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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Estudo de viabilidade da introdução do uso de óleos vegetais na geração de energia elétrica nos sistemas isolados

 

 

Carla Kazue Nakao Cavaliero; Ennio Peres da Silva

Planejamento de Sistemas Energéticos, Faculdade de Engenharia Mecânica, UNICAMP, Campinas, SP, Tel: 0055 19 2891860/7883262/7883245

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem o objetivo de analisar o potencial de utilização de óleos vegetais na geração de eletricidade em comunidades isoladas da Região Amazônica. O estudo de caso realizado com a localidade de Vila Campinas, município de Manacapuru/AM, mostra a necessidade de uma área relativamente pequena para extração de óleo de buriti em localidades de baixa demanda de energia, além de proporcionar desenvolvimento tecnológico e econômico e redução das emissões de CO2.

Palavras-chave: Sistemas Isolados; Óleos Vegetais; Região Amazônica.


ABSTRACT

This study intends to analyse the potential of vegetable oils for electricity generation in isolated communities of Amazon Region. The case study with Vila Campinas, municipal district of Manacapuru/AM, shows the necessity of a relative small area to extract buriti's oil in communities of low energy demand. Besides it provides technological and economic development and CO2 emission reduction.


 

 

INTRODUÇÃO

Os sistemas isolados representam uma parcela muito pequena do mercado nacional de energia elétrica, atendendo a pequenas e médias comunidades localizadas principalmente na Região Amazônica. As grandes distâncias, somadas ao difícil acesso e à baixa demanda de energia elétrica, fazem com que a geração nestes sistemas mantenha-se de forma descentralizada.

Na maioria dos casos, o suprimento nos sistemas isolados está baseado na utilização de grupos geradores à óleo diesel ou óleo combustível, combustíveis estes subsidiados através da Conta de Consumo de Combustíveis - CCC, que tem data marcada para terminar: maio de 2013. Assim, para se continuar assegurando o fornecimento de energia elétrica à estas comunidades, é necessário e urgente o desenvolvimento de programas que utilizem recursos energéticos locais, reduzam a dependência energética e proporcionem também o seu desenvolvimento econômico.

Uma das possíveis alternativas de suprimento de energia elétrica aos sistemas isolados é a implantação de projetos que valorizem a biomassa não-lenhosa, ou seja, os frutos da floresta de pé, como as oleaginosas nativas, para a produção do chamado "diesel vegetal". Este óleo apresenta características que permitem a substituição parcial, e até mesmo total, de óleo diesel convencional em motores-geradores de energia elétrica.

Com este propósito, o trabalho aqui apresentado objetiva analisar a viabilidade da utilização de óleos vegetais em substituição, parcial ou total, ao óleo diesel em geradores de energia elétrica à diesel nos sistemas isolados da Região Amazônica. Para tanto, serão realizados a revisão bibliográfica sobre a utilização dos óleos vegetais na geração de energia elétrica; um estudo de caso com a localidade de Vila Campinas, município de Manacapuru/AM; e a análise dos benefícios sociais (geração de empregos) e ambientais (emissão evitada de CO2) obtidos com esta tecnologia.

 

OLEAGINOSAS DA AMAZÔNIA

Existe uma grande variedade de plantas que produzem sementes oleaginosas e crescem espontaneamente no imenso território que forma a bacia do Rio Amazonas. Dentre elas, destaca-se o gênero das palmáceas, como o buriti, andiroba e babaçú. Esta última é uma das mais difundidas, encontrada principalmente no Maranhão e Piauí. A palmeira leva de 7 a 8 anos para produzir e tem vida média de 35 anos. Segundo Freitas et al (1996), pode-se encontrar em média 200 plantas/ha, onde cada planta possui cachos com cerca de 150 a 300 frutos, ou coquilhos. A produtividade média dos babaçuais é de cerca de 5 t de coquilhos/ha/ano, sendo possível extrair 400 kg de óleo vegetal/ano.

O buriti é encontrado principalmente na Amazônia Ocidental, onde em cada hectare é possível distribuir até 550 plantas. A planta feminina apresenta 2 a 8 florações durante o ano e cada cacho contém em média 850 frutos. A produção média de frutos é de 200 kg, sendo possível obter 20 kg de óleo/planta/ano (Freitas et al, 1996). Considerando a média de 250 plantas/ha, pode-se obter um total anual de 5.000 kg de óleo vegetal/ha/ano.

A andiroba encontra-se fartamente em toda a Bacia Amazônica e seus afluentes. Pelo fato de produzir madeira parecida com o cedro e alcançar bons preços no mercado estrangeiro, como sucedâneo do mogno, a andiroba é intensamente aproveitada nas serrarias (Pesce, 1941). Sua safra vai de fevereiro a agosto e, de acordo com estudos, pode-se obter um rendimento de extração entre 28 e 33% em peso (28 kg de óleo por 100 kg de semente de andiroba desidratada).

 

OBTENÇÃO E UTILIZAÇÃO DE ÓLEOS VEGETAIS

O aproveitamento dos óleos vegetais inicia-se com a sua obtenção, que pode ser realizada de forma relativamente fácil. As sementes são desidratadas e levadas às prensas hidráulicas ou do tipo rosca sem fim. Depois da extração do óleo vegetal é realizada uma filtragem. A torta produzida com a prensagem pode ser utilizada como ração para animais e, até mesmo, transformada em carvão para ser queimado em fornos de olarias ou padarias. Assim, reduz-se a demanda de lenha, combustível responsável por parte do desmatamento regional.

A utilização direta de óleos vegetais em motores à diesel causa grandes problemas em função de sua alta viscosidade e baixa volatilidade. A alta viscosidade é responsável pela pobre atomização e combustão incompleta do óleo, gerando a formação de depósitos de carbono nos bicos injetores e nas paredes frias do cilindro (Özaktas et al, 1997). Para contornar estes problemas, é necessário um processamento termoquímico, onde destaca-se a transesterificação e o craqueamento (Sá Filho et al, 1979).

De acordo com Gadgil et al (1994), pode-se também utilizar uma mistura de diesel com até 30% de óleos vegetais em motores a diesel convencionais com relativo sucesso, sem que haja a necessidade de realizar qualquer alteração mecânica no motor.

Existe apenas um motor, desenvolvido pela firma alemã DMS, de tecnologia Elsbett, que utiliza diretamente o óleo vegetal sem a necessidade de transesterificá-lo ou craqueá-lo. Este motor multicombustível, que na realidade é apenas um motor a diesel com algumas modificações na geometria do cilindro e no sistema de injeção do combustível, já vem sendo empregado em alguns locais com resultados relativamente satisfatórios (Freitas et al, 1996). Entretanto, ainda não se tem contabilizado um grande número de horas de operação contínua que permita se conhecer o real desempenho deste motor com este tipo de combustível.

 

EXPERIÊNCIAS NACIONAIS QUANTO A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA A PARTIR DE ÓLEOS VEGETAIS

Razões de natureza econômica, de maior custo e menor disponibilidade frente aos derivados de petróleo, levaram ao abandono dos óleos vegetais como combustível. Entretanto, apesar dos custos desaconselharem seu aproveitamento em nível nacional, alguns trabalhos mostram a viabilidade de se utilizar esses óleos em motores para geração de eletricidade em regiões distantes dos grandes centros populacionais (Freitas et al, 1996).

No Brasil, como já mencionado, o motor Elsbett já vem sendo empregado, estando um deles em funcionamento na Fazenda Pata do Lobo, no norte do Mato Grosso e outro na empresa Dendê do Pará S/A (DENPASA), em Acará/PA. O que funciona no Mato Grosso tem utilizado óleo de castanhas podres, servindo como bom exemplo para a Região Amazônica onde existem várias indústrias de castanha. O outro utiliza óleo de dendê (Freitas et al., op. cit.).

Existe um terceiro motor, ainda em fase de testes, para ser utilizado em comunidades isoladas da Reserva Extrativista do Médio Juruá, no município de Carauari – Amazonas – a partir do óleo de andiroba. O projeto está em fase de extração do óleo e faz parte do Programa Trópico Úmido – PTU (MCT/CNPq), que busca, além da geração de energia elétrica em sistemas isolados a partir de fontes alternativas, fornecer as condições necessárias para que as comunidades participem ativamente, permitindo seu desenvolvimento econômico, social e técnico.

Alguns outros projetos vêm sendo conduzidos pela CEMIG, em Minas Gerais, utilizando não apenas o motor Elsbett, mas também motores à diesel convencionais. Entre eles, destaca-se o Projeto Paracatu (Garcia et al, 1997), que visa a avaliação de um motor diesel, utilizando óleo vegetal aditivado, para ser empregado no bombeamento de água e geração de energia elétrica. O aditivo foi desenvolvido pela Companhia Schur da Alemanha e é misturado ao óleo de mamona na proporção de 0,1% do volume. Já foram feitos alguns testes com o motor, onde pode-se verificar um consumo de óleo vegetal 10% superior ao consumo de óleo diesel.

 

ESTUDO DE CASO: VILA CAMPINAS/AM

Para verificar o potencial de utilização de óleos vegetais, substituindo parcialmente o óleo diesel, em geradores convencionais de energia elétrica nos sistemas isolados, realizou-se um estudo de caso com a localidade de Vila Campinas, pertencente ao município de Manacapuru/AM.

Esta localidade é atendida por um sistema híbrido (fotovoltaico-diesel) de geração de energia elétrica instalado em 1997. Os painéis fotovoltaicos têm capacidade para produzir até 51,2 kW pico, enquanto que o sistema diesel tem potência de 48 kW. Para manter o sistema diesel, foram consumidos 42.336 l de óleo diesel em 1998, subsidiados pela CCC. Quanto ao potencial de obtenção de óleo vegetal, verifica-se que na região são encontradas árvores nativas de buriti, não exploradas pela população local.

Assim, para determinar a área de plantio de buriti nesta localidade para a obtenção de óleo que venha a substituir parcialmente o óleo diesel em geradores de energia elétrica, chegou-se a seguinte equação:

onde: Sb = substituição do óleo diesel por óleo de buriti;

Cdiesel = consumo de óleo diesel (l);

rdiesel = massa específica de óleo diesel (0,851 kg/l);

PCIdiesel = poder calorífico inferior do óleo diesel (10.180 kcal/kg);

qburiti = rendimento de extração de óleo de buriti por área (5.000 kg/ha);

PCIburiti = poder calorífico inferior do óleo de buriti (8.780 kcal/kg).

Substituindo os valores na Equação 1, chega-se a seguinte equação genérica:

Como no caso específico de Vila Campinas o consumo de óleo diesel foi de 42.336 l em 1998, ao substituir na Equação 2 chega-se à sequinte equação:

Tanto a Equação 2 como a Equação 3 levam em conta o rendimento de extração do óleo de buriti de forma produtiva, ou seja, através do plantio organizado da oleaginosa. Considerando apenas a extração de plantas naturais, verifica-se um rendimento bem menor, influenciado pelo tipo de cultura e região. De acordo com Canavarros et al (1997) este valor, para babaçuais, pode chegar a 30% do rendimento com plantio. Adotando também esta consideração para o buriti e aplicando na Equação 3, chega-se a outra equação:

Assim, pode-se concluir que para uma substituição máxima de 30% de diesel por óleo de buriti em moto-geradores à diesel, deve-se dispor de uma área de 2,5 ha com árvores plantadas e 8,4 ha com árvores nativas, como mostra a Figura 1. Caso considere-se a substituição total de óleo diesel, deve-se utilizar um motor multicombustível e dispor de uma área de 8,4 ha com árvores plantadas e quase 28 ha com árvores nativas. Estes valores representam relativamente muito pouco, no máximo 0,02% da área total de Vila Campinas, que corresponde a 150.000 ha.

 

 

BENEFÍCIOS SOCIAIS E AMBIENTAIS

O aproveitamento do óleo vegetal para geração de energia elétrica poderia permitir o desenvolvimento tecnológico da própria comunidade, através de treinamento e fornecimento de conhecimento, garantindo a oportunidade para que ela se desenvolva e se mantenha por si só, eliminando inclusive a dependência de importação de combustível.

De acordo com Molion (1994) a maior parcela dos custos de produção do óleo vegetal, cerca de 90%, recai sobre os salários, pois estima-se que para a produção de 5.000 t/ano de óleo de buriti, sejam criados um mínimo de 400 empregos diretos de "catadores de frutos" e 35 cargos administrativos. Essa geração de empregos locais poderia garantir a permanência da população nas regiões, reduzindo a migração populacional, e melhorando a qualidade de vida tanto nas regiões isoladas quanto nas centrais.

Somado ao aspecto social, o incentivo ao aproveitamento energético de óleos vegetais traria benefícios ambientais como recuperação de áreas degradadas e maior taxa de infiltração pluvial, evitando a erosão do solo e promovendo a recarga dos aquíferos (Silva, 1998). Além disso, iria totalmente de encontro com as preocupações ambientais atuais quanto à utilização dos combustíveis fósseis e sua relação com as mudanças climáticas globais, especialmente com o "efeito estufa". As atividades de geração de energia a partir de biomassa renovável podem contribuir para a diminuição das emissões de CO2 para a atmosfera.

Segundo Freitas et al (1996), 1 kWh gerado através de um grupo gerador com rendimento de 28%, utiliza cerca de 0,33 l de óleo diesel e provoca a liberação média de 0,297 kg C-CO2 (carbono na forma de CO2). A localidade de Vila Campinas, que consumiu 42.336 l de óleo diesel em 1998, foi responsável pela emissão de cerca de 38.100 kg C-CO2 neste mesmo ano, sem contar as emissões provenientes do transporte do diesel até a cidade. Ao substituir parte do diesel utilizado (30% do consumo energético) por óleo vegetal, se poderia contribuir para a redução de no máximo 30% da emissão, uma vez que considera-se que o dióxido de carbono emitido na combustão do óleo vegetal é compensado pelo carbono captado pela planta oleaginosa durante o seu crescimento, no ciclo da fotossíntese.

 

CONCLUSÃO

Apesar de ser desaconselhável o aproveitamento energético de óleos vegetais para a geração de eletricidade em nível nacional, alguns estudos mostram sua viabilidade em regiões distantes, onde a demanda de energia elétrica é relativamente baixa. Neste sentido, o sistema isolado brasileiro poderia beneficiar-se dessa fonte de energia, já que nessas mesmas regiões é encontrada uma grande variedade de plantas oleaginosas.

Alguns projetos de utilização de óleos vegetais foram desenvolvidos ou estão em desenvolvimento no Brasil, principalmente na Região Amazônica, apresentando, até o momento, bons resultados na geração de energia elétrica. Como muitas localidades dessa região ocupam áreas muito grandes, o estudo de caso com a localidade de Vila Campinas mostrou que a área requerida para substituir parcial ou totalmente o óleo diesel consumido nos moto-geradores pode representar relativamente muito pouco, não proporcionando um impacto ambiental tão grande.

Além do aspecto energético, de eliminação da dependência de importação de combustível, a utilização de óleos vegetais traz também benefícios sociais, de geração de emprego e melhoria da qualidade de vida nas regiões isoladas e nos grandes centros urbanos; e ambientais, através da melhoria das condições do solo, redução do desmatamento e das emissões de CO2 provenientes da atividade de geração de energia elétrica.

 

AGRADECIMENTOS

À FAPESP pelo apoio financeiro sem o qual este estudo não poderia ter sido realizado.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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FREITAS, M. A. V. et al (1996) Biomassa Energética Renovável para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. Revista Brasileira de Energia, Rio de Janeiro, v.5, n.1, p.71-97, 1º semestre, 1996.

GADGIL, A.; JANNUZZI, G. M.; SILVA, E. P.; LEONARDI, M. L. (1996) A Cost-Neutral Strategy for Maximal Use of Renewable Energy Sources and Energy Efficiency for Manaus, Brazil. Proc. 1996 ACEEE, v.9, p.87-99. Califórnia, USA, 1996.

GARCIA, J. L. A. et al (1997) Avaliação de Motores Utilizando Óleo Vegetal como Combustível para a Geração de Eletricidade e Acionamento de Sistema de Irrigação. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE PRODUÇÃO E TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA, 14, 1997, Belém/PA. Anais...

MOLION, L. C. B. (1994) Diesel Vegetal: A Energia Renovável. Revista Brasileira de Energia, Rio de Janeiro, v.3, n.2, p.116-121, 1994.

ÖZAKTAS, T. et al (1997) Alternative Diesel Fuel Study on Four Different Types of Vegetable Oils of Turkish Origin. Energy Resources, v.19, p.173-181, 1997.

PESCE, C. (1941) Oleaginosas da Amazônia. Belém: Ol. Graf. Da Revista da Veterinária, 1941. 123p.

SÁ FILHO, H. L. et al (1979) Diagnóstico da Viabilidade Técnica de Utilização dos Óleos Vegetais Brasileiros como Combustível/Lubrificantes. Informativo INT, v.12, n.22, p.29-40, Maio/Ago, 1979.

SILVA, O. C. (1998) Óleos Vegetais: A base para uma Indústria Sustentável de Combustíveis. CENBIO Notícias, São Paulo, n.1, p.3, Jan-Fev, 1998.

 

 

Endereço para correspondência
Carla Kazue Nakao Cavaliero
cavaliero@hydra.com.br

Ennio Peres da Silva
lh2ennio@ifi.unicamp.br