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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Energia solar no meio rural amazonense: aspectos sociais e influência no sistema de produção

 

 

Cartaxo, Elizabeth F.; Nogueira, Carlos A. S.

Departamento de Eletricidade/Universidade do Amazonas Campus Universitário, Coroado, 69077-000, Manaus, AM, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho mostra os resultados obtidos na implantação dos sistemas fotovoltaicos indicados para um projeto de energização nas comunidades de Novo Paraíso, Nova Aliança, Guanabara II e Vera Cruz, localizadas no Município de Benjamin Constant, região do Alto Rio Solimões, no Estado do Amazonas. A implantação dos sistemas permitiu conhecer os mecanismos sócio-culturais de aceitação e utilização da tecnologia fotovoltaica por parte dos comunitários. O trabalho demonstrou como é possível disponibilizar energia para estas localidades, de forma economicamente viável e metodologicamente responsável. Foi feito um levantamento dos energéticos utilizados nas comunidades assim como a caracterização do processo de implantação da energização solar fotovoltaica e sua apropriação tecnológica por parte dos comunitários.
O trabalho também mostra que a introdução da nova tecnologia não alterou os processos tradicionais de trabalho utilizados no cotidiano de vida das populações humanas envolvidas. Também observou que os sistemas de iluminação implantados foram manejados e passaram a integrar as diversas rotinas, dentre elas as ligadas às práticas religiosas, de educação formal e organização social das famílias moradoras nas comunidades. Foi observado, a grande importância que a implantação da rádio-comunicação terá na superação das barreiras naturais que envolvem a região compreendida pelas comunidades, destacando sua utilização para os processos de comercialização, saúde e intercâmbio comunitário.

Palavras-chave: Energia solar; comunidades rurais; produção rural


ABSTRACT

The work show the results obtained in the implant of the systems photovoltaics indicated for energy project in the communities Novo Paraíso, Nova Aliança, Guanabara II and Vera Cruz, located in the Municipal district of Benjamin Constant, area of high Rio Solimões, in the State of Amazonas. The implant of the systems allowed to know the partner-cultural mechanisms of acceptance and use of the technology fotovoltaic on the part of the community ones. The work demonstrated as it is possible supply energy to these places, in way economically viable and responsible methodology. It was made a rising of the energy ones used in the communities as well as the characterization of the process of implant of the energy photovoltaic and its technological appropriation on the community ones.
The work also show that the introduction of the new technology didn't alter the traditional processes of work used in the daily of the life involved human populations. It also observed that the implanted illumination systems went manageable and they started to integrate the several routines, in them tied up to the religious practices, of formal education and the families inhabitants' social organization in the communities. It was observed, the great importance that the implant of the radio-communication will have in the overcome of the natural barriers that they involve the area understood by the communities, highlighting its use for the commercialization processes, health and community exchange.

Keywords: Photovoltaic energy; rural communities; rural production


 

 

INTRODUÇÃO

A energia é o fator básico de produção de um país, determina os padrões da sociedade, mostrando uma íntima e positiva correlação com o Produto Nacional Bruto, países ricos em geral, apresentam altos níveis de consumo de energia. O Brasil é um país que está em vias de desenvolvimento e é tido como um país rico. É dependente dos produtos derivados do petróleo. Muitas regiões brasileiras, como no caso da Região Amazônica, uma grande parcela de suas localidades são supridas de forma precária, com intervalos de atendimento que variam de 4 a 8 horas diárias, e outras onde este serviço nem chega a se completar. A escassez de energia tem como resultante principal a limitação do ritmo e das tendências de crescimentos econômico, social e humano [1]. A energia que abastece estas localidades é gerada basicamente em termelétricas, utilizando o óleo diesel como energético.

A vida das populações isoladas na Região Amazônica é bastante difícil, mesmo com a imensa quantidade de recursos naturais disponíveis. O trabalho realizado é de ordem física e manual. O aumento da produtividade em conjunto com o trabalho físico somente seria viável com o apoio de uma fonte de energia adequada. Entretanto as fontes de energia convencionais (motores diesel ou gasolina, lâmpadas a querosene, etc.) não se ajustam a um modelo sustentável para se alcançar a melhoria da qualidade de vida na Amazônia. Porém, fontes de energia renováveis são capazes de romper este modelo.

A falta de recursos e a política existentes, promovida pelos órgãos competentes, prejudicam a ação social para a implantação de projetos que visam o bem estar social dos moradores dessas localidades da Amazônia. Alcançar o desenvolvimento sócio-econômico destas localidades é difícil por natureza, devido as grandes distâncias entre elas e suas características geográficas. O morador local também sente estas dificuldades ao levar horas, em mata fechada, seguindo as trilhas que o levam a seu local de trabalho, ou ainda utilizando-se da canoa como meio de transporte pelos arredores da comunidade. É rotina a luta pela sobrevivência, o viver de subsistência, a ausência da leitura, da consciência crítica e do exercício da cidadania. Mas é grande a vontade de crescer, de mudar, a esperança e a paciência na espera de um futuro melhor. No entanto a espera por oportunidades e o abandono os enfraquece [2].

 

CARACTERÍSTICAS SÓCIO-ECONÔMICAS DAS COMUNIDADES

As informações descritas neste item são resultados do trabalho realizado pela equipe de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – INPA envolvidas no projeto "Energização Solar Fotovoltaíca de Quatro Comunidades Isoladas na Região do Alto Solimões " do Programa do Trópico Úmido/CNPq, desenvolvido pelo INPA, Universidade do Amazonas e USP.

A população assentada nas localidades perfaz um total de 146 habitantes (29 famílias) na Cidade Nova, 185 (37 famílias) em Guanabara II, 69 (15 famílias) em Novo Paraíso e 130 (25 famílias) em Nova Aliança, distribuídas em 29, 36, 13 e 25 residências, respectivamente. O número médio de pessoas por família nas comunidades é de 7,6, 7,5, 7,7 e 7,3. A unidade de produção tem como base a mão-de-obra familiar, onde os filhos, após completarem 8 anos, iniciam a sua participação.

A totalidade dos moradores são nativos da região ou das proximidades. Suas formas de produção apresentam as mesmas características daquelas utilizadas pelas populações tradicionais da Amazônia. Essas atividades são praticadas em ambientes pouco modificados, tendo os sistemas de produção, basicamente, quatro componentes produtivos.

O roçado, no qual o cultivo da mandioca e da banana são os mais importante, nas unidades de produção.

A caça e a pesca, onde foi identificado na pesquisa que a caça é praticada por 63,9% dos entrevistados das comunidades Cidade Nova, Nova Aliança e Guanabara II, porém pouco praticada pelos comunitários de Novo Paraíso, em função da escassez de animais nas proximidades, cuja prática destina-se ao atendimento das necessidades das famílias e, eventualmente, à comercialização. A cutia e o macaco (várias espécies) são a caça mais freqüente. A pesca é realizada no conjunto da bacia hidrográfica, dando-se preferência, dependendo do período do ano, ao rio principal, igarapés ou lagos; consome o maior tempo de trabalho do produtor, depois da agricultura.

O extrativismo, cujos principais produtos extraídos da floresta são o mel, o óleo de copaíba e o óleo da andiroba. As principais espécies utilizadas para fins alimentares são, açaí e tucumã. Algumas espécies madeireiras são utilizadas para confecção de móveis, construção civil e cocção. A extração é utilizada, principalmente, para consumo próprio, tendo pouca participação na comercialização.

A criação de animais, onde estes sistemas nas comunidades são compostos de aves (galinhas e patos), suínos e ovinos (carneiros). De maneira geral, trata-se de planteis reduzidos, tendo como finalidade principal a satisfação das necessidades das famílias. O aproveitamento dos sub-produtos do sistema de criação ocorre através do uso das penas das aves para o artesanato e do esterco para adubo.

Os processos de trabalho são diversificados, mais ou menos definidos e envolvem diferentes e inúmeros fatores interativos, como estratégia de viabilizar a reprodução das famílias.

Predomina o uso de instrumentos de trabalho manuais, como enxada, terçado, machado, tarrafa, zagaia, malhadeira e outros, demandadores de muito esforço físico. Isto significa que os aumentos na produção ou na produtividade viabilizam-se apenas através da intensificação do uso da força de trabalho (hora homem/área).

Na agricultura praticada os processos são os tradicionais (corte/queima) objetivando sobretudo o consumo das famílias. O processo agrícola inicia com o preparo da área, envolve várias etapas que variam com a cobertura vegetal, tais como broca, derrubada, queima e coivara. O plantio segue a forma tradicional e é feito pelos membros das famílias. A colheita é manual e o beneficiamento, quando existe, é feito sempre de modo artesanal, com equipamentos rudimentares. O principal beneficiamento é o da mandioca, tendo como produto mais comum a farinha.

Predominam as formas de cooperação e ajuda (reciprocidade) nas relações de trabalho, principalmente o mutirão/ajuri. Apenas na comunidade Nova Aliança 33.3% dos entrevistados responderam que contratam diaristas para as atividades produtivas. O Movimento de Educação de Base(MEB), ligado à Igreja Católica, tem estimulado a organização das comunidades através de Grupos de Trabalho, principalmente atividades na roça (preparo da área, plantio, colheita, transporte e comercialização dos produtos), e construções comunitárias. Através de assessoria para a elaboração de projetos, algumas comunidades obtiveram equipamentos tipo motor de processar mandioca, motor de rabeta, moto-serra (equipamentos demandadores de energia elétrica de fonte fóssil) e fornos de farinha (energia para cocção) para implementar as atividades dos grupos,.

A organização formal ocorre através da Associação de Produtores Rurais, Conselho Geral da Tribo Tikuna – CGTB e Organização Geral dos Professores da Tribo Tikuna – OGPTB. O MEB atua nas comunidades desenvolvendo atividades na área de saúde, organização e educação de jovens e adultos. A Fundação Nacional de Saúde - FNS, atua na área de saúde, realizando exames de malária. Os professores são pagos pela prefeitura que fornece o material escolar. A EMATER atua realizando cursos e treinamentos. A Universidade do Amazonas promove treinamento de agentes de saúde, professores e cursos extras.

Os principais centros consumidores dos produtos agroflorestais das comunidades pesquisadas são as cidades de Benjamin Constant e Tabatinga, em território brasileiro, e Letícia, em território Colombiano. Esta última destaca-se, sobretudo, pela compra de peixe, para exportação, e artesanato indígena. Parte da produção de banana e pupunha atingem o mercado de Manaus através de barcos-recreios.

As comunidades têm como principais produtos comercializados: derivados da mandioca (farinha, goma e tucupi), frutas em geral (banana abacaxi, abiu, umari, mamão, manga, ingá, açaí, mapatí, cubiu, sapota, cupuaçú, pupunha, etc), verduras (tomate, pepino, jerimum, macaxeira, coentro, cebolinha, chicória milho, cará, açafrão, feijão, pimenta, pimentão, boga-boga, maxixe, melancia), artesanato (cestos e móveis), peixe (várias espécies) animais domésticos principalmente galinha e essências (copaíba). Os que vendem seus produtos na cidade utilizam transporte próprio, comunitário ou alugado, principalmente motores do tipo "rabeta".

Os principais compradores são "marreteiros", feirantes, frigoríficos e os próprios consumidores. Geralmente, os compradores estabelecem o preço dos produtos. Parte da produção, principalmente banana e farinha, é vendida nas comunidades para "marreteiros", os principais agentes que intermediam a comercialização.

 

LEVANTAMENTO DOS ENERGÉTICOS UTILIZADOS

O levantamento dos energéticos mais utilizados nas comunidades foi feito mediante a aplicação de questionários às famílias do local, escolhidas aleatoriamente para servirem de amostragem[3]. As questões enfocavam basicamente três itens: o uso de querosene, velas e pilhas.

Para a iluminação doméstica, os comunitários utilizam basicamente lamparinas de querosene. A vela tinha pouca utilização, somente em casos de falta de querosene. O consumo de querosene varia muito em função do número de habitantes em cada domicílio, e principalmente entre as famílias que apagam a lamparina para dormir e as que permanecem com a lamparina acesa durante toda a noite. O consumo varia entre 4 e 9 litros por família por mês, perfazendo uma média de 6,5 litros por família.

A variação no consumo mensal de pilhas por família é muito grande, varia entre 1 a 24 pares de pilhas por mês. No entanto, a média mensal encontrada foi cerca de 9 pilhas, perfazendo uma média de 108 pilhas por ano por família. Esse consumo familiar médio entre as 80 famílias dispostas nas 4 comunidades, resulta num total de 8.640 pilhas por ano.

 

O SISTEMA FOTOVOLTAICO AUTÔNOMO

Os elementos fundamentais que caracterizam todo sistema fotovoltaico são a própria carga e o módulo fotovoltaico. Em geral, um sistema tão simples somente permitiria consumos proporcionais à radiação solar, ou seja, durante as horas do dia em que os níveis de irradiação permitissem o uso diretamente desta fonte. Em regra geral, é necessário dotar o conjunto de um sistema de armazenamento que permita liberar o consumo da geração. Tais sistemas podem adotar muitas e variadas formas, sendo a mais frequente a acumulação eletroquímica em baterias secundárias, tipo baterias automotivas de chumbo-ácido.

Para conseguir uma boa adaptação entre as características da bateria e os módulos fotovoltaicos, incrementando o rendimento do conjunto e prolongando a vida da bateria, é conveniente intercalar entre esses elementos um sistema eletrônico de regulação que evite sobrecargas e descargas profundas no acumulador.

No caso da eletrificação rural, o esquema geral já descrito, representa bem uma instalação fotovoltaica autônoma para eletrificação de residências ou pequenos ambientes. Estes sistemas podem ser divididos basicamente em pequenos, de 10 a 20 Wp (Watt-pico); médios, de 50 Wp; e grandes, de 100 Wp. Um sistema de 20 Wp pode fornecer entre 70 a 80 Wh (Watt-hora), em condições de razoável radiação solar.

Os elementos fundamentais que constituem o sistema fotovoltaico autônomo são, a própria carga elétrica, o gerador fotovoltaico e um subsistema de acumulação de energia (dependendo do uso do sistema).

Um gerador fotovoltaico permite converter diretamente em energia elétrica a energia proveniente do sol que incide em sua superfície. Os "módulos fotovoltaicos" são um conjunto de células conectadas entre si, encapsuladas, formando uma unidade que as protege dos efeitos danosos que um longo tempo de exposição ao sol, chuvas, etc., pode causar. Da mesma forma, um gerador fotovoltaico é um conjunto de módulos, conectados em série ou paralelo, até alcançar a tensão e a potência de pico necessárias ao abastecimento da carga.

O subsistema de acúmulo de energia é responsável pelo armazenamento da energia quando a geração é superior ao consumo, e pelo abastecimento da carga quando há consumo e não há geração.

A metodologia empregada para o cálculo da irradiação solar global incidente no plano do coletor, e posteriormente o dimensionamento dos módulos fotovoltaicos e dos acumuladores, foram as adotadas a partir de Pinho & Zilles [4].

 

OS SISTEMAS FOTOVOLTAÍCOS NAS COMUNIDADES

Os equipamentos utilizados para cada instalação nas escolas e centros comunitários têm as mesmas características e modelos. Estão descritos na Tabela 1.

 

 

A Tabela 2 apresenta os locais onde foram instalados os sistemas fotovoltaicos concentrados nas comunidades (escolas, centros comunitários ou igrejas), o número de lâmpadas e os custos iniciais de instalação.

 

 

As comunidades apresentam suas construções comunitárias (escolas, centros comunitários ou igrejas) com dimensões muito próximas entre si, além do mesmo estilo de construção, ou seja, a escola é composta de um salão para aulas (formato retangular) e uma sala adjacente com a finalidade de deposito, leitura, etc., exceto Novo Paraiso que tem um vão único. O centro comunitário é composto de um salão sem divisórias. A igreja é composta por um único cômodo que é o salão para orações e culto.

São construções feitas em madeira e cobertura de palha trançada feita pelos próprios comunitários, ou folhas de zinco, cedidas pela prefeitura do município.

 

IMPLANTAÇÃO DOS SISTEMAS NAS COMUNIDADES

Antes da implantação do sistema solar, foi realizado uma verificação das necessidades mais importantes e imediatas de energia nas comunidades, com a participação da população. O item de maior necessidade constatado foi a água, mas esse também é o de maior complexidade e demora de implementação.

A educação para jovens e adultos foi tido como a segunda, na escala dessas necessidades. As comunidades somente dispunham de educação para as crianças e jovens durante o dia. Desta forma, os jovens eram prejudicados pois é imprescindível sua presença no trabalho familiar e comunitário (roçado, colheita, etc.), levando ao abandono da grade escolar. A implantação da iluminação nas escolas, possibilitou as aulas noturnas, o que solucionará o problema desses jovens e promove perspectivas para a alfabetização de adultos.

O isolamento e dificuldade de comunicação com o município sede e outras comunidades foi outra necessidade apontada. A implantação de um sistema de rádio para comunicação facilita o intercâmbio entre as comunidades, especialmente nas questões de saúde e comercialização dos produtos cultivados, em virtude das informações repassadas na sede do município, a cidade de Benjamin Constant, chamada pelos comunitários de "base", fornecendo dados de cotação de preço dos produtos comercializados.

Uma outra necessidade identificada foi a atividade de lazer. Como as comunidades apresentam um perfil de influência religiosa muito presente e características étnicas diferentes, algumas são comunidades indígenas, outras mistas, sugeriu-se a implantação de um sistema de iluminação em uma construção comunitária, onde a escolha ficaria a critério da população local (igreja, centro comunitário ou outra alternativa indicada).

Com relação à manutenção da instalação fotovoltaica, esta não é uma tarefa difícil, além de ter baixo custo, uma das principais vantagens da tecnologia para as regiões remotas. O módulo fotovoltaico tem um tempo de vida útil superior a 20 anos, e a bateria, caso seja bem dimensionada, entre 4 e 5 anos. Desta forma, a fim de poder efetuar a reposição dos componentes, a comunidade organizará um fundo de manutenção que será composto por "mensalidades" (não necessariamente em moeda). Este fundo permitirá repor alguns elementos como, reguladores, conectores, lâmpadas e interruptores.

A capacitação dos comunitários foi realizada através de cursos, ministrados durante as instalações dos equipamentos fotovoltaicos. Os cursos disponibilizaram conhecimento e treinamento para a formação técnica adequada a instalação de pequenos sistemas fotovoltaicos, destinados ao atendimento de comunidades isoladas, apresentando os princípios básicos de funcionamento desses sistemas, aplicados a energização rural. Cada comunidade recebeu formação relativa aos aspectos básicos de manutenção e sensibilização (economia de energia).

Nas comunidades Nova Aliança e Guanabara II foram utilizados palha para cobrir o abrigo para baterias, enquanto que, nas demais, o material utilizado foi a telha de alumínio. A comunidade de Vera Cruz, que inicialmente fez a cobertura de alumínio, modificou para cobertura de palha após receber a explicação sobre os prováveis prejuízos que o calor poderia provocar na vida útil do equipamento.

Para a instalação do sistema, foram utilizados vários instrumentos que não estão disponíveis na comunidade. Partindo do princípio que o projeto tem por objetivo a apropriação da tecnologia e a autonomia da comunidade, seria interessante a utilização de instrumentos conhecidos pelos comunitários que se adequassem a sua instalação.

A instalação do sistema solar nas comunidades poderá favorecer a utilização da televisão com maior freqüência, inclusive para outros fins não priorizados pela proposta do projeto. Desta forma seria necessário um fortalecimento das atividades de organização, empreendidas pelo projeto, para evitar possíveis conflitos, como os já ocorridos na comunidade de Guanabara II.

Uma preocupação fundamental na implantação do projeto foi relacionar a necessidade de planejar a reposição futura dos equipamentos, principalmente baterias e lâmpadas, bem como o fortalecimento da organização das comunidades para as relações de mercado, quando da implantação do sistema de rádio-comunicação, porque é comum as trocas não monetarizadas existentes nas comunidades. Na comunidade de Novo Paraíso foi questionado se o planejamento para as relações de mercado não acarretaria o fim das relações de troca existentes na comunidade.

Em Novo Paraíso as atividades foram mais dificultadas, principalmente pela barreira da linguagem, a comunidade é formada de índios da tribo Tikuna que ainda não dominam o português. Foi observado uma forte influência de cunho religioso nas comunidades, marcadas pela presença da denominação religiosa "religião da cruz". As questões de cunho político também interferem na implantação dos projetos e desvirtuam as informações, tais interferências conduziram a equívocos, como no caso do sistema de Nova Paraíso que foi super dimensionado para suas necessidades em função destes fatos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A energia solar chegou a essas comunidades de forma a suprir necessidades básicas da população. Certamente esperar a chegada da energia pelos meios convencionais demandaria ainda um certo tempo, tendo em vista as limitações a que as localidades estão sujeitas.

Porém, verifica-se a necessidade do suprimento de energia, principalmente elétrica, para atender necessidades voltadas para os meios de produção, tais como força motriz para acionamento de máquinas que contribuiriam no aumento da produção dos sub-produtos agrícolas e produção de frio para conservação de pescado, identificadas neste trabalho.

Ações que visem atender a falta e deficiência desse serviço devem ser estimuladas e perseguidas por todos os setores responsáveis, viabilizando e financiando projetos de suprimento energético a essas populações, com uso de fontes locais, disponíveis, economicamente viáveis, mas principalmente, socialmente justos.

A energia solar para comunidades isoladas na região amazônica é perfeitamente possível, havendo acompanhamento técnico e transferência de informações básicas para a manutenção dos sistemas fotovoltaicos aos comunitários.

As comunidades, a partir do uso da nova tecnologia, terão maior grau de auto-sustentabilidade energética e econômica (com o aumento da produtividade), de maneira compatível com o modelo de agricultura familiar difundida por seus habitantes, culminando em um desenvolvimento integral, econômico, cultural e social.

A falta de energia numa sociedade leva a existência de assimetrias sociais nas condições e qualidade de vida, tais como: a permanência da pobreza, a falta de oportunidade para o crescimento, o fluxo migratório para as grandes cidades e a descrença desta sociedade local no futuro. As grandes cidades são caracterizadas pelas profundas disparidades de renda, condição de vida e acesso aos serviços básicos entre os grupos sociais que conseguem capturar os benefícios econômicos do crescimento rápido, e aqueles que não conseguem [6], que passam à marginalidade. Uma das alternativas para evitar esse caos urbano é o estímulo a iniciativas que promovam a permanência do homem do interior, e certamente estas alternativas passam pela questão energética.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA

[1] CARTAXO, E.F.; JANNUZZI, G.M., "Análise Técnica e Econômica de um Sistema Híbrido Solar-Diesel", III CBPE, São Paulo, Junho, 1998.

[2] AMARAL, A.G.G.; MELO, D.N.; CARTAXO, E.F.; JANNUZZI, G.M.; PARENTE, R.P., "Características Energéticas de Pequenas Comunidades do Interior do Estado do Amazonas: O Caso de Campinas", III CBPE , São Paulo, Junho, 1998.

[3] ZILLES, R.; FEDRIZZI, M.C., "Energização Solar Fotovoltaíca de Quatro Comunidades Isoladas na Região do Alto Solimões". Relatório Interno da Segunda Viagem de Campo do Projeto trópico Úmido, São Paulo, 1998.

[4] PINHO, J.T.; ZILLES, R., "Planejamento e Dimensionamento de Sistemas Fotovoltaicos", UFPA, Belém, 1998.

[5] NOGUEIRA, C.A.S.; CARTAXO, E.F., "Fatores que Caracterizam o Processo de Implantação de Sistemas Solar Fotovoltaicos na Energização de Regiões Remotas da Amazônia". VIII CBE, Rio de Janeiro, Dezembro, 1999.

[6] RADY, H.M., "Renewable Energy in Rural Areas of Developing Countries: Some Recommendations for a Sustainable Strategy", Energy Policy, Junho, 1992.

 

 

Endereço para correspondência
Cartaxo Elizabeth F.
e-mail: eliza@fua.br

 

 

1 NP: Novo Paraíso; VC: Vera Cruz; GII: Guanabara II; NA: Nova Aliança.
2 Nos custos incidem acessórios como placas fotovoltaicas, estrutura metálica, controlador de carga, baterias, fios, luminárias, conectores, etc...