ordem de 1,30 francos franceses (FF) por kWh e a tarifa, de 0,66 FF/kWh.

Apesar de um contexto econômico favorável, as ações concretas de GLD têm se limitado basicamente aos bem sucedidos programas de iluminação eficiente. Uma avaliação global e conjunta do potencial efetivo de GLD tem sido inviabilizada pela falta de informações e ferramentas adequadas ao contexto sócio-econômico e institucional dessas regiões insulares. Conforme analisado por CAURET (1997), "falta um ambiente propício de debate, de aprendizagem coletiva e difusão das experiências obtidas...".

Contudo, esforços recentes têm sido feitos, no sentido de melhorar à integração entre os diversos atores envolvidos e melhor avaliar as possibilidades economicamente competitivas de melhorias da eficiência energética do uso final de eletricidade. Neste contexto, foi desenvolvido recentemente uma ferramenta de auxílio às decisões de gerenciamento da demanda de eletricidade (modelo SIADOM de análise e previsão de demanda).

 

O MODELO MURELEC

APRESENTAÇÃO

O modelo MURELEC - Modelo de Uso Racional de Eletricidade – foi desenvolvido pela INESTENE (Instituto de Avaliação de Estratégias sobre Energia e Meio Ambiente), a pedido da ADEME (Agência Francesa para o Meio Ambiente e Eficiência Energética), no âmbito do referido acordo nacional entre a ADEME e a EDF (Electricité de France), visando melhor explorar as possibilidades de GLD, no contexto da França Continental.

MURELEC é um vasto banco de dados sobre uso racional de eletricidade, incluindo todos setores de atividade e os principais usos finais, e uma ferramenta de simulação de demanda, permitindo avaliar os potenciais e os custos de programas e medidas de GLD. Conforme já mencionado, o modelo foi desenvolvido com a dupla finalidade de permitir uma desagregação fina da demanda (por uso final/equipamento) e, ao mesmo tempo, dar uma visão da estrutura geral e sua evolução temporal, de modo a capturar os efeitos interativos e globais de ações conjuntas e isoladas de GLD.

ESTRUTURA DO BANCO DE DADOS

A estrutura do banco de dados utilizado por MURELEC pode ser dividida em três principais categorias de informação, conforme apresentadas e descritas a seguir (INESTENE, 1998a):

Indicadores Macroeconômicos: Trata-se de informações sócio-econômicas, demográficas, energéticas e ambientais destinadas à identificação e análise do nível de desenvolvimento da sociedade, num dado ano de referência. Dentre as primeiras, destacam-se o crescimento econômico, as características físicas do domicílio e o poder de compra; em relação às demográficas, número de moradores, composição familiar e evolução demográfica; quanto às energéticas, preço e evolução das tarifas de energia; em relação às ambientais, a estrutura de produção de energia e os investimentos destinados à proteção do meio ambiente.

Tipologia do Parque de Equipamentos: São identificados três níveis hierárquicos a saber: uso final, equipamento e aparelho. Uso final é definido como um conjunto de equipamentos destinados a uma mesma função (iluminação, refrigeração, climatização, etc.). Um equipamento pode ser constituído de um ou vários aparelhos, segundo o modelo, a capacidade ou outro aspecto relevante na sua identificação. Dentre as informações mais importantes, destacam-se o parque de equipamentos, o histórico de vendas, o preço, a vida útil e o consumo de eletricidade de um ciclo padrão de funcionamento (isto é, em condições normais de operação), cujos dados são obtido através de testes em laboratórios e/ou monitoramento de aparelhos.

Hábitos de Uso: Dois parâmetros são fundamentais: duração do uso e porcentagem de equipamentos em funcionamento num dado instante ou intervalo de tempo. Considera-se, neste caso, as variações entre dias úteis e fins de semana/feriados e as sazonalidades da demanda.

RECONSTITUIÇÃO DA DEMANDA

A demanda total é decomposta em quatro setores de atividade: residencial, comercial, industrial e outros (transportes, motores agrícolas, saneamento, etc.). Cada setor é dividido em usos finais (iluminação, refrigeração, usos térmicos, etc.) e cada uso final é composto de um ou mais equipamentos, os quais podem ser também constituídos de um ou mais aparelhos.

Estoque de Equipamentos: O estoque de equipamentos é deduzido através do histórico de vendas e da vida útil dos aparelhos. Assim, o numero de aparelhos que constituem um dado equipamento, no ano n, é dado pela soma das vendas anuais desse equipamento, no período anterior a n, menos o numero de aparelhos sucateados nesse período, o que é uma função da vida útil do equipamento e do volume de vendas efetuadas em cada ano. Para equipamentos em que não se dispõe desses dados, as estimativas são feitas através de pesquisas de campo.

A avaliação do desempenho energético de cada equipamento é feita através das características técnicas de um aparelho típico (isto é, representativo da média nacional), segundo as normas européias de eficiência energética e o processo de etiquetagem de equipamentos.

Estimativa do Consumo de Eletricidade: Na estimativa do consumo de eletricidade de um equipamento, dois parâmetros chave são considerados: a) potência média requerida por um ciclo padrão de funcionamento (chamada potência útil), a qual é obtida através de testes em laboratórios, catálogos de fabricantes e/ou monitoramento de aparelhos junto aos consumidores; b) tempo de uso dos aparelhos, considerando as variações diárias e as sazonalidades da demanda.

O consumo de eletricidade do equipamento i, no mês j (CEij), é dado pelo produto de sua potência útil (PUi) e o tempo médio de uso no mês j (Tij). Desse modo, tem-se CEij = PUi x Tij. Para obter o consumo total do parque de equipamentos, basta multiplicar o consumo individual (CEij) pelo o estoque de aparelhos.

Estimativa da Curva de Carga Cotidiana: De forma similar ao consumo de eletricidade, as estimativas da curva de carga dos equipamentos são feitas a partir da potência útil e da probabilidade de ocorrência do uso, o que requer também a obtenção de informações técnicas (junto aos fabricantes e laboratórios especializados) e o levantamento de dados através de pesquisas de campo e campanhas de medições. A demanda média do equipamento i (isto é, do conjunto de aparelhos que o constituem), no intervalo horário k, é dada pelo produto entre sua potência útil (PUi) e a porcentagem de aparelhos em uso no respectivo intervalo de tempo (Fik). Ou seja, Dik = PUi x Fik.

EXTENSÕES DO MODELO

Devido ao sucesso do modelo, foram feitas extensões a outros países da União Européia (UE). Em 1996, no âmbito do programa de eficiência energética da UE (programa SAVE), foi criado o modelo MURE - Modelo de Uso Racional de Energia. De forma similar ao MURELEC, porém, estendido a toda a Comunidade Econômica Européia, MURE é um vasto banco de dados sobre uso racional de energia em 15 países membros da UE, cobrindo todos os setores de atividade (residencial, industrial, terciário e transporte) e os principais energéticos (eletricidade, derivados de petróleo, gás natural e biomassa) e uma ferramenta de simulação de demanda, permitindo identificar e avaliar os potenciais e custos de programas e medidas de GLD, no contexto da UE ou, de forma individual, de cada país membro (INESTENE, 1998b).

 

O MODELO EVE

APRESENTAÇÃO

O Modelo EVE, também desenvolvido pela INESTENE, a pedido da ADEME, é uma ferramenta de simulação e reconstituição de demanda, cujas finalidades são as seguintes: a) identificar consumidores, usos finais e equipamentos responsáveis pela queda de tensão causada pelo o excesso de demanda temporária; b) propor e analisar medidas de gerenciamento, visando evitar ou postergar investimentos necessários ao reforço de redes e/ou transformadores rurais de baixa tensão (BT), os quais se encontram em fase de saturação (INESTENE, 1997).

Ao contrário do modelo anterior, o qual permite a simulação da demanda de um estado, região ou pais (modelo macro), EVE é destinado à simulação da demanda de um número reduzido de consumidores (modelo micro), onde a aleatoriedade da demanda é fator preponderante. Desse modo, embora possua também um vasto banco de dados, onde grande parte das informações provém da base de dados do modelo MURELEC, sua aplicação requer a coleta de informações específicas sobre parâmetros que condicionam a demanda, o que é feito através da aplicação de questionários, bem como de dados complementares fornecidos pela concessionária de eletricidade (consumo de eletricidade, potência inscrita – kVA, tipo de tarifa praticada, dados e cálculos relacionados a rede, etc.).

RECONSTITUIÇÃO DA DEMANDA

Da mesma forma que o modelo anterior, EVE calcula o consumo de eletricidade de um dado equipamento, num dado intervalo de tempo, a partir da potência requerida e do tempo de uso. A composição do consumo é feita, porém, de modo individual e iterativo, isto é, equipamento por equipamento, consumidor por consumidor, cujo consumo final é comparado com aquele indicado pela fatura da EDF (consumo de referência). Caso a diferença entre o consumo calculado pelo modelo e aquele de referencia seja superior a um dado índice2, os parâmetros (potência requerida e/ou tempo de uso) devem ser revistos e/ou ajustados. Evidentemente, as modificações devem ser iniciadas a partir dos usos finais de maior grau de incerteza e/ou importância.

Quanto à curva de carga, EVE tem por finalidade a simulação do perfil de demanda de um número bastante reduzido de consumidores (algumas unidades ou dezenas), os quais representam a demanda total de um dado transformador ou antena BT, o que é denominado départ. Desse modo, como não se dispõe de um número significativo de consumidores, em que seria possível prever a probabilidade de ocorrência do uso de cada equipamento (fator de coincidência), o modelo simula a curva de carga de um dado consumidor ou départ através da geração aleatória de cenários alternativos de demanda cotidiana, tendo como referência os seguintes parâmetros:

• Intervalos horários de ocorrência do uso;

• Numero de horas diárias de uso (índices máximo, médio e mínimo);

• Consumo de eletricidade (conforme descrito no item anterior).

A Figura 1, acima, apresenta um exemplo de curva de carga, segundo o banco de dados utilizado pelo modelo e um dado número de equipamentos.

Embora coerentes com os intervalos horários de ocorrência do uso e com o consumo de referência, os índices obtidos (demanda) são um tanto aleatórios (i. é, fixando-se os parâmetros utilizados, inúmeros resultados podem ser obtidos), devido à presença de equipamentos cujo tempo de uso e potência requerida variam muito. Dessa forma, a aplicação integral do modelo limita-se ao contexto acima descrito, sendo inadequada à simulação da curva de carga de um número elevado de consumidores (estado, município, etc.), onde a aleatoriedade da demanda é reduzida pela presença de muitos aparelhos e usuários.

Apesar da imprecisão do momento de ocorrência da ponta e da amplitude da demanda de um dado equipamento ou uso final, a finalidade do modelo é prever a possibilidade de ocorrência do uso simultâneo de certos aparelhos, cujo efeito cumulativo gera uma ponta e pode provocar queda de tensão, dentre outros inconvenientes (e. g: suspensão temporária do fornecimento de energia), o que pode ser evitado pelo reforço da rede (linha e/ou transformador), normalmente de custo elevado, ou através de medidas de gerenciamento da demanda (programação do uso dos aparelhos, substituição de tecnologias e/ou energéticos, dentre outras).

 

O MODELO SIADOM

APRESENTAÇÃO

O modelo SIADOM foi desenvolvido pelo Centro de Energéticos da Escola de Minas de Paris, no âmbito de um convênio firmado entre essa instituição e a ADEME - Projeto No 95 10 021 CAURET & ADNOT, 1996). Após três anos de estudos e pesquisas sobre o planejamento energético dos departamentos ultramarinos, os autores chegaram a conclusão que não havia ferramentas adequadas ao contexto sócio-econômico e geográfico dessas regiões insulares.

SIADOM permite a reconstituição da demanda (consumo e carga) de cada setor de atividade, de forma ascendente e desagregada (segundo os principais usos finais), a partir de dados estatísticos disponíveis localmente, os quais são complementados por informações levantadas na França Continental, devido à escassez de dados nessas regiões insulares. Através da elaboração de cenários alternativos, o modelo permite fazer projeções da demanda, de modo que os impactos de um dado programa ou medida de GLD possam ser avaliados.

Como recursos computacionais, SIADOM utiliza o Software Excel. No caso do setor residencial, a base de dados é composta de duas planilhas: uma para a entrada de dados e escolha das opções, e outra para os cálculos e apresentação dos resultados. Uma vez que se trata de uma planilha de cálculo, o modelo permite visualizar e, caso necessário, modificar os dados, hipóteses e equações empregadas. Os resultados obtidos são comparados com aqueles fornecidos pela concessionária de energia (demanda global). Desse modo, se o consumo ou o perfil de carga total obtido não corresponde àquele indicado pela concessionária, pode-se facilmente ajustar os parâmetros, refazer os cálculos e conferir novamente os resultados.

Trata-se, portanto, de um modelo macro (região, estado, comunidade, etc.) de reconstituição, análise e previsão de demanda (de forma ascendente e desagregada – metodologia bottom-up), flexível e de fácil configuração, adequado a sistemas isolados e/ou regiões com pouca disponibilidade de informações e recursos necessários ao planejamento da demanda de eletricidade.

RECONSTITUIÇÃO DA DEMANDA

No caso do setor residencial, SIADOM desagrega inicialmente a demanda em quatro categorias de clientes, segundo a potência inscrita: a) Clientes 3 kVA, b) Clientes 3 kVA forcés3, c) Clientes 6 kVA DT (dupla tarifação), d) Gros Clients (grandes consumidores). Esse tipo de classificação é semelhante à uma estratificação dos consumidores segundo a faixa de consumo, devido aos mecanismos tarifários adotados pela EDF.

Os três principais grupos de variáveis utilizados pelo modelo são os seguintes:

1. Clientes: número de consumidores em cada uma das subclasses acima relacionadas e o respectivo consumo de eletricidade, fornecido pela EDF;

2. Equipamento: grau de difusão (índice de posse por domicílio) e tipologia dos aparelhos (capacidade, potência, etc.);

3. Utilização: duração e horários em que ocorre o uso dos aparelhos, considerando-se os coeficientes mensais de utilização (sazonalidades) e os coeficientes horários (porcentagem de aparelhos em uso), bem como as variações entre dias úteis e fins de semana/feriados.

Para as previsões da demanda, são considerados cenários alternativos de crescimento econômico e/ou demográfico, segundo as estatísticas disponíveis e estudos previamente feitos.

O Quadro 1, abaixo, apresenta um exemplo de resultados obtidos pelo modelo. Conforme se observa, o consumo total indicado pelo modelo (Conso.calculée = 418 GWh), isto é, aquele estimado a partir da base de dados (posse de equipamentos, potência instalada, tempo de uso, etc.) é bastante próximo daquele de referência (indicado pela EDF = 414 GWh). Esse tipo de comparação (consumo calculado/consumo de referencia) serve de parâmetro para a análise e validação dos resultados obtidos pelo modelo.

O mesmo tipo de raciocino é utilizado na composição da curva de carga. A Figura 2, abaixo, apresenta um exemplo de curva de carga obtida pelo modelo.

 

 

CONCLUSÃO

Embora muitas ações clássicas de GLD tenham sido preteridas ou freadas por uma política energética altamente centralizada e monopolística, o que dificulta o processo de coordenação entre os diversos atores envolvidos (JANNUZZI et al., 1999), observa-se um esforço recente de integração entre as principais instituições (ADEME, EDF e Ministério da Indústria), os quais têm consolidado a parceria entre si e buscado o apoio e interesse de outras instituições.

Grandes esforços têm sido direcionados ao conhecimento da estrutura de uso final, de modo a avaliar os potenciais e impactos de programas e medidas de GLD. Para isso, além das ferramentas de reconstituição e análise de demanda, é necessário um processo eficaz de aquisição de dados, o que tem sido conseguido graças à parceria entre as referidas instituições.

Sem a pretensão de avaliar as possibilidades de adaptação dessas ferramentas ao contexto brasileiro, acredita-se que tais experiências sejam importantes na avaliação do caso brasileiro, onde se observa uma carência muito grande de dados, ferramentas e métodos padronizados de avaliação dos potenciais e impactos de programas de GLD. Embora existam vários estudos brasileiros sobre o assunto, de um modo geral, as estimativas são feitas com base em hipóteses sobre o comporta-mento do consumidor, estatísticas sobre vendas de equipamentos e dados técnico-operacionais obtidos apenas em ensaios de laboratórios.

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi desenvolvido no CIRED, no âmbito do Programa de Cooperação Institucio-nal CAPES/COFECUBProjeto No 201/96. Os autores agradecem o apoio financeiro e estrutural das instituições.

 

REFERÊNCIAS

[1] ADEME e EDF (1993). Foundation and Economic Consistency Framework for Demand Control Actions. Relatório Técnico, 1993.

[2] ANGIOLETTI, R. e SIMON, J.I. Les Consommations d'Electricité des Menages - Panorama des Usages, Evolution des Consommations, Enjeux. MAITRISE DE LA DEMANDE D'ELECTRICITE – Coloque, Paris, 25 e 26 de novembro de 1997.

[3] ANGLADE A., BEYRAND D. e BURLE G. Campagne de Mesure des Caractéristique de Consommation Electrique des Matériels Elec-triques en Aquitaine. MAITRISE DE LA DE-MANDE D'ELECTRICITE - Coloque, Paris 25 e 26 de novembro de 1997.

[4] CAURET, L. e ADNOT, J. Planification Intégrée de l'Energie dans les Département d'Outre Mer: SIADOM - Outil de Décomposition des Courbes de Charge du Secteur Résidentiel. Convênio ARMINES/ADEME – Projeto No 9510021, 1996.

[5] CAURET, L. Dynamiques de la Maîtrise de la Demande d'Electricité: Jeux d'Acteurs et Outils en Métropole et en Outre-Mer. Tese de Doutorado em Economia – EHESS – Paris, dezem-bro de1997.

[6] GOUVELLO, C. La Maîtrise de la Demande de l'Electricité en zones rurales: De l'expérimentation au développement d'une programmation géographique intégrée dans les stratégies d'investissement des maîtres d'ouvrage. DIGEG/Ministère de l'industrie - ADEME/CNRS, Editions de l'ADEME, 1996.

[7] GOUVELLO, C.; POPPE, M.; HOURCADE, J.C. La Maîtrise de la Demande de l'Electricité et Surcoûts de la Desserte Electrique Rurale. CIRED – Centre International de Recherche sur l'Environnement et le Développement - Dezembro de 1996.

[8] GOUVELLO, C. e NADAUD, F. L'analyse des facteurs de développement de la Maîtrise de la Demande d'Electricité en zones ru-rales. SMASH - CIRED/CNRS/EHESS. Rapport Final, dezembro de 1997.

[9] INESTENE – Institut d'Evaluation des Stratégies sur l'Energie et l'Environnement en Europe. Potenciels de Maîtrise de la Demande d'Electricité en France à l'Horizon 2010. Relatório Técnico, 1996.

[10] ________________Evaluation des possibilités de maîtrise de la demande d'électricité dans les réseaux électriques ruraux - Méthodologie du Modèle de Mise en Œuvre de Programmes de Maîtrise de la Demande d'Electricité sur les Réseaux Bas Tension - Modèle EVE. Abril de 1997.

[11] ________________Présentation du Modèle MURELEC. Relatório de Informação Técnica, 1998a.

[12]_______________Mure News – The Newsletter of the Mure II Database. Abril de 1998b.

[13] JANNUZZI, G. M.; GOUVELLO, C.; CAURET, L. A Evolução do Gerenciamento do Lado da Demanda do Setor Elétrico Público: um estudo comparativo entre o Brasil e a França. REVISTA BRASILEIRA DE ENERGIA, Vol. VI, No 1, p 33-51, 1999.

[14] SILDER, O. e BAL, J.L. Connaissance de la Consommation des Ménages: Les Campagnes des Mesures CIEL e ECODROME. MAITRISE DE LA DEMANDE D'ELECTRI-CITE - Colloque - Paris 25 e 26 de novembro de 1997.

 

 

1 Guadalupe, Martinica, Reunião e Guiana.
2 Fica a critério do usuário a escolha desse índice, porém o modelo sugere ± 10%.
3 kVA forcés são consumidores com 3 kVA, mas com equipamentos que mereceriam uma potência superior.