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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Custos da gaseificação de gramínea para eletrificação rural

 

 

Ms. Marcelo Côrtes Fernandes; Prof.Dr. Caio Glauco Sánchez; Engo Mario Barriga Angulo

Departamento de Engenharia Térmica e de Fluidos, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP, Caixa Postal 6088, CEP 13083-970, Campinas, SP, Tel: (019) 788-3383 fax: (019) 289-3722

 

 


RESUMO

A gaseificação da biomassa se apresenta como uma alternativa sustentável para geração de energia, com baixa emissão de poluentes e permitindo, no ciclo global de crescimento e consumo (queima) dos vegetais, um equilíbrio entre consumo e produção de gás carbônico. A gaseificação em leito fluidizado é uma forma de aumentar a eficiência do uso energético da biomassa. Foi projetado e construído um gaseificador de leito fluidizado de 400 mm de diâmetro interno e altura total de 4.600 mm, alimentando biomassa a 100 kg/h. Com os dados de projeto, foi dimensionado um grupo-gerador diesel para operar em regime híbrido, com 70% gás de biomassa e 30% diesel. Com os custos de construção do equipamento, pôde-se fazer uma primeira análise da viabilidade econômica da planta-piloto, para gerar eletricidade por gaseificação de gramínea (capim-elefante) em comunidades rurais. Foi estimado o custo anual do investimento. O custo da eletricidade produzida foi calculado em função do custo de capital e em função do preço do diesel. São apresentados a metodologia e o equacionamento de análise econômica. O presente estudo encontrou valores para o custo da eletricidade produzida entre 0,16 e 0,23 R$/kWh, o que aponta a viabilidade do projeto como alternativa para eletrificação rural.

Palavras-chave: Biomassa; gaseificação; gaseificadores; eletrificação rural; viabilidade econômica; engenharia econômica.


ABSTRACT

Biomass gasification is an sustainable option for energy supply, which presents low pollutants emission rate and allows – through the global cycle of growing and consumption of feedstock (vegetables), a balance between consumption and production of carbonic gas, preventing an increase of the carbonic gas levels in the atmosphere. Fluidized bed gasification is a means to increase the energetic use of biomass. A gasifier was built with internal diameter of 400mm and total height of 4600mm . The equipment was tested for gasification of elephant-grass (pennisetum purpureum) at a 100 kg/h rate. It was evaluated an adequate diesel-electric-generator to work at hybrid regime, using 70% biomass gas and 30% diesel. With the equipment's construction costs, could be made a first economic feasibility assessment on the pilot-plant to produce electricity by grass gasification (elephant-grass) at rural communities. The annual cost of the investment was estimated. The cost of electricity was calculated as a function of the capital cost and the diesel price. The methods and equations for economic assessment are presented. This study found values between 0,16 and 0,23 R$/kWh for the produced electricity, what points towards the feasibility of this project.


 

 

INTRODUÇÃO

A humanidade vive um momento crítico em sua história. O padrão de desenvolvimento de nossa civilização exigiu um alto consumo dos recursos energéticos do planeta. A produção de bens e conforto para o ser humano polui intensamente a Terra, prejudicando a qualidade de vida das espécies existentes. Surge então a necessidade de se remodelar o paradigma tecnológico e social da nossa civilização. Firma-se com a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, o conceito de Desenvolvimento Sustentável. As propostas de desenvolvimento sustentável trazem alternativas para o desenvolvimento socio-econômico das populações humanas presentes e futuras, sem que haja um esgotamento de recursos naturais ou queda nos padrões de qualidade de vida devido à degradação ambiental.

Hoje, entre os vários temas da questão, busca-se o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para geração de energia. Estas tecnologias buscam uma alternativa para o petróleo como principal fonte energética da nossa civilização. Como nem o petróleo nem o carvão mineral são renováveis, buscam-se alternativas para suprir a demanda energética futura de nossa sociedade.

A busca não se focaliza em um único substituto para o petróleo, mas sim na possibilidade de coexistirem várias fontes alternativas, propondo até a mudança do atual paradigma tecnológico e energético. Isto significa que começam a se mostrar economicamente viáveis propostas como: cogeração energética, geração descentralizada de energia elétrica, pequenas centrais geradoras, combustíveis renováveis e até mesmo fontes de fornecimento irregular como a energia eólica e a conversão de energia solar por células fotovoltáicas.

A gaseificação da biomassa se apresenta como uma alternativa sustentável para geração de energia, com baixa emissão de poluentes e permitindo, no ciclo global de crescimento e consumo (queima) dos vegetais, um equilíbrio entre consumo e produção de gás carbônico.

A redução da produção de gás carbônico na geração energética é fundamental para controlar a poluição atmosférica e o aquecimento global. Por isto pode se dizer que a própria tecnologia da gaseificação da biomassa é uma forma de controle, ou melhor, de prevenção da poluição.

Atualmente estão em andamento vários projetos visando o desenvolvimento de sistemas de cogeração com gaseificação e turbinas a gás, utilizando a biomassa como combustível. A gaseificação é definida como a conversão da biomassa, ou de qualquer combustível sólido (o carvão, por exemplo), em um gás combustível, por meio da queima parcial da biomassa.

A disseminação da utilização da biomassa como fonte de energia traria várias vantagens. Ela poderia permitir o desenvolvimento rural e o aumento do emprego de mão-de-obra em países sub-desenvolvidos. A geração de energia pela biomassa poderia sustentar o desenvolvimento rural e o aumento de empregos nos países em desenvolvimento, atuando para minimizar ou inverter o êxodo rural.

Para que isto ocorra, seria necessária uma política governamental de incentivos e divulgação da tecnologia, para torná-la conhecida e atrativa aos olhos da iniciativa privada [Fernandes, 2000].

 

EQUIPAMENTO

Os experimentos foram realizados no gaseificador projetado e construído pelo Laboratório de Combustíveis e Combustão do Departamento de Engenharia Térmica e de Fluidos da Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP.

O reator foi projetado para gaseificar 100kg/h de biomassa, com altura de leito entre 1,0 e 2,0 m. A velocidade de ar de fluidização foi definida em projeto como aproximadamente 1,0 m/s.

O equipamento é constituído por um tubo de 920 mm de diâmetro externo, construído de aço carbono 1020 e revestido internamente por uma camada de tijolos refratários de 60 mm de espessura e de uma camada de manta de cerâmica refratária de 200 mm de espessura, servindo esta de isolamento externo ao tijolo.

O diâmetro interno do reator é 400 mm. A altura total do reator é 4.600 mm. Na zona do freeboard o reator é isolado com lã mineral, com diâmetro interno de 520 mm. Tijolos refratários são necessários apenas na parte inferior do reator, devido aos esforços de cisalhamento pela fricção do leito fluidizado contra o revestimento interno do tubo e pela temperatura mais alta alcançada nesta região do reator.

A biomassa é introduzida no reator por um silo dotado de dois conjuntos de roscas transportadoras (roscas sem-fim) - um pente de roscas dosadoras seguido por uma rosca alimentadora única. A rosca alimentadora é refrigerada internamente com água e sua velocidade é controlada por um moto-variador. O pente de roscas, controlado por outro moto-variador, dosa a quantidade de biomassa a ser enviada ao leito pela rosca alimentadora. O desenvolvimento do silo de alimentação foi objeto de tese, defendida nesta faculdade por Neiva [1998]. Um dos fatores críticos da alimentação de gramíneas e outras biomassas fibrosas é sua compactação, formando arcos no silo, ficando a rosca a girar no vazio [SÁNCHEZ, 1994; NEIVA, 1998].

O silo de alimentação tem capacidade suficiente para garantir a operação do reator por 1 hora. A recarga do mesmo deverá ocorrer antes do seu esvaziamento total, para impedir a entrada de ar em excesso no leito. A biomassa atua também como selo, reforçado pela pressão positiva no silo de combustível. A pressão positiva requer porém boa vedação, para evitar que os gases resultantes escapem para o ambiente do laboratório. Logo após cada recarga - que deve ser feita rapidamente pela razão acima citada -, será necessário esperar a estabilização da temperatura do reator.

Figura 1

O programa de aquisição de dados Strawberry Tree® armazena no micro-computador as condições de temperatura do leito, do ar e da água, e da vazão de ar, do gás de pré-aquecimento e da água do sistema de resfriamento. Como interface, é utilizada uma placa eletrônica tipo ACPC 16-16, com 32 canais analógicos (16 de entrada e 16 de saída), conectada a terminais que permitem a ligação dos termopares e dos medidores de pressão e de vazão de água e de ar.

Foram colocados termopares, tipo K, ao longo da altura do gaseificador, para medida da sua temperatura interna.

Medindo a temperatura do gás, na entrada e na saída do ciclone, foram utilizados termopares tipo K, também conectados ao sistema informatizado de aquisição de dados.

Resultados experimentais de gaseificadores precedentes a este em estudo [Sánchez, 1994; Behainne, 1999] indicam que se pode esperar uma eficiência a frio de, pelo menos, 40% no processo. Este valor será utilizado na análise econômica.

 

ANÁLISE ECONÔMICA

Este estudo analisa a viabilidade de operar o grupo gerador de maneira híbrida, misturando 70% gás de biomassa e 30% diesel. Para isto, ao grupo gerador seria acoplado um gaseificador de biomassa, utilizando o capim-elefante como matéria-prima. Com os dados obtidos da análise técnica, foi dimensionado um grupo-gerador para ser acoplado ao gaseificador. Os custos da construção, operação e manutenção de tal planta-piloto foram levantados e foi feita uma análise da viabilidade econômica do projeto para diversos cenários.

O uso de um motor diesel, operando de maneira híbrida é apresentado na literatura [MUKUNDA, 1992; FERNANDES et SÁNCHEZ, 1999]. Como a energia de ativação dos componentes combustível do gás produto (CH4 e CO) é alta, torna-se necessária fagulha para ativar a combustão. Tal fagulha é fornecida no ciclo diesel pela ignição do diesel presente na mistura. A opção diesel na literatura ocorre porque, fora do Brasil, são produzidos comercialmente apenas grupo-geradores a diesel. Somente aqui há opção para gasolina e álcool.

 

EQUACIONAMENTO ECONÔMICO

Valor Temporal do Capital

Em análises econômicas, o investidor (ou consumidor) sempre está diante de opções de como, quando e onde aplicar recursos (dinheiro, mão-de-obra, compra e venda de bens, uso do tempo, uso de recursos naturais, etc.). Uma família pensaria, por exemplo, se deveria alocar seus recursos para comprar uma nova máquina de lavar roupa ou, então, alocá-los em uma poupança ou em fundos de investimento.

Nos meios produtivos, o dinheiro passa a se chamar capital e possui a capacidade de ser alocado para se multiplicar, produzindo mais recursos. Desta forma, uma certa quantia de dinheiro deve ter um valor diferente, se utilizado já no momento presente para produzir mais capital ou se guardado para uso em um momento futuro.

Como o investidor espera um retorno (multiplicação do capital) em um momento futuro, surgiu o conceito de taxa de retorno, custo de capital ou juros ( i ). O investidor pode emprestar seu capital, esperando o retorno na forma de juros, ou então pode investi-lo no setor produtivo, esperando o retorno na forma de lucros.

Fluxo de Caixa

Construção de uma linha de tempo onde as despesas e investimentos são simbolizados como setas para baixo (valores negativos) e as receitas e economias são simbolizadas como setas para cima (valores positivos). Determina-se desta forma os custos anuais de operação (mão-de-obra + insumos + combustíveis), manutenção e investimento; e as receitas ou economias anuais obtidas. A notação utilizada é de "final-de-período", ou seja, os fluxos de caixa são considerados como ocorrendo no final de cada ano. O investimento inicial ocorre no ano zero.

Valor Presente (VP)

Considerando o valor temporal do dinheiro, tem-se de corrigir os valores futuros (VF) para seu valor presente (VP), distante n períodos de tempo, aplicando uma taxa de retorno de capital (ou custo de capital) i. Reorganizando-se a equação podemos encontrar o valor futuro de um dado valor presente.

Valor Presente Líquido (VPL)

Somam-se os VP positivos (receitas e economias) e negativos (despesas e investimentos). Desta forma pode-se avaliar se, sob um determinado custo de capital, o investimento presente e as despesas futuras são pagos pelas receitas e economias futuras.

VPL > 0 => investimento vantajoso

VPL < 0 => investimento economicamente desvantajoso

Anualidades constantes (séries anuais uniformes)

Fluxos de caixa que se repetem constantes a cada ano podem ter seu VP calculado por meio da soma de uma progressão geométrica. De outra forma, podemos encontrar as anualidades equivalentes a um determinado investimento inicial, aplicando a mesma fórmula.

Taxa Interna de Retorno

Pode-se também calcular o i para que VPL = 0, ou seja, qual o retorno financeiro sobre o capital investido. Neste caso, costuma-se chamar o i de "Taxa Interna de Retorno".

Ele é calculado, a partir das equações acima, de duas formas: método iterativo por tabelas; ou por uso de calculadoras ou computadores.

Tempo de Retorno do Investimento

Seguindo o raciocínio do cálculo da taxa interna de retorno, pode-se calcular o tempo de retorno do investimento inicial para uma esperada taxa i. Este tempo representa o momento quando, sob uma taxa esperada, o VPL=0 ou, como se diz na linguagem cotidiana, "paga-se o investimento ".

Escolha entre investimentos mutuamente excludentes

- Método VPL: escolha do maior valor (ou menor custo);

- Método dos Equivalentes Anuais (transforma-se o VP do investimento em anualidades)

-

Sendo AOM o custo anual de operação e manutenção (incluindo insumos e mão-de-obra) e Aamb o custo dos impactos ambientais. O custo ambiental pode ser negativo, caso seja um projeto que comparativamente reduza os danos ambientais.

Opta-se pelo menor Custo Anual.

Custo da eletricidade

onde EA = energia produzida por ano.

Método de análise

1. Levantamento dos custos da planta piloto;

2. Escolha dos cenários (vida útil do equipamento, custo de capital, número de horas em operação, preços do combustível);

3. Cálculo do CA para os cenários escolhidos;

4. Cálculo do custo da eletricidade para os cenários escolhidos;

 

RESULTADOS

Na figura 2 pode-se ver o custo da eletricidade em função do custo do diesel, para 3 cenários de taxas internas de retorno diferentes.

 

 

Na figura 3 pode-se ver a influência do custo do equipamento no custo da eletricidade. Foram tabelados custos de eletricidade em função do custo do diesel, considerando variações em 10% do custo do equipamento (90%, 100% e 110% do custo do equipamento – respectivamente Equip09, Equip10 e Equip11, na legenda).

 

 

CONCLUSÕES

Os resultados econômicos mostram-se favoráveis quando vistos sob o atual cenário brasileiro. A tarifa residencial da CPFL era de 0,17859 R$/kWh em fevereiro de 2000. O presente estudo encontrou valores para o custo da eletricidade produzida entre 0,165 e 0,225 R$/kWh, o que indica a viabilidade do projeto como alternativa para eletrificação rural.

Apesar de mostrar-se como alternativa viável, a gaseificação de biomassa – por ser uma tecnologia nova - necessitaria de políticas governamentais de divulgação e incentivo, para sua aceitação pela iniciativa privada.

 

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi possível graças aos auxílios das seguintes instituições: IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas); Instituto de Zootecnia; FINEP e CAPES.

Um agradecimento especial honra os técnicos do Laboratório de Combustíveis e Combustão da FEM, Unicamp, sem cuja ajuda este trabalho não sairia da teoria.

 

REFERÊNCIAS

[1] FERNANDES, M.C. Avaliação Tecno-econômica da Gaseificação do Capim-elefante para Eletrificação Rural, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP. Campinas, 2000.

[2] NEIVA, A.C.B. Estudo de alimentadores de Bagaço de Cana para Reatores Atmosféricos, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP. Campinas, 1998.

[3] SÁNCHEZ, C.G. Estudo da volatilização e da gaseificação de biomassa em leito fluidizado, Tese de Doutorado, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP. Campinas, 1994.

[4] BEHAINNE, J.J.C. Diminuição de H2S na gaseificação de carvão mineral mediante adição de dolomita em reator de leito fluidizado. Tese de Mestrado, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP. Campinas, 1999.

[5] MUKUNDA, H.S., DASAPPA, S., SHRINIVASA, U. Open-top Wood Gasifiers. In: JOHANSSON, T.B., et al. Renewable Energy – Sources for Fuels and Electricity. London: Earthscan, 1992. Cap.16, p.699-727.

[6] FERNANDES, M.C., SÁNCHEZ, C.G. Economic Viability of a Biomass Gasification Power Plant for Rural Electrification. In: CleanAir V - fifth international conference on technologies and combustion for a clean environment, .Lisboa. July, 1999.