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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Energia, sociedade e recursos naturais em projeto de reforma agrária: Avaliação das condições de vida, possibilidades e dificuldades no Assentamento Iporá (Rio Preto da Eva e Itacoatiara – AM)

 

 

Breno de Souza França

Núcleo de Eficiência Energética, NEFEN, Universidade do Amazonas, CEP: 69.070-000, AM, tel./fax: (092) 644-2194

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Apresenta-se um relato baseado em atividades e dados coletados no projeto de pesquisa "Tecnologias Alternativas para o Meio Rural: aspectos técnicos e sócio-econômicos", desenvolvido no Projeto de Assentamento Iporá (municípios de Rio Preto da Eva e Itacoatiara – AM).
As ações desenvolvidas neste projeto, basearam-se na metodologia de pesquisa-ação e centraram-se na questão energética, porém era sempre constante e essencial a correlação com os aspectos sócio-econômicos e ambientais, os quais eram determinantes nas tomadas de decisão e no direcionamento das atividades do projeto.
Este artigo apresenta uma abordagem sobre o assentamento dentro deste contexto e busca também instigar novos estudos, avaliações e conclusões a respeito.


ABSTRACT

This paper presents an account of the activities and information collected in the research project "Alternative technologies to the rural area: technological, economic and social aspects", developed in the Iporá Placement Project (Rio Preto da Eva and Itacoatiara – AM).
The actions developed in this project were based in the research-action method and are focused in the energetic matters, however the social, economic an environmental aspects of each energetic alternative discussed were always considered and proved to be decisive in the decision-taking process of the project activities.
This paper introduces a discussion of the referred Placement in that context and also tries to foster new studies, evaluations and conclusions about it.


 

 

INTRODUÇÃO

O suprimento de energia para comunidades isoladas, representam um verdadeiro desafio aos órgãos responsáveis pelo desenvolvimento sócio-econômico dessas populações, cujo poder aquisitivo não permite a aquisição e manutenção de tecnologias para utilização no processo produtivo, na educação, na saúde e no uso doméstico. Além disso, a definição de tecnologias apropriadas ao meio rural não consiste em uma tarefa simples, pois devem ser avaliadas, além das condicionantes técnicas, as sócio-econômicas e ambientais que influenciarão na adoção, gestão e difusão das mesmas.

Tal situação justifica o desenvolvimento e avaliação de opções tecnológicas segundo as condicionantes supracitadas através de projetos de pequeno porte, os quais permitem o desenvolvimento de instrumentos que, quando divulgados, possibilitam a discussão dos resultados obtidos tanto com instituições governamentais e financiadoras quanto com os usuários (membros das comunidades), facilitando assim uma escolha mais coerente das tecnologias a serem implantadas o que, consequentemente, diminuirá a probabilidade de maus investimentos.

Com este intuito desenvolveu-se o projeto "Tecnologias Alternativas para o Meio Rural: aspectos técnicos e sócio econômicos" (TAMR), no Projeto de Assentamento Iporá (PAI), no período de fevereiro de 1998 a janeiro de 20001.

O TAMR foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa "Tecnologias Alternativas" da Universidade do Amazonas composto por profissionais e estudantes de Serviço Social e Engenharia Elétrica. O projeto foi financiado pelo Programa Trópico Úmido (PTU) do Ministério da Ciência e Tecnologia e do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).

Os sistemas de geração de energia implantados pelo projeto foram:

Painéis fotovoltaicos, atendendo a demanda de energia elétrica de escolas e postos de saúde;

Gasogênio a carvão vegetal, gerando energia elétrica para atividades domésticas e produtivas de GD's2;

Fogão a Lenha de Queima Limpa (FLQL), com o objetivo de substituir os fogões a lenha tradicionais (menos eficientes e mais poluentes) e/ou a GLP (alto custo de aquisição e manutenção) utilizados no PAI;

Roda d'água, bombeando água para irrigação e consumo doméstico de GD's.

O texto a seguir inicia com uma caracterização do PAI. Em seguida discuti-se aspectos mais específicos, inserido-se algumas ações do TAMR relacionadas e finaliza-se com algumas considerações gerais.

 

CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA

O PAI encontra-se localizado entre os quilômetros 127 e 146, margem direita da rodovia AM-010, pertencendo aos municípios de Rio Preto da Eva e Itacoatiara, na microregião 010 – Médio Amazonas. Dista respectivamente cerca de 50 e 80 km das sedes de Rio Preto da Eva e Itacoatiara3.

Segundo INCRA (1991) possui uma área total de 29.643 ha, dividindo-se em 3.062 ha para parcelamento, 25.908 ha de área preservada e 150 ha de núcleos urbanos. Este possui capacidade para assentar 361 famílias em lotes de aproximadamente 10 ha.

Dentre diversas vicinais as principais são Manápolis (maior, com 18 km) e Pedreira. Ambas partem da AM-010 e cruzam o assentamento até próximo ao rio Rio Preto da Eva.

Existem dois pequenos núcleos urbanos "Vila Seis de Janeiro" (vicinal Pedreiras, próximo à AM-010) e "Vila Manápolis" (vicinal Manápolis, próximo ao rio Rio Preto da Eva).

A área pertence à bacia hidrográfica do rio Rio Preto da Eva, sendo bem drenada com um vasto número de igarapés. O relevo é movimentado, sendo dominante o ondulado e o suave ondulado, com alguns platôs.

A vegetação primária é uma densa floresta tropical, ainda predominante. Onde esta já foi explorada existe capoeira e plantações diversas. No geral, o tipo de solo é o latossolo amarelo, com bastante acidez e já bem degradado e compactado nas áreas dos lotes.

 

PRINCIPAIS PROBLEMAS

Segundo levantamento sócio-econômico realizado em 1998 pela Universidade do Amazonas os principais problemas citados pelos moradores do PAI são:

• falta de estrutura de escoamento (7%)

• falta de equipamentos agrícolas (12%)

• falta de crédito/financiamento (20%)

• falta de infra-estrutura (energia elétrica, água, transporte) (21%)

• outros (25%)

O TAMR visa principalmente atender ao item infra-estrutura, mais especificamente energia e água. Porém, as demais questões são freqüentemente consideradas, e dentro do possível, procura-se ou auxilia-se na busca de soluções para as mesmas.

 

ORIGEM E FORMAÇÃO DO PAI

O PAI foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 1991 após a desapropriação da área, antes uma fazenda de cana de açúcar que supria uma destilaria de álcool e uma fábrica de cachaça no mesmo local, criadas em função do PROALCOOL. As mesmas faliram no início da crise do programa, e as terras serviram como pagamento de dívidas de financiamentos junto ao Governo Federal, o que provavelmente não foi suficiente.

A atividade desta fazenda deu origem ao solo degradado e compactado sobre o qual foi desenvolvido o PAI, exigindo grandes esforços, recursos e energia para corrigi-lo e torná-lo adequado a plantios. Portanto, os problemas do PAI existem desde sua criação.

A distribuição dos lotes. No período de distribuição das terras, alguns GD's (cerca de 60) já encontravam-se no local e tiveram prioridade. Outros foram selecionados dentro e fora do Amazonas segundo a Norma SEASC/N.º 01/88 que considerava basicamente número de pessoas do GD, experiência e aptidão dos mesmos para o uso da terra, aqueles que se enquadram nos pré-requisitos são os chamados clientes de reforma agrária.

A dinâmica de ocupação e abandono dos lotes é intensa e desordenada. Os mesmos, até hoje, ainda não foram distribuídos em sua totalidade. Alguns encontram-se abandonados e outros ocupados ilegalmente.

Apesar de existir a Norma diversos lotes são distribuídos sem atender aos critérios, além de alguns critérios não serem suficientes:

• Existem GD's que receberam os lotes sem possuírem qualquer experiência ou aptidão para trabalhar com a terra. Estes, vindos principalmente de bairros pobres de Manaus, desperdiçam seu tempo e material em plantios e criações que não se mantém por falta destes requisitos. Muitos desses conseguem sobreviver com a ajuda de parentes que moram nas cidades próximas;

• Outros recebem lotes sem necessidade, transformando-os em sítios. Dentre estes, alguns contratam caseiros e os deixam morando no local, outros pagam diárias para os que realmente moram em seus lotes, tornando-se uma forma de sobrevivência no assentamento;

• Ao serem escolhidas pessoas de outras regiões (principalmente do Nordeste) estas chegam aqui dispostas a plantar da mesma forma que em sua terra natal, tendo prejuízos;

• Alguns nem têm interesse de plantar ou criar algo, recebem os créditos a que têm direito e abandonam o local;

• Devido as duas primeiras situações alguns assentados costumam dizer que "o Iporá não sustenta os assentados, os assentados é que sustentam o Iporá".

Os créditos. Ao receberem os lotes os assentados têm direito aos seguintes créditos:

Alimentação: para a subsistência até o início das primeiras colheitas;

Fomento: para a compra de implementos;

Habitação: para a construção de uma casa no lote recebido;

PROCERA: financiamento pelo BASA para aquisição de mudas, crias, adubo e demais implementos necessários ao plantio e/ou criação.

Os créditos deveriam servir para desencadear a produção no assentamento, mas nem sempre isto acontece. A necessidade de alimentar a família, entre o ingresso na terra e a primeira colheita, faz com que boa parte dos recursos que deveriam ser utilizados para fomento acabem sendo consumidos com a alimentação.

 

ORGANIZAÇÃO SOCIAL

No âmbito interno do assentamento, no ano de 1997, foram identificados no local 14 associações, 2 cooperativas e 1 grupo de mulheres. Esse dado demonstra a necessidade dos assentados em organizarem-se para lutar pela conquista de recursos para o desenvolvimento das atividades produtivas, para a ampliação da produtividade e da comercialização da produção, imprescindíveis para o desenvolvimento sócio-econômico contínuo deles. Em alguns momentos eles conseguiram "bons frutos" com uma organização política de forte influência. Porém, em outros momentos a organização fragmenta-se, percebendo-se que nestes casos, em geral, faltam bons líderes, resultado da falta de capacitação dos assentados.

No plano externo percebeu-se, no início das atividades do TAMR, forte inserção nos movimentos de luta pela terra e maior participação na política partidária municipal e estadual, em seus diferentes aspectos predominando vinculação aos partidos de esquerda. Atualmente esta característica quase extinguiu-se, os líderes esquerdistas estão menos atuantes e outros abandonaram o assentamento. Assim, vem percebendo-se com maior incidência uma política paternalista, tornando os assentados mais dependentes de ações dos atuais governantes (ou movimentos esquerdistas externos).

Na tentativa de auxiliar essa organização social o TAMR promoveu cursos de planejamento familiar, liderança, capacitação rural e relações humanas além de assessoria técnica aos projetos desenvolvidos pelos assentados, buscando-se parcerias quando do surgimento de uma demanda de conhecimentos que não eram de domínio da equipe.

 

EDUCAÇÃO, SAÚDE, MORADIA E INFRA-ESTRUTURA

Ambas as vilas são compostas basicamente de uma escola, um posto de saúde e casas para moradia. Existem ainda cerca de três escolas e um posto de saúde fora das vilas.

As casas para moradia têm a finalidade de abrigar as novas famílias que chegam ao assentamento até conseguirem construir suas casas em seus respectivos lotes. Porém, as famílias que usam seu crédito habitação com outras necessidades ficam morando na vila além do tempo devido.

Os GD's que constróem suas casas normalmente o fazem com madeira retirada do próprio lote, cobertas de palha ou zinco.

A rede elétrica mais próxima encontra-se a uma distância de aproximadamente 30 km até a entrada da primeira vicinal (Manápolis). Frequentemente surgem rumores de que o assentamento será eletrificado, mas até então não se concretizaram. Portanto, assim como o restante do assentamento, as vilas não são atendidas por rede elétrica.

Esporadicamente, principalmente em ano de eleições, os moradores conseguem grupos geradores. Porém, por falta de manutenção e combustível os mesmos entram em desuso e são levados para destinos desconhecidos.

Por todos os lotes passam vicinais, o que permitiria um fácil acesso caso não fossem mal construídas e se houvesse manutenção adequada.

O grande problema do Iporá no que se refere à saúde é a malária. Existe um agente de saúde para cada posto e quando surgem os surtos de malária esta mão-de-obra não é suficiente.

Três dificuldades constantes eram enfrentadas pelos agentes de saúde:

• a falta de iluminação noturna dos postos o que impossibilitava qualquer atendimento noturno;

• falta de um freezer para conservar medicamentos que precisam ser armazenados a baixa e constante temperatura (como vacinas);

• falta de energia para ligar o microscópio, essencial no diagnóstico da malária.

O TAMR procurou sanar os problemas implantando sistemas fotovoltaicos nos postos de saúde das vilas. O único posto fora das vilas não foi atendido porque este não existia na época da elaboração do TAMR. Os sistemas estão sendo usados apenas para iluminação e microscópio. Os freezer's que seriam adquiridos pela Prefeitura do Rio Preto da Eva até então não foram comprados.

Nas escolas é oferecido o ensino básico. As escolas são freqüentadas atualmente por jovens e crianças no período matutino, cujos professores são pagos pela Prefeitura do Rio Preto da Eva.

A grande maioria dos adultos não concluíram o ensino básico, existindo inclusive uma grande parcela de analfabetos e o único horário que eles têm para estudarem é durante a noite por trabalharem durante o dia. Objetivando-se atender esta demanda de estudantes adultos o TAMR implantou sistemas fotovoltaicos para iluminação das escolas, viabilizando aulas no período noturno.

Instalou-se o sistema em quatro escolas. Dentre os quais apenas dois foram utilizados intensivamente. Nas escolas das vilas houveram aulas noturnas por pouco tempo o que ocorreu pelo fato das vilas encontrarem-se longe da maioria dos lotes dificultando assim a locomoção dos alunos às aulas, ao contrário do que acontece com os alunos da manhã que vão de ônibus.

 

UMA QUESTÃO DE DIVISAS

Conforme citado anteriormente, a área do assentamento encontra-se parte no município de Rio Preto da Eva e parte no município de Itacoatiara, porém este sempre foi atendido apenas pelo município de Rio Preto da Eva, devido a maior proximidade da sede e maior interesse por parte dos prefeitos deste município. Os professores e agentes de saúde sempre foram pagos pela prefeitura de Rio Preto da Eva. Porém, o repasse de verbas para o município nunca levou tal situação em consideração. Assim, a Prefeitura do Rio Preto da Eva e os assentados sempre reivindicaram que o Iporá fizesse parte apenas de Rio Preto da Eva.

Aproximadamente em março de 1999 esta reivindicação foi negada pela assembléia legislativa do Estado. A partir de então a Prefeitura de Rio Preto da Eva resolveu não mais pagar os professores noturnos e nem o agente de saúde do lado de Itacoatiara, e só pagar os professores diurnos até o final deste ano.

As duas escolas que mais utilizaram o sistema fotovoltaico pertencem ao lado de Itacoatiara.

 

O USO DAS ÁGUAS

A região do assentamento possui diversos igarapés e fontes d'água. Acredita-se que nenhum lote seja desprovido de tal recurso. Porém, a maioria dos igarapés passam em vales com desníveis de até 70 m o que facilita construção de barragens para piscicultura, mas dificulta o acesso à água para consumo doméstico e torna quase inviável a irrigação sem um sistema de bombeamento.

Visando atender esta necessidade e aproveitando-se as barragens existentes em diversos lotes, o TAMR instalou quatro sistemas de bombeamento com roda d'água os quais consistem de roda, bomba, tubulação, caixa d'água e, em um deles, poço.

Estes sistemas instalados, a princípio, atenderiam apenas um GD. Porém três sistemas em uso atendem ao consumo doméstico, criação de galinhas e porcos, irrigação de pequenas hortas e ainda fornecem água potável para vizinhos.

A capacidade de bombeamento dos sistemas é, em média 4000 m3/dia, com volume de água vertida para a roda de, em média, 3 litros/segundo.

A tecnologia da roda d'água não era novidade para o local. O grupo de pesquisa encontrou cerca de três GD's que possuíam roda. Porém, todas mau dimensionadas, duas funcionavam com baixa eficiência e a terceira nem funcionava. A idéia foi então estudar-se a tecnologia e instalar algumas dentro dos limites de recurso do projeto e, a partir desta experiência, ensiná-los como dimensionar e instalar tais sistemas.

O abastecimento de água para a Vila 6 de Janeiro é feito através do bombeamento de água (por roda d'água instalada pelo INCRA) de uma grande barragem próxima a vila e do bombeamento de água (por moto-bomba Diesel) de um poço artesiano. O poço apresenta frequentes problemas por ter sido mal projetado e por falta de manutenção e/ou Diesel, sendo assim pouco utilizado.

Próximo à Vila Manápolis existia anteriormente uma barragem com roda d'água (instalada pelo INCRA), através da qual era bombeada água para a vila. Por falta de manutenção a barragem cedeu. A roda foi retirada e teve destino desconhecido. Atualmente não há abastecimento de água nesta vila.

Nestes casos percebe-se falta de zelo dos próprios comunitários por algo que era deles, predominando o pensamento de que "o que é público não é de ninguém".

Conforme comentado anteriormente existem diversas barragens onde é praticada piscicultura para subsistência. O potencial para comercialização é bom mas falta apoio e infra-estrutura.

Muitos igarapés foram prejudicados com a construção das vicinais. Ao construí-las não se usava o recurso de pontes ao cruzar-se os igarapés. Eram instaladas tubulações para drenagem e sobre as mesmas eram passadas as vicinais. Além disso as tubulações eram postas em nível acima do leito do igarapé. A consequência disto foi o desvio e barragem das águas. Lotes que ficavam a jusante foram prejudicados porque tiveram a quantidade de água reduzida e os que ficaram perto sofreram com a malária pois, ao ser barrada, parte da água ficava parada favorecendo a proliferação do agente vetor da doença.

 

USO DA TERRA, FAUNA E FLORA

O tipo de relevo do local apesar de facilitar a piscicultura dificulta o plantio em boa parte dos lotes. Em muitos deles menos da metade da área dos lotes é plana.

As culturas encontradas no local são diversas predominando as seguintes: maracujá, coco, cupuaçu, banana, abacaxi, pupunha, mandioca e citrus.

Alguns GD's optam por iniciar o plantio ou criações com recursos próprios. Estes normalmente conseguem desenvolver culturas/criações para subsistência e em maior escala plantio de mandioca para fazer farinha. Sendo portanto, comum a existência de uma casa de farinha em cada lote.

Outros optam pelo PROCERA. Estes ao solicitarem o crédito devem apresentar projeto o qual é, em geral, desenvolvido e acompanhado por técnicos do IDAM. A grande maioria dos projetos é feito para plantio de maracujá e coco. Havendo o desinteresse em desenvolver-se culturas de espécies regionais. Em alguns poucos projetos incluem o cupuaçu. Tem-se a impressão de que projetos são sempre os mesmos para todos os assentados que solicitam.

As culturas de maracujá e coco necessitam de bastante água, mas os projetos não abordam infra-estrutura para irrigação.

Após a aprovação do projeto deveria existir assistência para correção do solo, forma de plantio etc. Porém tal acompanhamento é quase inexistente.

Não se conhece nenhum caso de sucesso. Os assentados não conseguem pagar a dívida, abandonando a terra. Por alguma lógica pouco infundada a dívida fica na terra e novos assentados que acabam por evitar, logicamente, os lotes que possuem dívida. O prejuízo fica com a União.

Existem assentados que, por iniciativa própria, conseguem bons plantios de pupunha, cupuaçu, acerola, dentre outros. Porém, por limitações de área não conseguem volumes adequados para escoar e negociar adequadamente.

A mata nativa dos lotes é explorada com o objetivo de extrair-se madeira para construção, para lenha ou para produção de carvão. O extrativismo de frutas e plantas medicinais é quase insignificante.

A fabricação de carvão por alguns GD's é intensa pois há revendedores que compram in loco, sendo uma forma de subsistência na área.

A atual lei ambiental permite, para lotes menores que 100 hectares, o desmatamento de até 50% de sua área. No PAI muitos lotes já encontravam-se com mais de 50% desmatados quando entregues aos assentados. Isto causa um impasse junto ao IBAMA pois, frente a esta situação, os proprietários requerem autorização para explorar um pouco mais da mata de seu lote.

Em face desta situação o IBAMA constantemente encontra-se na área ameaçando aqueles que desmatam além do previsto. O referido órgão pouco faz para conscientizar ou, ensinar formas de manejo e reflorestamento de áreas já degradadas.

Permanecendo a situação atual, a tendência é que, principalmente os produtores de carvão, explorem suas terras até o limite.

Na tentativa de fornecer energia elétrica para três GD's o TAMR implantou um gasogênio a carvão vegetal. A energia a ser gerada (10 kVA) serviria para auxiliar no processo produtivo (alimentando motores elétrico para cevar mandioca e sistemas de bombeamento/irrigação) e uso doméstico. Ao ser instalado na área trouxe bastante expectativa e, dentre as tecnologias implantadas pelo TAMR, foi a que possibilitou a interação mais intensa entre os usuários e a equipe do TAMR. Apesar de várias tentativas e estudos o gasogênio não funcionou devidamente e encontra-se atualmente nas dependências da Universidade do Amazonas, em estudo.

A possibilidade de incentivo ao desmatamento trazido por esta tecnologia seria evitado das seguintes maneiras:

• O uso de baterias (em geral 50 Ah) é comum no assentamento, sendo utilizadas principalmente para alimentar televisores. Assim uma das idéias era que os GD's usuários do gasogênio trocassem carga de bateria por carvão. O que evitaria uma exploração concentrada da mata no lote dos usuários. O carregador de bateria chegou a ser comprado;

• Seria estudado e aperfeiçoado o processo produtivo de carvão realizado pelos assentados;

• Os usuários seriam orientados quanto a realização de manejo da mata de seu lote. Esta cultura de manejo poderia até reduzir a degradação da floresta local que já existia antes do gasogênio.

 

A ALIMENTAÇÃO

Apesar de viverem em área rural, boa parte da alimentação consumida pelos assentados é comprada nas cidades de Manaus e Rio Preto das Eva. Existem algumas plantações de subsistência (citadas anteriormente) e pouca criação. A criação de animais limita-se a galinha, pato, suíno e, raramente, bovino. Todos apenas para subsistência. Não é raro os assentados alimentarem-se de alguma caça: pacas, mucuras e jacarés (os últimos costumam aparecer para devorar as criações de patos e peixes).

O grande consumo de farinha de mandioca, comum na região, não é exceção no Iporá. A produção de farinha não limita-se a subsistência, sendo uma das principais fontes de renda dos GD's.

A cocção de alimentos é realizada principalmente queimando lenha. Alguns utilizam também carvão e GLP. Os fogões a lenha tradicionais queimam muita lenha, o carvão exige bastante trabalho para ser feito e o GLP é bastante oneroso. Do início para o final da vicinal Manápolis o preço do GLP chega a variar 60%.

Além disso, encontra-se relacionado o problema de saúde. Smith (1986) procurou estabelecer em uma amostra de cozinhas em Guajarat – Índia – uma comparação entre a exposição diária média (3 horas) às emissões de um fogão a lenha e fumar cigarros. Nesta região é comum o uso de fogões a lenha sem chaminé. Em termos de monóxido de carbono, a equivalência encontrada para a exposição foi a de se fumar 2 maços de cigarro diariamente. Em termos de substâncias orgânicas policíclicas, que são carcinogênicas, equivaleu a fumar 20 maços de cigarro por dia; de material particulado 2 maços por dia; e de formaldeídos, 5 maços por dia. No mesmo trabalho, o autor mostra que os níveis de concentração destas mesmas substâncias encontrados em cozinhas com fogões a lenha de câmara de combustão fechada e chaminé são inferiores, porém não insignificantes.

Face a estes problemas o TAMR implantou no assentamento o Fogão a Lenha de Queima Limpa (FLQL) desenvolvido por Thomaz Borges e Gilberto Martins. Este fogão através de um processo de queima down-draft, possui uma eficiência maior e gera menos gases poluentes que os fogões tradicionais (BORGES, 1994).

Atualmente encontram-se quatro instalados na área. Dentre os quais:

• Um é utilizado continuamente por um GD de nove pessoas (pai, mãe e sete filhos);

• Outros dois são utilizados parcialmente por um GD de cinco pessoas (casal e três filhos) e outro de duas pessoas (um casal na faixa dos 70 anos). O FLQL é utilizado quando o GD não possui dinheiro para comprar GLP;

• O quarto não está sendo utilizado. O GD por tradição continua preferindo o convencional para uma grande quantidade de comida ou fogão a GLP para uma pequena quantidade.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tecnologias ao serem implantadas eram acompanhadas de esclarecimentos, sendo inclusive ministrados cursos, elaboradas e distribuídas cartilhas. Vários usuários participaram das instalações, para os quais procurava-se deixar bem claro que o equipamento era deles e não da Universidade do Amazonas, e que eles eram nossos parceiros enquanto avaliadores da tecnologia. Tais precauções contribuíram para que até hoje nenhum equipamento tenha sido furtado e todos encontrem-se em bom estado de conservação.

Os aspectos citados anteriormente não descartam ou aprovam totalmente qualquer das tecnologias estudadas e implantadas pelo TAMR. Para tanto, torna-se necessário ainda as avaliações técnico-econômicas detalhadas as quais constam nos relatórios anuais produzidos pela equipe do TAMR.

O fato de ter-se trabalhado com diversas tecnologias não descartam outras possíveis alternativas energéticas tais como: micro centrais hidrelétricas, pilhas recarregáveis, locomóveis, além de sistemas híbridos (compostos inclusive de fontes não-renováveis).

Baseando-se nos fatos relatados, dentre uma série de conclusões, pode-se citar as seguintes:

• uma tecnologia por si (ou seja, tecnicamente falando) não é simplesmente "apropriada ou não", sua pertinência pode somente ser definida em face a certas circunstâncias econômicas, sociais, culturais e políticas;

• o esgotamento do modelo que orientou a implantação de assentamentos na Amazônia, impõe a necessidade de restruturação destas áreas exigindo destes segmentos a busca de alternativas viáveis.

Observa-se a necessidade de uma reorganização sócio-política interna no assentamento; assim como uma interação mais eficiente com a política externa. Tendo consciência disto, a equipe "Tecnologias Alternativas" mantém-se atuante, prestando assessoria e auxiliando na interlocução entre assentados e governantes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] ANDRADE, J.; SOUZA, R. C., CHAVES, M. P. S., R., MARTINS, G., RODRIGUES, D. C. B., FRANÇA, B. S., NASCIMENTO, S. V., COSTA, Y. S.; PEREIRA, G. A., GALVÃO, W; Relatório de Atividades do Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico: Tecnologias Alternativas para o Meio Ambiente Rural: aspectos técnicos e sócio-econômicos. Universidade do Amazonas - Instituto de Ciências Humanas e Letras / Faculdade de Tecnologia; Manaus, Amazonas; 1998.

[2] BORGES, T. P. F.; Fogão a Lenha de Combustão Limpa. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Campinas, São Paulo; 1994.

[3] INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (INCRA); Ante-Projeto de Assentamento Iporá; Manaus, Amazonas; 1991.

[4] SMITH, K. R.; Biomass Combustion and Indoor Air Pollution: the bright and dark sides of small is beautiful. Enviromental Mangagement; 1986.

 

 

Endereço para correspondência
Breno de Souza França
e-mail: nefen_ua@objetivomao.br

 

 

1 Este artigo foi desenvolvido baseando-se em informações coletadas até outubro 1999.
2 Grupo doméstico: termo usado para designar um grupo de pessoas que moram na mesma casa com ou sem laço familiar.
3 Tomando-se como referência a entrada do ramal Manápolis (no quilômetro 130 da AM-010)