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An. 3. Enc. Energ. Meio Rural 2003

 

Projeto Bio-Combustível: processamento de óleos e gorduras vegetais in natura e residuais em combustíveis tipo diesel

 

 

José Adolfo de Almeida NetoI; Jeferson C. do NascimentoII; Luiz A. G. SampaioI; Jorge ChiapettiIII; Reinaldo S. GramachoII; Cilene N. SouzaI; Valéria A. RochaII

IDCAA
IIDCET
IIIDCAC, Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC 45650-000 Ilhéus, BA tel.: + (73) 680-5274 fax: +(73) 689-1112

 

 


RESUMO

A Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), vem investindo, desde março de 1998, em parcerias com instituições de reconhecida experiência em biocombustíveis, a fim de concretizar um projeto piloto para a produção de combustíveis líquidos utilizando matérias-primas renováveis e residuais.
A partir de protótipos com capacidade para processar 5 kg e 150 kg por batelada, foi desenvolvida, no Departamento Agrartechnik da Universidade de Kassel, uma unidade de transesterificação em batelada com capacidade nominal para processar até 7,0 t/semana de matéria-prima, instalada em março de 2000 no Campus da UESC.
Como matéria-prima para a produção do biocombustível foram utilizados óleos e gorduras residuais, descartados nas cidades de Ilhéus, Itabuna e Salvador. Estudos conduzidos nas três cidades apontaram o potencial quantitativo e qualitativo destes materiais como matéria-prima na produção de ésteres metílicos por transesterificação alcalina.
O custo de produção do bio-combustível foi entre R$ 0,71/L e R$ 1,36/L, dependendo, principalmente, da qualidade e do custo da matéria-prima utilizada.

Palavras-chave: Óleos vegetais, resíduos gordurosos, transesterificação, biocombustível, biodiesel, azeite de dendê


ABSTRACT

Since March of 1998, the State University of Santa Cruz (UESC) has been investing in partnerships with other institutions that have experience in biofuel technology, to start a pilot project for the production of liquid fuels using renewable and waste feedstocks in the South of Bahia, Brazil.
Based on prototypes of 5 kg and 150 kg, respectively, the Department of Agricultural Engineering of Kassel University has developed a batch process transesterification unit, with a capacity of processing 7,0 t/week of raw material, which was transferred to UESC Campus in March 2000.
Waste oils and fats from the cities of Ilhéus, Itabuna and Salvador were used as feedstock for the biofuel production. A study based on questionnaires collected data on the potential, quality and availability of these materials in restaurants and other establishments.
It was verified that the used frying soybean oil and the hydrogenated fats meet the standards required for the alkaline transesterification process. Therefore, they represent a plant source of great potencial for biofuel production.
The estimated costs of biofuel production vary from R$ 0,71/L to R$ 1,36/L, mainly depending on fat quality and costs of the feedstock used in each case.


 

 

1. INTRODUÇÃO

O projeto foi iniciado com a realização do "I Workshop Sobre a Geração de Energia a Partir de Óleos Vegetais", em março de 1998. Naquele momento, o projeto priorizava o estudo de oleaginosas locais, como p. ex. o dendê, na produção de combustíveis para uso local, na geração termoelétrica ou para aplicação em motores estacionários de moendas, prensas ou conjuntos moto-bomba para irrigação. (ALMEIDA NETO & SILVA, 1998)

Levantamentos e estudos preliminares, feitos de março a julho de 1998, apontaram limites para a proposta inicial do projeto, ou seja, para a utilização do azeite de dendê, produzido em roldões1 na região costeira do Sul da Bahia, como combustível em motores ciclo diesel.

O azeite de dendê, produzido em mais de 300 roldões na região Sul da Bahia, não atendia a critérios básicos do ponto de vista técnico, ambiental e econômico, como matéria-prima potencial para a geração de energia (ALMEIDA NETO & KRAUSE, 1998):

• o azeite produzido nos roldões apresentou qualidade muito variável, com tendência a altos índices de contaminação, de acidez livre e de oxidação;

• o balanço energético e ambiental do processo de produção mostrou-se desfavorável;

• os custos de produção do azeite e os benefícios econômicos esperados para o público alvo eram desfavoráveis.

Paralelamente, pesquisas e estudos realizados na Universidade de Kassel, para o reaproveitamento de óleos e gorduras usados como combustível tipo diesel, apresentaram resultados e perspectivas promissoras, tanto do ponto de vista técnico como econômico. Um método para conversão desta matéria-prima gordurosa, reciclada das frituras de alimentos, em ésteres metílicos de ácidos graxos (AME2), foi adaptado e otimizado com sucesso para a escala piloto (AnggrainI-SÜß, 1999).

Um acordo de cooperação entre a UESC e o Departamento Agrartechnik da Universidade de Kassel, firmado em outubro de 1998, propiciou o intercâmbio de pesquisadores, a familiarização com os procedimentos e testes laboratoriais usados na produção do biocombustível, usando como matéria-prima óleos e gorduras in natura e residuais, coletados na região Sul da Bahia.

Em 1999 foram realizados estudos preliminares sobre o potencial, a qualidade e a origem dos óleos e gorduras vegetais residuais3 (OGR) descartados pelo setor alimentício nos centros urbanos de Ilhéus, Itabuna e Salvador. Ainda no segundo semestre de 1999 e no primeiro de 2000, foram conduzidos estudos junto aos barqueiros da Baía de Camamu, para o levantamento dos parâmetros técnicos dos motores e sobre o interesse entre os barqueiros em participar de uma experiência com o uso do biocombustível.

 

2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. SUSTENTABILIDADE E ENERGIAS RENOVÁVEIS

Os recursos energéticos renováveis, em suas mais diversas vertentes, têm sido historicamente mencionados como um componente importante na busca de uma economia energética sustentável. Todavia, a renovabilidade de um combustível per se não garante que este preencha os critérios de sustentabilidade. Para lidar com recursos energéticos renováveis, foram sugeridos os seguintes procedimentos (OSTEROTH, 1992; FLAIG & MOHR, 1993; PIMENTEL, 1995):

• monitorar o atendimento dos requisitos de sustentabilidade por toda a cadeia de produção do recurso (cultivo, processamento, uso/conversão e destinação dos resíduos);

• a produção de matérias-primas renováveis deve considerar os limites de capacidade de regeneração dos recursos naturais (solo, água, etc.), de modo a assegurar sua produtividade a médio e longo prazo;

• observar possíveis conflitos e concorrências no uso dos recursos naturais (p. ex. a concorrência entre uso alimentar e energético dos óleos vegetais);

• a taxa de utilização do recurso não deve superar a sua capacidade de renovação (p. ex. na extração de recursos florestais ou pesqueiros).

2.2. BIOMASSA E ÓLEOS VEGETAIS

Dentre os recursos energéticos renováveis, o aproveitamento da biomassa, em suas mais variadas formas (sólida, líquida e gasosa), foi intensivamente pesquisado nas últimas décadas, como alternativa para minimizar os efeitos ambientais adversos e a insegurança no suprimento futuro de combustíveis fósseis (BRENDÖRFER et al., 1989; FLAIG & MOHR, 1993).

A utilização de óleos vegetais, uma das variantes energéticas da biomassa que está sendo alvo de pesquisa em diferentes países, tem recebido incentivo principalmente a partir da crise do petróleo na década de 70 (ALVIM & ALVIM, 1979; BATEL, 1980; CEPLAC, 1980; PETTERSON, 1986; APFELBECK, 1989; MENDES et al., 1989; MITTELBACH et al., 1992; MEYER-PITTROFF, 1994).

Entre os aspectos que motivaram o estudo dos óleos vegetais como potencial combustível, destacam-se:

• o seu estado físico (líquido) e o seu alto conteúdo energético específico (MJ/kg de combustível), quando comparados com outros combustíveis derivados da biomassa;

• o fato de poderem ser produzidos a partir de diferentes oleaginosas (soja, colza, dendê, etc.), sob diferentes condições climáticas;

• a alta produtividade energética de algumas oleaginosas (acima de 150 GJ/ha para o dendê);

• a possibilidade da utilização do óleo e seus derivados em motores de alta eficiência de conversão energética, como os motores ciclo diesel.

Por outro lado, apresentaram-se também barreiras e aspectos desfavoráveis a uma ampliação do seu emprego (REINHARDT & VOGT, 1998):

• concorrência no uso do solo e água com culturas alimentares e para outros fins técnicos;

• possíveis impactos ambientais resultantes de uma produção agrícola intensiva de culturas energéticas (erosão, contaminação do solo e água com resíduos de adubos, herbicidas e pesticidas);

• altos custos de produção, quando comparados aos custos atuais vigentes para produção de combustíveis fósseis (diesel, óleo combustível).

No Brasil, foram realizados muitos estudos nas décadas de 70 e 80, visando a produção de combustível a partir de óleos vegetais in natura, mas as cotações elevadas destes óleos no mercado internacional, aliado às baixas produtividades agrícolas em óleo obtidas nos plantios, inviabilizaram investimentos de grande porte para sua utilização em larga escala, ao contrário do que se passou com o PROÁLCOOL (HOMEM DE MELLO & PELIN, 1984).

Segundo Mittelbach, a utilização de óleos vegetais como combustível, in natura ou modificados, tem sido muito relatada na literatura, especialmente os ésteres metílicos e etílicos obtidos por transesterificação (Figura 1). Entretanto, o uso em larga escala de óleos vegetais como combustível tem sido limitado pelos preços no mercado mundial dos produtos de origem fóssil. Portanto, só países que contam com excesso de produção de óleos vegetais têm demonstrado interesse especial neste combustível (MITTELBACH & TRITTHART, 1988).

 

 

A produção do biodiesel4 encontra-se em estágio avançado de desenvolvimento nos EUA e em vários países europeus, com destaque para a Áustria e Alemanha, onde, graças a subsídios agrícolas e impostos ambientais, converteu-se em uma alternativa competitiva (SYASSEN, 1996).

Na Alemanha, o combustível a base de colza é ofertado em uma rede de mais de 1000 postos de distribuição de combustível a preços entre 5 e 10% abaixo do diesel. Volkswagen/Audi, Mercedes e Volvo já liberaram vários modelos de seus veículos para o uso com biodiesel produzido dentro do padrão indicado pela norma DIN 51606.

2.3. ÓLEOS E GORDURAS RESIDUAIS

Apesar dos possíveis benefícios ambientais no emprego de óleos vegetais como substituto ao diesel, barreiras do ponto de vista econômico e ético motivaram a busca de matérias-primas alternativas para a produção de biocombustíveis (MITTELBACH, 1992).

Dentre as alternativas estudadas, a reutilização de óleos e gorduras vegetais residuais (OGR) de processos de fritura de alimentos tem se mostrado atraente, na medida em que aproveita o óleo vegetal como combustível após a sua utilização na cadeia alimentar, resultando assim num segundo uso, ou mesmo numa destinação alternativa a um resíduo da produção de alimentos (ANGGRAINI, 1999).

Observa-se ainda que só uma pequena percentagem dos OGR vem sendo coletada para a fabricação de sabão ou de rações para animais, sendo que a maioria ainda é eliminada através do sistema de esgoto e lixo, gerando uma sobrecarga adicional para o tratamento de esgoto (MITTELBACH, 1988).

Uma série de levantamentos demonstra o potencial de OGR em diferentes países. Na Alemanha, p. ex., são coletados e reciclados 1,0 x 105 t/a de um total de OGR coletáveis estimado entre 3,8-5,0 x 105 t/a (ANGGRAINI, 1999). Na Áustria, são consumidos anualmente em torno de 120.000 t de óleos e gorduras, sendo cerca de 50% utilizados na fritura de alimentos. Estima-se que um total de 3,7 x 104 t possa ser economicamente coletada, o que equivaleria energeticamente a 1,5% do consumo austríaco de diesel (MITTELBACH et al., 1992; MITTELBACH, 2000).

Em pesquisas realizadas na Universidade de Kassel (Alemanha), utilizando óleos e gorduras oriundas de descarte de frituras de alimentos para a produção de biocombustível através do processo de transesterificação alcalina (figura 1), obtêm-se como produto, além de glicerina, ésteres metílicos com propriedades fisico-químicas semelhantes ao diesel (ANGGRAINI, 1999).

A princípio, toda substância que contém triglicerídeos em sua composição pode ser usada para a produção de ésteres. Alguns fatores, porém, poderão limitar a utilização dos OGR como matéria-prima, destacando-se (PUDEL & LENGENFELD, 1993):

• suas características físicas e químicas;

• a competição com outros usos (rações, lubrificantes, produção de derivados graxos, etc.);

• seu custo e disponibilidade.

Além disso, há impurezas que não podem ser eliminadas através de decantação ou filtração, como os ácidos livres, polímeros e fosfolípideos, que podem dificultar ou mesmo inviabilizar o seu aproveitamento como combustível. A origem do resíduo irá determinar sua disponibilidade, qualidade e custo para a utilização como combustível, conforme classificação sugerida na tabela 1 para resíduos gordurosos na Alemanha(JURISCH & MEYER-PITTROFF, 1995).

 

 

O combustível produzido a partir de OGR apresenta vantagens do ponto de vista ecológico com relação ao óleo diesel derivado do petróleo e também com relação ao biodiesel padrão produzido a partir do óleo de colza. Em comparação com o diesel, o éster de OGR possui a vantagem de não emitir, na combustão, compostos de enxofre, além de ser rapidamente biodegradável no solo e na água. Em relação ao biodiesel, o éster de OGR se mostra vantajoso do ponto de vista do balanço energético (KRAUSE et. al., 1999).

Um estudo na cidade de Valencia, Espanha, conclui ser atrativa, do ponto de vista ambiental, a obtenção de biocombustível a partir de OGR. Um sistema de coleta seletiva, estabelecido pela prefeitura da cidade, deu suporte ao projeto de produção do biocombustível para abastecimento de 480 ônibus urbanos, com uma demanda de aproximadamente 42.000 litros/dia. O objetivo maior do projeto foi a eliminação, em larga escala, dos OGR das canalizações do sistema de esgoto sanitário da cidade, cerca de 10.000 t/a. (LÖHRLEIN & JIMÉNEZ, 2000).

 

3. OBJETIVOS

O projeto visa estudar e avaliar, através de uma cooperação interinstitucional5, as possibilidades tecnológicas e os condicionantes socio-econômicos e ambientais do aproveitamento de óleos e gorduras vegetais residuais e in natura como combustível em motores tipo diesel, aplicando os resultados na medida em que se mostrarem viáveis.

O trabalho foi dividido em duas etapas: a Fase I (1997-2000) e a Fase II (2000-2002). Foram objetivos da Fase I:

• avaliação quantitativa e qualitativa das matérias-primas gordurosas potenciais do Sul da Bahia;

• desenvolvimento de procedimentos e logística para coleta e transporte da matéria-prima;

• projeto e testes de uma unidade piloto de transesterificação na Universidade de Kassel;

• otimização do processo a nível de laboratório para matérias-primas locais;

• instalação da planta no Campus da UESC e testes com diferentes matérias-primas;

• demonstração e testes com o biocombustível em veículos da UESC;

• análise preliminar dos custos de produção.

 

4. MATERIAIS E PROCEDIMENTOS

4.1. MATÉRIAS-PRIMAS POTENCIAIS

Num primeiro momento, foi levantado o potencial de diferentes matérias-primas locais para a produção de biocombustível. Foram avaliados os OGR descartados em estabelecimentos comerciais nas cidades de Salvador, Ilhéus e Itabuna, o azeite de dendê produzido em roldões, além dos subprodutos oleína e estearina, produzidos em indústrias regionais.

Para o levantamento dos OGR, foram entrevistados diversos estabelecimentos do setor alimentício (bares, restaurantes, barracas de praia, baianas de acarajé6, etc.) nas três cidades. Através de questionários padrão foram coletados dados sobre o volume e a freqüência de descarte, tipos de óleos e/ou gorduras utilizados, variação do volume descartado ao longo do ano e interesse do estabelecimento em fornecer seus resíduos gordurosos para o projeto.

4.2. CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA DAS MATÉRIAS-PRIMAS

Foram colhidas amostras das matérias-primas encontradas nos estabelecimentos entrevistados de Ilhéus e Itabuna: óleo de soja residual, mistura de óleo de soja e gordura hidrogenada residual, além de oleína de dendê in natura produzida em uma indústria regional. Após a coleta, cada amostra foi filtrada em funil malha 45 mesh, sendo em seguida submetida a análise físico-química, utilizando-se metodologia padrão do IAL (PREGNOLATO & PREGNOLATO, 1985). Foram realizadas análises para a determinação da umidade, do índice de acidez e do índice de peróxidos.

4.3. TESTES EMLABORATÓRIO

A partir da caracterização das propriedades físico-químicas, iniciou-se a fase de transesterificação em escala de laboratório, com base nos métodos desenvolvidos pelo Departamento Agrartechnik da Universidade de Kassel. A reação de transesterificação obedece a uma relação estequiométrica (triglicerídeos : metanol), e utiliza como catalisador o hidróxido de potássio. As quantidades de metanol e KOH são dadas, respectivamente, pelas equações (1) e (2) (ANGGRAINI, 1999):

onde:

G = massa de gordura a ser transesterificada (kg)

M = massa de metanol (kg)

KOH = massa de hidróxido de potássio (kg)

Perda1= perdas devido aos ácidos graxos livres (kg)

Perda2= perdas devido aos peróxidos (kg)

As perdas devido aos ácidos graxos livres e aos peróxidos são dadas pelas equações (3) e (4), respectivamente:

onde:

AGL = acidez livre em % de ácido oleico

IP = índice de peróxidos

Os experimentos foram conduzidos em cinco repetições, utilizando-se 200 g de matéria-prima para reagir com 25,6 g de metanol, na presença de hidróxido de potássio (conforme a equação (2)), sob agitação magnética à temperatura ambiente por 40 minutos, sendo o material em seguida transferido para funil de decantação de 250 mL para separação das fases: ésteres metílicos e glicerina mais impurezas (figura 2).

 

 

4.4. A PLANTA PILOTO

A planta piloto de transesterificação possui capacidade para processar diariamente até 1400 kg de matéria-prima, podendo alcançar uma produção de até 400 t/a de biocombustível (figura 3).

 

 

A unidade é composta por dois reatores (1,0 m3 e 0,25 m3), válvulas de diafragma, bomba centrífuga horizontal, sistema de filtragem, mangueiras e mangotes de diversos diâmetros, painel de controle e microcomputador, além de um conjunto de tanques de 1,0 m3 para o armazenamento de matéria-prima, produto e subproduto finais (glicerina impura).

4.5. O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO BIOCOMBUSTÍVEL

Para a conversão do óleo de soja/gordura hidrogenada usada em ésteres metílicos, foram utilizados os seguintes procedimentos:

• recepção da matéria-prima;

• filtragem da gordura em peneira aço inox 45 mesh;

• amostragem e análise da matéria-prima;

• determinação e dosagem da quantidade de catalisador e de metanol segundo as equações (1) e (2);

• mistura da matéria-prima com a solução catalisador + metanol;

• 1a transesterificação: agitação constante por 45 minutos;

• decantação por 24 horas;

• retirada do composto (ésteres metílicos + triglicerídeos), da fase superior para a 2a transesterificação;

• determinação da quantidade de catalisador e de metanol, supondo 80% de conversão na 1a transesterificação;

• mistura do composto com a solução catalisador + metanol no reator principal;

• 2a transesterificação;

• decantação por 24 horas;

• retirada e filtração da mistura de ésteres metílicos, fase superior da decantação;

• acondicionamento em reservatórios de 1000 L.

A figura 4 apresenta um fluxograma de funcionamento da planta piloto desenvolvida na Universidade de Kassel.

 

 

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram entrevistados 93 estabelecimentos comerciais do setor alimentar em Salvador, 66 em Ilhéus e 62 em Itabuna. Pelo levantamento, nota-se que os principais óleos e gorduras residuais descartados nas três cidades foram, em ordem decrescente de volume: óleo de soja, azeite de dendê e gordura vegetal hidrogenada (Figura 5).

 

 

O volume total de óleos residuais descartados pelos estabelecimentos pesquisados foi de 690 t/a em Salvador e 73 t/a em Ilhéus/Itabuna.

A partir de dados do consumo per capita de óleos e gorduras vegetais em 1997 (13,5 kg/a), estimou-se em 1,8 kg/a per capita o potencial de OGR coletáveis para o Brasil, o que representa cerca de 1/3 dos valores estimados para países como a Alemanha (6,2 kg/a) e a Áustria (5,0 kg/a) (FAO, 2000; MITTELBACH, 2000)

Com base nesta estimativa, pode-se prever um potencial de óleos e gorduras residuais economicamente coletáveis de 4.500 t/a em Salvador, 234 t/a em Itabuna e 144 t/a em Ilhéus.

Quanto à diferença entre o descarte dos meses de inverno e os de verão, mostrou-se que ela é maior para Salvador e Ilhéus, e menor para Itabuna, devido à sazonalidade das atividades comerciais turísticas dos dois primeiros municípios.

Na figura 6, pode-se observar que cerca de 80% dos OGR descartados em Salvador e mais de 63% do eixo Ilhéus/Itabuna não são reaproveitados, sendo descartados de forma inadequada no meio ambiente.

 

 

Após o levantamento quantitativo destas potenciais matérias-primas, foram realizadas análises para determinação da qualidade do material a ser transesterificado.

O processo para conversão de óleos e gorduras para obtenção do biocombustível se encontra sumarizado na equação química mostrada na figura 1. Os resultados da parte experimental são apresentados abaixo, na tabela 2.

 

 

Numa análise dos resultados, pode-se verificar que o óleo de soja, apesar do índice de acidez relativamente alto, o que constitui um fator limitante do processo, apresentou rendimentos maiores na reação de transesterificação do que a mistura óleo de soja/gordura hidrogenada. Os rendimentos obtidos, tanto com o óleo de soja quanto com a mistura, indicam que estas matérias-primas possuem um grande potencial para a produção de ésteres metílicos de ácidos graxos. Com relação à oleína, os resultados da transesterificação alcalina não foram satisfatórios, provavelmente devido ao alto índice de acidez encontrado nas amostras fornecidas por uma indústria local, e que não atendem ao padrão exigido para a matéria-prima.

A partir dos resultados positivos obtidos a nível de laboratório, foram conduzidos 2 testes na planta piloto, com 700 kg da mistura óleo de soja e gordura hidrogenada residuais, obtendo-se rendimento superior a 90% em ambos os testes.

No primeiro teste, a matéria-prima foi adquirida junto a uma firma coletora de OGR, localizada em Salvador. O material é oriundo de restaurantes e fast-foods localizados na parte central da cidade.

O segundo teste foi conduzido com OGR coletados em Ilhéus/Itabuna, junto a pequenos e médios estabelecimentos, dentro de um programa de coleta promovido pela UESC. A colaboração da maior parte dos estabelecimentos possibilitou a coleta de OGR dentro dos padrões exigidos para o processo.

A partir dos dados levantados e das estimativas feitas sobre o volume de OGR não reaproveitados nas cidades de Salvador, Ilhéus e Itabuna, constata-se que existe potencial para a instalação de uma planta de transesterificação de pequeno porte (3.000 t/a) em Salvador, e que as necessidades de matéria-prima da planta piloto da UESC podem vir a ser atendidas com os OGR coletados no eixo Ilhéus-Itabuna, a partir do desenvolvimento de um sistema adequado de coleta e pré-tratamento destes resíduos gordurosos.

Numa avaliação preliminar, os custos de produção para o biocombustível foram estimados em R$ 0,71 e R$ 1,31, utilizando-se OGR e óleo vegetal in natura como matéria-prima, respectivamente.

Da decomposição dos custos variáveis de produção (figura 7), pode-se deduzir que, para o óleo in natura, a matéria-prima representa o maior percentual no custo (em torno de 70%). No caso dos OGR, o metanol representou o maior percentual na composição dos custos variáveis.

 

 

Em março de 2000, o custo de produção do biocombustível a partir de OGR equiparou-se ao preço do diesel ofertado nas bombas dos postos de Ilhéus e Itabuna (R$ 0,66).

Espera-se que o custo de produção do biocombustível possa ser reduzido com o aumento da escala de produção, em função, especialmente, da redução do preço de aquisição do metanol.

 

6. PERSPECTIVAS

A partir da avaliação dos resultados alcançados na primeira fase do projeto, foram definidas as prioridades para a segunda fase do projeto, do ponto de vista científico, tecnológico e estratégico:

• otimização do processo com matérias-primas locais/regionais e outros reagentes (p. ex. etanol em substituição ao metanol);

• aperfeiçoamento dos procedimentos e da logística para a coleta, o pré-tratamento (limpeza e secagem) e o transporte da matéria-prima;

• testes e ensaios de longa duração, em laboratório e no campo, com prioridade para motores diesel de aplicação em ecossistemas aquáticos e suas proximidades (barcos, bombas de irrigação, etc.);

• avaliação econômica do processo para diferentes matérias-primas (gorduras e óleos in natura e residuais) e aplicações do biocombustível (aditivo, mistura e puro);

• divulgação e conscientização sobre a destinação economicamente eficiente e ecologicamente adequada de resíduos alimentares gordurosos;

• contatos com órgãos de controle e fabricantes de motores para a elaboração de normas e controle de qualidade para a combustão do biocombustível produzido a partir de OGR em motores ciclo diesel de linha.

 

AGRADECIMENTOS

Aos colaboradores da UESC, do INT e do Departamento Agrartechnik da Universidade de Kassel, pelo apoio irrestrito na fase de pesquisa, preparação e montagem da planta, ao Internationales Büro des BMBF, Bonn, ao CADCT/Seplantec, Salvador, ao CNPq, Brasília, e à Fundação Heinrich Böll, Berlim, pelo apoio financeiro.

 

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[19] MEYER-PITTROFF, R.: Pflanzenöle als regenerative Energieträger - nationale und weltweite Perspektiven. Relatórios VDI (Verein Deutscher Ingenieure), no 1126, Duesseldorf, 1994.

[20] MITTELBACH, M. & P. TRITTHART: Diesel fuel derived from vegetable oils, III. Emission tests using methil esters of used frying oil. JAOCS, Vol. 65, n° 7, Julho 1988, p. 1185-1187.

[21] MITTELBACH, M. et. al.: Production and Fuel Properties of Fatty Acid Methyl Ester from used Frying Oil. In : Liquid Fuels from Renewable Sources. Nashville, Tennesse, 1992.

[22] MITTELBACH, M.: The importance of diesel fuel substitutes from non-edible seed oils. Graz, http://www.balu.kfunigraz.ac.at/~mittelba/, janeiro de 2000.

[23] OSTEROTH, D.: Biomasse: Rückkehr zum ökologischen Gleichgewicht. Editora Springer, Berlin, 1992, 278pp.

[24] PETERSON, C.L.: Vegetable oil as Diesel Fuel: Status and Research Priorities. Transactions of ASAE Vol. 29(5), S.1413-1421, 1986

[25] PIMENTEL, D.: Biomass fuel and environmental sustainability in agriculture. In: MEPHAM, T.B.(Ed.): Issues in Agricultural Bioethics. Nottingham University Press, Nottingham, 1995, p.215-228.

[26] PREGNOLATTO, W. & N. P. PREGNOLATTO: Normas Analíticas do Instituto Adolfo Lutz. Vol. 1, São Paulo: Instituto Adolfo Lutz, 1985, p. 245-266.

[27] PUDEL, F. & P. LENGENFELD: Aufbereitung und energetische Nutzung vegetabiler Abfallfette. Fat Sci. Technol., Ano 95, Julho de 1993, p.491-497.

[28] REINHARDT, G. & R. VOGT: Ganzheitliche Bilanzierung von Biokraftstoffen im Vergleich zu konventionellen Kraftstoffen. Jahrbuch der VDI-Energietechnik. 1998.

 

 

1 Roldão é o nome regional utilizado para denominar as unidades tradicionais de pequeno porte para a extração do azeite de dendê, óleo contido na polpa do fruto da palmeira Elaeis guineensis e usado tradicionalmente como ingrediente da cozinha baiana.
2 sigla do nome dado ao biocombustível derivado de óleos e gorduras usados, em alemão: Altfettmethylester, comercialmente conhecido também por ecodiesel.
3 óleos e gorduras vegetais residuais - qualquer óleo ou gordura de origem vegetal que, após o seu uso na preparação de alimentos (frituras), é descartado como resíduo.
4 A nomenclatura encontrada na literatura especializada sobre o tema não é de todo coerente. Predomina, porém, o uso do termo biodiesel para os ésteres metílicos ou etílicos de óleos vegetais in natura (p. ex. o óleo de soja ou de colza). Recentemente, vem sendo utilizado na Europa o termo ecodiesel para designar os ésteres de óleos e gorduras residuais.
5 As instituições parceiras da UESC são, no Brasil, a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC), Ilhéus - BA, e o Instituto Nacional de Tecnologia (INT), Rio de Janeiro - RJ, e, na Alemanha, o Instituto de Tecnologia Tropical (ITT), Colônia, e o Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade de Kassel (Agrartechnik), Witzenhausen.
6 Entendem-se por baianas de acarajé certos estabelecimentos, em sua maioria familiares, que comercializam especialidades da cozinha afro-baiana, assim como: acarajé, abará, vatapá, etc..