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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Potencial de mitigação de gases estufa pela indústria de óleo de palma visando a captação de recursos do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL)

 

 

Orlando Cristiano da Silva; Osvaldo Stella; Americo Varkulya Jr; Suani Teixeira Coelho

Centro Nacional de Referencia em Biomassa, CENBIO, Av. Prof. Luciano Gualberto 1289, Cidade Universitária, CEP 05508-900, Tel.: (11) 3818-4912 R-425 e 418 Fax: (11) 3816-7828

 

 


RESUMO

A possibilidade da eminente ratificação do Protocolo de Quioto abre novas perspectivas para a captação de recursos internacionais para projetos que colaborem com a redução dos impactos causados pelo efeito estufa. O presente documento analisa as possibilidades de utilização do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto pelas indústrias de óleo de palma no Brasil. São analisados os processos de captação do carbono nos ecossistemas florestais formados pelos dendezais e as emissões evitadas com a substituição de combustíveis fósseis pelos resíduos dos processos de beneficiamento industrial dos frutos.
Em seguida é apresentada uma estimativa do potencial de captação de recursos do MDL através dos Certificados de Redução das Emissões – (CER).

Palavras-chave: Sequestro de Carbono, Protocolo de Quioto, Óleo de Palma.


ABSTRACT

The possibility of Kyoto's Protocol ratification introduces a new perspectives for the international financing of projects that contribute to the mitigation of the greenhouse effect. This work describes the potencial in greenhouse gases mitigation and sequestration in the palm oil industry in Brasil. The analisys is focused on the industrial stages of the process because the intensive use of energy that it represents. Agricultural aspects take place on the carbon off set analysis.
Finally a analisys of the potencial internacional financing using the carbon credits from the CDM is made.


 

 

INTRODUÇÃO

O aumento da interferência humana na biosfera em busca de energia e materiais está causando a deterioração da qualidade ambiental. Uma manifestação dessa deterioração é o aumento da concentração de gases estufa (principalmente CO2, CH4, N2O) na atmosfera. Esse crescimento é responsável pelo agravamento do efeito estufa que, segundo previsões científicas, acarretará no aumento da temperatura média da superfície da terrestre de 1 a 3,5 graus Celsius e aumento do nível médio do mar de 15 a 90 cm no decorrer do próximo século (IPCC,1996).

Previsões a cerca do consumo de energia para o século 21 sugerem um aumento contínuo das emissões de dióxido de carbono de 7,4 bilhões de toneladas por ano em 1997 para aproximadamente 26 bilhões de toneladas em 2100. A menos que mudanças drásticas sejam feitas no modelo de produção e consumo de energia em poucos anos o mundo estará enfrentando graves alterações ambientais principalmente no que diz respeito a câmbios climáticos.

Atualmente intensos esforços estão sendo feitos a nível internacional, com a finalidade de diminuir a emissão dos gases estufa. Neste sentido diferentes metas de redução ou limitação de emissões de carbono foram estabelecidas politicamente por cada país. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é um dos vários "mecanismos de flexibilidade" autorizados no Protocolo de Quioto (dezembro de 1997) e consiste na certificação de projetos de redução de emissões e seqüestro de carbono em países em desenvolvimento e a posterior venda desses certificados para serem utilizados pelos países desenvolvidos como uma forma de atingir o cumprimento de suas metas.

O presente trabalho analisa as influências dos certificados de emissões de carbono em projetos de biomassa. Neste caso é avaliado o Carbono absorvido em plantação de palma (dendê).

 

O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO - MDL

A Convenção–Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, assinada pelo Brasil na RIO-92, trata do problema do efeito estufa. A convenção estabeleceu que os países desenvolvidos deveriam tomar a liderança no combate ao aquecimento global e retornar suas emissões antrópicas de gases de efeito estufa, por volta do ano 2000, aos níveis anteriores de 1990. A primeira conferência dos países que fazem parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima, realizada em 1995, em Berlim (Alemanha), examinou os compromissos definidos para os países desenvolvidos e concluiu que eram inadequados. Foi elaborado, então, o Mandato de Berlim, que pôs em marcha um processo de dois anos para a discussão de um Protocolo que definisse novos compromissos legalmente vinculantes, no sentido de possibilitar ações apropriadas para a primeira década do século 21.

O processo do Mandato de Berlim culminou com a Terceira Conferência das Partes (COP 3), realizada em Quioto (Japão), em 1997, com uma decisão por consenso em favor da adoção do Protocolo de Quioto. De acordo com o Protocolo, os países desenvolvidos aceitaram compromissos diferenciados de redução ou limitação de emissões entre 2008 e 2012. Mas apesar de os países da Convenção terem chegado a um acordo em Quioto, o Protocolo apenas entrará em vigor 90 dias após a sua ratificação por pelo menos 55 países. Neste sentido cabe mencionar que, em julho de 1997, o Senado norte americano aprovou a resolução que definiu que "os Estados Unidos não devem ser signatários de qualquer protocolo...que imponha novos compromissos de limitar ou reduzir emissões de gases do efeito estufa para as Partes do Anexo I", a não ser que "o protocolo imponha novos compromissos específicos de limitação ou redução de emissões de gases de efeito estufa para as Partes, Países em Desenvolvimento, incluindo a China, o México, a Índia, o Brasil e a Coréia do Sul, dentro do mesmo período de cumprimento".

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é um dos três "mecanismos de flexibilidade" que foram estabelecidos para auxiliar o cumprimento das metas de redução ou limitação de emissões de gases de efeito estufa e é o único que inclui os países em desenvolvimento. Consiste na certificação de projetos de redução de emissões e seqüestro de carbono em países em desenvolvimento e a posterior venda desses certificados para serem utilizados pelos países desenvolvidos como uma forma de atingir o cumprimento de suas metas.

O artigo 12 especifica que os países em desenvolvimento que implementarem projetos de MDL emitirão as CERs (certified emission reduction) e os países industrializados poderão utilizar estas CERs para cumprirem suas metas de redução de emissões de gases estufa acordadas no Protocolo de Quioto. Essencialmente, isso incentiva projetos voluntários similares aos elaborados anteriormente pela "Joint Implementation" (JI) entre países do anexo B e países que não pertencem ao anexo B.

Apesar dos impecilhos, as expectativas são cada vez maiores. Projetos científicos estão baseando sua execução nas verbas e financiamentos que os CDM's trarão para os países em desenvolvimento. Como exemplo, aqui no Brasil, a mistura álcool-diesel, para ser usada nos ônibus de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, visa conseguir fundos com a redução das emissões de carbono, através da utilização do "combustível verde", vendendo seus créditos de carbono. Aliás, as inúmeras manifestações de interesse já mobilizaram o mercado e até o BIRD, Banco Mundial, criou recentemente um fundo de US$150 milhões para investir nas futuras transações de créditos de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) em termos mundiais, chamado Prototype Carbon Fund.

No Brasil, a regulamentação desse mercado desperta enorme atenção. Segundo o documento Efeito Estufa e Convenção sobre a Mudança do Clima, produzido pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (MCT / BNDES), "há uma expectativa de que novos mercados e instrumentos financeiros venham a ser criados para viabilizar as transações de crédito de emissão de gases causadores do efeito estufa". Isso prova que o Protocolo é visto pelo mundo como uma espécie de salvação, tanto para o meio ambiente, como para os países desenvolvidos e em desenvolvimento, que podem montar uma rede de colaboração para diminuir significativamente as emissões atuais.

Estudos mostram que países como a Noruega e a Holanda não conseguem reduzir suas emissões abaixo dos níveis atuais e começam a promover o plantio de florestas em países tropicais, para que elas absorvam parte do carbono emitido por eles; assim o Brasil também pode se beneficiar desses programas, que já chegaram aos países do Sudeste da Ásia e ao Caribe.

O papel do Brasil nesse novo mercado tem grande importância. Além de possuir clima e solo favoráveis, ainda possui tecnologia disponível tanto para realizar plantios de florestas, como para otimizar o uso do álcool como combustível e a biomassa como fonte renovável de energia elétrica. Segundo dados de 99, a comercialização internacional de créditos de seqüestro ou redução de emissões de carbono pode chegar a atingir uma demanda de US$ 20 bilhões anualmente, quando esse mercado estiver totalmente regulamentado. Cada tonelada de carbono evitada deverá render entre US$ 20 e US$ 100. Um país como o Brasil, grande seqüestrador potencial de carbono, tem na venda de créditos uma grande chance de concretizar um desenvolvimento econômico e social sem precedentes na sua história (CENBIO NOTÍCIAS, N. 7, 1999)

A Quarta Conferência das Partes da Convenção (COP4), realizada em 1998, em Buenos Aires, Argentina, estabeleceu um processo que visa regulamentar os três mecanismos até o final de 2000, durante a Sexta Conferência das Partes (COP6). Estão previstas duas reuniões de negociação para essa regulamentação durante o corrente ano, culminando com o processo na COP6, a ser realizada em Haia, Holanda, em novembro de 2000. Essa reunião será decisiva, pois definirá claramente o futuro do Protocolo de Quioto.

 

SEQÜESTRO DE CARBONO EM ECOSSISTEMAS TERRESTRES – O CASO DO ÓLEO DE PALMA

A opção pelo óleo de dendê nesta análise prende-se à importância de se ampliar o mercado desta oleaginosa no Brasil, na medida em que, dada as suas características, pode representar um fator de desenvolvimento sustentável para as populações das regiões Amazônica e do Sul da Bahia, onde se registram os mais baixos índices socioeconômicos do País. Precisamente nestas regiões, estão reunidas as condições edafo-climáticas ideais para o cultivo do dendê. Na Região Amazônica, por exemplo, existe uma disponibilidade de mais de 4 milhões de hectares de áreas propícias para a prática da dendeicultura, o que poderá transformar o Brasil no maior produtor mundial de óleo de dendê que hoje representa o 2o óleo vegetal mais comercializado no mundo, depois do óleo de soja.

Além disso, o Brasil importa mais de 50% do óleo de dendê utilizado nas indústrias. A implementação de uma polícia nacional de valorização do dendê poderá não só levar o País a auto-suficiência como à posição de um dos principais exportadores, contribuindo de forma importante para a dinamização econômica das comunidades rurais onde os projetos se instalarem.

É importante ressaltar que a dendeicultura pode ser praticada em solos pobres e degradados e é uma atividade intensiva em mão-de-obra. Isso lhe confere a vantagem ambiental de recuperação de áreas degradadas da região Amazônica e de conter o fluxo migratório das populações rurais para os centros urbanos, em busca de oportunidades de trabalho.

O seqüestro de carbono em ecossistemas terrestres engloba tanto a captura de carbono da atmosfera quanto a prevenção de emissão de gases estufa dos ecossistemas. Existem duas maneiras básicas de abordar a questão da fixação de carbono em ecossistemas terrestres:

proteção dos ecossistemas que estocam carbono para que esse processo seja mantido ou até mesmo incrementado;

manipulação dos ecossistemas para aumentar a fixação de carbono.

A fixação do carbono pode se dar tanto na planta como no solo. O total de carbono armazenado em um sistema reflete o balanço a longo prazo entre a absorção da planta, a fixação de carbono no solo e as perdas por respiração e decomposição.

Estudos sobre a absorção, distribuição e fixação de CO2 conduzidos em diversas regiões e com diversas espécie vegetais (Eucaliptos, Dendê e Florestas Naturais) apresentam resultados altamente variáveis.

Os níveis de absorção e estocagem de carbono apresentados pelo dendezeiro em diferentes condições ecológicas, apontam para valores bastante interessantes e próximos daqueles apresentados pelos reflorestamentos de Eucaliptos. O questionamento reside então no que pode ou deve ser considerado como carbono fixado pelo dendezeiro, dentro da metodologia do IPCC.

Estudos conduzidos em La Mé/Costa do Marfim (Dufrene et al, 1990), possibilitaram a simulação da destinação dos assimilados, mostrando que a respiração consome 67% da assimilação, valores estes bem superiores aos encontrados em outros estudos, de 20% a 50% (Ruguet, 1981). A manutenção do sistema foliar e radicular se apresenta como a principal destinação dos produtos da assimilação, com 18% e 24,5% respectivamente.

A partir de determinações de matéria seca da parte aérea, realizada em plantas de dendê com idade variando de 2 a 8 anos nas condições de Moju/PA (Viegas, 1993) e adotando a mesma percentagem de raízes determinada por Dufrene et al. (1990), foram estimadas as quantidades de matéria seca na parte aérea de plantas para as diferentes idades de uma plantação. Os valores encontrados para matéria seca foram convertidos em quantidade de carbono, empregando-se um fator de conversão de MS para carbono de 0,4, considerando que para o Eucalyptus se adota um fator de correção de 0,5 (Reis et al.). Estes valores são apresentados na Tabela-1

 

EMISSÕES EVITADAS E SEQUESTRO DE CARBONO COM A UTILIZAÇÃO ENERGÉTICA DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS DO ÓLEO DE PALMA

Tomando por base as considerações formuladas no estudo "Potencial de Cogeração de Energia pelo uso de Resíduos Industriais na Produção de Óleo de Palma" temos os seguintes dados em termos da produção:

• Área plantada – 3.000 ha

• Produção de cachos – 60.000 t/ano

• Produção do óleo de palma – 12.000 t/ano

• Produção do óleo de palmiste – 19.000 t/ano

Originalmente o vapor necessário no processo era produzido através da queima dos resíduos em uma caldeira. A energia elétrica consumida em toda a planta industrial era fornecida por um gerador a diesel convencional. Na hipótese de instalação de um sistema de cogeração de energia, com a utilização dos resíduos disponíveis, o estudo determinou uma potência máxima possível de ser instalada na ordem de 1.54 MW e a energia gerada na faixa de 11.000 MWh/ano, considerando o fator de capacidade de 80%. A média da emissão dos motores diesel na Amazônia é de 0.25 tC/MWh gerado. Assim sendo, a emissão evitada com uso de resíduos da indústria de óleo de palma situa-se na ordem de 2.750 toneladas de carbono por ano. Esse volume de carbono evitado é determinado considerando-se que a energia será fornecida para um sistema não conectado a rede, muito comum na região. Se o mesmo cálculo for feito para a energia fornecida pela rede esse número cairá drasticamente. A produção de energética elétrica no Brasil, ao contrário de outros países como os Estados Unidos, é realizada predominantemente por conversão de fontes renováveis, o que implica em baixa emissão de gases estufa por kW gerado. Neste estudo foi considerado que o balanço de emissão da biomassa é praticamente nulo. Se resumindo apenas ao consumo de derivados de petróleo pelas máquinas utilizadas para o preparo e manutenção das plantações.

Considerando ainda a vida útil do sistema de cogeração de 25 anos, temos um total de 68.750 toneladas de carbono evitado, o que corresponde uma receita de U$ 687.500, se estimarmos em U$ 10.00 o preço da compra da tonelada de carbono no mercado das CERs.

Além do carbono evitado considera-se o carbono fixado as plantações. De acordo com a tabela-1, o conteúdo da matéria seca correspondente a produtividade no 12o anos de vida do dendezeiro é de 103.57 t/ha, equivalente a um teor de 41.43 t/ha de carbono sequestrado. Voltando à estimativa da área plantada de 3.100 ha e considerando a produtividade nesta fase como sendo a média, teremos um total de 128.433 toneladas de carbono sequestrado ao longo da vida útil do projeto. Em termos da receita da comercialização do CER, este total equivale a uma soma de U$ 1.284.330.

A tabela 2 resume os benefícios que poderão ser alcançados, no quadro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, através da implantação de projetos de exploração de óleo de palma com o aproveitamento dos resíduos da industrialização para gerar energia.

 

 

CONCLUSÃO

A aplicação do Protocolo do Quioto através da compra dos Certificados de Redução das Emissões pelos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento pode representar no caso do Brasil um importante fator de incentivo, entre outras, à cultura extensiva do dendezeiro cujas vantagens são evidentes no plano econômico, social e ambiental. Os custos de implantação de projetos de exploração do dendezeiro para a produção do óleo de dendê podem ser parcialmente subtraídos com as receitas provenientes da comercialização dos CERs. O impacto positivo da redução de emissão de gases estufa na substituição da energia proveniente da rede por energia cogerada por resíduos de biomassa é atenuado no caso do Brasil. Isso se deve ao fato de a energia eletrica no Brasil ser predominantemente proveniente de fontes renováveis. Mesmo quando inserimos neste cenário as térmicas a serem implantadas, o quadro pouco se altera já que a emissão de gases estufa produzidas pela conversão do gás natural é muito baixa quando comparada com as térmicas a carvão, comuns nos Estados Unidos. Assim sendo, no caso brasileiro, o maior potencial de captação de recursos do MDL é o sequestro de carbono por meio de reflorestamento. Embora o reflorestamento, na maioria das regiões do Brasil, não seja financeiramente viável apenas com os recursos previstos no MDL, a verba proveniente do mecanismo pode viabilizar vários projetos de recuperação florestal que já contam com outras fontes de recurso.

 

BIBLIOGRAFIA

[1] CENBIO – Centro Nacional de Referência em Biomassa, Levantamento do Potencial de Absorção de Carbono nas Plantações de palma na Amazônia, 2000

[2] SILVA, O. C . , Análise do Aproveitamento Econômico e Energético do Óleo de Palma na Guiné-Bissau na Perspectiva do Desenvolvimento Sustentável. 1997

[3] KALTNER, F.J.; RODRIGUES, M. R. L. - Geração e Distribuição de Energia a partir de Óleos Vegetais na Comunidade de São Sebastião, no Município de Manaus – AM, 1998